Um conto da Guerra Civil Americana
Capítulo I – O Fogo e o Sangue
Era o verão de 1863, e o calor fazia o ar tremer sobre os campos de algodão do Alabama. O pelotão confederado do capitão Jeremiah Harlan avançava como um enxame faminto, pilhando e incendiando tudo o que encontrava. Tinham acabado de queimar a fazenda dos McBride, unionistas conhecidos, e deixado para trás corpos e ruínas fumegantes.
O cheiro de madeira queimada misturava-se ao de carne. O próprio Harlan, endurecido por anos de guerra, sentiu um arrepio ao ver o celeiro arder. Mas não disse nada. Afinal ele poderia ser executado ali mesmo por aqueles militares.
Era uma tropa suja, maltratada por anos de guerra. Os soldados nem disfarçavam o mau cheiro, os dentes podres, a fome recorrente que sentiam. Não havia nada do que se orgulhar. Durante muito tempo eles apenas queimaram e queimaram propriedades, aterrorizando cidades por onde passavam.
A moral estava baixa. Geralmente não havia muito o que comer. A fome era uma constante para aqueles homens. Por isso quando chegavam numa fazenda a primeira coisa que faziam era ir atrás de alguma comida. Não mais se pareciam com soldados de honra, mas com maltraplhos fedoretnos, verdadeiros zumbis da guerra civil.
O dever, diziam, justificava tudo. À medida que o sol caía, os soldados acamparam nos campos brancos de algodão — uma imensidão que brilhava sob a lua cheia. Estavam exaustos! Não apenas fisicamente cansados, mas psicologicamente esgotados também. Não havia mais esperanças pelo que ouviam falar. A confederação dos Estados do Sul estava com os dias contados.
Então, algo gritou nas sombras. Um som longo, agudo, que parecia carregar toda a dor do mundo. O sargento McCready, que montava guarda, desapareceu. Quando o encontraram, seu corpo estava rasgado em dois, como se uma força sobre-humana o tivesse partido. Nenhum animal conhecido podia fazer aquilo.
Capítulo II – Gritos abafados na Plantação
Os homens estavam aterrorizados. Falavam em emboscada, em espíritos dos escravos mortos, em demônios do inferno. Harlan, cético, tentou manter o controle. Mas o medo é um inimigo mais poderoso que qualquer exército. Aqueles soldados representavam a escravidão, o racismo, a submissão dos homens e mulheres negras que trabalhavam nas plantações. Eles temiam um conflito com essas populações marginalizadas a qualquer momento, mas aquilo era diferente, bem diferente...
Ao cair da madrugada, o vento uivava entre as flores de algodão e algo se movia por entre elas — rápido, baixo, e com olhos que refletiam a lua. O soldado Pike jurou ter visto uma figura humanoide, coberta de pelos escuros, com o uniforme azul de um soldado da União ainda preso ao corpo.
“Um yankee?”, perguntou Harlan, tentando rir.
“Não, senhor”, respondeu Pike, a voz trêmula. “Um monstro.”
Sim, a besta tinha lado, pelo menos assim parecia. Era um monstro, mas provavelmente um monstro que sabia o que estava fazendo. Era sorrateiro, passava pelo meio das plantações de algodão sem fazer o menor barulho. Era um animal com ferocidade, mas igualmente inteligência. Algo obscuro e assustadoramente humano vivia dentro daquela fera bestial!
Capítulo III – O Homem que Não Morreu
Mal sabiam os confederados do que se tratava. Não, não era uma nova arma das tropas da União. Não era um santo devorador de almas ou um ser infernal que havia subido para o juízo final de todos aqueles homens com seus uniformes cinzas. Tampouco era um anjo com grandes asas a voar no meio daquelas plantações escuras como o frio da noite! Era algo pior, que os antigos que ali viviam conheciam muito bem. Diziam os céticos que era puro folclore ou então crendices de um povo rural ignorante. Estavam todos errados!
O monstro era Elias Crowe, um soldado da União ferido semanas antes em uma escaramuça perto dali. Havia sido deixado para morrer nos campos, com ferimentos profundos e febre alta. Encontrado por uma mulher negra fugitiva, fora levado a uma cabana abandonada, onde delírios e dores o consumiram por dias.
Mas na terceira noite, algo mudou. Diziam que a mulher — chamada Nara, uma curandeira — tentou salvar sua vida com antigos rituais trazidos da África. A lua estava cheia, e o feitiço exigia sangue e palavras antigas. Algo saiu errado. O homem sobreviveu… mas não como homem.
Naquela mesma noite, Nara desapareceu, e Elias acordou coberto de sangue e ossos quebrados. Ele se lembrava apenas de dor, fome e de uma raiva incontrolável. E então, seguiu o cheiro de fumaça — o rastro dos confederados que queimaram as terras de seus amigos.
Capítulo IV – A Caçada Começa
O soldado os avistou subindo naquela colina cinza. O uniforme da confederação se misturava com a paisagem. Era uma camuflagem ideal! Estava desorientado, com a mão ainda bastante ferida. O gosto de carne humana não conseguia sair de sua boca. Estava em forma de homem, mas isso não iria durar. Na meia-noite, quando a lua cheia estivesse em toda a sua glória no firmamento, ele teria um acerto de contas sangrento com aqueles soldados sulistas.
Em determinado momento ele disse a si mesmo:
- Malditos confederados! Não deixarei nenhum vivo!
Quando o sol se pôs novamente, o pelotão marchava em silêncio. O medo era quase palpável. As risadas tinham cessado, as vozes se calavam. Só se ouvia o farfalhar do algodão e o som distante de grilos.
Então, vieram os uivos. Longos, graves, vindos de todas as direções. O soldado Lyle caiu primeiro, arrastado para dentro das plantações, e o sangue espirrou nas flores brancas. Logo em seguida, Morrow foi lançado contra uma árvore, o peito aberto. A violência do ataque chocou a todos. Era uma besta com força sobrenatural. O Inferno estava aberto! Corram por suas vidas - alguém gritou...
Harlan tentava reagrupar os homens, mas cada disparo de rifle parecia inútil — o monstro movia-se como sombra. Em cada lampejo de luz, viam o uniforme azul rasgado, as garras, os dentes brilhando. Era como se a própria guerra tivesse criado uma criatura para punir todos eles.
Capítulo V – Lua sobre o Algodão
Restavam apenas três homens. Exaustos, famintos, sujos de sangue. Esconderam-se entre as ruínas de uma casa incendiada. Lá, Harlan encontrou um diário chamuscado — pertencia a Elias Crowe, o soldado unionista. As últimas palavras falavam de dor e transformação:
"Não morrerei como homem. A lua me chama. E quando ela nascer novamente, voltarei pela justiça que os vivos negaram."
O capitão compreendeu, enfim, o que estavam enfrentando. Não era apenas uma fera. Era a vingança encarnada de um homem traído pela guerra, pela humanidade e pelos próprios deuses.
Quando o relógio bateu três horas da manhã começou o ataque final. Foi uma fúria devastadora! Um dos soldados teve sua cabeça decapitada, com um golpe mortal! O soldado que estava ao seu lado tentou reagir disparando seu rifle. Foi um péssimo ato, deveria ter tugido! A besta o pegou pelo pescoço e o levantou no ar, quebrando seu pescoço. Tudo o que se ouviu naquele noite escura e silenciosa foi o estalar de seus ossos sendo feitos em pedaços.
Por fim a fera encurralou o Capitão. Seus olhos eram vermelho sangue! O lobisomem se aproximou dele, o encarou de tão perto que sua baba caiu dentro da boca do militar! Esse estava apavorado e pediu clemência, perdão por seus pecados.
O Lobo não era um anjo, nem um demônio. Apenas uma besta feroz. Arrancou a cabeça do capitão e a levantou, dando um uivo assustador que poderia ser ouvido a Quilômetros de distãncia.
Naquele noite não haveria compaixão e nem perdão. Apenas morte e violência.
Pablo Aluísio.

Contos de Western
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