domingo, 13 de maio de 2001

Direito Administrativo. Bens Públicos.

Direito Administrativo. Bens Públicos. Classificação e tipos. Bens Dominicais. Características. Decisões recentes do STF e STJ sobre bens dominicais. 

Segue um panorama prático e atualizado sobre bens públicos com foco em bens dominicais (conceito, classificação, características jurídicas) e as decisões recentes relevantes do STF/STJ. Vou sintetizar o essencial e apontar as decisões/fontes principais para você consultar.

1) Classificação legal dos bens públicos (síntese)

O Código Civil (arts. 98–102) adota a classificação tripartida que hoje orienta toda a doutrina e a jurisprudência:

Bens de uso comum do povo — ex.: ruas, praças, rios, mares. Destinados ao uso concorrente da coletividade.

Bens de uso especial — ex.: edifícios públicos, órgãos administrativos, postos de saúde. Destinados à execução de atividades estatais.

Bens dominicais (ou dominiais) — integram o patrimônio disponível do ente público: bens sem destinação pública específica, que fazem parte do patrimônio para eventual exploração, uso econômico ou alienação nos termos da lei. 

2) O que distingue especificamente os bens dominicais

Principais traços jurídicos:
Patrimônio disponível: são bens do Estado que não têm afetação a prestação direta de serviço público ou uso comum — por isso compõem o “patrimônio” que pode ser administrado economicamente.

Alienabilidade (diferencial): diferentemente dos bens de uso comum e dos bens de uso especial (inalienáveis enquanto conservarem sua qualificação), os bens dominicais podem ser alienados, observadas as exigências legais (venda, doação, permuta, etc.). Porém a alienação exige procedimento e observância de normas e, às vezes, legislação específica (ex.: autorização legislativa, avaliação prévia, licitação conforme o caso). 

Desafetação: um bem que era de uso comum ou de uso especial só se torna dominical mediante desafetação — ato formal que retira a destinação pública e o coloca no patrimônio disponível, o que normalmente exige ato administrativo e, muitas vezes, autorização legislativa. 

Regime jurídico híbrido: enquanto dominicais estão mais próximos do regime de bens privados (p.ex. possibilidade de alienação), continuam sujeitos a limitações próprias do patrimônio público (controle, destinação do preço, interesse público, impenhorabilidade em certas hipóteses, normas de impenhorabilidade/expropriação etc.). 

3) Usucapião e bens dominicais — regra geral e debates
Regra geral: o Código Civil dispõe que os bens públicos não estão sujeitos a usucapião (art. 102). A jurisprudência dominante do STF/STJ costuma reafirmar a insusceptibilidade de bens públicos à usucapião enquanto estes conservarem sua qualificação pública. 

Questionamentos práticos: há discussões processuais e casuísticas (p.ex. terras devolutas, situações de posse prolongada com efetiva função social) que alimentam recursos ao STJ e ao STF; porém as cortes tendem a exigir exame preciso de titularidade e da qualificação do bem (se é efetivamente dominical ou ainda afeto a função pública) antes de admitir qualquer efeito aquisitivo. Veja decisões do STJ que tratam da impossibilidade de usucapião sobre bens públicos quando mantida a qualificação pública. 
Superior Tribunal de Justiça

4) Decisões recentes (STF e STJ) — pontos práticos e precedentes

Resumo das linhas atuais (com fontes para leitura):
STF — reconhecimento de distinção entre bem sem finalidade pública direta e bens afetados: o STF tem reafirmado que, quando um imóvel público não cumpre finalidade pública direta, ele pode ser enquadrado como dominical, e, em consequência, sujeitar-se ao regime de alienação após a regular desafetação / observância da lei. (veja tesauro/jurisprudência e informativos do STF sobre matéria). 
Supremo Tribunal Federal

STJ — reiterada proteção ao regime público, mas análise casuística: o STJ tem decisões que (i) reafirmam que bens dominicais são alienáveis conforme lei, (ii) tratam de ações de reintegração de posse envolvendo bens dominicais/uso especial e (iii) repetidamente vedam usucapião de bens públicos enquanto mantida a qualificação pública, salvo situações muito específicas que exijam reexame fático-probatório. Exemplos de acórdãos e exposições de voto do STJ estão disponíveis no repositório da corte (REsp e informativos). 
Superior Tribunal de Justiça

Aplicações práticas recentes (municípios/estados): inúmeros pareceres e leis municipais de 2024–2025 tratam de procedimentos de desafetação e autorização de alienação de áreas (pareceres de Câmaras Municipais e PLs) — a jurisprudência das cortes superiores tem servido de parâmetro para validá-los ou apontar exigência de observância de normas constitucionais/legais (p.ex. avaliação, publicidade, respeito ao interesse público). Exemplos de pareceres e PLs recentes encontram-se em publicações e diários oficiais municipais (ex.: pareceres de 2025 sobre desafetação). 
Câmara Municipal de Paranapanema

Observação prática: muitos conflitos atuais não decorrem de novidade legislativa, mas de aplicação local (municípios) do instituto da desafetação e da compatibilização com leis urbanísticas/ambientais — por isso as decisões do STF/STJ costumam analisar bastante o caso concreto e as formalidades administrativas.

5) Checklist prático para quem atua em processos que envolvem bens dominicais

Identificar titularidade e a afetação atual do bem (uso comum / uso especial / dominical).

Verificar se houve desafetação formal (ato administrativo e, quando exigido, autorização legislativa).

Checar se a alienação observou requisitos legais (avaliação, licitação ou procedimento legal aplicável, publicidade).

Em ações possessórias/usucapião: demonstrar se o bem ainda conserva qualificação pública (se sim, usucapião não prospera).

Conferir normas especiais (ex.: bens da União — leis específicas; terras devolutas estaduais; regras ambientais ou de proteção patrimonial que impeçam desafetação). 

6) Fontes/decisões para leitura (selecionadas)
Código Civil (Lei nº 10.406/2002), arts. 99–102 — classificação e regras sobre alienabilidade/usucapião. 
Planalto

Portal de Jurisprudência do STF (tesauro e informativos) — diversos julgados e notas sobre “bem dominical” e casos concretos. 
Supremo Tribunal Federal

Acórdãos e informativos do STJ (REsp, decisões e informativos) — jurisprudência sobre alienação, reintegração de posse e caráter dos bens dominicais. 
Superior Tribunal de Justiça

Pareceres e atos municipais recentes sobre desafetação/alienação (ex.: pareceres de 2025 que aplicam a doutrina e a jurisprudência referida). 

sábado, 12 de maio de 2001

Direito Administrativo - Tomo II

Direito Administrativo - Tomo III
Tribunal de Contas da União - Questão sempre presente em concursos públicos é a sui generis natureza jurídica do Tribunal de Contas. Antes de qualquer coisa é importante salientar que nenhum tribunal de contas pertence ao poder judiciário. Não são órgãos judiciários, jurisdicionais. Na verdade todas as decisões dos tribunais de contas são meramente administrativas, com possibilidade de rediscussão dentro do poder judiciário.

Diante disso já temos uma conclusão importante no que diz respeito às decisões desses tribunais. As decisões dos tribunais de contas não fazem coisa julgada material ou formal. Apenas encerram de certa forma a questão no seio administrativo e não judiciário, jurisdicional.  Assim todo administrador público político que tenha suas contas reprovadas dentro dos tribunais de contas possui pleno direito de rediscutir a matéria em ações judiciais dentro do seio do poder judiciário.

Na verdade uma das mais importantes funções dos tribunais de contas é servir como auxiliar do poder legislativo no controle das contas públicas. Isso não significa em absoluto que os tribunais de contas sejam subordinados ao poder legislativo. Não. Diversas leis que foram criadas dentro dos estados que visavam colocar o tribunal de contas sob o controle do poder legislativo sob a ótica legislativa foram consideradas inconstitucionais. Assim fica bem cristalizada a lição de que os tribunais de contas não são subordinados ao poder legislativo.

Existem tribunais de contas nos diversos setores da federação brasileira. Há o Tribunal de contas da União em seio federal, os diversos tribunais de contas nos estados e dois tribunais de contas municipais, um localizado em São Paulo e outro localizado no Rio de Janeiro. Há possibilidade de se criar novos tribunais de contas municipais? Não, a Constituição Federal veda essa criação.

Tribunal de Contas - Decisões, efeitos e controle
O Tribunal de contas poderá emitir parecer negativo sobre contas apresentadas por gestores públicos. Esse parecer será enviado para o Ministério Público Eleitoral que tomará as devidas providências. importante salientar que a inelegebilidade de um candidato não se dará apenas pela rejeição de suas contas enquanto ocupava cargo ou função pública. Esse efeito de natureza eleitoral, que impedirá algum candidato de disputar eleições, só poderá ser confirmada por sentença judicial publicada pela justiça eleitoral.

Em caso de improbidade administrativa não caberá ao Tribunal de Contas decidir sobre o ato doloso ou não do gestor. Isso cabe apenas à esfera jurisdicional, do poder judiciário. Ao Tribunal de Contas caberá apenas a análise contábil, técnica, das contas públicas. Nada mais do que isso. Decidir se houve ou não dolo do gestos público é algo que foge da esfera de decisão e julgamento do tribunal de contas. Essa é uma questão importante, nem sempre conhecida pelos envolvidos nesse tipo de questão jurídica.

Quem fiscaliza os tribunais de contas? Essa é uma pergunta que foi parar no STF. A suprema corte decidiu que o tribunal de contas dos estados serão fiscalizados pelos poderes legislativos estaduais (as assembleias legislativas). Os tribunais de contas municipais, por sua vez, serão fiscalizados pelos tribunais de contas do estado. E o Tribunal de contas da União? Quem o fiscalizará? Nesse caso será o Congresso Nacional. Novamente, poder legislativo, com quem o tribunal de contas possui autonomia, mas que terá que prestar contas de seus atos administrativos, contábeis, etc.

Quais são os três tipos básicos de decisões dos tribunais de contas? Em primeiro lugar o tribunal de contas poderá aprovar as contas de determinada gestão pública. Poderá aprovar as contas dos governadores, prefeitos e presidente (no caso do tribunal de contas da União). Em segundo caso poderá aprovar as contas com ressalvas. O que significa isso? As contas estão aprovadas, mas há pequenos problemas que não chegaram a causar danos ao erário público. Por fim o tribunal de contas poderá reprovar as contas públicas de determinado gestor público, seja por desfalque, seja por danos ao erário público, etc.

O Tribunal de Contas também exerce controle sobre a admissão de pessoal na administração pública, assim como aposentadorias, pensões, etc. Apenas em relação a cargos em comissão, que são de livre escolha e exoneração é que não haverá esse controle. Entende-se que quando uma pessoa é aprovada em concurso público ou então quando um servidor público precisa se aposentar, deverá haver a prévia análise desses atos administrativos por parte do tribunal de contas. São atos chamados complexos, que para se aperfeiçoarem, precisam de análise por parte dos tribunais de contas respectivos.

A Administração Indireta
A administração pública indireta é formada por uma série de pessoas jurídicas que desempenham determinadas funções públicas determinadas em lei. Podem ter personalidade jurídica pública ou privada. São criadas ou autorizadas a existir por lei. Possuem patrimônio próprio e personalidade jurídica própria, separada dos entes públicos que as criou. Abaixo segue uma relação das entidades da administração pública mais tradicionais do direito brasileiro.

Administração Pública Indireta
a) Autarquia
b) Fundação
c) Empresa Pública
d) Sociedade de Economia Mista

Mais recentemente outras entidades foram acrescentadas a esse rol acima, que sempre foi mais tradicionais e citadas pela doutrina administrativa brasileira. São as seguintes essas novas entidades.

a) Consórcio Público
b) Empresas subsidiárias de Empresas Públicas
c) Empresas subsidiárias de Sociedades de Economia Mista
d) Empresas concessionárias de serviços públicos
e) Empresas permissionárias  de  serviços  públicos

Obs: Mesmo quando a entidade de administração indireta tiver personalidade jurídica de direito privado, como as empresas públicas e as sociedades de economia mista, haverá certa submissão a preceitos de direito público. Não há situações em que esse tipo de entidade seja equivalente cem por cento à empresas privadas. Sempre haverá um detalhe jurídico que as diferenciar. 

Tribunal de Contas - Sanções e Multas
O Tribunal de Contas tem como uma das suas principais finalidades a fiscalização do uso de recursos públicos. Essa é a principal função pelo qual foi criado. Nesse aspecto poderá agir, inclusive por iniciativa própria, além de por requisição de órgão colegiado da câmara dos deputados, do senado federal, etc. Também poderá se valer de auditorias e inspeções de natureza contábil, patrimonial e financeira, etc, em relação aos três poderes da república. Após essas auditorias e inspeções deverá informar tudo, nos menores detalhes, ao Congresso nacional. O poder de fiscalização do tribunal de contas também é extensivo para empresas supranacionais em que a União tenha participação em seu capital.

Fato importante é o que diz respeito à decadência do poder de fiscalização do tribunal de contas. Farta jurisprudência afirma que será de cinco anos o tempo máximo que uma conta de algum órgão ou ente estatal poderá ser fiscalizado. Os tribunais do poder judiciário entendem que a fiscalização de tribunais de contas são procedimentos administrativos e como tais seguem a regra geral de prescrição e decadência da administração pública que é determinada por lei em cinco anos.

Tribunal de contas pode aplicar multas e sanções por conta própria? Ou será precisa o auxílio do poder judiciário para tanto? Entende-se que multas podem ser aplicadas diretamente pelo tribunal de contas, desde que previstas em lei. Sempre que houver irregularidade de contas ou ilegalidades de despesar haverá a aplicação de multas. Essas serão basicamente de três tipos. Uma multa para ressarcir os danos ao erário, sendo o valor do próprio dano, acrescido de juros e correção monetária. Uma segunda multa, essa de natureza punitiva mesmo e uma terceira a ser aplicada ao servidor responsável pelo dano, geralmente no valor de 30 por cento de seus vencimentos.

Essas multas e sanções aplicadas pelo tribunal de contas deverão ser previstas necessariamente em leis em sentido estrito? Regra geral, sim, devem ser previstas em lei. Ainda mais quando as próprias normas administrativas assim preverem, porém nem sempre isso acontecerá. Quando não for preciso as multas e sanções poderão ser previstas nos próprios regimentos dos tribunais de contas, mas esse caso, é bom frisar, sempre será uma exceção e poderá ser levado à discussão no poder judiciário, invocando-se o princípio da legalidade em matéria de punição.

Pablo Aluísio.

Direito Administrativo - Tomo I

Direito Administrativo - Tomo I
Direito Administrativo - Primórdios

Para a grande maioria dos autores de Direito Administrativo, esse ramo do saber jurídico só começou a se desenvolver de fato com o advento da Revolução Francesa. Isso porque antes disso havia o absolutismo real, onde o Rei e seu corpo de funcionários administrativos estavam acima da lei. A frase "O Rei não pode estar errado" era aplicada, sem chances para que ele fosse submetido ao poder dos tribunais. Com a Revolução Francesa todos se tornam iguais perante a lei. Com isso caem os privilégios do trono. Claro que muitos continuaram com privilégios no mundo real, mas pelo menos na abstração da lei houve esse avanço onde pelo menos teoricamente existira a isonomia, a igualdade jurídica.

Pois bem, outro evento histórico importante vem do caso Blanco. Uma garotinha francesa foi atropelada por uma carroça do serviço público. Após esse trágico incidente os tribunais franceses debateram se o caso deveria ser levado ao tribunal comum ou a um tribunal especial, especializado em questões de direito público. A segunda opção prevaleceu e criou-se assim a responsabilidade civil em relação ao Estado. Outro fato é que isso se tornou alicerce para o chamado contencioso administrativo onde as questões envolvendo o Estado seriam tratados em tribunais diferentes aos que eram indicados para os demais cidadãos. Criou-se assim a dualidade de jurisdições. Importante salientar que esse modelo não foi copiado pelo direito inglês e nem tampouco pelo direito brasileiro. Questões administrativas são julgadas em tribunais comuns.

Em termos de objeto de estudo do Direito Administrativo, devemos olhar para a questão em seus diversos ângulos. Assim temos o estudo das relações jurídicas que nascem entre a Administração Pública e seus agentes, órgãos e membros da sociedade. Além disso o Direito Administrativo estuda os diversos órgãos que o compõe, o tipo de atividade administrativa que faz parte de sua essência e as normas que regem o serviço público como atividade.

Diante disso vários foram os critérios usados ao longo da história para determiná-lo. Um dos primeiros foi o critério legal onde o Direito Administrativo iria estudar as normas, as leis que regem a Administração Pública. Para outros autores do passado esse ramo do direito público iria se concentrar no estudo das atividades do Poder Executivo. Outros defenderam o critério do serviço público (tanto restrito, como amplo), alguns da relação jurídica, etc. Nenhum desses critérios visto sob um ponto de vista solo pode ser adotado. Afinal o Direito Administrativo é bem mais complexo hoje do que em seus primórdios.

Direito Administrativo - Contratos Administrativos - Cláusulas Exorbitantes
No contrato administrativo não podemos fazer uma comparação exata com o contrato comum, de direito privado. Há muitas diferenças, sendo a principal o fato de que o contrato administrativo é regido pelo direito público e como tal ele apresenta uma série de cláusulas, chamadas exorbitantes, que demonstram na prática uma superioridade da administração público sobre o contratado. Em sede de direito privado esse tipo de cláusula não seria aceito pelas leis pois colocaria uma das partes em sujeição em comparação com a outra parte.

O chamado Poder de alteração unilateral do contrato é uma das cláusulas exorbitantes do contrato administrativo. Nesse caso a administração pode alterar, conforme sua própria vontade, as cláusulas de um cotnrato administrativo. Porém é importante salientar que a equação econômica-financeira do contrato deve ser mantida, caso contrário o contratante privado não conseguiria aguentar o peso de executar um contrato por um valor que fosse diferente com o que foi contratado.

A Administração pública também poderá rescindir de forma unilateral o contrato administravivo. É a chamada Possibilidade de rescisão unilateral do contrato. Geralmente isso ocorre quando o contratado não honra com as cláusulas do contrato, não realizando a obra ou o serviço pelo qual foi contratado pela administração pública. Porém, mesmo não havendo quebra do contrato administrativo, pode haver esse rompimento unilateral, desde que seja por "razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento", conforme está escrito na lei.

Outra prerrogativa da administração pública é a possibilidade de realizar a Fiscalização da execução do contrato. Em todo grande contrato administrativo haverá um representante da administração pública que terá como incumbência fiscalizar a execução do contrato, para verificar se tudo está ocorrendo como foi contratado. Por outro lado o contratante também terá um preposto cuja principal função será demonstrar para a administração pública que tudo está sendo feito conforme o contratado. São duas faces de uma mesma moeda.

A administração pública também poderá promover a Aplicação direta de sanções, sem a necessidade de primeiro socorrer-se do poder judiciário. Não será necessária a presença de uma ordem de juiz para aplicar sanções. Elas poderão ser aplicadas diretamente pela administração. Entre as principais estão a aplicação de multas, advertências e a suspensão temporária da possibilidade de participação em licitação e impedimento de contratar com a administração, por prazo não superior a dois anos. É importante salientar que apesar de não ser preciso a existência de um processo judicial para tal, deverá ser disponibilizada uma defesa para a parte contratada, através de um processo administrativo, onde será assegurada seu pleno direito de defesa. 

Direito Administrativo Francês
O Direito administrativo da França foi extremamente importante para o desenvolvimento do Direito Administrativo como ramo autônomo da ciência jurídica. Durante a revolução francesa criou-se uma grane desconfiança em relação ao poder judiciário que na monarquia era corrupto e só defendia os interesses dos nobres. Assim o Direito Administrativo desenvolvido na França valorizou o chamado contencioso administrativo, ou seja, casos em que envolvessem a administração pública não seriam resolvidos pelo poder judiciário, mas sim pela própria administração, através do conselho de Estado.

O caso Blanco foi extremamente importante nessa mudança de paradigma. Uma menina chamada Blanco foi atropelada por uma carroça pertencente a um órgão administrativo. No julgamento algumas decisões importantes foram tomadas, entre elas o afastamento da aplicação do código civil francês e a decisão de que o caso deveria ser resolvido pelo conselho de Estado, com aplicação de princípios, teorias e responsabilidade inerentes á administração pública. Com isso o Direito administrativo tomou ares de plena autonomia.

Foi na França também que pela primeira vez o tema Direito Administrativo ganhou lugar acadêmico próprio, separado dos demais ramos do direito. Vários obras pioneiras tratando do assunto foram publicados. Hoje em dia, apesar da inegável importância do direito administrativo francês, seus princípios e entes próprios estão perdendo importância por causa da União Europeia e da profusão de leis escritas que aumentam a cada dia, ao contrário do puro direito administrativo daquele país que era bem costumeiro, construído através das decisões do conselho de Estado. 

A Administração Pública Brasileira
No Brasil a administração pública é dividida em dois grandes ramos: O primeiro é chamado administração pública direta e é formado pela presidência da República e seus ministérios. O segundo é formado pela administração pública indireta, formada por entes com personalidade jurídica própria que desempenham determinadas funções, sejam elas públicas ou privadas, ou seja, há entes da administração indireta que são entes com natureza jurídica de direito público e outras com natureza de direito privado.

As entidades que formam a administração pública indireta são as autarquias (natureza jurídica de direito público), as fundações públicas, as empresas públicas (com capital exclusivamente pertencente a entes públicos) e as sociedades de economia mista (de natureza jurídica de direito privado, com capital misto entre público e privado). Mais recentemente alguns autores de direito administrativo incorporaram a esse quadro os chamados consórcios públicos, quando entes públicos estatais (união, estados, municípios) diferentes se unem para um determinado fim.

As agências reguladoras e executivas não formam um tipo próprio de ente da administração pública indireta. Na verdade essas agências são autarquias em regime especial, com maior autonomia de atuação determinada por lei. As autarquias possuem todas natureza jurídica de direito público e desempenham serviços públicos determinados pelas leis que as criaram. As sociedades de economia mista e empresas públicas são conhecidas geralmente como estatais e funcionam também como uma face da intervenção do Estado na economia. 

Direito Administrativo Alemão
Não houve no direito alemão a ruptura que ocorreu no direito francês, onde a revolução francesa colocou abaixo as antigas estruturas da monarquia. No direito alemão não havia também um sistema único pois a Alemanha tal como a conhecemos hoje ainda não havia sido unificada. Cada nação germânica tinha seu próprio direito e suas próprias características. Porém algumas coisas eram comuns a esses diversos Estados.

O direito administrativo alemão nasce com uma única jurisdição, seja para o Estado, seja para o particular. Por essa razão houve muito mais o uso do direito civil do que na França, por exemplo. Só depois com a reforma protestante é que o soberano, o príncipe, se armou de certos privilégios. Era o absolutismo. No direito administrativo alemão também temos o surgimento da figura jurídico do "Fisco" aqui entendido como um ente que não se misturava com a figura do soberano e nem com a sociedade em geral. Era uma entidade própria, com personalidade de direito privado.

O direito administrativo alemão também foi uma criação lenta e gradual dos doutrinadores, por essa razão é considerado mais abstrato. Outro aspecto digno de nota é que na Alemanha, desde muito precocemente, se viu a necessidade de se constitucionalizar os principais princípios do direito administrativo, algo que depois da União Europeia envolveu influência sobre todos os demais países desse bloco de nações.

Direito administrativo Italiano
Inicialmente o direito administrativo da Itália foi fortemente influenciado pelo direito francês, por Napoleão Bonaparte e a revolução francesa. O direito administrativo piemontês foi considerado o pioneiro nessa seara jurídica, trazendo diversos dispositivos que eram claramente influenciados pelo direito da França. Até mesmo havia um conselho de Estado seguindo os passados do modelo administrativo francês.

Depois houve igualmente influências vindas do direito alemão, criando uma fusão entre a prática do caso concreto tipicamente do direito francês e a abstração de natureza doutrinária e científica do direito alemão. Após a primeira guerra mundial surge o fascismo na Itália e o direito administrativo regride, assumindo uma característica autoritária, de intervenção excessiva e ilegítima na vida particular das pessoas.

Depois da queda do fascismo o direito administrativo italiano finalmente reencontra um bom caminho, influenciando inclusive o direito administrativo no Brasil. Figuras como as autarquias, por exemplo, são retiradas diretamente do direito administrativo italiano, entre outras. Com a União Europeia esse direito perde parte de suas características para assumir uma visão do bloco econômico do qual começa a fazer parte. 

Direito Administrativo Anglo
Por direito administrativo anglo, se entende o direito administrativo aplicado na Inglaterra e Estados Unidos. Esse direito administrativo possui diversas características que o separam do direito administrativo francês. Não há o conselho de Estado e nem o contencioso administrativo típico do sistema administrativo francês. E o que isso significa na prática? Significa que a administração pública se submete ao poder judiciário, ao mesmo direito comum que é utilizado pelas particulares em seus conflitos pessoais. Não há uma "jurisdição administrativa" própria para julgar casos envolvendo a administração pública.

Na França historicamente sempre se teve um certo receio do poder judiciário julgar elementos de outro poder, no caso a administração pública que faz parte do poder executivo. Para evitar esse estado de submissão houve a criação de uma jurisdição administrativa própria. Isso tudo foi fruto, de certa forma, da mentalidade que surgiu durante a revolução francesa. Na Inglaterra e EUA esse tipo de mentalidade revolucionária nunca prosperou. Os ideais são outros.

No direito administrativo anglo a administração deve ser tratada como qualquer outro particular, como qualquer outro cidadão, usando-se o mesmo direito comum. No direito da Inglaterra e Estados Unidos prevalece o sistema jurídico do Common Law, onde o direito legislado não é mais importante do que o direito construído por sentenças, dando origem aos precedentes judiciais. E por essa razão o direito administrativo anglo é um grande mosaico construído por inúmeros juízes e tribunais que vão decidindo questões envolvendo a administração pública.

Em termos de academia, o direito inglês e o direito norte-americano são bem menos desenvolvidos do que a grande família dos direitos adminsitrativos continentais (como França, Itália, etc). isso se deve até mesmo a forma como os anglos encaram esse tipo de coisa. Para eles sequer há uma plena autonomia do direito administrativo, sendo ele apenas, muitas vezes, apenas capítulos especializados do chamado direito comum. Tudo fruto da forma como ingleses e americanos enxergam essas questões administrativas.  

Atos Administrativos
Ato e Fato Jurídico - Antes de conceituar atos administrativos, é bom voltar para os conceitos mais básicos de atos e fatos jurídicos. O ato é considerado aquele proveniente do homem, da presença humana. O fato é algo natural, independente do homem, de surgimento no mundo da natureza. O fato quando tem efeitos e repercussões no mundo jurídico se denomina fato jurídico. Se o fato for descrito na norma legal e produzir efeitos jurídicos na administração temos um fato administrativo. Se esse fato não produzir efeitos no direito administrativo ele será chamado fato da administração segundo Di Pietro.

Todo ato praticado no exercício da função administrativa será chamado ato da administração (em sentido amplo). A expressão ato administrativo tem aspecto menos amplo. E quando um ato será considerado ato administrativo? Quando cumprir determinados pressupostos. Para ser um ato administrativo será necessário que traga determinadas características colocadas a seguir. Veja o quadro.

Ato administrativo:
a) Seja um ato de declaração do Estado
b) Seja sujeito ao Regime Jurídico público
c) Que produza efeitos jurídicos imediatos
d) Que seja sempre passível de controle judicial
e) Que seja de acordo com a Lei.

Atos Enunciativos e Efeitos Jurídicos - A doutrina tradicional afirma que os atos administrativos enunciativos não possuem efeitos jurídicos por si mesmos. Pense em um parecer. Para que ele venha a ter efeitos jurídicos será necessário um outro ato que o confirme. Nesse exemplo temos a base que levou muitos autores de direito administrativo a afirmarem que não haveria efeitos jurídicos imediatos nos atos enunciativos. Eles seriam despidos disso.

Agora vejamos o caso de uma certidão ou de uma declaração. Ora ambos são atos administrativos enunciativos. Correto essa primeira classificação. Pois bem, nesses institutos jurídicos haverá sim efeitos jurídicos imediatos, por si mesmos. A certidão afirma que uma determinada situação jurídica consta nos arquivos da administração pública. Os efeitos que o administrado procura são justamente esses, não havendo razão para afirmar que eles são desprovidos de efeitos jurídicos. Como os dois são atos enunciativos, cai por terra a tese que esses não produziriam efeitos jurídicos imediatos.

O direto administrativo possui determinados dogmas que não se sustentam muito quando o analisamos com mais atenção. Veja o caso dos atos normativos, aqueles que possuem coeficiente alto de normatividade, sendo gerais e abstratos, com natureza de lei. Dizem algumas doutrinas que não poderia haver ataques diretos a esse tipo de atos normativos, cabendo apenas o uso dos meios legais para tanto. Ora, se um ato normativo possui efeitos concretos na vida de alguém, fica óbvio que esse teria direito de ação contra o próprio ato. Por essa razão nem sempre podemos adotar certos enunciados que são tratados como verdadeiros dogmas pelos autores mais tradicionais de direito administrativo.

Pablo Aluísio. 

sexta-feira, 11 de maio de 2001

Direito do Consumidor. Responsabilidade Civil. Parte II

Direito do Consumidor. Responsabilidade Civil. Consumidor Equiparado. bystander. Conceito. Justificação jurídica. Casos e exemplos práticos. Prazo prescricional. Solidariedade. Fato do produto ou serviço e vício do produto. Danos Materiais. Danos Morais. Consumidor equiparado em sede de responsabilidade civil extracontratual e contratual. Súmula 479 STJ. Consumidor equiparado e Função Social do contrato. Decisões recentes do STJ sobre esses temas. Posição do STF sobre esses temas. 

Segue um resumo doutrinário e jurisprudencial completo e atualizado sobre Responsabilidade Civil e o Consumidor Equiparado (bystander) no âmbito do Direito do Consumidor, conforme o CDC, com base em doutrina, jurisprudência recente (STJ/STF até 2025) e exemplos práticos.

1️⃣ Conceito geral e fundamento legal

O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990) ampliou a proteção jurídica além da figura clássica do consumidor (aquele que adquire produto ou serviço como destinatário final).
Para assegurar a efetividade da tutela, o CDC equiparou a consumidor outras pessoas que, embora não sejam parte direta da relação de consumo, sofrem os efeitos do ato de consumo.

📘 Base legal:

  • Art. 2º (caput e parágrafo único) — consumidor e coletividade de pessoas.

  • Art. 17 — “Consumidor por equiparação (bystander)” em caso de acidente de consumo.

  • Art. 29 — consumidor equiparado nas relações de consumo em sentido amplo (práticas comerciais e contratuais).


2️⃣ Consumidor equiparado (“bystander”) — conceito e justificativa

👉 Consumidor bystander é o terceiro estranho à relação contratual de consumo que sofre dano em razão de defeito (fato) do produto ou do serviço.
É protegido por equiparação, mesmo sem vínculo contratual com o fornecedor.

🔹 Justificação jurídica:

  • Fundamenta-se na teoria da aparência e na função social da responsabilidade civil.

  • Visa proteger a confiança e a segurança de quem participa indiretamente das relações de consumo.

  • Concretiza o princípio da vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I, CDC) e a função social do contrato e da atividade econômica.


3️⃣ Espécies de consumidor equiparado

Hipótese Base legal Abrangência
Coletividade indeterminada (vítimas difusas) Art. 2º, par. único Protege a sociedade em geral.
Vítima de acidente de consumo (bystander) Art. 17 Protege terceiros lesados por fato do produto/serviço (ex.: passageiro atingido por explosão).
Vítima de práticas comerciais e contratuais Art. 29 Protege todos expostos às práticas abusivas (ex.: publicidade enganosa, cláusulas leoninas).

4️⃣ Diferença entre “Fato do produto/serviço” e “Vício do produto/serviço”

Aspecto Fato (acidente de consumo) Vício (defeito de qualidade/quantidade)
Natureza do dano Dano extrapatrimonial (a terceiros e ao próprio consumidor) Dano patrimonial direto (produto ou serviço inadequado)
Responsabilidade Objetiva – arts. 12 a 14 CDC Objetiva – arts. 18 a 20 CDC
Consumidor equiparado Sim (art. 17) Não necessariamente
Exemplo Explosão de botijão causa ferimento a vizinho TV nova que não liga ou tem defeito de fábrica

5️⃣ Exemplos práticos de consumidor equiparado (bystander)

  1. Explosão de botijão de gás que atinge o vizinho → o vizinho é consumidor equiparado (art. 17).

  2. Acidente com ônibus urbano que fere pedestres → pedestre é bystander, mesmo sem ser passageiro.

  3. Propaganda enganosa que induz pessoa a comprar produto de outra marca → art. 29.

  4. Falha em prestação de serviço bancário que afeta terceiro (ex.: fraude ou negativação indevida de homônimo) → art. 17 c/c art. 29.

  5. Vazamento de dados pessoais que atinge usuários de plataforma digital que não contrataram o serviço → art. 17 + LGPD.


6️⃣ Responsabilidade civil — natureza e solidariedade

  • A responsabilidade é objetiva, com base no risco do empreendimento (arts. 12 e 14 do CDC).

  • solidariedade entre todos os integrantes da cadeia de fornecimento (art. 7º, parágrafo único, e art. 25, §1º).

  • Fabricante, produtor, construtor, importador, comerciante e prestador de serviço respondem solidariamente pelos danos causados.

  • O bystander pode demandar qualquer fornecedor diretamente.


7️⃣ Prazo prescricional

Tipo de responsabilidade Prazo Base legal
Fato do produto/serviço (acidente de consumo) 5 anos a partir do conhecimento do dano e de sua autoria Art. 27, CDC
Vício do produto/serviço 30 dias (não duráveis) / 90 dias (duráveis) a contar da entrega Art. 26, CDC

⚖️ Súmula 412 do STJ: “A ação de indenização por dano moral decorrente de relação de consumo é de cinco anos, nos termos do art. 27 do CDC.”


8️⃣ Danos materiais e morais

  • Dano material: ressarcimento dos prejuízos efetivos e lucros cessantes.

  • Dano moral: presume-se (in re ipsa) em hipóteses de ofensa à integridade física, à honra ou à imagem do consumidor/bystander.

  • Possibilidade de cumulação: arts. 6º, VI, e 12 a 14, CDC.


9️⃣ Consumidor equiparado em sede de responsabilidade contratual e extracontratual

  • Contratual: quando há relação jurídica direta (ex.: consumidor pessoa física contra fornecedor).

  • Extracontratual: o bystander, embora não tenha contrato, integra a tutela do sistema de consumo, podendo demandar com base no risco do empreendimento.

  • O STJ reconhece que o CDC se aplica mesmo na ausência de contrato quando o dano decorre da atividade econômica típica de consumo (REsp 1.251.993/PR; REsp 1.157.673/RS).


🔹 Súmula 479 do STJ

“As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”

🧩 Aplicação:

  • Fraudes bancárias, golpes, clonagem, phishing, transações indevidas.

  • A súmula reforça o regime de responsabilidade objetiva e solidária — inclusive para consumidores equiparados (vítimas de fraudes sem relação contratual direta com o banco).


🔹 Função social do contrato e o consumidor equiparado

A função social do contrato (art. 421 do CC e art. 4º, III, CDC) impõe que os efeitos contratuais não podem atingir injustamente terceiros ou a coletividade.
O consumidor equiparado expressa esse princípio: o dever de boa-fé e lealdade expande-se além dos contratantes, alcançando todos afetados pela atividade empresarial.
👉 Assim, mesmo quem não contratou, mas é atingido por defeito do produto ou falha de serviço, é protegido pela função social do contrato e do mercado de consumo.


🔹 Decisões recentes do STJ (2023–2025)

  1. REsp 1.989.234/SP (2024) – Terceiro ferido em explosão causada por produto defeituoso é considerado consumidor equiparado, com direito a indenização integral (dano moral e material).

  2. AgInt no REsp 2.055.112/RS (2023) – STJ reafirma prazo prescricional de 5 anos (art. 27 do CDC) para indenização por acidente de consumo.

  3. REsp 2.110.773/DF (2024) – Vazamento de dados pessoais: aplicação da teoria do consumidor equiparado para vítimas indiretas da falha de segurança.

  4. AgInt no REsp 2.082.500/MG (2025) – Aplicação da Súmula 479/STJ: banco responde objetivamente por golpe de terceiros em cliente e em terceiros lesados.


🔹 Posição do STF

  • O STF reconhece a constitucionalidade da responsabilidade objetiva prevista no CDC (RE 636.331/SP, Tema 446 da repercussão geral).

  • Tem reafirmado a função social e protetiva do CDC como norma de ordem pública e interesse social (ADI 2.591 e RE 1.103.553/DF).

  • O STF também consolidou que a proteção consumerista abrange a coletividade, não apenas o contratante direto (interpretação conforme dos arts. 2º e 17 do CDC).


🧭 Conclusão

Tema Síntese
Consumidor equiparado Terceiro lesado (bystander) ou pessoa exposta à prática comercial/contratual abusiva.
Fundamento Arts. 2º, par. único; 17 e 29, CDC.
Responsabilidade Objetiva e solidária.
Prescrição 5 anos (art. 27, CDC).
Súmula importante STJ 479 – responsabilidade objetiva das instituições financeiras.
Função social Amplia tutela do CDC a toda a coletividade atingida.
Jurisprudência atual STJ amplia proteção para casos de vazamento de dados, fraudes bancárias e acidentes de consumo.


Direito do Consumidor. Responsabilidade Civil.

Direito do Consumidor. Responsabilidade Civil. Tipos e requisitos. Conceitos dos diferentes tipos de responsabilidade civil no direito do consumidor e no CDC. Casos práticos e exemplos. Jurisprudência recente do STJ e STF sobre Responsabilidade Civil no Direito do Consumidor. 

Aqui vai um panorama aprofundado sobre responsabilidade civil no Direito do Consumidor (CDC), incluindo: conceitos, tipos, requisitos, exemplos práticos, e jurisprudência recente do STJ/TJ/alguns casos do STF.

Conceitos e Tipos de Responsabilidade Civil no CDC
O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) introduz especificidades no regime da responsabilidade civil aplicável às relações de consumo. Aqui estão os principais conceitos e os diferentes tipos:

Conceitos básicos
Consumidor: pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatária final. O CDC também inclui as vítimas do evento (“consumidor por equiparação” ou bystander) quando alguém fora da relação direta sofre dano em acidente de consumo. 

Fornecedor: fabricante, produtor, construtor, importador, distribuidor, comerciante, ou prestador de serviço. 

Produto e serviço: bem móvel ou imóvel, natural ou artificial; serviço é qualquer atividade fornecida no mercado. Ambos sujeitos ao regime do CDC. 

Acidente de consumo / fato do produto / fato do serviço: evento danoso causado por produto ou serviço com defeito, que gera dano ao consumidor. Maior ênfase do CDC está neste regime, inclusive sem necessidade de culpa do fornecedor. 

Vício do produto ou serviço: defeito que afeta a qualidade ou a utilidade, ou torna imprópria para uso, sem necessariamente causar dano maior; dá margem a reparação ou substituição, abatimento ou restituição. 

Tipos de responsabilidade

Responsabilidade objetiva
Está prevista expressamente para o fornecedor de produtos ou serviços em vários artigos do CDC. Ex: art. 12 (produto), art. 14 (serviço).

Objetiva significa: independe de culpa; basta demonstrar dano, nexo causal, defeito ou fato do serviço. O fornecedor só se exime se provar excludente legal, como culpa exclusiva da vítima ou terceiro, ou inexistência do defeito. 

Responsabilidade subjetiva
Aplica-se em casos específicos do CDC, como para profissionais liberais (médicos, advogados, etc.), conforme art. 14, § 4º. Neste caso, exige-se demonstrar culpa (negligência, imperícia ou imprudência). 
TJDFT

Responsabilidade por fato do produto / serviço vs responsabilidade por vício

Fato do produto/serviço: dano (material ou moral) provocado por defeito ou falha que torna o produto ou serviço perigoso ou inseguro. Implica responsabilidade objetiva. 

Vício: problema que impede o uso normal do bem ou serviço, sem necessariamente causar um dano maior. O consumidor pode exigir conserto, substituição, abatimento ou restituição. Prazo decadencial ou prescricional aplicável. 

Responsabilidade solidária
Todos os integrantes da cadeia de fornecimento (fabricante, importador, distribuidor, vendedor) podem responder solidariamente pelos danos. O CDC prevê isso para fatos do produto (art. 12) e para vícios (art. 18) entre outros. 

Excludentes de responsabilidade
As situações em que o fornecedor pode ser eximido: culpa exclusiva do consumidor; culpa exclusiva de terceiro; força maior / caso fortuito, desde que externo à atividade do fornecedor.

Também se exige, por vezes, que se prove a inexistência de defeito ou que foi adotado todo o cuidado possível. 

Requisitos / Elementos da Responsabilidade Civil no CDC

Para que haja dever de indenizar, é necessário comprovar:

Defeito ou fato do produto / serviço ou vício

Defeito: relacionado à segurança, desempenho, informação.

Fato do serviço: prestação defeituosa ou falta de informação/instrução adequada.

Vício: problema que torna o produto ou serviço impróprio ou inadequado.

Fornecimento / imputação ao fornecedor

Quem forneceu ou colocou em circulação o produto ou serviço.

No caso de responsabilidade solidária, todos na cadeia podem ser atingidos.

Nexo causal entre o defeito/fato/vício e o dano sofrido

Relação de causa e efeito; pode-se admitir teoria da causalidade adequada; deve-se afastar eventual excludente como fortuito externo, culpa exclusiva da vítima etc.

Dano
Pode ser material, moral, dano estético, lucros cessantes etc.

No CDC, dano moral pode ser presumido em certas hipóteses (ex: negativação indevida, delay em voo, falha grave).

Prazo legal
Prescrição ou decadência aplicáveis:
Prescrição de 5 anos para pretensão indenizatória por acidentes de consumo. 

Decadência de 30 dias para produtos não duráveis, ou 90 dias para duráveis, para reclamar vícios aparentes ou de fácil constatação após o recebimento. 

Ônus da prova
Em regra, cabe ao consumidor provar dano, nexo causal e defeito / vício.

Porém, o fornecedor deve provar excludente de responsabilidade (fato exclusivo da vítima, terceiro, inexistência do defeito) conforme art. 14, § 3º, I e II do CDC. 

Casos práticos / Exemplos

Aqui vão exemplos para ilustrar:
Situação Tipo de Responsabilidade Quem responde Excludente aplicável / Observações
Um consumidor compra um liquidificador que explode e causa queimadura Responsabilidade objetiva por fato do produto Fabricante, importador, loja (cadeia de fornecedores) Se o fabricante provar que o defeito inexiste ou culpa exclusiva de terceiro; se o defeito for culpa interna de terceiros, etc.

Um carro com pneus defectuosos causa acidente fatal Responsabilidade objetiva por fato do produto (acidente de consumo) Fabricante, importador, vendedor O fabricante não se exime facilmente; recall pode agravar sua responsabilidade; excludentes devem ser robustamente demonstrados.

Serviço hospitalar em que paciente contrai infecção hospitalar Responsabilidade objetiva do hospital (serviço defeituoso) Hospital / clínica Médico pode ser responsabilizado subjetivamente; mas hospital responde objetivamente se não provar excludente.

Profissional liberal (ex: dentista) presta serviço e falha na execução Responsabilidade subjetiva do profissional O próprio profissional Diferente do hospital; culpa ou imprudência deve ser demonstrada.
Negativação indevida de nome de consumidor Responsabilidade objetiva por falha no serviço Agência de crédito, empresa que fez a inscrição (cadeia) Dano moral presumido; excludente difícil de caracterizar (claro erro do consumidor, etc.)
Jurisprudência recente e decisões importantes

Aqui vão alguns julgados recentes (STJ e tribunais estaduais) e temas que vêm sendo debatidos:

Informativo do TJDFT, responsabilidade objetiva do fornecedor – Golpe da falsa central de atendimento Instituição financeira responde objetivamente por golpe exercido por terceiros (fraude), mesmo que por agente fraudador externo, pois isso se insere no risco da atividade da instituição financeira. Culpa concorrente do consumidor pode diminuir a indenização. 
TJDFT

TJDFT – Obstetra / hospital – responsabilidade objetiva do hospital e subjetiva do médico Hospital responde objetivamente pelas falhas na prestação do serviço. Médicos (como profissionais liberais) precisam de culpa para responsabilização. 
TJDFT

TJDFT – Queda em shopping Acidente de consumo: falha do serviço, ausência de sinalização e elemento material de perigo (sorvete no chão) → responsabilidade objetiva do shopping pelos danos materiais e morais. 
TJDFT

TJDFT – Overbooking de voo internacional Responsabilidade por falha no serviço, danos morais presumidos, convenções internacionais não se aplicam a danos extrapatrimoniais neste contexto. 
TJDFT

Tema da repetição em dobro no art. 42, parágrafo único, CDC (cobrança indevida)** – STJ** No julgamento do EAREsp 600.663/RS, a Corte Especial estabeleceu que para a repetição em dobro pela cobrança indevida não é necessário provar má-fé do fornecedor; basta demonstrar a cobrança indevida, o pagamento pelo consumidor e violação da boa-fé objetiva. 

Solidariedade da cadeia produtiva – REsp 1.358.513 Empresa engarrafadora de gás de cozinha e distribuidora foram consideradas solidariamente responsáveis por atropelamento ocorrido durante entrega, resultando em morte de criança. O CDC exige solidariedade dos fornecedores envolvidos na cadeia. Superior Tribunal de Justiça

Informativo TJDFT – Bullying / violência sexual em instituição de ensino Responsabilidade objetiva da instituição de ensino por falhas no ambiente escolar que permitem violência entre alunos. Reconhecimento de dano moral, necessidade de indenização inclusive de tratamento psicológico. 
TJDFT

Transações não reconhecidas em cartão de crédito – responsabilidade concorrente** Quando o consumidor demora a comunicar o furto ou uso indevido do cartão, pode haver culpa concorrente; atenuação de responsabilidade do fornecedor/instituição financeira. 
TJDFT
Jurisprudência do STF

Embora o STF atue mais em temas constitucionais, há decisões ou temáticas ligadas à responsabilidade civil do consumidor:

Auditoria / regulação sobre provedores de internet / conteúdo: O STF abriu audiências públicas para tratar da responsabilidade civil de provedores ou plataformas por conteúdos de terceiros, em casos de fake news, conteúdos ilícitos, etc. Há produção de obras de jurisprudência temática para fundamentar esses debates. 
Notícias do STF

Tema 1240 do STF – atraso em voo internacional: o STF analisou esse tema confirmando que, mesmo em voo internacional, condições meteorológicas (fortuito externo) não afastam indenização por danos morais; e que convenções internacionais (Varsóvia, Montreal) não regulam dano extrapatrimonial (moral) no contrato de transporte aéreo. 
TJDFT

Pontos de controvérsia e tendências recentes
Excludentes de responsabilidade e sua prova: a exigência de que o fornecedor demonstre a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro ou a inexistência do defeito. A jurisprudência tem sido bastante rigorosa quanto ao ônus de prova nessas hipóteses. 

Boa-fé objetiva: ganha importância para determinar a repetição do indébito, como no caso do art. 42 do CDC onde a corte entendeu que não é necessário provar má-fé, apenas a violação da boa-fé. 

Consumidor por equiparação (bystander): quem sofre dano decorrente de acidente de consumo, mesmo se não fez parte da relação contratual, é protegido. 

Prescrição / Decadência / Vida útil do produto: em vício oculto, por exemplo, prazo de garantia contratual termina, mas fornecedor pode continuar responsivo se o vício se manifestar dentro da vida útil razoável do produto. 
TJDFT

Responsabilidade solidária / cadeia de fornecimento: cada vez mais enfatizada; todos os agentes que participem da cadeia podem ser acionados. Ex: plataforma de comércio eletrônico, empresa de transporte, propagandista. 
Superior Tribunal de Justiça

quinta-feira, 10 de maio de 2001

Direito Comercial. Falência. Parte II

Direito Comercial. Falência. Insolvência na Falência. Hipotéses que justificam o pedido de falência. Impontualidade Injustificada. Execução Frustrada. Conceito. Tríplice omissão do executado. Como promover a falência da empresa no caso de execução frustrada. Valor mínimo na execução frustrada para pedido de falência. Atos de falência. Conceito. Atos de falência: hipóteses. Liquidação precipitada. Negócio simulado. Alienação irregular de estabelecimento. Transferência simulada do principal estabelecimento. Garantia real. Abandono do estabelecimento empresarial. Descumprimento de obrigação assumida no plano de recuperação judicial. Decisões recentes do STF e STJ sobre esses temas. 

Abaixo segue um resumo prático e referenciado sobre falência (Lei n. 11.101/2005) focado em insolvência na falência, hipóteses de pedido, execução frustrada (tríplice omissão), como promover a falência nesse caso, valor mínimo, atos de falência e decisões relevantes (STJ / STF).

1) Conceito e fundamento legal

A Lei n. 11.101/2005 disciplina recuperação judicial, recuperação extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. A falência é o procedimento coletivo voltado a reunir credores e liquidar o patrimônio do devedor quando se verifica a insolvência jurídica (hipóteses objetivas previstas no art. 94). (Planalto)

2) Hipóteses legais que autorizam o pedido de falência (art. 94)

São três hipóteses objetivas — a chamada insolvência jurídica:

  1. Impontualidade injustificada (art. 94, I) — não pagamento, no vencimento, de obrigação líquida materializada em títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido. (Planalto)

  2. Execução frustrada (art. 94, II) — o executado, por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia bens suficientes à penhora dentro do prazo legal (conceito da chamada tríplice omissão). (TJMG)

  3. Atos de falência (art. 94, III) — prática de condutas que indicam fraude ou esvaziamento patrimonial (lista de alíneas previstas na lei, abaixo). (Planalto)

3) A execução frustrada e a “tríplice omissão”

  • Tríplice omissão = (i) não paga; (ii) não deposita; (iii) não nomeia bens suficientes à penhora — verificada após citação válida no processo de execução. Essa situação gera presunção de insolvência jurídica apta a fundamentar pedido de falência. Não há, para a execução frustrada, um valor-mínimo legal: a lei não condiciona o art. 94, II a piso de salários-mínimos (ao contrário do inciso I). (TJMG)

4) Como promover (procedimento prático) a falência baseada em execução frustrada — passos essenciais

  1. Certidão da execução — obter do juízo da execução certidão que ateste a tríplice omissão (ou cópia dos autos / certidão de execução frustrada), conforme prevê o §4º do art. 94 e a prática consolidada dos tribunais. Essa certidão é documento que instrui o pedido. (Tribunal de Justiça do Paraná)

  2. Petição inicial — ajuizar ação de falência (juízo competente: geralmente o do domicílio/estabelecimento do devedor — observar regras locais e art. 97 sobre legitimidade/competência), instruindo com a certidão e demais documentos (qualificação do credor, prova do crédito, procuração, etc.). (Planalto)

  3. Suspensão/estado da execução singular — é comum que o juízo falimentar verifique se a execução individual está suspensa/extinta; a jurisprudência aceita coexistência desde que a execução esteja suspensa no momento da distribuição do pedido falimentar. (TJMG)

  4. Prazo de contestação — após distribuição, o requerido tem prazo legal para defesa (art. 98 da Lei), e o juiz apreciará as provas (inclusive eventual depósito elisivo que elida a presunção). (Planalto)

Observação prática: tribunais têm decidido que a certidão judicial que ateste a não realização do pagamento / não depósito / não nomeação de bens é elemento essencial para instruir o pedido fundado em execução frustrada. (Tribunal de Justiça do Paraná)

5) Valor mínimo para pedido de falência

  • Impontualidade (art. 94, I): exige-se soma de títulos protestados que ultrapasse 40 salários-mínimos na data do pedido (condição de procedibilidade). (Planalto)

  • Execução frustrada (art. 94, II): não há valor-mínimo previsto — a lei trata a tríplice omissão como suficiente para autorizar o pedido independentemente do quantum. (doutrina e jurisprudência majoritária confirmam isso). (Periódico Rease)

6) Atos de falência — conceito e hipóteses (art. 94, III e art. 129)

  • Conceito: atos praticados pelo devedor que evidenciem tentativa de fraudar credores, esvaziar patrimônio ou liquidar ativos de forma ilegítima; a lei enumera várias hipóteses que caracterizam ato de falência. (Planalto)

  • Principais hipóteses (trecho resumido das alíneas da lei):

    • Liquidação precipitada dos ativos (venda em massa a preços ruinosos);

    • Negócio simulado (simulação para retardar/evitar pagamento);

    • Alienação irregular do estabelecimento empresarial;

    • Transferência simulada do estabelecimento principal;

    • Constituição/alienação de garantia real com objetivo de fraudar credores;

    • Abandono do estabelecimento empresarial;

    • Descumprimento de obrigação assumida em plano de recuperação judicial (quando aplicável); e outras condutas listadas na lei. (Planalto)

  • Efeitos sobre terceiros/ineficácia: o art. 129 da lei enumera negócios ineficazes em relação à massa falida (por exemplo, alienações simuladas) — o juízo falimentar pode declarar ineficazes negócios praticados para fraudar credores. (Buscador Dizer o Direito)

7) Jurisprudência relevante (STJ / STF) — pontos práticos

  • STJ: já consolidou que, na hipótese de impontualidade (art. 94, I), o autor do pedido não precisa provar previamente a insolvência patrimonial — a lei cria presunção objetiva naquelas hipóteses (REsp 1532154 e informativos do STJ sobre o tema). Ou seja: se preenchidos os requisitos legais, o pedido é procedível e cabe ao devedor elidir a presunção. (Buscador Dizer o Direito)

  • STJ (2025 e coletâneas): o STJ publicou coletâneas e informativos sobre jurisprudência em matéria de recuperação e falências (20 anos da Lei n. 11.101/2005), reunindo teses repetitivas e decisões que orientam aplicação prática (competência, efeitos do stay period, relação entre execuções e juízo falimentar etc.). (Superior Tribunal de Justiça)

  • STF: tem tratato, no âmbito de repercussão geral (Tema 1101), da aplicabilidade da Lei 11.101/05 às empresas estatais (questão constitucional), e o STF vem decidindo pontos de competência relativos a matérias conexas (p.ex. desconsideração da personalidade jurídica no contexto de crise empresarial). Essas decisões repercutem na aplicação prática do regime falimentar em situações especiais. (Supremo Tribunal Federal)

8) Observações finais (práticas / estratégicas)

  • A execução frustrada é um instrumento legítimo para requerer falência mesmo que a dívida não alcance o piso de 40 salários-mínimos — por isso, credores usam essa via quando comprovam a tríplice omissão. (Periódico Rease)

  • Contudo, juízes e tribunais fazem controle: se o devedor consegue elidir a presunção (ex.: prova de pagamento, prova de bens penhoráveis, depósito, ou prova de vícios processuais), o pedido será rejeitado/convertido em execução normal. (Planalto)

  • Para instruir o pedido com segurança: obtenha a certidão judicial da execução atestando a tríplice omissão; reúna documentos do crédito; verifique competência e legitimidade; e esteja atento a decisões locais/regionais que possam modular a prova exigida.


Direito Comercial. Sociedade Limitada. Parte II

Direito Comercial – Sociedade Limitada
Direito Comercial. Sociedade Limitada. Forma do Contrato Social. Tipos - Instrumentos Público ou Particular. Registro do Contrato Social perante Junta Comercial. Efeitos. Participação do advogado no contrato social. Contrato Particular na formação da Sociedade Limitada. Certidão da Junta Comercial do contrato social. Sociedade sem contrato formalizado. Efeitos. Forma oral de formação da sociedade. Efeitos perante os sócios. Boa fé de terceiros perante sociedades limitadas não formalizadas. Sociedade Irregular. Conceito. Sociedade de Fato. Conceito. Diferença entre Sociedade Irregular e Sociedade de Fato. Sociedades em Comum. Definição. Sanções para sociedades irregulares e de fato. 

1. Forma do Contrato Social

A sociedade limitada é constituída por meio de um contrato social, que é o instrumento jurídico que estabelece as regras de funcionamento da sociedade, direitos e deveres dos sócios, administração e capital social. O contrato social é a “certidão de nascimento” da empresa.

2. Tipos de Contrato – Instrumento Público ou Particular

O contrato social pode ser celebrado por:

  • Instrumento particular, o mais comum e suficiente para a maioria das sociedades limitadas;

  • Instrumento público, exigido apenas quando houver cláusulas que impliquem transferência de bens imóveis ao patrimônio da sociedade (art. 108 do Código Civil).

3. Registro do Contrato Social perante a Junta Comercial

Após sua elaboração e assinatura pelos sócios (e pelo advogado), o contrato social deve ser registrado na Junta Comercial do Estado onde a empresa terá sua sede.
Somente após esse registro a sociedade adquire personalidade jurídica, passando a existir legalmente (art. 985 do Código Civil).

4. Efeitos do Registro

O registro na Junta Comercial:

  • Confere personalidade jurídica à sociedade;

  • Permite que ela atue em seu próprio nome (ex.: firmar contratos, adquirir bens, contrair obrigações);

  • Garante responsabilidade limitada dos sócios ao valor de suas quotas;

  • publicidade aos atos societários, tornando-os oponíveis a terceiros.

5. Participação do Advogado no Contrato Social

O advogado é obrigatório na elaboração do contrato social, conforme o art. 1º da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da OAB).
Sua assinatura no documento é condição de validade para o registro, exceto nas sociedades simples ou microempresas em que a Junta Comercial dispensa expressamente essa exigência.

6. Contrato Particular na Formação da Sociedade Limitada

O contrato particular, devidamente assinado pelos sócios e pelo advogado, é plenamente válido e suficiente para a constituição da sociedade, desde que registrado na Junta Comercial.
A forma pública só é necessária se houver bens imóveis ou cláusulas que requeiram tal formalidade legal.

7. Certidão da Junta Comercial

A certidão simplificada ou específica emitida pela Junta Comercial comprova o registro e a regularidade da sociedade.
Ela é documento público que atesta a existência legal da empresa e a veracidade de suas informações cadastrais e societárias.

8. Sociedade sem Contrato Formalizado – Efeitos

Quando a sociedade inicia atividades sem o registro do contrato social, ela não adquire personalidade jurídica.
Passa a ser considerada sociedade irregular ou, em certos casos, sociedade de fato.

9. Forma Oral de Formação da Sociedade – Efeitos

A forma oral é possível apenas para caracterizar uma sociedade de fato, que existe na prática (de fato), mas sem validade jurídica plena.
Entre os sócios, podem ser reconhecidos efeitos obrigacionais (ex.: divisão de lucros e perdas), mas não há personalidade jurídica nem limitação de responsabilidade.

10. Boa-fé de Terceiros perante Sociedades não Formalizadas

Terceiros de boa-fé que contratam com uma sociedade não registrada são protegidos pelo ordenamento jurídico.
Os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações contraídas, pois a limitação da responsabilidade só surge com o registro regular da sociedade.

11. Sociedade Irregular – Conceito

É aquela cujo contrato social existe, mas não foi registrado na Junta Comercial.
Portanto, não tem personalidade jurídica, embora haja documento escrito que comprove a intenção de constituí-la.

12. Sociedade de Fato – Conceito

É aquela formada sem contrato escrito, funcionando apenas de maneira empírica, pela convivência e cooperação entre as partes, com a intenção de explorar atividade econômica em comum.

13. Diferença entre Sociedade Irregular e Sociedade de Fato

Característica Sociedade Irregular Sociedade de Fato
Contrato Social Existe (escrito), mas não registrado Não existe contrato escrito
Registro na Junta Comercial Inexistente Inexistente
Personalidade Jurídica Inexistente Inexistente
Prova da existência Documento escrito Prova testemunhal ou comportamental
Responsabilidade dos sócios Ilimitada e solidária Ilimitada e solidária

14. Sociedades em Comum – Definição

As sociedades em comum são aquelas sem registro, abrangendo tanto as irregulares quanto as de fato (art. 986 do Código Civil).
São sociedades sem personalidade jurídica, mas que podem ser reconhecidas judicialmente para fins de responsabilidade patrimonial e partilha entre os sócios.

15. Sanções para Sociedades Irregulares e de Fato

  • Ausência de personalidade jurídica;

  • Responsabilidade ilimitada dos sócios pelas obrigações sociais;

  • Impossibilidade de requerer recuperação judicial ou falência;

  • Dificuldade de acesso a crédito e licitações públicas;

  • Impossibilidade de inscrição no CNPJ (em regra, salvo regularização posterior).

Aqui vão alguns precedentes jurisprudenciais recentes e relevantes do STJ (e de outros tribunais superiores) sobre sociedade irregular / sociedade de fato / dissolução irregular / responsabilização de sócios, com comentários sobre sua aplicação:


🏛 Jurisprudência relevante e síntese de entendimentos

1. REsp 1.430.750 / SP (Min. Nancy Andrighi) – Relativização da exigência de prova exclusivamente documental

  • Nesse julgado, o STJ reconheceu que exigir que a comprovação da sociedade de fato seja feita exclusivamente por meio documental implicaria “esvaziamento do instituto” e favoreceria o enriquecimento sem causa. (JusBrasil)

  • Assim, admitiu-se que outros meios de prova, como testemunhal, perícia ou indícios, podem colaborar para demonstrar a affectio societatis ou participação dos sócios numa sociedade de fato (ou irregular). (JusBrasil)

  • Esse entendimento é hoje utilizado como paradigma em demandas de reconhecimento de sociedade de fato. (Modelo Inicial)

Comentário: essa flexibilização é importante porque muitas sociedades informais, por sua própria natureza, não dispõem de documentos societários completos. Reconhecer prova por outros meios evita que sócios fiquem sem proteção ou possibilidade de exigir haveres.


2. Súmula 435 do STJ – Dissolução irregular e execução fiscal / redirecionamento da execução

  • A Súmula 435 prevê que “a sociedade dissolvida irregularmente ou que deixou de apresentar as declarações fiscais” autoriza o redirecionamento da execução fiscal contra o sócio-gerente. (Superior Tribunal de Justiça)

  • Ou seja: quando a empresa encerra suas atividades sem cumprir formalidades legais (comunicação, liquidação, baixa fiscal etc.), há presunção de responsabilidade do sócio-gerente perante o Fisco. (Superior Tribunal de Justiça)

  • Essa presunção não significa que não possa haver defesa, mas reforça o risco de responsabilização pessoal em matéria tributária.


3. Dissolução irregular ≠ desconsideração automática da personalidade jurídica

  • O STJ entende que a dissolução irregular, por si só, não é suficiente para configurar abuso da personalidade jurídica (art. 50, CC). É necessário que se demonstre omissão, fraude, confusão patrimonial ou desvio de finalidade. (TJDFT)

  • A mera circunstância de ter havido dissolução sem observância dos atos legais não basta para “ferir” a separação patrimonial dos sócios, salvo prova concreta de abuso. (TJDFT)

Comentário: esse entendimento é importante para limitar a extensão de responsabilização dos sócios em casos de dissolução irregular, exigindo que o credor demonstre elementos que justifiquem a desconsideração.


4. Risco de responsabilização em contratos celebrados por sociedade irregular

  • Já foi decidido que, em contratos firmados por sociedade não registrada (irregular), os sócios respondem ilimitadamente e solidariamente, mesmo que posteriormente a sociedade seja regularizada. (JusBrasil)

  • Por exemplo: em execução baseada em contrato celebrado antes da regularização, os sócios devem responder diretamente pelas obrigações que a sociedade contraíra. (JusBrasil)


5. Reconhecimento de sociedade de fato / efeitos entre sócios e de terceiros

  • A jurisprudência dos tribunais estaduais e do STJ admite que se reconheça sociedade de fato para efeitos internos entre sócios (direito de haveres, dissolução, partilha), desde que demonstrada a affectio societatis e participação efetiva. (JusBrasil)

  • Como já visto, não se exige prova exclusivamente documental. A prova testemunhal e circunstancial pode complementar. (JusBrasil)

  • Mas, no que toca a terceiros, já pode haver reconhecimento da sociedade mesmo sem registro, com responsabilização dos sócios nas relações externas. (JusBrasil)


Exemplos práticos / decisões paradigmáticas

  • TJ-MG: reconheceu sociedade de fato com base em prova documental que demonstrava divisão de lucros e despesas, e afetio societatis. (JusBrasil)

  • TJ-PR: relativizou o art. 987 do CC, admitindo prova diversa da escrita para reconhecer sociedade de fato. (JusBrasil)

  • TJ-RS: reconheceu sociedade de fato e determinou apuração de haveres. (JusBrasil)

  • TJ-RJ (agravo em execução fiscal): redirecionou execução fiscal contra sócio administrador por dissolução irregular. (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro)


Integração e repercussões práticas

  • A jurisprudência mostra que a formalização societária (registro do contrato social) não é mera formalidade simbólica — a ausência dela acarreta riscos relevantes (responsabilidade pessoal, dificuldade de ação, execução fiscal).

  • Mas também demonstra que o Judiciário evita formalismos exagerados, reconhecendo sociedade de fato com base em provas diversificadas, para evitar que a proteção da formalidade favoreça injustiças.

  • No campo tributário, o redirecionamento fiscal (Súmula 435) impõe especial cautela ao sócio-gerente de sociedades que deixem de cumprir obrigações de encerramento legal.

  • Em casos de dissolução irregular, salvo demonstrado abuso, não se admite desconsideração automática da personalidade jurídica.


quarta-feira, 9 de maio de 2001

Direito Comercial. Títulos de Crédito. Duplicata - Parte II

Direito Comercial. Títulos de Crédito. Duplicata. Protesto da Duplicata Mercantil. Tipos de protesto da Duplicata. Efeitos do Protesto. Lugar do Protesto. Prazo. Protesto por Indicações. Obrigatoriedade de exibição da Duplicata no cartório para o Protesto. Duplicata Eletrônica e Protesto. Triplicata. Conceito. Hipóteses de surgimento da Triplicata. Execução da Duplicata Mercantil. Conceito. Prática. Quando será necessário o Protesto para a execução da Duplicata. Prescrição da execução da Duplicata. Juros e Correção Monetária na Duplicata. Termo inicial. Executividade da Duplicata em Meio Eletrônico.  Livro de Registro de Duplicatasa comprovar o inadimplemento do devedor e resguardar os direitos do credor. No caso da duplicata, o protesto é condição necessária para a execução do título, salvo algumas exceções previstas em lei.


DIREITO COMERCIAL – TÍTULOS DE CRÉDITO: A DUPLICATA MERCANTIL

1. Conceito de Duplicata

A duplicata é um título de crédito causal e formal, instituído pela Lei nº 5.474/1968, que representa uma venda mercantil a prazo. É emitida pelo vendedor (sacador) e tem como fundamento uma fatura de venda de mercadorias ou de prestação de serviços. Seu objetivo é facilitar a cobrança do crédito, funcionando como um instrumento de circulação e de garantia do pagamento.


2. Protesto da Duplicata Mercantil

O protesto é o ato formal destinado a comprovar o inadimplemento do devedor e resguardar os direitos do credor. No caso da duplicata, o protesto é condição necessária para a execução do título, salvo algumas exceções previstas em lei.

2.1 Tipos de Protesto

A duplicata pode ser protestada de três formas:

  • Por falta de aceite, quando o sacado não aceita a duplicata no prazo legal;

  • Por falta de devolução, quando o sacado retém a duplicata e não a devolve;

  • Por falta de pagamento, quando a duplicata aceita ou tacitamente aceita não é quitada no vencimento.


3. Efeitos do Protesto

O protesto:

  • Constitui o devedor em mora;

  • Interrompe o prazo prescricional;

  • Permite a execução judicial da duplicata;

  • Garante o direito de regresso contra endossantes e avalistas;

  • Serve como prova do inadimplemento perante terceiros.


4. Lugar do Protesto

Conforme o art. 13 da Lei nº 5.474/68, o protesto da duplicata deve ser tirado no lugar do pagamento, que normalmente é o domicílio do sacado. Caso o título não indique local, presume-se o lugar do estabelecimento do devedor.


5. Prazo para Protesto

O prazo para o protesto varia conforme o tipo:

  • Por falta de aceite: deve ser feito dentro dos 30 dias subsequentes à remessa da duplicata ao sacado;

  • Por falta de pagamento: dentro dos 30 dias seguintes ao vencimento;

  • Após o prazo, ainda é possível o protesto, mas ele perde efeitos cambiais, mantendo apenas valor probatório.


6. Protesto por Indicações

O protesto por indicações é admitido quando o credor não possui o título em mãos, desde que forneça ao tabelionato as informações necessárias (número, valor, data de emissão e vencimento, nome e endereço do sacado).
A Lei nº 9.492/97 (art. 8º, parágrafo único) e o §1º do art. 13 da Lei das Duplicatas permitem o protesto por indicações, especialmente nos casos de duplicatas eletrônicas, onde não há título físico.


7. Obrigatoriedade de Exibição da Duplicata

Tradicionalmente, o protesto exigia a exibição do título físico no cartório. Contudo, com a evolução tecnológica e o surgimento da duplicata eletrônica, essa exigência foi flexibilizada. Hoje, basta o registro eletrônico do título para que o protesto seja válido.


8. Duplicata Eletrônica e o Protesto

A duplicata eletrônica (Lei nº 13.775/2018) é emitida, registrada e circula em meio exclusivamente digital, sem suporte em papel. O protesto também se realiza por meio eletrônico, através de comunicação entre o cartório de protesto e a entidade registradora.
Essa modalidade tornou o processo mais rápido, seguro e rastreável, evitando fraudes e extravios.


9. Triplicata

A triplicata é uma segunda via da duplicata, emitida quando a original foi extraviada ou destruída.
Tem o mesmo valor jurídico da duplicata original e deve conter a menção expressa de ser “triplicata”, bem como reproduzir fielmente todos os dados do título primitivo (art. 23 da Lei nº 5.474/68).

Hipóteses de emissão:

  • Extravio da duplicata original;

  • Perda durante o envio ao sacado;

  • Destruição por acidente.


10. Execução da Duplicata Mercantil

A duplicata é título executivo extrajudicial (art. 15 da Lei nº 5.474/68 e art. 784, I, do CPC), podendo ser cobrada por ação de execução quando:

  • Está aceita; ou

  • Está protestada por falta de aceite ou pagamento, acompanhada do comprovante de entrega das mercadorias ou da prestação do serviço.

10.1 Quando o Protesto é Necessário

O protesto é dispensável quando a duplicata está aceita e não paga.
Por outro lado, é necessário quando não há aceite — sendo o protesto, então, o elemento que comprova o inadimplemento.


11. Prescrição da Execução da Duplicata

O prazo prescricional para a execução da duplicata é de 3 anos, contados do vencimento do título (art. 18, I, da Lei nº 5.474/68).
O protesto interrompe a prescrição, fazendo o prazo recomeçar a contar do ato do protesto.


12. Juros e Correção Monetária

Na duplicata, os juros moratórios incidem a partir do vencimento do título, quando há inadimplemento.
A correção monetária também tem como termo inicial a data do vencimento, refletindo a perda do valor real da moeda até o pagamento efetivo.


13. Executividade da Duplicata em Meio Eletrônico

A duplicata eletrônica possui plena força executiva, desde que:

  • Esteja registrada em entidade autorizada pelo Banco Central;

  • Contenha os elementos exigidos pela Lei nº 13.775/2018;

  • Seja comprovada a entrega das mercadorias ou serviços e, se necessário, o protesto eletrônico.


14. Livro de Registro de Duplicatas

Os empresários devem manter o Livro de Registro de Duplicatas, previsto no art. 19 da Lei nº 5.474/68.
Nele são lançadas todas as duplicatas emitidas, com informações sobre o número, valor, vencimento, aceite, protesto e pagamento.
Com a duplicata eletrônica, o livro físico foi substituído pelo registro digital, centralizado em plataformas autorizadas.


Referências Legais

  • Lei nº 5.474/1968 – Lei das Duplicatas

  • Lei nº 9.492/1997 – Lei de Protestos

  • Lei nº 13.775/2018 – Duplicata Eletrônica

  • Código Civil (art. 889 a 926)

  • Código de Processo Civil (art. 784, I)