segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Elvis Presley - His Hand in Mine

Embora eu não seja evangélico (e nem pretendo ser algum dia) devo confessar que ouvir Elvis Presley cantando música gospel é uma daquelas coisas que realmente fazem valer a pena viver. De todos os álbuns do cantor nesse estilo esse aqui é certamente o meu preferido. "His Hand in Mine" capturou a voz de Elvis em um momento muito inspirado. Quando o disco foi gravado Elvis estava encerrando as atividades em seu ano de retorno (1960), quando ele voltou do exército e firmou-se novamente na carreira. Era uma fase muito bem sucedida, onde sua voz alcançou uma ternura ímpar em toda a sua discografia.

Todos os discos por essa época, sem exceção, traziam esse mesmo estilo vocal de Elvis. Ele parecia declamar as palavras de uma forma muito cuidadosa, caprichosa, com requinte e elegância. Sua fase poderosa só viria bem mais tarde, nos anos 70 e seu lado mais roqueiro e juvenil havia ficado para trás, na década anterior. Assim Elvis soava mais romântico e suave do que nunca. De todas os seus estilos de interpretação esse sempre foi um dos meus preferidos. O álbum também trazia em sua seleção musical lindas melodias, com excelentes arranjos, tudo feito para relaxarmos nossas mentes depois de um dia de stress. Afinal o mundo das artes existe justamente para isso mesmo, para alimentar (e aliviar) nosso ser interior.

Curiosamente em um disco que tenho em tão alto critério, a faixa título sempre me soou um pouco suntuosa além do razoável. De forma até inconsciente criei uma certa implicância com o trecho inicial vocal cantado pelos Jordanaires. Pode parecer uma bobagem, mas essa introdução sempre me pareceu ser até mesmo um tanto quanto fantasmagórica! Depois, felizmente "His Hand In Mine" cresce e se transforma em um lindo "duelo" entre a maravilhosa voz de Elvis e um piano, soando suas notas musicais como se fossem delicados pingos de chuva caindo na grama! Essa linda canção inclusive poderia até mesmo ter sido aproveitada por Elvis nos concertos dos anos 70, mas infelizmente parece que ele a esqueceu (de forma bem injusta).

Depois dela vem a canção "I'm Gonna Walk Dem Golden Stairs". Esse já é um "Gospel de altar" como essas composições mais agitadas eram chamadas no sul dos Estados Unidos. Era aquele tipo de hino feito para que toda a comunidade cantasse junta, batendo palmas, dentro das igrejinhas. O lado emocional, de êxtase, sempre foi muito importante nos cultos protestantes. Já "In My Father's House" soa mais intimista. A letra, bem evocativa, soa como uma oração. O destaque vem para o solo vocal de um dos membros dos Jordanaires. Elvis era um cantor muito generoso, sempre abrindo espaço em seus discos para seus músicos de apoio.

"Milky White Way" sempre foi uma das minhas preferidas do álbum. Que bela melodia, leve, alto astral, enfim, feliz! Isso mesmo, esse é aquele tipo de gravação que traz um sentimento de felicidade a quem ouve. Se não fosse uma música com letra religiosa poderia fazer parte de qualquer disco de Elvis dos anos 50. Em tempos tão sombrios como esses que vivemos nada melhor do que ouvir uma faixa como essa, para levantar o bom humor e astral. Nada poderia ser melhor. A canção a seguir, "Known Only To Him", é outro hino. Esse tipo de música era geralmente rotulada nas lojas de discos da época como Spiritual Song. Os grandes nomes desse estilo eram membros de igrejas negras espalhadas por todo o sul. Havia uma certa melancolia em suas letras, impulsionadas pelos problemas que enfrentavam: a pobreza, a falta de perspectivas, o racismo e tudo mais. Embasado tudo vinha a fé, para manter as comunidades centradas e coesas.

O disco segue. "I Believe In The Man In The Sky" começa também como hino, mas depois surge uma melodia das mais agradáveis. Esse tipo de som, ao contrário da faixa anterior, era mais associada aos cantores gospel de domingos, que se apresentavam em programas de rádio em cidades como Memphis e Tupelo (onde Presley forjou e recebeu todo o seu aprendizado cultural musical). Tão bem gravada ficou que a RCA Victor a reutilizou depois como um single. "Joshua Fit The Battle" por outro lado, vinha para desfazer dúvidas. Se o ouvinte ainda tinha questionamentos sobre o fato de que o Gospel foi um dos ritmos musicais que deram origem ao Rock nos anos 50 basta ouvir essa faixa para que tudo fique bem claro. Ray Charles costumava dizer que a única diferença entre o Rock original e o Gospel era o teor religioso de suas letras, algo que ele provou com "I Got a Woman". Pois é, basta pensar em uma letra profana nessa faixa que você terá um rock clássico, sem tirar e nem colocar nada.

"He Knows Just What I Need" vem então para acalmar mais os ânimos. É uma balada muito cadenciada, onde apenas sinto falta do piano, que sempre foi tão importante em todas as demais gravações desse álbum. Para compensar isso Elvis e os Jordanaires dão um verdadeiro baile em termos de riqueza vocal. Eles eram sobrenaturais nesse aspecto, não adianta negar. Nunca ouvi nada parecido em todo a minha vida. Saber que músicas assim era gravadas praticamente "ao vivo" dentro dos estúdios, sem nenhum truque nos serve para mostrar o quanto Elvis e seus vocalistas eram talentosos. A seguir vem "Swing Down, Sweet Chariot", outra grande preferida de minha parte. Tão boa é essa canção que Elvis voltaria a gravá-la muitos anos depois para a trilha sonora do filme "The Trouble With Girls". Embora ambas sejam ótimas, ainda prefiro essa, com Elvis mais uma vez arrasando nos microfones. Sem querer soar pedante, Elvis foi sim um dos maiores cantores de todos os tempos. Quando ele tinha material de qualidade pela frente simplesmente arrasava.

Esse álbum tem uma característica interessante. Sempre uma canção mais agitada é sucedida por uma mais leve, calma, relaxante. Assim confirmam os primeiros acordes de "Mansion Over The Hilltop". O piano retorna, criando mais uma pequena obra prima. Esse arranjo, Elvis, Jordanaires e piano sempre me soou belíssimo e diria mais, arrebatador. Muito inspirador. A letra religiosa realmente nos faz sentirmos na maior das mansões, em um céu idealizado. O tom inspirativo desce mais um degrau com "If We Never Meet Again". Outra canção mais reflexiva, introspectiva. Aqui há praticamente um diálogo entre criador e criatura. Elvis, é bom frisar, tinha uma grande espiritualidade que explodia justamente em gravações como essa. Outro excelente momento do disco. Por fim, fechando esse trabalho maravilhoso de sua carreira surge então a última música do LP. "Working On The Building" é uma despedida em tom de apoteose, com um lindo arranjo de violões e até mesmo banjo. Essa canção sempre me faz ter a sensação de que todos estão em um picnic após os cultos de domingos. Um momento para socializar com amigos e parentes da comunidade. Um final mais do que feliz para um álbum que o próprio Elvis considerava ser "um trabalho de amor" feito em memória de sua mãe, Gladys, falecida alguns anos antes. Certamente ela teria ficado orgulhosa de um trabalho tão belo como esse.

Pablo Aluísio.

8 comentários:

  1. Pablo, eu concordo que essas músicas evangélicas americanas, bem entendido, na voz do Elvis ficam muito bonitas, mas convenhamos que o indiscutível, e endemoniado, criador do que é ser rock and roll, cantando música de igreja crente é o paradoxo do paradoxo. Nem Einstein tentaria teorizar e respeito.

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  2. Quem disse que o pai do rock era o diabo foi o Raul Seixas...

    Elvis, como um bom cristão, não concordaria em nada com ele...

    :)

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  3. O Jerry Lee Lewis falou isso na cara do Elvis, respondendo a uma pergunta do próprio.

    -"Jerry, as pessoa falam eu canto a musica do diabo. Será que é verdade?"

    -"Claro que não rapaz, você é o próprio diabo!"

    há, há, há...

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  4. O Jerry Lee Lewis nasceu em uma família tradicionalmente muito evangélica. Seu primo era o Jimmy Swaggart, famoso pastor televisivo, então ele de tempos em tempos falava coisas assim para chocar os outros...

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  5. Pablo, mudando de assunto, de 2012/2013 pra cá tem surgindo uma safra de covers muito bons do Elvis. E não são aqueles gordos bizarros que surgiram logo após a sua morte, mas sujeitos em ótima forma, mimetizando os shows de Las Vegas no período 1969/1970, e todos cantando muito bem ao vivo, com vozes muito boas e timbres semelhantes ao do Elvis, além movimentos de palco perfeitos e todos os cacoetes tão característicos do Rei. É curioso que isso venha ocorrer agora quase quarenta anos a após a morte do Elvis e a quase sessenta anos do seu surgimento. Você já viu isso no You Tube?

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  6. Como tenho muitos amigos no Facebook que são fãs americanos de Elvis, de vez em quando pego casualmente um show ao vivo desses covers. Os fãs vão para esses shows e os transmitem ao vivo pelo próprio Facebook. Por curiosidade assisto algumas vezes. Concordo com você, muitos deles são realmente excelentes profissionais.

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  7. E só completando: alguns fãs odeiam covers de Elvis. Eu não tenho raiva de ninguém. São pessoas trabalhando honestamente, ganhando o pão de cada dia. Desejo toda a sorte para eles.

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