domingo, 13 de dezembro de 2009

A Fronteira dos Condenados

Capítulo 1 – O Caminho da Montanha
O sol ardia sobre as planícies poeirentas do Wyoming quando o pequeno pelotão da Cavalaria Americana surgiu no horizonte. Eram doze homens montados, liderados pelo Tenente Bill Miller, um veterano de olhar firme e cicatriz na têmpora. À frente deles, elevava-se a trilha que subia em zigue-zague até as montanhas. No alto, perdido entre penhascos e neblina, o velho Forte Stone os aguardava — silencioso, esquecido e coberto de musgo.

O vento assobiava pelos desfiladeiros, carregando o cheiro de chuva distante e de morte. Um dos soldados, o cabo Higgins, comentou que a região era território dos Sioux Oglala, tribo conhecida por nunca perdoar invasores. Miller apenas respondeu: “Apenas mantenham os olhos abertos e as armas limpas.”

Os cavalos respiravam pesado enquanto subiam. O som dos cascos ecoava entre os rochedos, misturado ao grasnar de corvos. A cada curva, a sensação de serem observados crescia. Um vulto apareceu brevemente no alto de uma pedra — um índio talvez — e sumiu logo depois.

Quando o sol se pôs, o pelotão chegou às ruínas do forte. Os portões de madeira estavam podres, e a bandeira americana, rasgada, ainda tremulava em um mastro inclinado. Havia marcas de flechas nas muralhas e ossos espalhados no chão.

— “Parece que o diabo passou por aqui”, murmurou o sargento Wallace.
Miller desmontou do cavalo, olhou para o portão e respondeu com voz grave: “Então vamos conhecê-lo.”

Capítulo 2 – O Velho Forte
Dentro das muralhas, o Forte Stone era um cemitério de lembranças. Quartéis em ruínas, cocheiras vazias, restos de fogueiras antigas. Um silêncio estranho dominava o lugar, quebrado apenas pelo ranger do vento. O pelotão instalou-se como pôde, improvisando camas com fardos de feno seco e reorganizando as barricadas.

O tenente Miller observava o pátio central. Havia algo inquietante ali — uma sensação de que o forte não estava totalmente vazio. A lua, alta e fria, iluminava as sombras longas das torres. Ele jurou ter ouvido passos leves perto do poço, mas nada viu quando foi verificar.

Durante a noite, um dos soldados, o jovem Parker, acordou gritando. Disse ter visto um índio parado na escuridão, olhando-o por entre as frestas da paliçada. Correram todos, mas não encontraram rastro. Miller ordenou guarda dobrada até o amanhecer.

Na manhã seguinte, encontraram pegadas descalças na lama do lado de fora. Um sinal claro: eles estavam sendo observados.
O sargento Wallace rosnou: “Esses selvagens querem brincar com a gente.”
Miller respondeu: “Eles querem que a gente tenha medo. E, por enquanto, estão conseguindo.”

Enquanto o sol nascia, o velho forte parecia acordar também — e com ele, o pressentimento de que algo terrível estava por vir.

Capítulo 3 – Ecos da Colina
O terceiro dia trouxe chuva fina e ventos gelados. Os homens limpavam as armas e reforçavam as paredes. O tenente Miller mandou erguer um novo portão com as madeiras da cocheira. “Se vierem, vão ter que merecer a entrada”, disse ele.

Enquanto isso, o soldado Jenkins explorava os arredores e descobriu restos de uma antiga patrulha enterrada às pressas atrás do forte — crânios com furos de flecha. O medo começou a se infiltrar como neblina entre os homens.

À noite, tambores soaram ao longe. Graves, ritmados, como batimentos de um coração antigo. A floresta lá embaixo parecia vibrar com o som. Os cavalos empinaram, nervosos. O som dos tambores cessou de repente — e o silêncio que seguiu foi pior.

Miller reuniu o pelotão no pátio. “Eles querem nos testar. Mas este forte é território americano. Enquanto estivermos aqui, ninguém passa.”
O vento soprou forte, derrubando um barril e fazendo ranger o portão. Todos ficaram quietos, ouvindo o eco distante de risadas selvagens.

O tenente acendeu um charuto e olhou para a escuridão além da muralha.
“Se querem guerra”, disse, “vão encontrá-la aqui em cima.”

Capítulo 4 – O Urso das Montanhas
No quarto dia, o perigo não veio dos Sioux. Enquanto caçavam perto do riacho, dois soldados foram atacados por um urso-cinzento gigantesco. Um deles morreu com um único golpe. O outro, coberto de sangue, conseguiu voltar rastejando ao forte.

O ataque acendeu um novo tipo de medo. Se o forte era um refúgio contra os índios, agora também era contra as feras da montanha. Miller organizou uma patrulha e saiu à caça do urso, levando Wallace e mais quatro homens.

Encontraram o rastro do animal entre os pinheiros — pegadas fundas, manchas de sangue, garras arranhando troncos. O vento carregava o cheiro do bicho. Ao cair da tarde, ouviram um rugido ensurdecedor. O urso atacou de surpresa, erguendo-se como um demônio peludo.

Os tiros ecoaram entre as rochas. Wallace foi lançado ao chão, e Miller disparou três vezes no peito da fera até vê-la tombar, urrando. Quando tudo terminou, o chão estava coberto de sangue e fumaça.

Voltaram ao forte exaustos, carregando o corpo de Wallace. Miller, com o olhar perdido, murmurou: “Não foi só o urso que nos encontrou. Eles viram o tiroteio. Agora sabem que somos poucos.”

O vento trouxe de volta o som dos tambores, mais próximos dessa vez.

Capítulo 5 – A Emboscada
Naquela noite, as chamas das fogueiras tremulavam enquanto os Sioux se aproximavam em silêncio pela mata. Flechas começaram a cair dentro do pátio como chuva de fogo. Os cavalos relincharam e os homens correram para as posições.

Miller subiu à torre e gritou: “Fogo à vontade!” Os rifles dispararam em sequência, iluminando a noite. Os índios atacavam de todos os lados, gritando em sua língua ancestral. A muralha resistiu, mas o portão começou a ceder sob o peso da investida.

O sargento Wallace, ferido mas vivo, lançou granadas improvisadas com óleo de lampião. As explosões rasgaram o escuro e dispersaram os atacantes momentaneamente. A fumaça cobriu tudo, e o cheiro de pólvora encheu o ar.

Quando o amanhecer chegou, os corpos dos inimigos jaziam ao redor do forte. Mas três dos doze soldados estavam mortos, e outros feridos. Miller olhou para o horizonte e viu vultos recuando para a floresta. Eles voltariam.

O tenente anotou no diário de campanha: “O Forte Stone ainda resiste. Mas a cada ataque, nos tornamos mais fantasmas do que soldados.”

O silêncio que se seguiu era o prelúdio de algo pior.

Capítulo 6 – A Tempestade
No sexto dia, uma tempestade caiu sobre as montanhas. Chuva e granizo batiam contra as muralhas. Dentro do forte, os homens tremiam de frio e medo. A pólvora estava úmida, e as provisões quase acabando.

Miller tentou manter a moral. “Somos soldados, não covardes.” Mas até ele sabia que o tempo e o isolamento eram inimigos cruéis. A neve começou a cair no topo das colinas.

Durante a noite, trovões misturaram-se a gritos. Um grupo de índios tentou invadir o portão, mas foi repelido à baioneta. Parker, o mais jovem, foi arrastado para fora na confusão. Seu grito ecoou e se perdeu no barulho da chuva.

Ao amanhecer, o corpo dele foi encontrado preso nas estacas, com o peito aberto. Miller mandou enterrá-lo atrás do forte, sem cerimônia. “Ele morreu como um soldado”, disse.

Mas no fundo, todos sabiam que estavam presos numa armadilha de lama e sangue. E que cada noite era um passo mais próximo do fim.

Capítulo 7 – O Inimigo Invisível
O sétimo dia trouxe o silêncio absoluto. Nenhum som de tambores, nenhuma sombra nos penhascos. O inimigo parecia ter sumido. Miller não confiou. Ordenou que ninguém saísse do forte.

Mesmo assim, Jenkins e outro soldado desobedeceram e foram buscar lenha. Não voltaram. Quando a patrulha foi procurá-los, encontrou apenas os cavalos deles, degolados.

O pânico se espalhou. Um dos homens, enlouquecido, começou a gritar que o forte estava amaldiçoado. Miller o derrubou com um soco e o prendeu. “Maldição é perder a cabeça”, disse, tentando manter o controle.

À noite, viram fogueiras ao longe — dezenas delas. O cerco estava prestes a começar. O tenente reuniu os sete homens restantes e disse: “Este forte é nossa tumba, mas será também o inferno deles.”

O grupo se preparou para a última resistência, com as mãos trêmulas e os olhos firmes.

Do lado de fora, os tambores voltaram — mais fortes do que nunca.

Capítulo 8 – O Cerco
Os Sioux atacaram com fúria ao amanhecer. Centenas de guerreiros surgiram das árvores, pintados para a guerra. O forte estremeceu sob a primeira onda. As balas e flechas cruzavam o ar como enxames.

Miller gritava ordens, movendo-se entre os homens, disparando sem parar. Wallace foi atingido por uma flecha no peito, mas continuou atirando até cair de joelhos.

A muralha começou a desabar em um dos lados. Miller pegou dinamite e, em um ato desesperado, detonou parte da paliçada, abrindo uma cortina de fogo e fumaça que empurrou os índios de volta.

O pátio estava coberto de corpos. Três homens ainda resistiam, feridos, sujos de sangue. A munição quase acabando. O céu, vermelho de fumaça, parecia derreter sobre eles.

Miller olhou para o horizonte. Nenhum reforço viria. Ele sabia disso desde o primeiro dia.
“Então morremos aqui”, murmurou. “Mas levaremos o inferno conosco.”

Capítulo 9 – O Último Combate
Quando a noite caiu, o forte ardia em chamas. Os índios voltaram pela última vez, urrando. Os três soldados restantes resistiram na torre, disparando até os canos ficarem incandescentes.

Um a um, caíram. Restou apenas o tenente Bill Miller, com o uniforme rasgado e o rosto coberto de fuligem. Ele pegou a bandeira americana caída e a amarrou no ombro.

Desceu até o pátio, onde as sombras dançavam entre o fogo. Levantou o rifle e começou a atirar, andando em direção ao portão. Cada disparo era um rugido de desafio.

Os Sioux hesitaram por um momento — depois avançaram em massa. Miller foi atingido várias vezes, mas continuou lutando, até cair de joelhos no meio das chamas.

Antes de tombar, levantou a bandeira uma última vez, gritando: “Fort Stone nunca cairá!”

E então o fogo o consumiu.

Capítulo 10 – Ecos nas Montanhas
Dias depois, um destacamento de reforço encontrou apenas cinzas. O Forte Stone era agora uma ruína fumegante. Corvos circulavam sobre os destroços, e entre eles, a bandeira queimada ainda tremulava em meio às brasas.

Não havia sobreviventes. O diário do tenente Miller foi encontrado ao lado de seu corpo carbonizado, ainda segurando o revólver. Na última página, ele havia escrito:
“Eles podem levar o forte, mas não levarão nossa coragem.”

Os oficiais que vieram depois decidiram não reconstruir o lugar. A região foi abandonada, engolida novamente pela floresta e pelas lendas.

Os caçadores que passam pelas montanhas dizem ouvir, nas noites de vento, o som distante de tambores e tiros ecoando entre as pedras.

E dizem também que, quando a lua está cheia, é possível ver um homem em farda azul, erguendo uma bandeira no meio das ruínas — o fantasma do Tenente Bill Miller, guardando para sempre as fronteiras do inferno.

Pablo Aluísio. 

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