sexta-feira, 8 de junho de 2001

Criminologia - Da Expansão e da Resistência no Direito Penal

Criminologia - Da Expansão e da Resistência no Direito Penal
Crise histórica do direito penal.Teorias que defendem a restrição do uso do direito penal. Teorias que defendem a modernização do direito penal. Modelo de direito penal liberal. Modelo de direito penal de prevenção. Moderno Direito Penal. Características. Diferenças entre direito penal clássico e direito penal moderno. Expansionismo normativo do direito penal. Direito penal e sociedade de risco. Direito penal e a criminalidade moderna e o crime organizado. Criminalidade no mundo virtual. Direito penal clássico focado no individuo e direito penal moderno focado na sociedade como um todo, direitos difusos e coletivos. Direito penal clássico punia mais as classes sociais mais pobre e o direito penal moderno lida com crimes praticados pela classe média e alta. Mudanças de paradigmas. 

Segue um texto completo, didático e aprofundado sobre o tema “Criminologia – Da Expansão e da Resistência no Direito Penal”, cobrindo todos os tópicos solicitados.

Criminologia – Da Expansão e da Resistência no Direito Penal

1. Crise histórica do Direito Penal

O Direito Penal, desde o final do século XIX, enfrenta uma crise estrutural decorrente da incapacidade de cumprir plenamente suas promessas de prevenção e redução da criminalidade. A ideia de que a pena teria função reabilitadora ou intimidadora começou a se mostrar distante da realidade, principalmente diante do aumento do encarceramento, da reincidência e da seletividade do sistema penal. A prisão, antes vista como avanço civilizatório, passou a ser criticada como instituição falida, violadora de direitos fundamentais e pouco funcional para resolver conflitos sociais.

A crise também se relaciona com transformações sociais profundas, como a urbanização acelerada, globalização da economia e surgimento de novas formas de criminalidade que desafiam o modelo tradicional. Crimes econômicos, ambientais, tecnológicos e transnacionais escancaram a insuficiência de um Direito Penal pensado para sociedades simples, baseadas em relações pessoais e crimes de violência física direta.


2. Teorias que defendem a restrição do uso do Direito Penal

Diante da crise, surgiram correntes minimalistas e abolicionistas que propõem limitar o alcance da intervenção penal. O minimalismo penal, inspirado em Ferrajoli e Zaffaroni, entende que o Direito Penal deve ser a última ratio, usado apenas quando mecanismos menos gravosos são insuficientes. Defende-se a redução de tipos penais, diminuição de penas privativas de liberdade e combate à supercriminalização. O objetivo principal é evitar abusos estatais e preservar liberdades individuais.

Já o abolicionismo penal, associado a autores como Nils Christie e Louk Hulsman, vai além e critica a própria existência do sistema penal. Para essa corrente, o Direito Penal é um mecanismo de controle social seletivo, produtor de violência institucional e incapaz de solucionar conflitos. Propõe-se substituí-lo por formas comunitárias, restaurativas e não repressivas de resolução de conflitos.


3. Teorias que defendem a modernização do Direito Penal

Em contraposição, há correntes que defendem a necessidade de modernização do Direito Penal para responder às novas ameaças sociais. Inspiradas em Ulrich Beck, consideram que vivemos em uma “sociedade de risco”, onde danos em larga escala podem ser causados por organizações empresariais, grupos terroristas e operações tecnológicas complexas. Defende-se, assim, um Direito Penal mais ágil, voltado para riscos coletivos e capaz de prevenir danos antes que ocorram.

Essa visão apoia a criação de novos tipos penais, fortalecimento da legislação contra crimes empresariais e ambientais, e ampliação da persecução penal transnacional. Para seus defensores, a modernização é necessária para enfrentar ameaças globais e proteger bens jurídicos difusos.


4. Modelo de Direito Penal Liberal

O modelo liberal clássico, consolidado nos séculos XVIII e XIX, baseia-se nos ideais iluministas de limitação do poder estatal. Defende que o Direito Penal só deve intervir quando houver lesão a bens jurídicos individuais, como vida, liberdade e propriedade. Apresenta princípios fortes de legalidade, taxatividade, culpabilidade e individualização da pena.

Nesse modelo, a punição é essencialmente repressiva e posterior ao dano, sendo proibido punir condutas meramente arriscadas ou futuras. A liberdade individual está no centro, e o sistema penal deve operar com máxima restrição, evitando interferência indevida na esfera privada do cidadão.


5. Modelo de Direito Penal de Prevenção

O modelo preventivo, por sua vez, busca antecipar-se à ocorrência do crime. A proteção não se limita mais a bens individuais, mas também a interesses difusos, como meio ambiente, economia e segurança coletiva. Esse modelo fortalece medidas de controle, monitoramento e vigilância, criando figuras penais baseadas em risco, perigo abstrato e responsabilização objetiva em alguns contextos.

É um sistema frequentemente criticado pelo potencial de expansão excessiva do poder punitivo e pelo risco de violar garantias constitucionais, mas defendido como resposta necessária à criminalidade complexa e globalizada.


6. O Moderno Direito Penal e suas características

O Direito Penal moderno apresenta algumas características marcantes:

  • Tutela de novos bens jurídicos: meio ambiente, ordem econômica, sistema financeiro, dados pessoais.

  • Criminalização de riscos: crimes de perigo abstrato e responsabilidade penal empresarial.

  • Enfrentamento de criminalidade organizada e transnacional.

  • Tipificação de crimes cibernéticos e tecnológicos.

  • Uso de instrumentos processuais especiais, como delação premiada e infiltração de agentes.

  • Cooperação internacional e tratados penais globais.

É um modelo expansivo, mas sustentado pela necessidade de enfrentar crimes que ultrapassam fronteiras e afetam milhões de pessoas simultaneamente.


7. Diferenças entre Direito Penal clássico e moderno

A transição entre os dois modelos pode ser sintetizada em alguns pontos:

Aspecto Direito Penal Clássico Direito Penal Moderno
Foco Indivíduo Sociedade
Bens jurídicos Vida, liberdade, patrimônio Meio ambiente, economia, dados, saúde coletiva
Natureza da conduta Ato consumado Risco, perigo, tentativa ampliada
Criminoso típico Pobres e marginalizados Empresários, políticos, classe média e alta
Papel do Estado Mínima intervenção Forte atuação preventiva
Escala Local Global e transnacional

8. Expansionismo normativo do Direito Penal

O expansionismo penal descreve o aumento contínuo de leis, tipos penais e penas, muitas vezes impulsionado por demandas midiáticas e sensação de insegurança. Esse fenômeno leva a:

  • hipercriminalização,

  • aumento do encarceramento,

  • criação de tipos penais simbólicos (com pouca eficácia prática),

  • enfraquecimento das garantias penais clássicas.

A expansão busca responder a riscos reais, mas frequentemente é usada de forma populista, com leis emergenciais e pouco refletidas.


9. Direito Penal e sociedade de risco

A sociedade de risco, conceito de Ulrich Beck, marca o surgimento de ameaças tecnológicas e industriais de grande impacto. O Direito Penal passa a proteger:

  • ambiente,

  • consumidores,

  • sistemas financeiros,

  • segurança cibernética,

  • saúde pública.

A responsabilidade penal de empresas e dirigentes aumenta, assim como a criminalização de condutas antes consideradas atípicas.


10. Direito Penal e criminalidade moderna e organizada

O crime organizado introduz desafios que o Direito Penal clássico não previa: estruturas hierárquicas, lavagem de dinheiro, corrupção sistêmica e atuação transnacional. Novas estratégias surgiram:

  • leis de organização criminosa,

  • cooperação internacional,

  • interceptações e monitoramentos tecnológicos,

  • confisco alargado de bens,

  • delações premiadas.

Esse arsenal representa forte ampliação do poder punitivo.


11. Criminalidade no mundo virtual

A internet e as novas tecnologias criaram crimes impossíveis de punir com ferramentas antigas, como:

  • invasão de sistemas,

  • roubo e vazamento de dados,

  • fraudes eletrônicas,

  • deepfakes,

  • criptomoedas usadas para lavagem.

O Direito Penal moderno precisa se atualizar constantemente, pois a tecnologia evolui mais rápido que a legislação.


12. Do indivíduo à coletividade: direitos difusos e novos paradigmas

Enquanto o Direito Penal clássico era centrado em proteger o indivíduo e punir crimes típicos das classes pobres, o Direito Penal moderno se deslocou para bens jurídicos coletivos. A criminalidade econômica, ambiental e financeira — praticada por agentes da classe média e alta — passou a ganhar destaque e levar à criação de novos tipos penais e mecanismos de regulação.

Essa mudança reflete um novo paradigma: o Direito Penal deixa de ser instrumento de perseguição dos marginalizados e passa a atuar sobre estruturas sociais complexas, ainda que a seletividade continue existindo.


13. Mudanças de paradigmas

A transformação do Direito Penal pode ser resumida como uma transição de:

  • punir o dano → punir o risco,

  • proteger o indivíduo → proteger a coletividade,

  • criminalidade simples → criminalidade complexa,

  • Estado mínimo → Estado preventivo e globalizado,

  • prisão como resposta padrão → combinação de instrumentos múltiplos (administrativos, civis, penais).

Essa mudança gera debates intensos entre garantistas (que defendem limites estritos) e expansionistas (que defendem mais intervenção para proteger a sociedade).

Direitos Humanos - Direitos das Crianças e Adolescentes

Direitos Humanos - Direitos de Crianças e Adolescentes
Direitos humanos de crianças e adolescentes contra esses tipos de crime. Proteção de crianças e adolescentes contra pornografia infantil, exploração sexual, venda de crianças. Também tratado sobre os direitos humanos que proteja crianças e adolescentes contra envolvimento em conflitos armados e recrutamente militar obrigatório.

Perfeito — aqui está uma explicação completa e organizada sobre os direitos humanos que protegem crianças e adolescentes contra pornografia, exploração sexual, venda, tráfico, recrutamento militar e envolvimento em conflitos armados, seguida de um resumo geral.

🧒🏼👧🏽 PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES CONTRA PORNOGRAFIA INFANTIL, EXPLORAÇÃO SEXUAL E VENDA

1. Base nos Direitos Humanos Internacionais

Esses direitos estão consagrados em tratados internacionais de direitos humanos, principalmente:

  • Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC / ONU, 1989)
    É o principal documento mundial que protege os direitos da criança. Define criança como toda pessoa com menos de 18 anos.

  • Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre a Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil (2000)
    Detalha obrigações específicas dos países para combater esses crimes.

2. Direitos Garantidos

As crianças e adolescentes têm direito:

  • À proteção contra todas as formas de exploração e abuso sexual (Art. 34 da CDC);

  • À proteção contra o tráfico e a venda (Art. 35);

  • À proteção contra qualquer forma de violência física ou mental (Art. 19);

  • Ao respeito à dignidade e integridade física e psicológica;

  • À assistência médica, psicológica e social se forem vítimas desses crimes.

3. Dever dos Estados

Os países signatários devem:

  • Tipificar como crimes a produção, distribuição e posse de pornografia infantil;

  • Punir a exploração sexual comercial (prostituição infantil, turismo sexual, tráfico de crianças);

  • Promover campanhas educativas e políticas públicas de prevenção;

  • Criar serviços de acolhimento, proteção e reabilitação das vítimas;

  • Cooperar internacionalmente para combater redes de exploração.

4. No Brasil

  • O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/1990) incorpora esses direitos:

    • Art. 240 a 241-E → tratam de crimes de pornografia infantil e exploração sexual;

    • Art. 4º → garante prioridade absoluta na proteção dos direitos da criança;

    • Art. 5º → assegura o direito de ser protegido contra qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.


⚔️ PROTEÇÃO CONTRA ENVOLVIMENTO EM CONFLITOS ARMADOS E RECRUTAMENTO MILITAR

1. Normas Internacionais

  • Art. 38 da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989):

    • Proíbe o recrutamento de menores de 15 anos em forças armadas;

    • Determina proteção especial para as crianças afetadas por conflitos armados.

  • Protocolo Facultativo sobre o Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados (2000):

    • Aumenta a idade mínima de recrutamento para 18 anos;

    • Proíbe o uso de menores em grupos armados não estatais;

    • Obriga os países a adotar medidas de reintegração social para crianças recrutadas.

  • Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (1998):

    • Considera crime de guerra recrutar ou usar crianças menores de 15 anos em hostilidades.

2. Direitos Específicos

As crianças têm direito:

  • A não serem recrutadas nem usadas em conflitos armados;

  • A proteção humanitária durante guerras;

  • A tratamento prioritário como vítimas e não como criminosas, quando envolvidas forçadamente em conflitos;

  • A reabilitação física, psicológica e reintegração social.

3. No Brasil

  • O serviço militar é obrigatório apenas a partir dos 18 anos (Constituição Federal, art. 143).

  • O alistamento é permitido aos 17 anos, mas o jovem só pode servir efetivamente após os 18.

  • O Brasil também é signatário dos protocolos internacionais da ONU que proíbem o uso de crianças em conflitos armados.


📘 RESUMO GERAL

Área de Proteção Direitos das Crianças e Adolescentes Instrumentos Legais
Contra pornografia e exploração sexual Ser protegidas contra abuso, exploração e venda; receber amparo e reabilitação Convenção sobre os Direitos da Criança (art. 34 e 35), Protocolo Facultativo de 2000, ECA (arts. 240 a 241-E)
Contra recrutamento militar e conflitos armados Não serem recrutadas nem usadas em guerras; direito à proteção e reintegração CDC (art. 38), Protocolo Facultativo de 2000, Estatuto de Roma (art. 8), Constituição Federal (art. 143)


quinta-feira, 7 de junho de 2001

Direito Processual Penal - Competência - Foro por Prerrogativa de Função

Direito Processual Penal. Competência. Foro por Prerrogativa de Função. Conceito. Finalidade. Justificativa. Critérios de aplicação. Hipóteses de foro por prerrogativa de função previstas na Constituição Federal. Crimes Comuns. Autoridades julgadas pelo STF e STJ. Foro por Prerrogativa de função após deixar o cargo. Ampliação da competência originária dos Tribunais de Justiça pelas Constituições Estaduais. Desembargadores julgados por Tribunais de justiça mesmo por crimes não relcionados ao cargo. Tribunal do júri e foro por prerrogativa de funação. Súmula 721 do STF. Ressalva da Justiça Eleitoral. Afastamento da competência originária dos Tribunais deJustiça dos Estados em face do caráter federal da infração penal cometida por Prefeito. Súmula 208 do STJ. Súmula 702 do STF. Crimes comuns praticados por juízes e promotores estaduais. Decisões recentes do STF e STJ sobre esse tema. Posição atual da jurisprudência. 

Perfeito, vamos abordar “Competência e Foro por Prerrogativa de Função” dentro do Direito Processual Penal brasileiro, de forma completa e atualizada, conforme a jurisprudência recente do STF e STJ.

Direito Processual Penal – Competência e Foro por Prerrogativa de Função

1. Conceito

O foro por prerrogativa de função é uma regra especial de competência que estabelece que determinadas autoridades públicas, em razão do cargo que ocupam, devem ser processadas e julgadas por tribunais superiores — e não por juízes de primeira instância.

➡️ Não é um privilégio pessoal, mas uma garantia institucional do exercício independente de funções públicas relevantes, visando a proteção do cargo e da função, não do indivíduo.


2. Finalidade

A finalidade principal é assegurar o regular funcionamento dos Poderes do Estado, evitando perseguições políticas, constrangimentos indevidos e influências locais sobre autoridades que exercem cargos de grande relevância.

👉 Portanto, busca-se preservar:

  • A autonomia dos poderes;

  • A imparcialidade da jurisdição;

  • O equilíbrio entre as instituições republicanas.


3. Justificativa

O foro especial existe para proteger a função pública e o interesse público, e não para criar impunidade. Contudo, ao longo do tempo, passou a ser criticado por causar morosidade processual e tratamento desigual, especialmente em casos de corrupção.


4. Critérios de Aplicação

A aplicação do foro depende:

  1. Da natureza do cargo (ex.: deputado, ministro, governador, etc.);

  2. Do tipo de crime (comum ou de responsabilidade);

  3. Do momento da prática do fato (deve ter relação com o exercício do cargo).

🔹 Após a decisão do STF na Ação Penal 937 (QO), o foro só é válido para crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.


5. Hipóteses de Foro por Prerrogativa de Função – Constituição Federal

A Constituição de 1988 prevê diversos casos, destacando-se:

Autoridade Crimes Comuns Julgados por
Presidente da República, Vice e Ministros de Estado STF (art. 102, I, “b”)
Membros do Congresso Nacional (Deputados e Senadores) STF (art. 102, I, “b”)
Ministros do STF, PGR, Membros dos Tribunais Superiores e TCU STF (art. 102, I, “c”)
Governadores STJ (art. 105, I, “a”)
Desembargadores, Juízes de TRFs, TREs, TRTs, e Membros dos MPs da União que oficiem perante tribunais STJ (art. 105, I, “a”)
Prefeitos Tribunais de Justiça (art. 29, X)

6. Foro após deixar o cargo

O foro não subsiste após o término do mandato ou da função.
➡️ Assim, o processo deve ser remetido à primeira instância, salvo se:

  • Já houver instrução processual finalizada ou sentença em vias de proferir-se, conforme orientação da AP 937-QO/STF (2018).


7. Ampliação da Competência dos Tribunais de Justiça pelas Constituições Estaduais

As Constituições estaduais não podem ampliar hipóteses de foro além daquelas previstas na Constituição Federal.
👉 Entendimento fixado pelo STF (Súmula Vinculante nº 45):

“A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente por Constituição estadual.”


8. Desembargadores julgados por Tribunais de Justiça

Mesmo quando o crime não está relacionado ao cargo, desembargadores continuam sendo julgados pelo Tribunal de Justiça local ou pelo STJ, pois a Constituição (art. 96, III) não faz essa distinção.
🔸 Contudo, após a AP 937, a tendência é restringir a prerrogativa apenas a crimes ligados à função.


9. Tribunal do Júri e Foro por Prerrogativa de Função

O Tribunal do Júri tem competência constitucional (art. 5º, XXXVIII, CF) para julgar crimes dolosos contra a vida.
Porém, há exceções quando há foro por prerrogativa de função.

🔹 Súmula 721 do STF:

“A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente por Constituição estadual.”

👉 Ou seja, se o foro especial é criação da Constituição estadual, prevalece o Júri.
Se o foro é previsto pela Constituição Federal, prevalece o foro especial.


10. Ressalva da Justiça Eleitoral

Crimes eleitorais são sempre julgados pela Justiça Eleitoral, mesmo que cometidos por autoridades com foro especial.
Exemplo: crime eleitoral cometido por deputado federal → competência do TRE ou TSE.


11. Prefeitos e o caráter federal da infração

🔹 Súmula 208 do STJ:

“Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita à prestação de contas perante órgão federal.”

➡️ Mesmo que o prefeito tenha foro no TJ por crimes comuns, se o crime envolver recursos federais, o caso vai para a Justiça Federal, afastando o foro no TJ.


12. Súmula 702 do STF

“A competência do Tribunal de Justiça para processar e julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da Justiça comum estadual; nos crimes de competência da Justiça Federal, a competência é do Tribunal Regional Federal.”


13. Crimes Comuns Praticados por Juízes e Promotores Estaduais

  • Juízes de Direito → julgados pelo Tribunal de Justiça do Estado (art. 96, III, CF);

  • Promotores de Justiça → também pelo Tribunal de Justiça (art. 96, III, CF).


14. Decisões Recentes (STF e STJ)

  • AP 937-QO/STF (2018) – Redefiniu o foro:
    👉 Somente para crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.

  • Inq. 4435/STF (2020) – Aplicou a limitação também a deputados estaduais e vereadores (por simetria).

  • HC 176.043/STJ (2022) – Prefeito perde foro ao deixar o cargo.

  • Inq. 4781/STF (2023) – Manteve o entendimento restritivo, reforçando o caráter excepcional do foro especial.


15. Posição Atual da Jurisprudência

✅ O foro por prerrogativa de função é hoje interpretação restritiva e excepcional, aplicável apenas:

  • A crimes cometidos durante o exercício do cargo;

  • E em razão do cargo.

⚖️ Predomina o princípio republicano e da igualdade, evitando que o foro se transforme em instrumento de impunidade.


Referências Constitucionais e Jurisprudenciais

  • CF/88, arts. 5º, XXXVIII; 29, X; 96, III; 102; 105

  • AP 937-QO/STF (Rel. Min. Luís Roberto Barroso)

  • Súmulas 208 e 702 do STJ

  • Súmula 721 do STF

  • Súmula Vinculante 45 (STF)


Excelente pergunta — esse é um ponto central na discussão sobre foro por prerrogativa de função no Direito Processual Penal brasileiro. Vamos por partes:


📘 1. Conceito básico

O foro por prerrogativa de função (ou “foro privilegiado”) é uma competência especial atribuída a determinadas autoridades públicas em razão do cargo que ocupam.
👉 Exemplo: ministros de Estado, deputados federais, senadores, governadores, entre outros.

O objetivo não é benefício pessoal, mas proteger o exercício do cargo, evitando perseguições políticas ou interferências indevidas da justiça de primeiro grau.


⚖️ 2. O que acontece quando a autoridade deixa o cargo

A regra atual — conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) — é a seguinte:

🔹 Regra geral:

Quando a autoridade deixa o cargo (por renúncia, término do mandato, exoneração, etc.), o processo deixa de tramitar na instância superior e é remetido ao juízo de primeiro grau (juízo natural).

👉 Isso porque o foro é funcional, ou seja, só existe enquanto a função existe.


🧑‍⚖️ 3. Jurisprudência do STF

Em 2018, o Supremo fixou novo entendimento (leading case: AP 937 – QO, rel. Min. Luís Roberto Barroso):

“O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes praticados durante o exercício do cargo e em razão das funções desempenhadas.”

Além disso, o STF definiu que:

“Cessado o exercício do cargo ou do mandato, cessa também a competência do tribunal.”


🔄 4. Exceção importante

uma exceção prática:
Se o processo já estiver em fase muito adiantada (por exemplo, instrução encerrada e ação penal pronta para julgamento), o STF ou o tribunal pode manter o processo até o julgamento, em nome da razoável duração do processo e economia processual.

Mas essa é uma exceção — não uma regra.


📍5. Exemplo prático

  • Um deputado federal é acusado de corrupção durante o mandato, e a denúncia é recebida pelo STF.

  • Antes da sentença, ele perde o mandato (não se reelege).

  • Resultado: o STF envia o processo à 1ª instância da Justiça Federal competente.


📜 6. Resumo final

Situação Consequência
Crime cometido durante o mandato e em razão do cargo, e o agente ainda está no cargo Julgamento pela instância superior (STF, STJ, TJ, conforme o caso).
Agente deixa o cargo (mandato termina, renúncia, exoneração) Competência volta ao 1º grau (foro comum).
Processo já em fase final de julgamento Pode permanecer no tribunal, excepcionalmente.

Excelente observação — e muito pertinente!
Essa dúvida é comum porque, à primeira vista, parece contradizer a regra geral que acabamos de ver. Mas há fundamentos jurídicos específicos que explicam por que Jair Bolsonaro e outros envolvidos nos chamados atos antidemocráticos (ou trama golpista de 8 de janeiro) estão sendo julgados no STF mesmo sem mais exercerem cargos públicos.

Vamos detalhar de forma didática:


⚖️ 1. Regra geral (relembrando)

➡️ O foro por prerrogativa de função só se aplica a:

  • Crimes cometidos durante o exercício do cargo;

  • Em razão das funções desempenhadas.

E quando o agente deixa o cargo, o processo normalmente desce à 1ª instância.


🔍 2. Por que o STF continua julgando o caso Bolsonaro

situações excepcionais em que o Supremo Tribunal Federal mantém a competência, mesmo após o fim do mandato.
Essas situações estão relacionadas a conexão processual e manutenção da unidade de investigação.


📌 a) Conexão entre os investigados

Os fatos investigados (atos golpistas) envolvem diversas autoridades — entre elas, militares, parlamentares com mandato, ex-ministros e outras pessoas com foro no STF.

➡️ Como há conexão entre os crimes e investigados com foro, o Supremo entende que deve manter todos os casos conexos para evitar decisões contraditórias e preservar a coerência da investigação.

🔹 Base legal:
Art. 78, II, “a”, do Código de Processo Penal — quando há conexão entre pessoas com e sem foro, prevalece o foro da autoridade com prerrogativa de função.


📌 b) Origem da investigação no STF

Os inquéritos sobre os atos antidemocráticos e tentativas de golpe foram abertos no STF porque:

  • Envolviam autoridades com foro (como deputados federais e senadores em exercício);

  • E tinham relação com decisões anteriores do próprio Supremo, como os Inquéritos das Fake News (INQ 4781) e dos atos antidemocráticos (INQ 4874).

Assim, o STF assumiu a investigação e manteve a competência para julgar os fatos decorrentes.


📌 c) Prevenção e continuidade investigativa

O ministro Alexandre de Moraes é o relator prevento — ou seja, já atua nesses inquéritos há anos.
Por isso, novos fatos relacionados ao mesmo contexto criminoso (planejamento e execução do golpe) continuam sob sua relatoria e sob competência do STF, mesmo que alguns envolvidos não tenham mais cargo público.

Essa prevenção (vinculação do relator) evita que partes de uma mesma trama se dispersem por vários juízos diferentes, prejudicando a eficácia da persecução penal.


⚖️ 3. Em resumo

Situação Regra Exceção aplicada ao caso Bolsonaro
Ex-presidente normalmente perderia o foro Sim, após o fim do mandato, vai à 1ª instância STF manteve a competência por conexão e prevenção
Foro se justifica apenas por cargo atual Sim Outros investigados ainda têm foro (como deputados e senadores)
STF atua só em crimes cometidos durante o mandato Sim STF entende que a trama golpista começou antes e continuou após o mandato, mantendo o nexo funcional e investigativo

⚖️ 4. Fundamento jurídico e político do STF

O Supremo tem afirmado que o caso não trata de perseguição política, mas de defesa do Estado Democrático de Direito.
Os atos golpistas são vistos como uma única trama, com diversos núcleos de atuação, e a Corte é competente para centralizar as investigações até que cada núcleo possa ser desmembrado, se necessário.


📚 5. Conclusão

🔹 Regra geral: ao deixar o cargo, o foro acaba.
🔹 Exceção: quando o caso está conectado a outros investigados com foro ou tem origem em inquérito que já tramita no STF, o Supremo mantém a competência.

👉 Por isso, Bolsonaro e outros envolvidos na tentativa de golpe continuam sendo julgados pelo STF, dentro da mesma investigação que abrange parlamentares e autoridades com prerrogativa de função.


Aqui estão algumas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que fundamentam a competência da Corte em temas de foro por prerrogativa de função e conexão investigativa, com comentários sobre sua importância:


1. AP 937‑QO (Questão de Ordem — 03/05/2018)

  • Na ementa da questão de ordem, o STF fixou duas teses:

    1. “O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.” (JusBrasil)

    2. “Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.” (JusBrasil)

  • Importância: esse precedente mudou a orientação tradicional e passou a limitar o foro privilegiado. (Estratégia Carreira Jurídica)

  • Observação: foi um marco, mas também vem sendo observado que há evoluções posteriores.


2. Desenvolvimento mais recente: “prorrogação de competência” / conexão

  • Alguns estudos apontam que o STF começa a aceitar que, mesmo após a cessação do cargo, a competência por prerrogativa de função possa subsistir se preenchidos os requisitos (crime cometido durante o exercício do cargo e em razão da função). (Migalhas)

  • Também há discussão de que, em casos de forte conexão entre investigados com foro e sem foro, ou de investigação iniciada na própria Corte, a competência do STF permanece por evitar “elevador processual” e dispersão. (CogniJUS)

  • Um exemplo foi o artigo da CNN Brasil que explica que no caso dos atos de 8 de janeiro, embora muitos investigados não tenham mais cargo, a Corte entendeu que há conexão com parlamentares que têm foro e, portanto, a investigação permanece no STF. (CNN Brasil)


3. Decisão recente de mérito na competência da investigação dos atos de 8 de janeiro

  • Em 25 de março de 2025, o STF rejeitou preliminares levantadas pelas defesas de acusados de tentativa de golpe, inclusive a alegação de incompetência da Corte. (Notícias STF)

  • No mesmo contexto, o ministro Alexandre de Moraes declarou que “quem decide se é competência do STF é o próprio STF”, ressaltando a conexão dos casos com parlamentares que detêm foro. (CartaCapital)

Direito Processual Penal. Questões e Processos Incidentes. Exceção de ilegitimidade de parte. Tipos de ilegitimidade. Exemplos práticos. Procedimento. Recurso cabível da decisão. Uso de habeas corpus. 

Perfeito — aqui está uma exposição completa e didática sobre o tema solicitado:


Direito Processual Penal — Questões e Processos Incidentes

Exceção de Ilegitimidade de Parte


1. Conceito Geral

A exceção de ilegitimidade de parte é uma espécie de incidente processual utilizada para arguir que uma das partes do processo não é legitimada para estar no polo ativo ou passivo da ação penal.

Em outras palavras, o excipiente (quem alega) afirma que o processo está sendo movido contra ou por pessoa que não tem relação jurídica processual com o fato imputado.

É, portanto, uma forma de controle incidental da legitimidade processual das partes no processo penal.


2. Natureza Jurídica e Finalidade

  • É uma exceção processual, prevista no artigo 95, II, do Código de Processo Penal (CPP).

  • Tem por objetivo excluir do processo a parte ilegítima, evitando nulidade posterior ou constrangimento ilegal.


3. Tipos de Ilegitimidade

A ilegitimidade pode se manifestar de duas formas:

a) Ilegitimidade Ativa

Ocorre quando quem propõe a ação não tem legitimidade para agir.
Exemplos:

  • Um particular intenta queixa-crime em crime de ação penal pública incondicionada (quem deve agir é o Ministério Público).

  • Advogado sem procuração apresenta queixa-crime sem autorização do ofendido.

b) Ilegitimidade Passiva

Ocorre quando o acusado não é a pessoa a quem o fato delituoso pode ser atribuído.
Exemplos:

  • O Ministério Público oferece denúncia contra pessoa homônima (erro de identidade).

  • O cargo público é acusado, quando a responsabilidade seria de outro agente ou órgão.

  • Denúncia contra quem não participou do crime (erro na identificação do autor).


4. Procedimento (arts. 95 a 113 do CPP)

  1. Momento da arguição:

    • Deve ser arguida antes da resposta à acusação (art. 95, parágrafo único, CPP).

    • É apresentada por petição fundamentada, indicando claramente o motivo da ilegitimidade.

  2. Forma:

    • Petição dirigida ao juiz do processo;

    • A parte contrária é intimada para manifestação (art. 98, CPP).

    • O juiz decide o incidente, podendo:

      • Rejeitar a exceção, prosseguindo o feito;

      • Reconhecer a ilegitimidade e determinar o arquivamento ou extinção do processo em relação à parte indevida.

  3. Prova:

    • Se necessário, o juiz pode determinar dilação probatória para verificar a ilegitimidade alegada.

  4. Efeitos:

    • Acolhida a exceção → tranca-se o processo em relação à parte ilegítima;

    • Rejeitada → o processo continua normalmente.


5. Recurso Cabível

  • A decisão que rejeita a exceção de ilegitimidade de parte não é terminativa, logo:

    • Em regra, não cabe recurso imediato, devendo ser arguida em preliminar de apelação (art. 581, CPP).

  • Entretanto, se causar constrangimento ilegal evidente, é possível impugná-la por habeas corpus, especialmente quando o acusado não deveria sequer figurar como réu.


6. Uso do Habeas Corpus

O habeas corpus é cabível quando há manifesta ilegalidade ou abuso de poder, como:

  • Denúncia contra pessoa notoriamente inocente;

  • Erro grosseiro de identidade;

  • Denúncia contra pessoa sem legitimidade passiva.

Nesses casos, o habeas corpus tem função de trancar o processo ou anular o recebimento da denúncia, por ausência de justa causa ou de legitimidade da parte.


7. Exemplo Prático 1 — Ilegitimidade Ativa

O crime de lesão corporal leve (art. 129, § 9º, CP) é de ação penal pública condicionada à representação.
→ Se o Ministério Público propõe denúncia sem representação da vítima, há ilegitimidade ativa, pois o titular da ação (MP) depende da manifestação do ofendido.
Decisão: reconhecimento da ilegitimidade ativa → trancamento da ação.


8. Exemplo Prático 2 — Ilegitimidade Passiva

Em um crime ambiental, o MP denuncia o gerente da empresa, mas o responsável técnico é quem deveria responder.
→ O gerente é parte ilegítima para figurar no polo passivo.
Decisão: acolhimento da exceção de ilegitimidade passiva → exclusão do gerente do processo.


9. Jurisprudência Exemplar

“É cabível habeas corpus para o trancamento de ação penal proposta contra parte ilegítima, por inexistência de vínculo entre o acusado e o fato imputado.”
(STJ, HC 456.212/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 19/09/2019)


10. Síntese Final

Elemento Exceção de Ilegitimidade de Parte
Fundamento Legal Art. 95, II, CPP
Natureza Incidente processual de defesa
Momento de Arguição Antes da resposta à acusação
Objetivo Excluir parte ilegítima do processo
Decisão Juiz decide de plano ou após instrução
Recurso Em regra, não cabe; possível HC se ilegalidade evidente
Efeitos Trancamento ou extinção do processo quanto à parte ilegítima


Direito Penal - Sistemas Penais - Sistema Neoclássico

Direito Penal. Sistemas Penais. Sistema Neoclássico. Origem e base filosófica. Principais teorias. Exemplos práticos de aplicação. A estrutura do crime no sistema neoclássico. Críticas ao sistema neoclássico. 

Claro! Aqui está um resumo completo e detalhado sobre o Sistema Neoclássico do Direito Penal, com base histórica, teórica e prática:


Direito Penal – Sistemas Penais: Sistema Neoclássico

1. Origem e Contexto Histórico

O Sistema Neoclássico surge no final do século XIX e início do século XX, como uma reação e atualização do sistema clássico do Direito Penal.
Enquanto o Sistema Clássico (inspirado pelo Iluminismo e pelo pensamento liberal) era marcado por um racionalismo rígido e abstrato, o Neoclássico buscou suavizar e modernizar essas ideias à luz de novas descobertas sobre a psicologia humana, a sociologia e a filosofia do direito.

  • Período histórico: Final do século XIX até meados do século XX.

  • Contexto: Transição do pensamento racionalista para o científico-positivista.

  • Motivação: Necessidade de conciliar o livre-arbítrio (defendido pelos clássicos) com a influência de fatores sociais e psicológicos sobre o comportamento humano.

2. Base Filosófica

O sistema neoclássico baseia-se em uma síntese entre o idealismo liberal do sistema clássico e as influências naturalistas do positivismo.
Ele tenta manter a ideia de responsabilidade moral (do livre-arbítrio), mas reconhece a influência de fatores causais externos na conduta do indivíduo.

Principais bases filosóficas:

  • Eclética: Combina elementos do determinismo (positivismo) com o livre-arbítrio (clássico).

  • Antropológica e psicológica: Considera o homem como ser racional e moral, mas condicionado por fatores biológicos, sociais e psicológicos.

  • Teleológica: Enfatiza a finalidade da pena não apenas como retribuição, mas também como prevenção e ressocialização.

3. Principais Teóricos

Entre os principais representantes do sistema neoclássico, destacam-se:

  • Franz von Liszt – Alemanha
    Criador do chamado "Programa de Marburgo", propôs um direito penal de base jurídica, mas com função social e preventiva.

  • Ernst von Beling – Alemanha
    Propôs uma estrutura tripartida do crime (fato típico, antijuridicidade e culpabilidade).

  • Mezger – Alemanha
    Aperfeiçoou a teoria finalista da ação, que viria a influenciar fortemente o sistema penal posterior (finalismo).


4. Estrutura do Crime no Sistema Neoclássico

O Sistema Neoclássico manteve a estrutura analítica do crime herdada do sistema clássico, mas com maior profundidade conceitual:

1. Fato Típico

  • Conduta humana voluntária que se enquadra em um tipo penal.

  • Introduz-se uma análise psicológica da ação, considerando o dolo e a culpa como elementos da conduta.

2. Antijuridicidade

  • O fato típico deve ser contrário ao direito, ou seja, não amparado por uma causa de justificação (ex.: legítima defesa, estado de necessidade).

3. Culpabilidade

  • Passa a ser vista como reprovação pessoal, e não apenas psicológica.

  • Inclui imputabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.

👉 Essa estrutura tripartida (fato típico, antijuridicidade e culpabilidade) é legado fundamental do sistema neoclássico, e ainda hoje estrutura o estudo do crime no direito penal brasileiro.


5. Exemplos Práticos de Aplicação

  • Legítima defesa: O agente pratica um fato típico (mata alguém), mas não há antijuridicidade, pois há causa de justificação.

  • Erro de proibição: O agente não tem consciência da ilicitude do fato (não sabe que é crime), afetando a culpabilidade.

  • Crime culposo: Há fato típico e antijuridicidade, mas sem dolo — o sistema reconhece a culpa como modalidade autônoma de conduta.

Esses exemplos mostram a aplicação da análise tripartida e da culpabilidade psicológica e normativa, típica do sistema neoclássico.


6. Críticas ao Sistema Neoclássico

  1. Excessivo formalismo jurídico:
    Apesar de mais realista que o clássico, ainda mantinha um enfoque abstrato e dogmático, distante da realidade social.

  2. Incoerência filosófica:
    Tentava conciliar determinismo e livre-arbítrio, o que muitos autores consideram uma contradição lógica.

  3. Limitação científica:
    Embora mais aberto a fatores sociais e psicológicos, o sistema ainda não integrava plenamente as ciências criminais empíricas (como a criminologia).

  4. Superação pelo sistema finalista:
    A partir da obra de Hans Welzel (década de 1930), surge o sistema finalista, que supera o neoclássico ao redefinir a ação como conduta finalística, incorporando o dolo e a culpa à própria estrutura do fato típico.


7. Importância e Legado

  • Estabeleceu as bases para o Direito Penal moderno, com a estrutura tripartida do crime.

  • Reforçou a necessidade de culpabilidade como juízo de reprovação pessoal, antecipando conceitos ético-normativos.

  • Influenciou fortemente a dogmática penal contemporânea, inclusive no Direito Penal brasileiro, especialmente nas obras de Nelson Hungria e Aníbal Bruno.


Resumo Esquemático

Elemento Sistema Neoclássico
Período Final séc. XIX – início séc. XX
Fundamento filosófico Eclético (livre-arbítrio + determinismo moderado)
Teóricos principais Franz von Liszt, Ernst von Beling, Mezger
Estrutura do crime Fato típico + Antijuridicidade + Culpabilidade
Visão da culpabilidade Psicológico-normativa (reprovação pessoal)
Finalidade da pena Retribuição + prevenção + ressocialização
Críticas Formalismo, incoerência teórica, superado pelo finalismo
Legado Estrutura tripartida do crime e evolução para o finalismo

Deseja que eu monte um resumo visual (mapa mental ou quadro comparativo) entre o sistema clássico, neoclássico e finalista para facilitar o estudo? Isso ajuda muito em revisões e provas.

quarta-feira, 6 de junho de 2001

Direito Constitucional - Poder Judiciário - Supremo Tribunal Federal

Direito Constitucional. Poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. Breve resumo histórico da corte. Funçoes mais importantes do STF dentro do sitema jurídico brasileiro atual. Composição. Pleno. Turmas. Investitura dos Ministros. Função do Presidente da República e do Senado Federal na escolha e aprovação dos Ministros do STF. Requisitos para o cargo de Ministro do STF. Competências constitucionais do STF. Competência originária do STF. Competência Recursal do STF. Competência Recursal Extraordinária do STF. Novidades na Competência do STF pela emenda 45 (Reforma do Poder Judiciário). Repercussão Geral no STF. Conceito e Definição. Análise Prática. Critério Objetivo e Subjetivo da Repercussão Geral. Procedimento. Súmula Impeditiva de Recurso. Amicus Curiae. Julgamento por Amostragem. 

Claro! Aqui está um resumo completo e didático sobre o tema “Supremo Tribunal Federal (STF)”, conforme os tópicos que você listou:

Direito Constitucional – Poder Judiciário: Supremo Tribunal Federal (STF)

1. Breve Resumo Histórico da Corte

O Supremo Tribunal Federal (STF) é o órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, sucessor direto do Supremo Tribunal de Justiça do Império, criado pela Constituição de 1824.
Com a Constituição Republicana de 1891, o STF foi instituído com o nome atual, inspirado na Suprema Corte dos Estados Unidos.
Desde então, a Corte evoluiu conforme as constituições posteriores, consolidando-se como guardião da Constituição Federal, com papel central no controle de constitucionalidade e na defesa dos direitos fundamentais.


2. Funções mais importantes do STF no sistema jurídico atual

  • Guarda da Constituição (art. 102, caput, CF/88): o STF é o intérprete máximo da Constituição, cabendo-lhe zelar pela sua supremacia e aplicação correta.

  • Controle de constitucionalidade: realiza tanto o controle concentrado (por ações diretas) quanto o difuso (em casos concretos).

  • Última instância judicial: é a instância máxima de recurso em matéria constitucional.

  • Uniformização da jurisprudência constitucional: garante a estabilidade e coerência das decisões constitucionais.

  • Função político-institucional: julga autoridades da mais alta hierarquia (Presidente, Congresso, etc.), equilibrando os poderes da República.


3. Composição

O STF é composto por 11 Ministros (art. 101, CF/88).

  • Plenário (Pleno): formado pelos 11 ministros; julga questões de maior relevância constitucional.

  • Turmas: são duas turmas de cinco ministros cada, presididas, alternadamente, pelo mais antigo; julgam causas de menor complexidade constitucional.

  • O Presidente do STF não integra nenhuma turma.


4. Investidura dos Ministros

O processo de nomeação ocorre em duas etapas:

  1. Escolha pelo Presidente da República, dentre cidadãos que preencham os requisitos constitucionais;

  2. Aprovação pelo Senado Federal, após sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Após aprovação, o nomeado é nomeado formalmente e toma posse no STF.


5. Requisitos para o cargo de Ministro do STF (art. 101, CF/88)

  • Ser brasileiro nato;

  • Ter mais de 35 e menos de 70 anos de idade;

  • Ter notável saber jurídico;

  • Ter reputação ilibada.


6. Competências Constitucionais do STF (art. 102, CF/88)

a) Competência Originária

São aquelas em que o STF julga em primeiro e único grau, por exemplo:

  • Julgar ações diretas de inconstitucionalidade (ADI), ações declaratórias de constitucionalidade (ADC) e arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPF);

  • Julgar o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o PGR em crimes comuns;

  • Julgar litígios entre a União e os Estados, ou entre Estados entre si;

  • Exercer o controle concentrado de constitucionalidade;

  • Processar e julgar extradições solicitadas por Estados estrangeiros.

b) Competência Recursal

O STF julga, em grau de recurso, causas decididas em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou Tribunais de Justiça, quando a decisão:

  • Contrariar a Constituição;

  • Declarar inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

  • Julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição.

c) Competência Recursal Extraordinária (Recurso Extraordinário)

O Recurso Extraordinário (art. 102, III, CF) é cabível quando uma decisão judicial viola diretamente a Constituição.
Não cabe para reexaminar provas ou interpretar lei ordinária, mas apenas para discutir matéria constitucional.


7. Novidades trazidas pela Emenda Constitucional nº 45/2004 (Reforma do Judiciário)

A Emenda Constitucional nº 45, de 2004, trouxe mudanças significativas:

  • Criação da Repercussão Geral como requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário;

  • Maior racionalização processual e filtro recursal;

  • Ampliação do papel do CNJ (Conselho Nacional de Justiça);

  • Incentivo à celeridade processual e à efetividade da jurisdição constitucional;

  • Fortalecimento do controle concentrado de constitucionalidade.


8. Repercussão Geral no STF

Conceito e Definição

A Repercussão Geral é um filtro que limita o número de recursos que chegam ao STF, assegurando que apenas casos com relevância social, econômica, política ou jurídica sejam analisados.
Foi introduzida pela EC nº 45/2004 e regulamentada pela Lei nº 11.418/2006.

Critérios

  • Critério Objetivo: existência de multiplicidade de recursos sobre o mesmo tema, com impacto geral na sociedade.

  • Critério Subjetivo: relevância da questão constitucional discutida.

Procedimento

  1. O recorrente deve demonstrar, no Recurso Extraordinário, a relevância da questão constitucional;

  2. O Plenário do STF, por maioria de 2/3 de seus membros, decide se há ou não repercussão geral;

  3. Se reconhecida, o STF julga o mérito;

  4. Se negada, o recurso é inadmitido e vincula os demais casos semelhantes.

Efeitos

  • Os tribunais de origem devem seguir a decisão do STF, negando seguimento a recursos que discutam o mesmo tema (efeito vinculante indireto).

  • Cria-se um precedente obrigatório que orienta todo o Judiciário.


9. Súmula Impeditiva de Recurso

Instituída para evitar a interposição de recursos meramente protelatórios:
se a decisão estiver de acordo com súmula ou jurisprudência dominante do STF ou STJ, o juiz pode negar seguimento ao recurso (art. 518, §1º, CPC/73 e art. 1.030, I, CPC/2015).


10. Amicus Curiae

Figura introduzida para democratizar e qualificar o debate constitucional.
O amicus curiae (“amigo da corte”) é uma pessoa ou entidade que, mesmo não sendo parte no processo, é admitida para apresentar argumentos técnicos ou jurídicos relevantes.
É comum em ações de controle concentrado (ADI, ADC, ADPF) e em julgamentos com repercussão geral reconhecida.


11. Julgamento por Amostragem

Técnica utilizada para dar celeridade ao julgamento de temas repetitivos.
O STF escolhe um ou poucos recursos representativos de uma controvérsia para decidir a questão constitucional.
A decisão proferida nesses casos vincula os demais processos idênticos, garantindo uniformidade e economia processual.


Conclusão

O Supremo Tribunal Federal é o guardião máximo da Constituição Federal, responsável por assegurar a supremacia da Constituição e a estabilidade institucional do país.
Com o advento da Reforma do Judiciário e da Repercussão Geral, o STF passou a exercer um papel ainda mais seletivo e estratégico, concentrando-se em questões de relevância nacional, e não em casos individuais.


Direito Constitucional - Controle de Constitucionalidade

Direito Constitucional - Controle de Constitucionalidade
Direito Constitucional. Controle de Constitucionalidade. Conceito e noções preliminares. Requisitos Fundamentais. Direito Comparado. Princípio da supremacia da Constituição. Conceito. Aplicação no Sistema Jurídico brasileiro. A inconstitucionalidade das leis e a regra geral da “teoria da nulidade”. Sistema austríaco (Kelsen) versus Sistema norte-americano (Marshall). Anulabilidade versus nulidade. Efeitos ex tunc e ex nunca nas leis declaradas inconstucionais. Sentenças constitutivas e declaratórias em sede de controle de constitucionalidade. Teoria aplicada no Brasil. Atenuações da aplicação rígida das teorias dominantes na declaração de inconstitucionalidade das leis. Flexibilização da teoria da nulidade no direito brasileiro. Princípio da segurança jurídica e o da boa-fé nas ações de inconstitucionalidade. A mitigação do princípio da nulidade no controle concentrado. Modulação dos efeitos da decisão no controle da constitucionalidade.  A mitigação do princípio da nulidade no controle difuso. Decisões recentes do STF sobre os temais. Visão do STJ sobre os temas. 

Perfeito — aqui está um resumo didático e atualizado sobre Direito Constitucional – Controle de Constitucionalidade, cobrindo todos os pontos do seu roteiro:

DIREITO CONSTITUCIONAL – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

1. Conceito e noções preliminares

O controle de constitucionalidade é o mecanismo jurídico que assegura a supremacia da Constituição, permitindo verificar se as leis e atos normativos do poder público estão em conformidade com a Constituição Federal. Caso contrariem o texto constitucional, são considerados inconstitucionais.


2. Requisitos fundamentais

Para existir controle de constitucionalidade, são necessários:

  • Constituição rígida – só pode ser alterada por procedimento especial e mais difícil que o das leis ordinárias;

  • Supremacia da Constituição – todos os atos normativos devem respeitá-la;

  • Órgão competente para exercer o controle – judicial (Poder Judiciário) ou político (Poder Legislativo).


3. Princípio da supremacia da Constituição

É o fundamento básico do controle de constitucionalidade. Toda norma infraconstitucional deve submeter-se à Constituição.
👉 Assim, qualquer lei ou ato normativo que a contrarie é nulo e não produz efeitos válidos.


4. Direito comparado

  • Sistema americano (judicial review – John Marshall, caso Marbury vs. Madison, 1803):
    Controle difuso, exercido por qualquer juiz ou tribunal, em casos concretos.
    A decisão produz efeitos inter partes (somente entre as partes do processo).

  • Sistema austríaco (Hans Kelsen, Constituição austríaca de 1920):
    Controle concentrado, realizado por um Tribunal Constitucional específico.
    A decisão tem efeitos erga omnes (para todos) e vinculantes.


5. A inconstitucionalidade das leis e a teoria da nulidade

Segundo a teoria da nulidade, uma lei inconstitucional nasce viciada, portanto é nula desde a origem (ex tunc) e não pode produzir efeitos válidos.
Essa é a regra geral adotada no Brasil, por força da supremacia constitucional.


6. Anulabilidade x nulidade

  • Nulidade: o ato nasce inválido, sem efeitos jurídicos (teoria da nulidade – adotada pelo STF).

  • Anulabilidade: o ato produz efeitos até que seja invalidado (teoria da anulabilidade – mais flexível, aplicada em situações excepcionais).


7. Efeitos das decisões – ex tunc e ex nunc

  • Ex tunc: efeitos retroativos, anulando todos os efeitos da lei desde sua criação.

  • Ex nunc: efeitos prospectivos, válidos a partir da decisão do Tribunal.
    O STF pode modular os efeitos da decisão conforme o caso (art. 27 da Lei 9.868/1999).


8. Sentenças declaratórias e constitutivas

  • Declaratórias: apenas reconhecem a inconstitucionalidade, declarando nulo o ato (regra geral).

  • Constitutivas: criam nova situação jurídica, aplicando efeitos prospectivos (ex nunc).
    No controle concentrado, as decisões podem ter caráter constitutivo, especialmente quando há modulação dos efeitos.


9. Teoria aplicada no Brasil

O Brasil adota um sistema misto, combinando:

  • Controle difuso (americano) – qualquer juiz pode afastar a aplicação de norma inconstitucional num caso concreto;

  • Controle concentrado (austríaco) – realizado pelo STF, com efeitos gerais, por meio das ações diretas de controle (ADI, ADC, ADPF, ADO).


10. Atenuações e flexibilização da teoria da nulidade

Embora a teoria da nulidade seja a regra, o STF flexibiliza sua aplicação em nome:

  • da segurança jurídica (estabilidade das relações sociais);

  • da boa-fé dos cidadãos que confiaram na validade da norma.

Isso se dá principalmente por meio da modulação dos efeitos da decisão.


11. Princípios da segurança jurídica e da boa-fé

Esses princípios orientam o STF a evitar o caos jurídico que poderia surgir da anulação retroativa de leis aplicadas por longo tempo.
Assim, busca-se preservar atos já consolidados, relações jurídicas estáveis e confiança legítima dos cidadãos.


12. Modulação dos efeitos (art. 27 da Lei 9.868/99)

O STF pode, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos retroativos (ex tunc) de uma decisão de inconstitucionalidade, fazendo-a valer somente dali em diante (ex nunc).
Isso é possível quando:

  • segurança jurídica em jogo;

  • ou excepcional interesse social.

Exemplo:
ADI 4.357 (precatórios) e ADI 4.425 – o STF modulou os efeitos para preservar a estabilidade orçamentária e evitar graves impactos financeiros.


13. Mitigação no controle difuso

No controle difuso, o STF também pode modular os efeitos da decisão, especialmente quando há repercussão geral ou quando a declaração de inconstitucionalidade tem grande impacto coletivo.
Base: art. 52, X, da CF, com interpretação mais moderna – o Senado pode suspender a execução da lei, mas o STF pode modular os efeitos antes disso.


14. Decisões recentes do STF

  • ADI 6.357/DF (2020) – controle de medidas provisórias durante a pandemia; reafirmação da supremacia constitucional.

  • ADI 7.050/DF (2023) – STF modulou os efeitos para evitar impactos fiscais sobre entes federativos.

  • Tema 881 da Repercussão Geral (2023) – reafirmação da possibilidade de modulação de efeitos no controle difuso.


15. Visão do STJ

O STJ, embora não exerça controle concentrado, segue a jurisprudência do STF e aplica os efeitos da decisão de inconstitucionalidade às causas sob sua apreciação.
Atua também na interpretação conforme a Constituição, buscando harmonizar as leis infraconstitucionais com o texto constitucional.


Conclusão

O controle de constitucionalidade é essencial à preservação da supremacia da Constituição e ao Estado Democrático de Direito.
No Brasil, evoluiu de uma aplicação rígida da teoria da nulidade para uma abordagem mais equilibrada, que concilia a força normativa da Constituição com os valores da segurança jurídica e da boa-fé.


terça-feira, 5 de junho de 2001

Direito Administrativo - OSCIPS

Direito Administrativo - OSCIPS

Direito Administrativo. Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Definição. Características. Requisitos. Setores de atuação. Direitos e Deveres. Fiscalização do poder público. Termo de Parceria. Delegação de serviço público. Perda da qualificação de OSCIP. Entidades impedidas de ser OSCIPS. Exemplos de OSCIPs no Brasil. Novas legislações sobre o tema. Decisões recentes do STF e STJ sobre essas organizações. 

🧾 1. Conceito e Natureza Jurídica

A Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) é uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, qualificada pelo Ministério da Justiça, que atua em áreas de interesse público e coopera com o Estado na execução de atividades de relevância social.

📘 Fundamento legal: Lei nº 9.790/1999 e Decreto nº 3.100/1999.

🔹 Natureza: É uma entidade privada, mas com reconhecimento público de interesse social, o que permite firmar parcerias específicas com o poder público (Termo de Parceria).
🔹 Não é autarquia, fundação pública, nem empresa estatal. É uma forma de fomento público, não de delegação direta de serviço público.


⚙️ 2. Características Principais

  • Personalidade privada e sem fins lucrativos.

  • Atuação em fins sociais ou de interesse público (educação, saúde, cultura, meio ambiente, etc.).

  • Qualificação voluntária: depende de requerimento da entidade ao Ministério da Justiça.

  • Vínculo de cooperação (não de subordinação) com o Estado.

  • Gestão autônoma, mas com prestação de contas obrigatória.

  • Possibilidade de receber recursos públicos mediante Termo de Parceria.


🏛️ 3. Requisitos para a Qualificação como OSCIP

Para ser qualificada como OSCIP, a entidade deve comprovar:

  1. Ser pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos;

  2. Ter objetivos sociais compatíveis com os listados na Lei 9.790/1999 (art. 3º);

  3. Estar regularmente constituída e em funcionamento há pelo menos 3 anos (em regra);

  4. Ter estatuto que preveja:

    • Transparência na gestão e na aplicação de recursos;

    • Conselho fiscal ou órgão equivalente;

    • Normas de prestação de contas;

    • Proibição de distribuição de lucros e bens a dirigentes.

📍 Procedimento:
O pedido é feito ao Ministério da Justiça, que analisa os documentos e publica a qualificação no Diário Oficial.


🧩 4. Setores de Atuação (art. 3º, Lei 9.790/1999)

As OSCIPs podem atuar, entre outras, nas seguintes áreas:

  • Assistência social;

  • Cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;

  • Educação;

  • Saúde;

  • Segurança alimentar e nutricional;

  • Defesa, preservação e conservação do meio ambiente;

  • Promoção do voluntariado;

  • Desenvolvimento econômico e social;

  • Experimentação de novos modelos de gestão pública;

  • Promoção da ética, da cidadania e dos direitos humanos;

  • Estudos e pesquisas de interesse público.


📜 5. Direitos e Deveres das OSCIPs

Direitos:

  • Firmar Termo de Parceria com entes públicos;

  • Receber recursos orçamentários, bens públicos e incentivos fiscais;

  • Utilizar o título de OSCIP em seus documentos e materiais;

  • Ter acesso a editais públicos de fomento e colaboração.

Deveres:

  • Prestação de contas ao poder público (detalhada, anual e pública);

  • Transparência nas despesas e execução de projetos;

  • Cumprir metas previstas no Termo de Parceria;

  • Devolver recursos não utilizados ou aplicados indevidamente.


🤝 6. Termo de Parceria

É o instrumento jurídico específico firmado entre o poder público e a OSCIP para a execução de atividades de interesse público.

Diferença para convênio:

  • O convênio pressupõe cooperação entre entes públicos ou entre entes públicos e privados sem qualificação especial;

  • O Termo de Parceria é exclusivo das OSCIPs, com metas, indicadores e fiscalização formalizada.

Conteúdo mínimo:

  • Plano de trabalho;

  • Metas e prazos;

  • Previsão de receitas e despesas;

  • Obrigações das partes;

  • Regras de fiscalização e auditoria.

📑 Fiscalização: feita pelo órgão público parceiro e pelo Ministério Público.


🏗️ 7. Delegação de Serviço Público

⚠️ Importante: OSCIP não recebe delegação de serviço público, porque não exerce poder público.
A OSCIP atua em colaboração, prestando atividades de interesse público (como educação, cultura, saúde), sem substituir o Estado.
Portanto, não há concessão ou permissão — há parceria de fomento.


⛔ 8. Perda da Qualificação de OSCIP

Ocorre quando:

  • A entidade descumpre as obrigações legais;

  • malversação de recursos públicos;

  • O Ministério da Justiça cancela a qualificação, mediante processo administrativo.

Consequência:

  • A entidade perde o direito de celebrar Termos de Parceria e não pode usar o título de OSCIP.

  • Pode ser responsabilizada civil, penal e administrativamente.


🚫 9. Entidades Impedidas de Serem OSCIPs

Segundo o art. 2º da Lei nº 9.790/1999, não podem ser qualificadas como OSCIP:

  1. Sociedades comerciais;

  2. Sindicatos e associações de classe ou de representação de categoria profissional;

  3. Instituições religiosas;

  4. Organizações partidárias ou suas fundações;

  5. Entidades de benefício mútuo (voltadas apenas a associados);

  6. Entidades criadas por órgão público ou que tenham dirigentes do poder público;

  7. Cooperativas.


🏢 10. Exemplos de OSCIPs no Brasil

  • Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social

  • Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente

  • Instituto Sou da Paz

  • Instituto Ayrton Senna

  • Instituto da Cidadania Brasil

  • Instituto Alana

Essas entidades atuam em áreas de educação, direitos humanos, cultura e desenvolvimento social.


⚖️ 11. Fiscalização do Poder Público

A fiscalização ocorre em três níveis:

  1. Órgão parceiro (que celebrou o Termo de Parceria);

  2. Ministério da Justiça (responsável pela qualificação e eventual desqualificação);

  3. Ministério Público (controle social e tutela de interesses difusos).

Pode haver auditoria independente quando o montante envolvido for elevado.


🧩 12. Novas legislações e atualizações

Após a Lei 9.790/1999, surgiu o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – MROSC (Lei nº 13.019/2014), que:

  • Criou novas modalidades de parceria (Termo de Fomento e Termo de Colaboração);

  • Uniformizou regras para todas as organizações da sociedade civil (inclusive OSCIPs);

  • Tornou o Termo de Parceria uma modalidade em extinção gradual, usada apenas por entidades já qualificadas.

📌 Hoje, as OSCIPs continuam existindo, mas novas parcerias são preferencialmente firmadas pelo MROSC.


⚖️ 13. Jurisprudência Recente – STF e STJ

STF:

  • ADI 1923/DF – reconheceu a constitucionalidade integral da Lei 9.790/1999, afirmando que a qualificação de OSCIP não fere o princípio da legalidade ou da impessoalidade.

  • Tema 535 (RE 627.189/RS) – reafirmou que OSCIP não presta serviço público por delegação, mas por colaboração de interesse público, sendo imune à cobrança de ISS em algumas situações.

STJ:

  • REsp 1.320.825/RS (2019) – confirmou que o Termo de Parceria não gera vínculo empregatício entre servidores públicos e OSCIP.

  • AgInt no REsp 1.875.902/SP (2021) – reafirmou a competência do Ministério da Justiça para cancelamento da qualificação.

  • REsp 1.621.182/DF (2022) – validou a responsabilização civil de dirigentes de OSCIP por mau uso de verbas públicas.


📚 14. Conclusão e Importância Administrativa

As OSCIPs representam o modelo de Estado em cooperação, característico do Estado Democrático e Social de Direito, buscando eficiência, participação e transparência na execução de políticas públicas.

Atuam como parceiras do Estado, não como suas substitutas, dentro de um regime de fomento administrativo — essencial para compreender o terceiro setor no Direito Administrativo moderno.

Direito Administrativo - Concurso Público

Direito Administrativo. Concurso Público. Direito a Amamentação das candidatas. Detalhes desse procedimento na realização das provas. Reserva de vagas para candidatos negros em concursos públicos. Aspectos importantes dessa cota de vagas. Novas atualizações legisltativos sobre cotas em concursos públicos. 

1) Direito à amamentação durante provas — o que diz a lei e como funciona na prática

Regra federal básica: a Lei nº 13.872/2019 assegura o direito de a mãe amamentar seu filho de até 6 meses de idade durante a realização de provas ou etapas do certame. A lei prevê que o edital deverá estabelecer o procedimento (ex.: prazo para requerer, acompanhante, local reservado etc.). (Planalto)

Princípios e práticas recorrentes nos editais / órgãos (o que costuma ser exigido):

  • A candidata deve manifestar interesse antes (prazo que o edital define). (JusBrasil)

  • A mãe indica um acompanhante responsável pela guarda da criança; esse acompanhante normalmente não entra na sala de prova e deve cumprir as regras do edital (chegar no horário, passar por inspeção, etc.). (Serviços e Informações do Brasil)

  • Os órgãos costumam prever local reservado próximo (sala/alcova) para a amamentação, com fiscalização. Contato entre acompanhante e candidata costuma ser presenciado por fiscal. (Serviços e Informações do Brasil)

  • Muitos projetos e normas complementares fixam intervalos (p.ex. a cada 2 horas, 30 minutos por vez) e preveem compensação de tempo na prova proporcional ao tempo de amamentação. Nem toda banca aplica igual; o edital precisa explicitar. (Portal da Câmara dos Deputados)

Dicas para a redação do edital (texto prático a usar):

  • “Candidatas lactantes com filhos de até 6 meses terão direito a amamentar durante a aplicação, desde que requeiram no prazo X e indiquem acompanhante. O acompanhante permanecerá em local reservado, sem acesso à sala de prova; o contato deverá ser presenciado por fiscal. Será concedido acréscimo de tempo proporcional ao tempo efetivamente gasto em amamentação, conforme instruções da coordenação.”
    (Justifique no edital a previsão detalhada para evitar impugnações.)

O que a candidata deve fazer:

  • Ler o edital para ver prazo de requerimento; levar documento que comprove filiação/idade do bebê, se pedirem; chegar com o acompanhante no horário; comunicar à coordenação qualquer necessidade especial.

2) Reserva de vagas para candidatos negros — quadro legal e pontos essenciais

Regra histórica: a Lei nº 12.990/2014 instituiu reserva de 20% das vagas em concursos públicos federais para candidatos negros (pretos e pardos); a constitucionalidade e aplicação já tiveram análise pelo STF e tribunais. (Supremo Tribunal Federal)

Atualização legislativa recente (mudança importante):

  • Em 2025 houve renovação/ampliação da política de cotas no serviço público federal: Lei nº 15.142/2025 (e decreto regulamentador em junho/2025) ampliou e atualizou percentuais — a regra federal passou a prever reserva de 30% do total de vagas para cotas, distribuídas (segundo regulamentação) entre pretos/pardos, indígenas e quilombolas (com percentuais específicos indicados pelo Decreto). A lei vale para órgãos federais (direta e indireta). (Portal da Câmara dos Deputados)

O que isso significa na prática:

  • Para concursos federais, o edital deve explicitar a existência da reserva, os percentuais, as condições e o critério de autodeclaração (normalmente com referência às categorias do IBGE e regras de verificação posteriores). (TJDFT)

  • Estados/municípios: não há uniformidade automática — cada ente tem autonomia para criar/ajustar suas próprias regras de cotas. (Senado Federal)

3) Aspectos importantes da cota racial (pontos práticos e jurídicos)

  • Critério inicial: autodeclaração — o candidato declara ser negro (preto ou pardo) no ato da inscrição; muitos editais adotam termos do IBGE para padronizar. A autodeclaração é aceita inicialmente, mas pode haver comprovação posterior no momento da posse ou por procedimento previsto (comissões de heteroidentificação ou análise documental). (TJDFT)

  • Verificação/heteroidentificação: tribunais e órgãos têm aceitado comissões para heteroidentificação; decisões judicializadas ocorreram quando há divergência entre autodeclaração e aparência/documentos. É prática consolidada prever no edital como será a verificação. (Superior Tribunal de Justiça)

  • Vigência e prazos: leis de cotas já tiveram prazos de vigência e debates sobre prorrogação; o STF e o STJ atuaram para prorrogar/ratificar validade quando necessário — por isso é comum ver decisões cautelares e liminares em processos que tratam da continuidade das cotas. (Notícias do STF)

  • Compatibilização com legislações específicas: promoções internas, vagas de acesso, concursos temporários etc. — cada caso exige correção no edital para indicar se a reserva incide ou não.

4) Recomendações práticas para organizadores de concursos (checklist)

  1. Amamentação

    • Inserir cláusula clara no edital com prazos, limite de idade do lactente (mínimo legal: até 6 meses — salvo lei local ampliando esse prazo), procedimento de solicitação, regras para acompanhante, local reservado e critério de compensação de tempo. (Planalto)

    • Preparar sala/próximo com condições de higiene, privacidade e supervisão por fiscal.

    • Instruir fiscais sobre o procedimento; publicar FAQ e canal de contato pré-prova.

  2. Cotas raciais

    • Indicar no edital os percentuais aplicáveis (pela lei federal atual: 30% para categorias previstas, quando for concurso federal) e a forma de distribuição. (Portal da Câmara dos Deputados)

    • Especificar procedimento de autodeclaração e o regime de verificação (se haverá heteroidentificação, prazos, consequências da fraude). (TJDFT)

    • Se houver vagas remanescentes ou sistema de lista, explicar como a cota interage com a lista geral.

    • Manter fundamento legal e parecer jurídico para defender critérios perante questionamentos judiciais.

5) Recomendações práticas para candidatos

  • Lactantes: confira o edital quanto ao prazo para requerer amamentação; leve documentação do bebê; chegue com o acompanhante no horário e siga instruções; se o edital for omisso, peça registro por escrito ao organizador (e guarde comprovantes). (JusBrasil)

  • Candidatos negros: declare sua condição conforme o edital; esteja ciente de que poderá haver procedimento de verificação antes da posse — mantenha documentos/elementos que possam ser solicitados para comprovação, e saiba que disputas sobre heteroidentificação são frequentes e podem ser judicializadas. (TJDFT)

6) Panorama das recentes decisões/atos públicos (resumo cronológico curto)

  • 2019: Lei nº 13.872/2019 — direito de amamentar em provas (filhos até 6 meses). (Planalto)

  • 2024: STF prorrogou validade/intervenções (decisões que mantiveram efeitos da Lei de Cotas enquanto havia risco de vacância normativa). (Notícias do STF)

  • 2025 (maio/junho): Lei nº 15.142/2025 sancionada (amplia/atualiza política de cotas no serviço público federal para 30% e inclui critérios para indígenas/quilombolas); decreto de regulamentação publicado em junho/2025 com detalhamento de percentuais e critérios. Esses atos são a referência atual para concursos federais. (Portal da Câmara dos Deputados)

7) Fontes principais consultadas (seleção)