Louis de Bourges foi um jovem afortunado. Nasceu em uma família nobre, pertencente da Casa de Boubon. Foi criado brincando nos jardins de Versalhes com o pequeno Luís. Quem seria esse amigo de infância no futuro? Ora, seria o futuro rei Luís XVI, de triste memória, pois o destino quis que ele se tornasse o último monarca da França pré-revolução. O adolescente Bourges também foi grande amigo de juventude de Maria Antonieta. Quando ela foi para Versalhes, vinda de sua terra natal Áustria, a garota tinha apenas 14 anos de idade. Mal sabia falar a língua de seu futuro marido. Na época era comum as casas nobres trocarem casamentos entre seus membros. Era uma forma de selar a paz entre países e nações.
Sua vida humana foi no luxo, na fartura e na festa, isso na corte mais luxuosa e excêntrica da Europa. Memoráveis as festas à fantasia promovidas pela amiga Antonieta, onde todos os membros da corte surgiam em fantasias belíssimas, com muita pompa e elegância. Tempos maravilhosos. Bourges não tinha muitos talentos pessoais, não era particularmente estudioso e tampouco se preocupava em construir o futuro com seus próprios méritos. Isso não existia, em absoluto. Só pelo fato dele ser um nobre já o definia como um homem bem sucedido. E o fato de ter sido amigo pessoal do casal que reinava na França o qualificava para qualquer cargo público que quisesse, onde pretendesse e com o salário que pedisse. Era assim naquele mundo de altos privilégios.
Só que a besta foi solta. E o que era a besta? Era a revolta do povo francês. Durante anos o povo foi esmagado por uma grande crise financeira. Enquanto o povo passava fome a corte de Versalhes se banhava em festas cada vez mais extravagantes. A Rainha Maria Antonieta desfilava com seus vestidos maravilhosos e seus excêntricos penteados ao estilo Poof. Havia ai uma tensão. O povo sustentava a classe nobre parasita enquanto mal conseguia colocar um prato de comida para seus filhos. Maria Antonieta e os nobres viviam de pura ostentação. O rei Luís XVI logo ganhou uma fama de fraco e impotente pois não conseguia consumar seu casamento para gerar um herdeiro. Havia um clima de panela de pressão prestes a explodir a qualquer momento.
Louis de Bourges não parecia preocupado. Com 19 anos de idade ele estava mais preocupado em levar para a cama as moças da pequena nobreza. Nem é preciso lembrar que a devassidão sexual imperava em Versalhes. Todas as mulheres eram de todos os homens. E algun homens também eram homens de outros homens. Embora a monarquia passasse a imagem oficial de católica e conservadora, o fato é que a luxúria imperava. A Rainha Maria Antonieta logo ganhou fama de devassa, com gravuras pornográficas sendo vendidas em toda Paris. Bourges não se importava. Ele detestava política, além disso estava em uma fase de vício em sexo, de todas as maneiras, de todas as formas. Sua pecadora existência porém estava prestes a chegar ao final. Em pouco tempo a Revolução Francesa bateria à porta de sua tranquila e perfeita vida. O mundo estava prestes à virar de ponta-cabeça.
Louis voltava para Versalhes para um exercício de nostalgia. E deveria estar morto há séculos. Todas as pessoas que ele conheceu deveriam estar mortas. Ele havia visitado há pouco o túmulo de Maria Antonieta. Pobrezinha. Cortaram sua cabeça, jogaram seu corpo em uma vala comum, jogaram cal por cima de seu rosto lindo. Um fim de vida trágico.
Louis, o vampiro, tinha sido seu amigo. Agora de volta a Versalhes ele revia todos os salões, todas as salas, que um dia vivenciaram uma linda história da monarquia francesa. O Palácio com seus inúmeros espelhos realmente representavam um desafio a um ser cuja imagem não se refletia neles. Porém Louis era cuidadoso. Ele ficava parado sem passar na frente de um espelho se houvesse muitas pessoas próximas. Não queria dar sopa ao azar.
E ao adentrar o quarto que um dia pertenceu a Maria Antonieta, ele chorou. Chorou não apenas pela dor da morte horrível da amiga, chorou pela morte de toda uma era. Chorou pelo fim das grandes festas. Chorou ao saber que nunca mais iria fazer parte de uma corte tão maravilhosa como aquela. O mundo em que ele agora existia era sem brilho e sem glamour. Os revolucionários franceses envenenaram a alma dos homens. E Louis havia vivido toda essa história na pele. Ele estava na Rússia quando a revolução dos comunistas tomou o poder. Ele viu o sangue escorrendo da montanha mais uma vez... E ele chorou novamente por lembrar disso.
Cap. II - Valerie de Versalhes
Louis ainda se lembra da primeira vez que bebeu sangue. Foi na velha casa que servia de "fazendinha" para Maria Antonieta. Não poderia haver coisa mais inusitada. Enquanto os verdadeiros camponeses franceses sofriam com a grave crise econômica, muitos deles passando fome com suas famílias, a rainha brincava de camponesa em uma fazendinha de mentira perto do Petit Trianon, seu palácio privativo perto em Versalhes. Nesse lugar tinha tudo que uma verdadeira fazenda francesa tinha, como bois, porcos, aves, peixes. Só não tinha camponeses de verdade. Quem frequentava aquele lugar era a nobreza entediada que precisa preencher seus dias de tédio com alguma diversão.
Louis conheceu a jovem Valerie ali. Era filha de um dos serviçais de Versalhes. Uma mulher de longos cabelos pretos cacheados, carnes fartas, com jeito de ser muito quente na cama. Carnuda e muito sensual, Val pecava pela dentição ruim e feia. Ali ela se revelava mesmo uma senhorita das classes inferiores. Tinha dois dentes centrais prejudicados, chegando a serem ridículos. Louis porém não estava interessado em sexo. Ele poderia satisfazer sua lascívia entre as pernas da mulher quando bem entendesse. Só que ele não queria sua vagina, mas sim sua jugular. Louis queria sangue para se alimentar.
E o mais estranho é que ele nem tinha tido consciência ainda que havia se tornado um vampiro, uma criatura da noite. Não sabia quem o havia mordido, provavelmente na madrugada anterior, numa orgia no templo do amor, onde nobres e garotas da plebe se entregavam ao máximo da luxúria. Onde ninguém era de ninguém, onde todos beijavam todos, chupando todos os membros sem se importar quem era os seus donos. Na orgia de sexo e bebidas provavelmente perdeu a consciência. Com o pescoço à mostra foi infectado, virando para sempre um desgraçado filho de Satã que jamais encontraria a morte... ou a vida!
Val pensou que Louis queria transar com ela. Levantou as saias, mostrou as coxas carnudas. Louis deu um salto, tal com um ente predador que ataca sua caça. Ela mal teve tempo de reação. Seus olhos abriram com espanto, tentou dar um grito, mas Louis tapou sua boca e em um ato de extrema violência quebrou seu pescoço. O sangue de presas vivas sempre foi mais saboroso para os vampiros. Eles conseguiam sentir o pulso de seus corações no delicioso líquido vermelho, mas como Louis ainda era um novato nem pensou muito nisso. Preferia matar, ante de ingerir. O inesquecível para ele nessa noite nem foi o sangue dela corrente em seus caninos, mas sim a sensação única de ver a vida de sua vítima escoar pelas pupilas dilatadas. A morte chegando e a vida indo, lhe trouxe um enorme prazer.
Cap. III - Anne de Bourbon
Em 1982 uma velha agenda foi desenterrada nos amplos jardins de Versalhes. Estava debaixo de uma pequena cerca. Corroída pelo tempo, conseguiu resistir ao tempo por causa das areias onde foi enterrada. Enterrada ou perdida? Não se sabe ao certo. O que se sabe é que em suas páginas havia um conteúdo inacreditável. Ao ler página após página o leitor iria chegar na conclusão que era o diário de um vampiro! Estranho não é mesmo? Assinando apenas como "Lobo da Noite" essa figura era na realidade Louis, um jovem que circulava na nobreza de Versalhes nos tempos de Maria Antonieta.
A primeira página era reveladora. O autor confessava sua própria situação ao escrever: "Estou morto! Minha temperatura corporal é nula. Minha pele vai perdendo a elasticidade se eu não for atrás do néctar dos deuses. O que é o Néctar dos deuses? É sangue humano, meu caro. Eu preciso de sangue humano. Não importa, se de jovem ou velho, homem ou mulher. O sangue humano é preciso para que o corpo não entre em decomposição. Alguns disseram que ratos e animais inferiores eram o bastante. Não são! Só o sangue de um ser humano restaura a beleza da juventude. Eu sou um animal e preciso abater um animal da mesma espécie para continuar existindo".
E havia mais nesse desabafo: "As pessoas gostam de ver vampiros como seres nobres. Não são! São monstros. Se há alguma elegância, se há alguma educação ou modos finos, isso tudo é apenas a antevéspera do ataque. Eu quero morder o pescoço, eu quero quebrar a coluna de quem estou matando. Eu sou um predador e eu sou um imundo das trevas. Todos os vampiros que tive o desprazer de conhecer eram seres repugnantes. Asquerosos... asquerosos! Fingiam ser até mesmo religiosos, mas no fundo eram seres forjados no ódio. Não havia finesse, havia sede de sangue!".
Muitas vezes a ira soltava das páginas: "Eu quero triturar essa vadia, eu quero matar ela. É bonita? Se acha superior? Eu quero mostrar a ela quem é o superior! Eu sou superior, eu sou eterno! A escrota se chamava Anne Bourbon. Depois de virar mãe solteira, ao ser usada como vasilha de esperma de um médico arrogante e insensato, ela ficou grávida. Ele a largou. Quando eu era mortal havia gostado dela. Fui desprezado. Mais do que isso, fui ridicularizado! Maldita, maldita! Agora veja essa vadia. Largada, abandonada. Mãe solteira. Tu não vale nada, mas eu vou sair com você. Eu vou te seduzir na calada da noite. Vou te fazer sentir uma deusa, como nos velhos tempos quando eras jovem e bonita. Porém eu vou te destroçar quando levá-la a um quarto de quinta categoria de um bordel imundo de Paris. Eu vou te matar, mas antes vou fazer com que se sinta especial. Depois vou sugar seu sangue, cravar minhas unhas em sua pele bronzeada e vou tirar sua vida. Com prazer enorme vou te jogar na lata de lixo! Pensa que me desprezou no passado e vai ficar por isso mesmo? Eu vou te destruir, eu vou sugar sua vida, sua desgraçada miserável". O amor não correspondido pode mesmo facilmente ser transformado em puro ódio irracional.
Segundo consta nos registros policiais o corpo de Anne de Bourbon foi encontrado numa velha casa no dia 12 de dezembro de 1799. Ela tinha a cabeça decepada e vários cortes em todo o seu corpo. Pelo tamanho das feridas havia sido atacada por um animal feroz, provavelmente um lobo ou um urso selvagem. Mas quem poderia imaginar um urso andando por Paris? Não havia sentido nisso. Por essa razão o inquérito ficou por anos sem solução até ser arquivado definitivamente cinco anos depois.
Se o que estava escrito era verdade ou não, o autor vampiro revelava tudo. O texto contava sobre a morte de Anne: "Eu a encontrei por volta das oito horas. Apesar dos anos passados ela ainda poderia ser vista como uma mulher desejável. Claro, dois filhos depois seus seios já não eram os mesmos. Ela também não era uma atleta e por isso gorduras denunciavam o passar dos anos. Seus dedos, tantos dos pés como das mãos, sempre foram horríveis. Parecia algo mal feito, de segunda mão. Era o que denunciava suas origens pobres, de gente que foi subindo aos poucos na escala social. Ela era inicialmente filha de um militar de terceiro escalão. Depois que ficou grávida do tal médico melhorou um pouco seu status".
E continuou: "Depois de bebermos vinho por toda a noite, a convidei para ir a um quarto ali perto. Ela já estava um pouco embriagada. Foi fácil levar aquela jovem senhora, já se tornando velha snehora, para aquele lugar escuro. Ao colocar esse corpo feminino na cama pensei como eu era tolo aos 19 anos de idade. Pensando que aquilo ali tinha algum valor maior. Não tinha, era carne de segunda. Olhei para ela e disse falsamente como ela era bonita. Nisso a Anne deu um sorriso. Em fúria rasguei seu rosto com minhas mãos. O sangue jorrou por todo o quarto..."
"Ela quis gritar, mas eu dei um forte soco em sua cara. Ela não chegou a perder os sentidos, mas ficou zonza... não perdi mais tempo e avancei em seu pescoço. Não foi uma mordida, foi uma carnificina! Eu arranquei grandes nacos de sua carne... o sangue me lambuzou todo... eu fiquei em êxtase... queria uivar como um lobo... e continuei a cortar e cortar... tome sua vadia, sua puta! É isso o que você merece... um morte indigna... Eu quis lhe dar seu amor, mas você não quis... Agora pagará, MORRA CADELA, MORRA CADELA... eu amei cada segundo da morte daquela mulher. Bebi e bebi seu sangue até me fartar..."
Os detalhes combinavam com o que estava descrito pela polícia. Foi uma morte digna de Jack, o Estripador. Aliás para os investigadores que estiveram na cena do crime foi muito além disso. O pescoço estava em frangalhos. Sua cabeça foi separada do corpo não por um corte de espada ou faca, ou algo equivalente, mas sim por mordidas, cada vez mais profundas e violentas... algo que destruiu suas estrutura física. Depois de tudo o assassino havia jogado sua cabeça dentro do vaso sanitário imundo que havia naquele quarto infecto. Havia ali claro sinais de fúria e vingança. Depois que o vampiro aniquilou e humilhou sua vítima ele ainda se virou para dar uma última cuspida naquela carcaça sem vida. "IMUNDA, IMUNDA... " - Foram suas últimas palavras antes de virar sua capa e sair pela noite adentro.
Essa foi a segunda morte da não vida vampiresca de Louis de Bourges.
Cap. IV - A Condessa Russa
Em meados de 1820 o vampiro Louis ouviu falar que a condessa russa Raissa estava em Paris. Uma mulher fabulosamente rica, única herdeira de um militar que havia caído nas graças do czar. Com sua morte ela teria herdado milhões em joias, propriedades e dinheiro, depositado nos mais exclusivos bancos da Europa. Apesar de toda a riqueza, a condessa era uma pessoa desprezível. Ela era uma mulher feia. Apesar de possuir olhos verdes, todo o conjunto era tenebroso. Ao invés de ter curvas, como convém a uma bela mulher, ela tinha o corpo quadrado. Não havia seios. Era magra em demasia. Os dentes estavam amarelados pelo fumo. O conjunto era ruim. Era uma mulher feia por fora e por dentro.
Ela procurava compensar sua feiura indo atrás de belas jovens. Era lésbica. Porém ao invés de se relacionar com essas moças, que eram lindas, mas pobres, a condessa abusava de todas elas. No começo enchia todas dos mais belos vestidos. Das mais belas joias. Depois quando começavam a se sentir belas, a condessa começava a tirar tudo. Era um jogo psicológico doentio. Ela queria humilhar, desprezar a juventude a a beleza dessas mulheres. Na Rússia se dizia que ela havia matado algumas de suas servas. Não por acaso as mais belas. Ela tinha complexo de inferioridade perante aquelas belas jovens. Como era feia e ruim, queria destruir a beleza feminina da face da terra.
Quando as mortes começaram a incomodar, por terem caído na boca do povo, a condessa decidiu ir embora para Paris. Só que na capital francesa ela não perdeu o gosto pela morte. Em poucas semanas já surgia como suspeita da morte de uma jovem empregada. Só que Paris não era São Petersburgo. Na capital francesa ela seria investigada e se seus crimes fossem descobertos, seriam punidos. O Lord Louis a desprezava. Em pouco tempo procurou se aproximar dela. Com seu eterno corpo de 19 anos (idade em que se tornou um vampiro, um ser da noite), ele seduziu uma das damas de companhia da condessa. Em pouco tempo foi apresentado a ela. Na verdade o vampiro só queria matar aquela mulher.
Numa noite, conversando com a condessa, Louis descobriu que ela realmente era uma pessoa asquerosa. A condessa desfilou todos os seus preconceitos. Odiava negros e pessoas de cor. Era racista. Preconceito racial. Achava os homossexuais aberrações, isso apesar de ser uma lésbica violenta e possessiva. Como se pode perceber tinha preconceito sexual, ao mesmo tempo sendo a pessoa mias hipócrita da Europa. Dizia ser religiosa, mas sua vida pessoal era de pura devassidão. Mais uma prova de sua hipocrisia. E para fechar o quadro geral, odiava pessoas pobres. Tinha preconceito social contra as pessoas mais humildes. Era a mulher mais asquerosa da Europa. Seu destino era de morte. Louis estava pronto para cumprir esse destino.
O vampiro, com os longos anos passado, acabou se tornando uma pessoa culta. Era ótimo na conversação envolvendo livros, artes e história. Afinal ele tinha sido uma testemunha ocular de todos os acontecimentos desde os tempos de Maria Antonieta. Durante uma das noites a condessa o convidou para ir ao teatro com ela. Iriam de carruagem. Aliás a carruagem da condessa, vinda da Rússia, chamava atenção por onde passava. Era puro luxo e ostentação. E seria dentro dessa gaiola de ouro que o Lord vampiro iria atuar.
Já era tarde da noite quando saíram do teatro. Ao entrarem numa rua escura de Paris, Louis não perdeu tempo. Ele imediatamente deu uma pausa, olhou para a condessa e disse: "Seu destino chegou!". A condessa riu e perguntou: "O que você está querendo dizer com isso?"... mal houve tempo dela terminar a frase. Com suas garras de vampiro, Louis rasgou seu rosto. Ela ainda deu um grito, o que levou o condutor da carruagem parar para ver o que estava acontecendo. Ao descer e olhar pela janela ele viu Louis já sugando a jugular da condessa dentro da carruagem.
"Meus Deus! O que é isso?" - gritou o empregado. Louis percebendo que ele poderia criar problemas pulou fora da carruagem em um piscar de olhos. Com uma barra, tirada da lateral da carruagem, atingiu em cheio a cabeça do homem. Esse caiu imediatamente, seu sangue jorrava pela calçada escura e molhada da ruela. A condessa ainda respirava. Louis teria que matá-la, caso contrário ela iria virar uma vampira. Imagine uma pessoa ruim como aquela com os poderes de um ser da noite! Com a mesma barra que estava em mãos Louis nem pensou duas vezes e cravou ela no peito da nobre russa, destruindo seu coração com o impacto. O cenário foi desolador. A condessa destroçada, com o corpo arruinado e seu condutor afogado no próprio sangue. Louis então viu que ambos estavam mortos. Ele calmamente pegou seu elegante chapéu, sua capa e sua bengala sueca e saiu, tranquilamente pela rua, encoberto pela noite, que agora, após tantos anos como vampiro, aprendera a amar mais do que tudo nessa existência noturna.
Cap. V - A Jovem Estefânia
Depois de encontrar vários textos avulsos fui nas principais bibliotecas nacionais em busca de manuscritos. Quem sabe poderia haver algo sobre esse estranho personagem chamado Louis de Bourges. Acabei me deparando com uma série de manuscritos que podem ser catalogados em ordem cronológica. Muitos deles com informações preciosas. A maioria deles datam a pattir de 1850 e são creditados a uma suposta família Bourges. Ali estão registros de avô, pai e filho. Minha opinião? Todos foram escritos pelo próprio Louis, que ia assumindo novas identidades conforme o tempo ia passando. Assim Louis I era o mesmo Louis II e Louis III. Era a mesma pessoa, o mesmo vampiro, escrevendo suas experiências enquanto as areias do tempo iam se acumulando em sua existência.
O tal de Louis Bourges II surge por volta de 1850. Ele se auto denomina estudante de direito, indo pela primeira vez para a Universidade Jurídida de Paris. É curioso. O Louis original nada mais tinha sido do que um devasso na corte de Maria Antonieta. Agora, passados décadas da morte da rainha, ele parecia se inclinar para os estudos. A leitura de livros era o seu foco. Se tornar um jovem e promissor advogado um de seus objetivos. Sobre isso, datando de março de 1850, o novo Louis escrevia em uma carta enviada para uma tal senhorita Estafânia ou Estefânia (a letra estava bem ruim, borrada pelo tempo): "Eu quero um novo recomeço em minha existência. Os dias de loucos parasitas ficaram para trás. Se há algo que aprendi nessa minha vida é que os livros engrandecem o homem. A busca pelo saber e pela sabedoria é o grande desafio. Oh, como eu tinha uma vida tola! Agora... novos tempos, novos desafios..."
Esse Louis II era bastante empenhado na sua nova profissão. Ele se tornou advogado pela luta dos trabalhadores pobres. Quem diria que um antigo nobre, da corte mais luxuosa e fútil da história da Europa, iria se dedicar tanto ao campo das lutas sociais? Em um texto que encontrei na biblioteca o jovem jurista Louis proclama por igualdade: "Os trabalhadores, que geram toda a riqueza, vivem na mais completa pobreza. Uma classe de novos burgueses, sugam toda a riqueza da nação." Quem diria mesmo. Os ideais de um socialismo utópico agora calavam alto no peito daquele jovem homem de estudos jurídicos.
Mas os sonhos, pelas minhas pesquisas, iriam durar pouco. O jovem Louis II foi preso e julgado pelo crime da morte de uma jovem chamada Estefânia Saint - o mesmo nome que encontrei na carta citada. Ela foi encontrada na beira de uma estrada de terra, mordida no pescoço. Pelo visto Louis não conseguiu conter seus impulsos vampirescos e colocou tudo a perder. Ele foi visto subindo na carruagem da jovem donzela pouco antes de seu corpo ser encontrado sem vida. Embora fosse um bom advogado ele não conseguiu convencer os jurados de sua inocência. Acabou sendo condenado pela morte da garota, pegando 40 anos de prisão em uma cadeia de Nice. Depois de poucos meses ele fugiu e desapareceu para sempre das páginas dos jornais.
Foi então que Louis III apareceu. Ele dizia ser o filho de Louis II (balela, era a mesma pessoa). Através de um rápido inventário herdou todos os bens e imovéis do suposto pai. Vendeu tudo e foi embora de Paris para sempre. Ao que me consta esse terceiro Louis foi para a Romênia, onde comprou uma grande propriedade rural, que contava inclusive com um castelo medieval. Estaria Louis agora pensando em levar uma vida de Conde Drácula, igual ao famoso personagem da literatura? É possível. Por isso nem pensei duas vezes e fui até a região onde ele morou até, segundo meus registros preliminares, 1880. Estaria eu seguindo as pistas certas? Veremos no próximo capítulo.
Cap. VI - Londres, 1888
Um dos escritos mais interessantes do Lord Vampiro se refere a Jack, o Estripador. Isso mesmo. Colocarei aqui suas impressões na íntegra: "Em 1888 eu fui até Londres. Quando estava em Paris soube que havia um assassino insano nas ruas da cidade, em um bairro pobre, cheio de prostitutas, chamado Whitechapel. Em um primeiro momento pensei se tratar de um membro da minha linhagem, um desgraçado chupador de sangue, que havia enlouquecido, matando e estuprando mulheres que eram conhecidas como desafortunadas, mulheres pobres, com problemas de alcoolismo, que vagavam pelas ruas e ofereciam seus corpos a quem estivesse interessado. Pobres mulheres perdidas nesse mundo vil e violento, devo dizer que senti pena delas.
Infelizmente, para meu infortúnio, descobri que as mortes tinham cessado quando finalmente coloquei os pés naquela cidade suja, sempre com céu nublado e muita neblina asfixiante. Apesar de todo o glamour e pompa da rainha Vitória, devo dizer que viver ali naquela pocilga não era a melhor coisa do mundo. Sempre preferi o belo litoral do sul da França, isso apesar de como é óbvio, não poder desfrutar das praias ensolaradas daquela região. Mas voltemos, voltemos, porque tenho uma revelação a fazer. Muito provavelmente ninguém vai resgatar esses meus escritos das areias do tempo, mas vou escrever, porque hoje é uma noite particularmente sombria.
O verdadeiro Jack, o Estripador era um pobre coitado corroído pela doença mental chamado Aaron Kosminski. Ele era um imigrante polaco, de origem judaica, que foi para Londres atrás de seu irmão mais velho que abriu um pequeno comércio de vendas de roupas para mulheres. O Aaron era o filho mais jovem dessa família. Ele foi criado sem pai, pois esse morreu muito cedo. Os judeus sofriam forte perseguição na Polônia. Por isso parte da família Kominski se mandou para a Inglaterra. Lá eles mudaram seus nomes para Abrahams. Primeiro porque era mais fácil de pronunciar na língua. Segundo, porque eles tinham medo de serem reconhecidos como judeus que eram. O medo era grande naquela época.
Aaron Kosminski matou aquela mulheres porque estava em surto psicótico. Ele tinha esquizofrenia e iria passar o resto de sua miserável vida em um hospício imundo. Ele nunca escreveu aquelas cartas para a polícia de Londres se auto denominando Jack, o Estripador. Ele era analfabeto. Quem escreveu as cartas foi um jornalista que queria afinal de tudo vender jornais. Era o seu negócio. Penso até que esse louco do Kosminski sequer sabia o que estava fazendo. Ele não tinha consciência de seus crimes. Quando cheguei a Londres fui com o objetivo de trucidar o assassino Jack, mas quando descobri a verdade, simplesmente desisti. Não valia a pena. Eu tive pena e nojo dessa criatura.
Por fim mais uma revelação. Os judeus de Londres sabiam que Aaron Kosminski era Jack, mas esconderam a verdade. Por qual razão? Eles tinham receios que uma onda de violência contra judeus iria explodir depois que a verdade fosse espalhada. Por isso decidiram resolver a questão de uma forma menos escandalosa. A família de Aaron Kosminski o levou até um hospício e de lá ele nunca mais saiu. Morreu pesando 30 quilos, completamente louco, envolto em sua própria mente doentia. E isso foi tudo. Queria saber quem foi Jack, o Estripador? Está aí toda a verdade, pobre mortal..."
Cap. VII - Estrasburgo, 1899
Entre os escritos há uma carta não enviada pelo Lord Vampiro. Está endereçada a uma tal Thatiana. Provavelmente um amor do passado. Segue seu texto: "Estrasburgo, 2 de janeiro de 1899. Querida Thatiana, lhe escrevo para contar minhas últimas novidades. Recebi sua carta no último fim de semana e decidi responder, afinal sou um cavalheiro. Estou no momento nesse bonita cidade na fronteira com a Alemanha. Há meses fico na dúvida se devo ultrapassar a fronteira. Não gosto muito da cultura alemã, nem de sua culinária. Na dúvida fica onde estou, curtindo o tempo passar, enquanto faço mil planos.
Viver, de certa maneira, é fazer planos. Alguns dão certo e outros dão terrivelmente errados. Soube que você se casou com aquele sujeito. Olha, vou ser indelicado. Aquele não é homem para você. Além de já ter traído sua confiança, é um homem sem estudos, sem formação cultural. Fruto de uma cidadezinha do interior, rude e desprezível. Penso que ele vai ser um estorvo por toda a sua vida. Você vai carregar esse indíviduo nas costas, por toda a vida. Ele até pode ser bonito no momento, mas o tempo vai passar. Ele vai ficar gordo e tudo o que vai sobrar em sua vida é um homem ignorante e estúpido que você vai sustentar. Estou sendo rude? Pode ser, porém não tão rude como será seu casamento com ele. Essa é minha opinião sincera. Lamento dizer.
Em relação a mim, adotei a solteirice completa. Ser solteiro é ter liberdade. Hoje estou aqui, amanhã... não sei. Possa ser que acorde e decida fazer uma viagem. Ninguém vai ter nada a ver com isso. Não terei que dar explicações a ninguém. Tenho uma prima. Ela reclamava de que seus pais a prendiam muito. Então se casou precocemente "para ter liberdade". Pobre mulher! Saiu das algemas de pais opressivos para uma nova jaula, agora controlada pelo marido. Triste destino. O homem solteiro vive por si. Tem suas próprias aventuras. Curte a noite, saboreia o luar. Casamento é uma das piores invenções humanas. Aprisiona em correntes, quase sempre enferrujadas. É um contrato. E como todo contrato a pessoa só assina se quiser. Prefiro não colocar minha assinatura em um papel desses. Prefiro ter minha carta de alforria.
Sobre os amigos dos tempos da faculdade, nunca mais vi ninguém. Devo dizer que sinceramente falando muitos deles eu apenas suportava. Era muita conversa vazia sobre esportes. Você descobre o quão um homem é vazio pelo teor de suas conversações. Se ele só fala em times e jogos, pode ter certeza que há um idiota na sua frente. A maioria dos que conheci na universidade eram assim. Uma gente bem decepcionante, devo confessar. Os suportava na época do curso de direito, mas agora não preciso mais suportar aquela gente. Com a graduação fiquei livre de todos eles, graças a Deus! E pensar que outro dia um velho conhecido me enviou uma carta de Toulouse me convidando para uma reunião de velhos alunos. Deus me livre de um destino desses! Não quero... não quero... não desejo mal nenhum para aquelas pessoas, mas ao mesmo tempo também não quero eles por perto. Aguentar cinco anos de sua companhia já foi o bastante... Hoje só sento para conversar com quem tem algo interessante a dizer. Falar sobre cultura, artes e filosofia. Todo o resto me parece tempo perdido. Então é isso minha cara amiga. Desejo tudo de bom para ti e suas filhas. Abraços de seu eterno amigo Louis."
Cap. VIII - O Vampiro Guitage
Por volta de 1904 ou 1905, o Lord Vampiro Louis conheceu um curioso vampiro latino-americano conhecido nos meios obscuros das ruas sombrias de Lisboa simplesmente como Guitage, ou resumidamente Gui. E quem era essa criatura das trevas? Não se sabe ao certo. Ele ficou obcecado por sangue de lindas virgens da capital portuguesa. Por seu sotaque e forma de agir ele provavelmente tinha origem além-mar, talvez no distante e exótico Brasil. Só que Gui não falava sobre seu passado, como se escondesse algo trágico. E quando não se fala muito sobre o que passou, se abrem janelas para especulações.
Era um vampiro antigo, provavelmente trezentos anos. Dizia-se que havia sido mercador de escravos para o nordeste brasileiro. Outras fontes diziam que havia criado uma rede de masoquismo no novo continente, o que fez com que fosse perseguido pelos colonos. De uma maneira ou uotra, por volta do século XVIII ele finalmente subiu em uma velha nau holandesa de madeira e foi para a Europa. Essa estranha figura se instalou em Lisboa, onde abriu uma taverna que só funcionava a partir do crepúsculo. Ali, dizia-se (sempre muito boatos envolvidos) que ele mantinha uma casa de tolerância com beldades inglesas que importava para Lisboa. Esse vampiro - sim, eu o conheci e sei do que estou falando - tinha mesmo preferência por mulheres jovens a quem podia sugar o sangue, participando de orgias sexuais sem fim.
A vida devassa e inescrupulosa de Guitage fez com que Louis cruzasse seu caminho. Havia um código de ética entre vampiros europeus e essa sombra noturna estava violando todas essas regras não escritas. Havia rumores que Gui estava transformando algumas de suas raparigas em vampiras, o que ia contra todo o protocolo de comportamento de um nobre bebedor de sangue humano. Assim Louis resolveu visitá-lo, como se fosse um mero cliente de seu estabelecimento de prostituição sádica.
Louis, que havia vivido na luxuosa corte de Maria Antonieta, achou o cabaré de Gui um verdadeiro horror estético. Com cortinas vermelhas escuras, clima de pura decadência moral, não era o lugar adequado para se levar alguém de bom gosto e valores morais. Gui sentava-se ao centro do grande salão e comandava suas prostitutas de inferno. Logo Louis percebeu que pelo menos duas ou três delas já estavam transformadas. Um absurdo vampiresco, transformar aquelas cadelas em nobres de sangue. Ele obviamente deveria ser punido.
Guitage, o vampiro-gigolô, havia cruzado um limite. E eu sabia que deveria eliminá-lo depois daquela noite. Houve uma grande surpresa na noite que Louis adentrou aquele recinto. Todas as noites um baile Dantesco era realizado, onde todos os convidados ficavam completamente nus. Era engraçado e mórbido nas mesmas proporções. Certo, as mulheres propiciavam uma bela vista, pois eram mulheres bonitas, de seios fartos. Já os homens, gordos e de barrigas salientes, destruíam a imagem global daquele festim de horrores. E no bordel de Gui havia dois tipos de homens. Os ricos estavam ali para depois realizar favores de corrupção para aquele ser da noite. Já os pobres e mais jovens seriam sua janta, já na alta madrugada. Afinal Gui também não tinha reserva de apetite para sua sede de sangue humano.
Louis ficou em sua mesa, olhando ao redor. Ele apenas ficou olhando pelo canto do olho enquanto tomava um vinho do Porto de boa procedência. Gui se aproximou e quis conhecer aquele cavalheiro estranho que ele nunca havia visto. Pelo seu sentido de ser da noite sabia, mesmo que de forma inconsciente, que era um de seus pares. Apresentações formais foram feitas e Guitage sentou alguns instantes com aquele nobre com sotaque francês. Algo soava no ar, um estranho clima de doce veneno. Aqueles seres sabiam que em pouco tempo haveria um jogo de vida e morte prestes a começar sob a luz da lua cheia.
Cap. IX - Ruas Sangrentas de Lisboa
O Lord Louis tinha planos de matar Guitage, mas decidiu que deveria ser algo bem planejado, sem pressa, tudo deveria ser executado de forma minuciosa. Para sua surpresa, enquanto tecia planos e mais planos em sua mente, o vampiro Gui foi encontrado morto em sua taverna esfumaçada e escura. As investigações apontavam para uma certa mademoiselle Cuca. Essa jovem moça era uma das escravas sezuais do vampiro. Uma pessoa que sofreu atrozes torturas em suas mãos por anos e anos. Depois de muitos abusos, o caldeirão um dia iria entornar. Ela o havia matado com requintes de crueldade.
Guitage foi encontrado pelos policiais completamente calcinado. Impossível reconhecer. Porém havia dois detalhes determinantes que chamaram muito a atenção de Louis na noite seguinte quando leu os jornais com as notícias. Em volta do pescoço de Gui havia um arame farpado que o prendia a um crucifixo. E em seu peito uma grande estaca havia sido fincada. Isso provava duas coisas importantes. Primeiro que Guitage estava definitivamente morto. Nenhum vampiro iria sobreviver aquele tipo de agressão com ares de culto religioso, seguindo bem de perto o manual dos matadores de vampiros. Segundo, o mais importante, é que quem o matou sabia que estava matando um vampiro. Teria sido apenas a mademoiselle Cuca ou alguém com os adequados conhecimentos a havia lhe ajudado?
De uma maneira ou outra, Louis comprou uma passagem de viagem para a Espanha naquele mesmo dia. Lisboa era uma bonita cidade, mas o excesso de igrejas e catolicismo o incomodava muito. Nas pequenas ruas de pedras seculares sempre havia uma procissão passando, gente rezando. Para falar a verdade ele nunca havia conhecido um povo tão religioso como aquele. E isso, para um vampiro, era a pior parte. Ter que ficar ouvindo aquelas ladainhas, aquelas orações que pareciam nunca chegar ao final, o incomodava bastante. Era muita carolice para um vampiro velho como aquele.
Assim que anoiteceu ele então subiu na carruagem e foi embora rumo à Espanha. Essa seria a última vez que Louis iria fazer uma longa viagem com carruagem. A modernidade havia chegado também na Europa. Os carros estavam dominando as estradas. O próprio Louis achava aquela máquina algo intrigante. Ele costumava zombar um pouco, dizendo que eram carruagens sem cavalos, porém quem poderia deter o progresso? Ao longo dos séculos ele nunca havia visto uma prova concreta da existência de Deus, mas todos os dias se espantava com a capacidade da ciência em inovar e trazer melhorias para a sociedade. Seria a ciência o verdadeiro Deus da humanidade? De vez em quando ele se pegava com esse tipo de questionamento passando por sua mente.
Cap. X - Perdido nas areias do tempo...
Depois de muitas pesquisas só uma velha carta, amarelada pelo tempo, foi encontrada desse singular personagem. Era o ano de 1914, não por acaso o ano em que explodiu a primeira guerra mundial. Depois dessa data e dessa carta nada mais foi encontrada sobre o Lord vampiro Louis em bibliotecas da Europa continental. O que terá acontecido? Por onde andou? Estaria ainda vagando nas noites escuras? Pela importância do registro histórico passo a seguir a publicar na íntegra a carta escrita pelo ser noturno.
"La Rochelle, 28 de julho de 1914. Prezado Lobothan, Pelo visto a guerra eclodiu de vez em nossa querida Europa. Não há mais heróis e nem vilões. O morticínio será trágico e de proporções imprevisíveis. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde a Casa de Habsburgo iria levar todos para a ruína completa. Nunca gostei dessa gente, são seres desprezíveis. Além de parasitas inomináveis, também são gigolos de suas próprias filhas. Desde os tempos anteriores a Maria Antonieta, todas as arquiduquesas eram prostituítas pelas casas reais afora. Os cretinos até mesmo diziam que deveria se fazer casamentos, ao invés de guerras. Sempre foram gananciosos e facínoras, isso sim! Nunca me enganaram.
E agora todos esses jovens vão para os campos de batalhas, onde morrerão por coisa nenhuma. O patriotismo é uma estupidez. O militarismo só bate forte em mentes de debeis mentais. Morrer pelo quê? Morrer por quê? As guerras são lugares terríveis onde jovens morrem através de outros combatentes que não conhecem e nem odeiam, tudo por causa de velhos políticos que se conhecem e se odeiam. Coloquem todos esses patifes em ringues de lama e lá que eles resolvam seus problemas pessoais e políticos. Não enviem jovens para o campo da morte. É isso o que penso sobre tudo o que está acontecendo... Assinado, cordialmente, por seu amigo Louis"
Há um obituário em nome de Louis datada de meados de 1916, nessa mesma cidade de La Rochelle. Esse nobre senhor foi encontrado morto em sua pequena cabana nos arredores da cidade. Morreu tranquilamente enquanto lia um livro de ciência política. O senhor Jean Lobothan cuidou de seu funeral. Ninguém apareceu, apenas o padre Mckenzie que leu alguns salmos, enquanto o caixão de Louis descia em sua cova. Era uma manhã gelada de inverno. A senhora Eleanor, que havia sido sua governanta nos últimos meses jogou um pequeno buquê de flores violetas. Depois todos se cumprimentaram e deram as costas, deixando Louis para a eternidade. E os flocos de neve começaram a cair suavemente em seu ataúde preto com detalhes dourados...
Pablo Aluísio.