domingo, 28 de agosto de 2022

Crimes do Futuro

Filme estranho, bem estranho. O que em se tratando do diretor David Cronenberg nem é uma grande surpresa assim. Esse diretor sempre se notabilizou pelos seus roteiros fora do normal, incomuns. É sua marca registrada desde os primeiros filmes. Aqui temos um mundo bem esquisito para falar a verdade. Os seres humanos começam a apresentar estranhas mutações. Darwin previu tudo. Órgãos desconhecidos começam a surgir. E eles precisam retirar essas "anomalias" da natureza. O protagonista é interpretado pelo ator Viggo Mortensen. Ele é um sujeito que faz performances com os seus próprios procedimentos cirúrgicos. Tudo muito esquisito. As coisas mudam de nível quando os pais de um menino morto decidem vender o cadáver do filho para que ele faça uma inovadora performance de palco. O garoto também apresentava estranhas mutações. Ele tinha capacidade de comer plásticos e outros produtos tóxicos. Acabou sendo morto sufocado pela própria mãe! Ao entrar nesse jogo sinistro o performático artista pode ter dado um passo bem sombrio em sua trajetória.

Esse estranho roteiro foi recusado por todos os grandes estúdios de Hollywood. David Cronenberg só encontrou apoio para a produção em uma emissora de TV canadense. E assim o filme foi produzido. Não é um filme que eu indicaria para todos os públicos, longe disso. Seu teor estranho e bizarro vai afastar muita gente. Estranhamente eu acabei me interessando pela história, muito embora tenha percebido que o roteiro segue, de modo em geral, sem um rumo muito determinado. As bizarrices simplesmente acontecem. Muitos abandonam o filme nos minutos iniciais, tamanho o desconforto. E o veterano diretor parece não ter deixado sua obsessão por insetos no passado. Esse é o seu cinema em estado mais puro. A essência de sua obra cinematográfica. Os seus admiradores vão apreciar.

Crimes do Futuro (Crimes of the Future, Canadá, 2022) Direção: David Cronenberg / Roteiro: David Cronenberg / Elenco: Viggo Mortensen, Léa Seydoux, Kristen Stewart / Sinopse: Um artista performático de espetáculos bizarros e estranhos decide usar o corpo de um menino morto para chocar o seu público, em uma última e definitiva apresentação.

Pablo Aluísio.

Pequena Grande Vida

A ciência descobre um jeito de diminuir o tamanho dos seres humanos. E assim surge uma nova Era, com pessoas medindo em torno de 15 cm de altura. E qual seria a vantagem de ficar desse tamanho? Ora, o roteiro explica que quanto menor as pessoas forem, menor será a poluição, menor será o desgaste do meio ambiente. E assim o protagonista do filme, interpretado por Matt Damon, decide também diminuir de tamanho. Ele é um cara esforçado, mas está cheio de dívidas e no mundo pequeno o custo de vida seria muito menor. Com o dinheiro que tem, ele teria uma bela casa e poderia viver até mesmo de renda, então ele decide diminuir de tamanho. A decepção começa logo, pois sua esposa foge da raia no último minuto. Ele fica pequenino e ela não. Mesmo assim, ele vai tentar levar a vida em frente nesse novo mundo. Ele passa a morar numa nova casa, do tamanho de uma casa de bonecas. E tenta seguir em frente mesmo decepcionado com a atitude da sua esposa. 

Esse filme é meio bobo para falar a verdade. Quando começou a premissa me pareceu interessante, sobre a vida de um ser humano pequeno. Mas logo se revela que o roteiro não vai a lugar nenhum. Eu pensei que haveria uma tipo de conspiração contra os pequeninos, mas o roteiro prefere ir pelo caminho do politicamente correto. Logo adota algumas bandeiras. Assim o roteiro foca numa mensagem sobre a destruição do meio ambiente. E também abraça uma agenda positiva em relação aos imigrantes que vão para os Estados Unidos de maneira ilegal. Surge até um romance entre o personagem de Matt Damon e uma refugiada. Nada muito inspirador e nada muito convincente. O filme na realidade começa bem, mas vai perdendo fôlego conforme vai passando. Seu final é bem chatinho. Enfim, uma perda de tempo.

Pequena Grande Vida (Downsizing, Estados Unidos, 2017) Direção: Alexander Payne / Roteiro: Alexander Payne / Elenco: Matt Damon, Christoph Waltz, Hong Chau / Sinopse: Homem comum decide diminuir de tamanho para viver numa cidade para pequeninos. E assim começa uma nova vida e uma nova busca por motivações para continuar a viver.

Pablo Aluísio.

sábado, 27 de agosto de 2022

Elvis Presley - Shake, Rattle and Roll / Lawdy, Miss Clawdy

Após o enorme sucesso do single “Hound Dog / Don´t Be Cruel”, a RCA Victor inundou o mercado americano com nada mais, nada menos, do que seis novos compactos, todos reprises, com músicas que já tinham sido lançadas no álbum Elvis Presley. Nenhum dos singles conseguiu qualquer repercussão nas paradas. De fato foi uma ideia infeliz da gravadora em saturar as lojas com material sem novidades. O único material inédito a chegar aos fãs foi o single “Shake Rattle and Roll / Lawdy Miss Clawdy” que trazia a última leva de canções inéditas das primeiras sessões de Elvis na RCA em Nova Iorque. Curioso que o público acabou se confundindo e ignorou o novo single, pensando tratar-se de relançamento como os demais compactos do pacote. Uma lástima. Além do mais a própria RCA não deu muita atenção ao compacto, não o promovendo e o pior, não teve nem a dignidade de produzir uma capa com foto para o disquinho. Com tantos erros em série, “Shake Rattle and Roll / Lawdy Miss Clawdy” afundou nas paradas, sendo completamente ignorado. É lamentável a má sorte do single pois trazia duas ótimas gravações de Elvis.

O lado A com “Shake Rattle and Roll” era a materialização de uma constante insistência dos executivos para que Elvis gravasse canções do repertório de Bill Haley. Várias músicas de Haley tinham sido oferecidas a Elvis em Nova Iorque, inclusive o mega hit “Rock Around The Clock”, mas Presley as descartou. Diante da insistência acabou registrando essa "Shake, Rattle and Roll" em estúdio, finalmente. O resultado não agradou muito Steve Sholes que a tirou na última hora do primeiro álbum de Elvis. Queria trabalhar melhor depois nela (e o fez adicionando maior consistência à gravação antes de seu lançamento em compacto). Algumas fontes afirmam inclusive que nesse trabalho posterior de melhoramento da gravação o baixista Bill Black fez uma rara participação como vocalista de apoio.

Já “Lawdy Miss Clawdy” foi injustamente jogada no lado B do single, um absurdo, pois seguramente é uma das melhores melodias que Elvis registrou em Nova Iorque. Sua interpretação também é mais do que inspirada. Lloyd Price sempre foi um ótimo compositor e Elvis, por sua vez, sempre fez excelentes versões de sua obra musical. O fracasso de vendas ensinou algumas coisas à RCA. Nunca misturar material inédito e reprises em um só pacote de discos, pois isso certamente confundiria o consumidor. Prezar por belas capas, com boa direção de arte. Capas genéricas da gravadora como a que foi usada aqui era um desastre pois não chamava a atenção dos fãs nas lojas de discos. Por último não se descuidar da promoção das músicas. O compacto“Shake Rattle and Roll / Lawdy Miss Clawdy” foi tão mal lançado que muitos até mesmo ignoraram sua existência nas lojas. Com o péssimo resultado comercial as duas faixas só teriam alguma repercussão melhor três anos depois quando a RCA as resgatou novamente, as incluindo no álbum “For LP Fans Only”, lançado quando o cantor estava na Alemanha servindo o exército americano. Reconhecimento tardio, mas bem-vindo.

Shake, Rattle and Roll (Calhoun) - (Unichappel Music, BMI) 2:37 - Data de gravação: 03 de fevereiro de 1956 - Local: RCA Studios, NY. / Lawdy Miss Clawdy (Lloyd Price) - (ATV Music Co, BMI) 2:08 - Data de gravação: 03 de fevereiro de 1956 - Local: RCA Studios, NY./ Músicos: Elvis Presley (vocais, violão), Scotty Moore (guitarra), Bill Black (baixo), D.J. Fontana (bateria), Shorty Long (piano) / Local de Gravação: RCA Studios, New York, New York /  Produção: Steve Sholes / Engenheiro de Som: Ernie Ulrich / Data de Lançamento: Agosto de 1956.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Randolph Scott e o Velho Oeste - Parte 3

Antes de se consagrar nos filmes de western o ator Randolph Scott passou por uma fase bem interessante na carreira. Ele atuou nos mais diversos gêneros cinematográficos, interpretando desde galãs românticos até capitães destemidos dos sete mares. Esses primeiros filmes, rodados principalmente na década de 1930, mostravam a versatilidade que o ator podia ter nas telas.

É justamente dessa fase a comédia musical romântica "Esposas Alegres", um filme muito inofensivo, com cenas de dança e romantismo. Scott gostou tanto de atuar nessa produção que ele confessou ao amigo Cary Grant que não se importaria em firmar sua carreira de ator nesse estilo de filme, com muitas cenas musicais.

No filme seguinte, "A Noiva do Céu" o roteirista Joseph L. Mankiewicz (que iria se tornar um diretor brilhante nos anos que viriam) percebeu que Randolph Scott tinha a imagem ideal para interpretar heróis de filmes de guerra. Era um passo a mais na direção dos faroestes que iriam consagrá-lo em Hollywood. Nesse filme o ator interpretou um capitão da força aérea dos Estados Unidos, mas sem deixar o lado romântico de lado. O filme, muito bem produzido, ainda hoje chama a atenção por causa das belas cenas aéreas, com todos aqueles aviões bimotores fazendo piruetas no ar.

"Manias de Gente Rica" de John G. Adolfi foi mais uma produção no estilo mais elegante, baseado numa peça da Broadway, Scott interpretava um sujeito de personalidade dúbia, ora agindo de forma ética, ora passando a perna em quem ficava no seu caminho. Depois de mais essa produção do tipo "bolhas e champagne" finalmente Randolph Scott foi contratado para atuar em um faroeste. "A Herança do Deserto" de  Henry Hathaway trazia Randolph Scott como um cowboy envolvido bem no meio de uma disputa de terras no velho oeste americano. Ele fotografou muito bem com seus trajes de pistoleiro. O roteiro também foi um presente pois era bem escrito, com cenas marcantes. Produzido pela Paramount Pictures, filmado no próprio rancho da companhia, esse foi o primeiro grande sucesso de bilheteria de sua carreira. Um filme bem importante, que determinaria os rumos da filmografia do ator nas próximas décadas.

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

O Mercador de Almas

Em "O Mercador de Almas" temos várias características que fizeram o cinema americano se tornar o melhor do mundo durante a década de 1950 . O elenco é fenomenal. Além de Paul Newman em ótima forma (tanto do ponto de vista de talento como de presença) temos um personagem à prova de falhas interpretado pelo, ora vejam só, o mito do cinema Orson Welles. Nem precisa dizer que ele é realmente a alma de todo o filme. Gorducho, malvado, esbanjando rabugice em cada cena, Welles toma conta de tudo, literalmente. Com filmes como esse percebemos que além de grande cineasta ele também era um ator fantástico. Sua voz de trovão ecoa em cada cena, fazendo os atores que contracenaram com ele sumirem lentamente.

Em termos de roteiro e argumento o filme se parece bastante com outro clássico da filmografia de Newman, "Gata em Teto de Zinco Quente". Esse, assim como aquele, também é ambientado numa típica fazenda do Sul dos EUA. O enredo também gira em torno dos filhos de um rico fazendeiro, seus problemas familiares e as complicações cotidianas dessas famílias. Para completar o "Mercador de Almas" também é inspirado na obra de um grande autor, a novela "The Hamlet" de William Faulkner. A única diferença mais nítida é que "Gata em Teto de Zinco Quente" é bem mais teatral do que esse, mas fora isso são extremamente parecidos. De qualquer forma uma coisa é certa: Ambos os filmes são fundados em excelentes diálogos e interpretações inspiradas. Por essa época Paul Newman havia se tornado um dos grandes atores do cinema, mostrando de forma excepcional que passava muito longe do rótulo vazio de galã, muito pelo contrário, Newman estava sempre se arriscando em personagens com muita profundidade psicológica, complexos, muitas vezes anti-heróis, crápulas, sem o menor remorso moral. Nesse "Mercador de Almas" ele novamente encontra um papel à sua altura. Uma obra cinematográfica do mais alto nível que merece ser redescoberta.

O Mercador de Almas (The Long Hot Summer, Estados Unidos, 1958) Direção: Martin Ritt / Elenco: Paul Newman, Joanne Woodward, Anthony Franciosa, Orson Welles, Lee Remick / Sinopse: Ben Quick (Paul Newman) deixa uma cidade após suspeitarem, sem provas, que é um incendiário. Ele põe o pé na estrada e consegue carona com Eula Varner (Lee Remick) e Clara Varner (Joanne Woodward). Eula é casada com Jody Varner (Anthony Franciosa), cujo pai, Will Varner (Orson Welles), é "dono" de Frenchman's Bend, uma pequena cidade do Mississipi. Já Clara, a filha solteira de Will, trabalha como professora. Ben se estabelece lá e logo consegue uma ascensão meteórica, indo morar na casa do seu patrão, Will. Ele se torna um sério candidato para casar-se com Clara, pois Will não tolera a idéia que ela não lhe deixe herdeiros.

Pablo Aluísio.

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Elvis Presley - Elvis (1956)

O segundo disco de Elvis na RCA Victor foi bem mais produzido do que o primeiro. A gravadora ganhou confiança com o trabalho do cantor que já naquela altura havia se tornado o artista mais vendido do selo. Para alguém com vinte e poucos anos era um feito e tanto! Assim o produtor Steve Sholes trouxe para o estúdio mais músicos, mais instrumentos, tudo para melhorar o som do novo álbum. Em 1956 o principal veículo de promoção de Elvis não foi o cinema (seu primeiro filme ainda nem tinha sido filmado), mas sim a televisão e seus programas de variedades. Bastaram as primeiras apresentações de Elvis na TV para que a polêmica tomasse conta da imprensa.

Falem mal de mim, mas falem de mim - diria o Coronel Parker. Claro, grande parte dos artigos eram críticas ferozes a forma como Elvis cantava e dançava. Para muitos aquilo era sexualizado demais, impróprio para as adolescentes que começavam a curtir Elvis. Hoje em dia a dança de Elvis nesses primeiros programas de televisão aparentam ser apenas giros bem originais de um artista que tentava de alguma forma chamar a atenção para sua música. A cabeça das pessoas dos anos 50 era mesmo bem diferente da nossa. Ecos de um mundo mais conservador e tradicional.

De qualquer forma para Elvis e seu grupo de músicos o importante era fazer um bom trabalho de estúdio. As primeiras músicas do novo disco foram gravadas nos estúdios da RCA na costa oeste. Era o Radio Recorders, localizado em West Hollywood, Califórnia. A primeiro canção não poderia ser mais simbólica, a bela balada "Love Me" de Leiber e Stoller. Nesse mesmo dia Elvis já havia gravado "Playing for Keeps" que seria lançada em single. Para "Love Me" foram necessários 9 takes para que Elvis se desse por satisfeito. O curioso é que anos depois Jerry Leiber explicaria que havia composto a música quase como uma sátira ao estilo country de Nashville. Elvis ignorou essa intenção original do compositor e fez uma grande gravação, uma das melhores e mais memoráveis faixas dessa fase de sua carreira.

Esse segundo álbum de Elvis Presley na RCA Victor foi muito bem gravado. Havia todo um cuidado técnico, até porque Elvis já era naquela altura o maior vendedor de discos da gravadora multinacional. Com isso Elvis também se firmava como o roqueiro número 1 do mundo, um fenômeno de popularidade sem precedentes. Nesse mesmo ano ele começava a ser conhecido pelo mundo afora. Deixava de ser um artista de Memphis e do sul, para ser um artista internacional. Também foi o primeiro disco oficial de Elvis a ser lançado no Brasil, numa edição completamente fiel ao disco americano original.

O apuro técnico dentro do estúdio se refletiu principalmente em faixas como "Rip It Up". Hoje em dia essa composição da excelente dupla formada por Robert Blackwell e John Marascalco é considerada um dos maiores clássicos da história do rock. Uma canção vibrante, que contou com uma performance irretocável por parte de Elvis, que é importante frisar, não passava de um jovem cantor de 21 anos de idade na época. Tão jovem e já tão revolucionário em termos musicais.

O country também não poderia ficar de fora. Afinal Elvis não negava suas origens sulistas. "When My Blue Moon Turns to Gold Again" era uma típica representante do estilo mais rural dentro do álbum. Essa música havia sido composta pelo cantor cowboy Gene Sullivan. Elvis que não queria perder sua público mais fiel, aquele que o acompanhava desde os primeiros shows em Memphis, a escolheu como uma espécie de homenagem a esse tipo de fã. Sim, Elvis abraçava o rock, mas não estava disposto a virar o rosto para o country and western de seus primeiros anos. Assim temos uma boa faixa, bem gravada, com Elvis evocando o antigo estilo de cantar do country de Nashville.

De Arthur Crudup, Elvis trouxe para o álbum a balada blues "So Glad, You're Mine". Para a turma de Nova Iorque, da equipe da RCA Victor na cidade, aquele tipo de sonoridade soava como algo diferente, até mesmo novo. Só que na verdade era uma velha canção, muito popular em bares e espeluncas de Memphis. Não que Elvis a conhecesse desses lugares do tipo barra pesada, mais voltada para o público negro da cidade, mas sim do rádio. Esse aparelho era o principal meio de entretenimento da família Presley, sempre ligado ao fundo. Assim Elvis a conhecia muito bem, por isso também resolveu gravar sua própria versão que ficou excelente, melhor do que qualquer outra já feita, antes ou depois desse disco.

Uma das músicas preferidas de Elvis nesse disco era a balada sentimental "Old Shep" de Red Foley. Elvis a cantava desde quando era um garotinho em Memphis. Inclusive essa foi a primeira música que Elvis cantou em um palco na sua vida, quando ainda era bem jovem e participava de um programa de calouros numa feira de gado, típico evento popular em sua cidade.

Outro fato que chama a atenção nessa faixa é que ele tem mais de 4 minutos de duração, o que fugia do padrão da época. As músicas geralmente tinha apenas dois minutos ou um pouco acima disso. Era uma duração ideal para tocar nas rádios. Além do mais a gravação ficou com uma sonoridade que lembrava em muito seus anos na Sun Records. Teria sido algo proposital? Não sabemos ao certo.

"First In Line" era outra balada romântica. Essa, ao contrário de "Old Shep", não tinha ligação com o passado de Elvis. Na realidade era uma boa criação da "fábrica" de criação da RCA Victor. A companhia, como se sabe, mantinha equipes de compositores prontos para criarem qualquer música, sempre que a gravadora solicitasse. Essa faixa foi composta pela dupla Aaron Schroeder e Ben Weisman. Eles se tornariam bem presentes nas trilhas sonoras de Elvis nos anos 60. Weisman, por exemplo, compôs muitas das canções dos filmes de Elvis em Hollywood. Segundo alguns dados chegou a escrever mais de 50 músicas para Presley! Um número bastante significativo.

O produtor e guitarrista Chet Atkins também trouxe sua contribuição para o disco. No estúdio ele apresentou a Elvis a canção "How's The World Treating You". Ele tinha composto a faixa ao lado do parceiro e amigo de Nashville Boudleaux Bryant. Elvis ouviu a música e não demorou muito a se convencer a gravá-la. Foi até curiosa essa escolha, pois nesse momento de sua carreira Elvis se firmava com a imagem de um roqueiro rebelde, um "James Dean de guitarra" como chegou a escrever um jornalista influente de Nova Iorque. Então mais uma balada chorosa contrastava com essa imagem. Porém para quem o conhecia mais de perto não havia surpresa alguma. Elvis era mesmo esse artista com coração, que sempre apreciava esse tipo de som mais sentimental.

Elvis não colocava muita fé em sua carreira em seus anos iniciais. Quando um repórter perguntou a ele o que estaria fazendo dali a dez anos, Elvis pensou um pouco e respondei: "Não sei! Acho que vou abrir uma loja de carros usados ou algo assim". Diante da resposta incomum o jornalista quis saber se Elvis não se via cantando no futuro ao que ele deixou a entender que não pois "cantores surgem e somem com rapidez".

De qualquer maneira naquele distante ano de 1956 Elvis vivia um dos melhores momentos de sua vida pessoal e artística. Sua mãe Gladys estava viva, ele curtia a onda de sucesso de seus discos e tinha assinado como uma grande gravadora, a RCA Victor. O que poderia estar faltando? Basicamente nada. Era só questão de gravar bons discos e seguir em frente com o mesmo sucesso.

Nesse momento ele também recebeu o título de "Rei do Rock". O curioso é que Elvis não gostava de ser chamado de Rei. Para ele apenas Jesus Cristo poderia ser chamado de Rei, no caso de "Rei dos Reis", conforme o título de um filme épico de sucesso da época. Aproveitando de toda a onda dessa nova música a RCA por sua vez queria que Elvis gravasse cada vez mais rocks, um atrás do outro, pois era esse tipo de gravação que andava vendendo muito por todo o país. Elvis cedeu e gravou "Ready Teddy", um rock visceral composto pela dupla Robert Blackwell e John Marascalco. A música era dinamite pura e Elvis foi encorajado para apresentá-la ao vivo em sua apresentação na TV. A performance do jovem roqueiro com cabelo cheio de brilhantina causou grande comoção em todo o país. Os mais velhos odiaram. Os mais jovens amaram. No meio de toda a polêmica que se seguiu Elvis ficou ainda mais famoso.

"Long Tall Sally" foi outro rock de raiz gravado por Elvis nesse LP.  Era uma original de Little Richard, que anos depois disse estar honrado de ter ouvido uma de suas músicas gravadas pelo garoto de Memphis. Era algo especial. Isso também colocava por terra aquela velha narrativa de que Elvis seria um ladrão da cultura negra. Um branco bonitão que colocou as mãos nas músicas compostas pelos primeiros roqueiros negros e depois ficou rico e famoso com elas. Na verdade o próprio Richard desmentiria isso, dizendo que o fato de Elvis ter gravado sua música o teria lhe ajudado muito naqueles tempos pioneiros. Era um ato de colaboração, ajuda e amizade e não de exploração como muitos quiseram fazer crer anos depois.

Na primeira vez que escrevi sobre "How Do You Think I Feel" eu afirmei que essa música tinha claros contornos latinos em sua harmonia. Há algum tempo li que seu autor, Webb Pierce, estava em férias no México quando a compôs. Assim tudo fica devidamente explicado. Quando o disco foi lançado originalmente em 1956 ninguém deu muita atenção para essa faixa. Nenhum crítico perdeu seu tempo em analisá-la devidamente, até porque o álbum já tinha tantos clássicos do rock para chamar a atenção.

Ficar na sombra foi uma vocação natural para essa gravação. De minha parte gosto de sua sonoridade. O arranjo é simples, nada parecido com o que se ouviria anos depois em trilhas sonoras como "Fun in Acapulco" (O Seresteiro de Acapulco de 1963), mas mantinha um arranjo agradável aos ouvidos. Também acabou se tornando uma música exclusiva de estúdio, nunca cantada por Elvis nos palcos.

O compositor Joe Thomas criou a ótima "Anyplace is Paradise". Essa faixa poderia ter sido melhor trabalhada pela RCA Victor pois em minha visão tinha muito potencial para se tornar um hit nos anos 50. Só que a gravadora de Elvis não pensou dessa forma e a música foi relegada a ser um autêntico "Lado B" da discografia do cantor. Isso porém não a desmereceu em nada. O grupo de Elvis aqui se destaca, em especial o guitarrista Scotty Moore, que teve uma excelente oportunidade para desfilar seu repertório de solos. Outro destaque é o piano de Marvin Hughes. Nos tempos da Sun Records não havia piano nas gravações. Quando Elvis foi para a RCA Victor o produtor Steve Sholes determinou que uma banda completa iria ficar à disposição de Elvis. Isso trouxe um conjunto de belos arranjos para seus discos. Ficou muito bom, mais encorpado, mais bem trabalhado.

Certa vez, durante uma entrevista, Raul Seixas citou "Paralyzed" como uma de suas músicas preferidas de Elvis. O roqueiro brasileiro entendia mesmo da discografia de seu ídolo, pois só quem era familiarizado muito bem com seus discos dos anos 50 poderia citar essa faixa com tamanha convicção. O que podemos ainda dizer sobre essa canção? È uma das letras mais maliciosas de Elvis, isso numa época em que estavam pegando em seu pé por causa de seus rebolados na TV. Ela foi gravada nos estúdios logo depois da baladona "Old Shep". Depois de todo aquele drama nostálgico Elvis procurou por algo mais relaxante, para deixar o stress de lado. E a música serviu perfeitamente aos seus propósitos. O Elvis que ouvimos aqui parece completamente à vontade para cantá-la.

Pablo Aluísio.

terça-feira, 23 de agosto de 2022

Basta, Eu Sou a Lei

No final dos anos 60 muitos veteranos da era de ouro do cinema se aposentaram. A idade havia chegado e eles tinham todo o direito de desfrutarem seus últimos anos de vida na paz e no sossego. Alguns atores porém se recusaram a se aposentar. Um dos casos mais famosos foi o de Robert Mitchum, que trabalhou praticamente até o fim da vida. E o humor acabou se revelando também um bom caminho para esses veteranos do cinema. Esse filme "Basta, Eu Sou a Lei" traz dois atores da velha escola, Robert Mitchum e George Kennedy. E o roteiro vai por esse caminho, nunca se levando à sério demais, sempre partindo de um certo bom humor. O resultado ficou muito bom, desde que o admirador de filmes de faroeste entenda perfeitamente o contexto histórico em que esse filme foi produzido e lançado, respeitando a idade de seu elenco principal. Afinal respeito é tudo nesse tipo de situação.

O roteiro traz dois homens que já estão curtindo a velhice. Um deles é um velho homem da lei, um xerife veterano que trabalhou em diversas cidades ao longo da vida. O outro é seu extremo, um fora-da-lei que agora não encontra espaço nesse mundo moderno. E eles acabam se unindo contra um inimigo em comum, para surpresa deles mesmos. "Basta, Eu Sou a Lei" é um filme divertido, praticamente uma comédia com uma galeria mais do que engraçada de personagens coadjuvantes. Não recomendaria a todos, mas especialmente para quem deseja dar algumas risadas com um faroeste bem leve e muitas vezes cômico.

Basta, Eu Sou a Lei (The Good Guys and the Bad Guys, Estados Unidos, 1969) Direção: Burt Kennedy / Roteiro: Ronald M. Cohen, Dennis Shryack / Elenco: Robert Mitchum, George Kennedy. Martin Balsam / Sinopse: Um velho homem da lei e um velho fora-da-lei se unem para enfrentar um sujeito asqueroso que deseja dominar a cidade e a região onde vivem.

Pablo Aluísio.

O Pistoleiro Marcado

Título no Brasil: O Pistoleiro Marcado
Título Original: Young Billy Young
Ano de Produção: 1969
País: Estados Unidos
Estúdio: United Artists
Direção: Burt Kennedy
Roteiro: Burt Kennedy, Heck Allen
Elenco: Robert Mitchum, Angie Dickinson, Robert Walker Jr, David Carradine

Sinopse:
O pistoleiro Ben Kane (Robert Mitchum) aceita o cargo de Xerife na distante e violenta Lordsburg, um lugarejo perdido no meio da poeira do deserto. No meio da viagem para lá acaba esbarrando em Billy Young (Walker), um jovem pistoleiro que está fugindo de um grupo mexicano armado, após matar um líder revolucionário da região. Kane resolve então recrutar Young para ser seu assistente. Não será uma tarefa fácil impor lei e ordem naquela cidade, infestada de malfeitores. Kane está inclusive particularmente interessado em encontrar com um rico e corrupto fazendeiro do local, com quem tem contas a acertar por causa de um assassinato covarde ocorrido no passado.

Comentários:
Se trata de um filme menor dentro da rica filmografia do ator Robert Mitchum. Eu gosto de dizer que a época de ouro do cinema americano de western aconteceu durante os anos 1950. Da metade da década seguinte em diante os filmes de faroeste foram paulatinamente perdendo qualidade e importância. A geração hippie foi perdendo interesse naqueles cowboys cheios de integridade e honra, uma vez que seus valores eram bem outros na década riponga da cultura das drogas. Assim westerns como esse foram ficando com cara de "velhos" e "ultrapassados". Hollywood investia em outros ramos e já não havia mais orçamentos milionários à disposição para fazer grandes filmes sobre o velho oeste. A solução foi se adaptar, realizando produções mais modestas e com enredos mais simples. "Young Billy Young" já é um reflexo dessa nova mentalidade. Apesar de contar com o ótimo Robert Mitchum no elenco - com o fraco Robert Walker Jr no papel de Billy Young - o filme nunca chega a empolgar ou decolar. Com um roteiro mergulhado em clichês mais parece uma releitura tardia de outros grandes filmes estrelados por Mitchum em seu auge (aqueles sim, grandes clássicos). O ator até arrisca dar uma de cantor, cantarolando a música tema do filme, mas no geral segue em controle remoto. Fora isso nada de muito relevante. No final fica um gostinho óbvio de Déjà vu no espectador. Os bons tempos do gênero definitivamente já tinham ficado para trás.

Pablo Aluísio.

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

O Mensageiro do Diabo

Título no Brasil: O Mensageiro do Diabo
Título Original: The Night of the Hunter
Ano de Lançamento: 1955
País: Estados Unidos
Estúdio: United Artists 
Direção: Charles Laughton
Roteiro: Davis Grubb
Elenco: Robert Mitchum, Shelley Winters, Lillian Gish

Sinopse:
Criminoso e assassino travestido de pastor religioso começa a perseguir duas crianças. Ele deseja descobrir onde foi parar a fortuna da mãe delas. O sujeito é um psicopata e não medirá esforços para alcançar seus objetivos. Afinal, ele é um assassino de viúvas ricas.

Comentários:
Esse filme é muito provavelmente o maior clássico do cinema noir da história de Hollywood. Um filme simplesmente perfeito em seu suspense obscuro que conta com elementos que, na época, eram pouco usuais. O próprio personagem de Robert Mitchum é um achado, um sujeito que se faz passar por bom pastor, mas que na realidade é um criminoso extremamente perigoso. Ele tem ódio e amor tatuados em seus dedos. O filme marcou também a única direção de Charles Laughton, que se demonstrou ser um cineasta excepcionalmente talentoso. Infelizmente, ele entrou em atrito com a produtora, que queria apenas mais um filme noir de rotina, enquanto ele queria fazer cinema autoral de qualidade. O resultado?  Temos aqui sua visão de cinema de alto nível e isso ajudou a transformar o filme em uma obra imortal. O detalhe curioso é que Robert Mitchum explorou maravilhosamente bem seu estigma de anti-herói. Aquele seu jeito fora da linha, fora da curva, à margem do sistema de estrelas de Hollywood daqueles tempos. O filme foi lançado no Brasil em VHS nos anos 80, pelo selo Warner Classics. Muito embora o filme tenha sido produzido originalmente pela United Artists.

Pablo Aluísio.

Quinteto da Morte

Título no Brasil: Quinteto da Morte
Titulo Original: The Ladykillers
Ano de Produção: 1955
País: Inglaterra
Estúdio: Ealing Studios
Direção: Alexander MacKendrick
Roteiro: William Rose
Elenco: Alec Guinness, Cecil Parker, Herbert Lom, Peter Sellers, Alan Ruck, Jack Warner

Sinopse:
Um grupo de criminosos planeja um ousado roubo. Para isso usam a casa de uma simpática senhora que acredita que todos eles são músicos de orquestra. Fingindo serem apenas artistas que vivem por amor à arte, eles acabam encontrando uma série de problemas operacionais para levar em frente seu plano. Diante dos acontecimentos a questão primordial acaba sendo: matar ou não a adorável velhinha?

Comentários:
De forma geral gostei bastante da proposta dessa deliciosa comédia de humor negro. O elenco é simplesmente magistral, contando com alguns dos mais talentosos atores ingleses daquela geração. Sir Alec Guiness domina cada cena em que surge, ora cinicamente ingênuo, ora diabolicamente perverso. Outro destaque vem com Peter Sellers. Aqui ele está em um personagem um tanto fora de seu padrão costumeiro. Seu papel acaba resvalando para aquele tipo de humor que nos faz rir, mas com uma certa dose de culpa interior pelas coisas que acontecem durante a trama. Mesmo assim basta apenas embarcar na excelente proposta do filme para se divertir bastante. O humor negro inglês é uma marca registrada. Não é de hoje, nem de um passado mais recente, que ele já se destaca. De certa maneira é um aspecto bem peculiar e típico da cultura britânica. Os assuntos mais mórbidos (como planejar matar uma senhora inocente) pode sempre render os risos mais nervosos e hilariantes. Enfim, é uma boa pedida para ver um filme que os ingleses conhecem muito bem, bem de acordo com senso de humor. Em 2004 houve um remake americano intitulado "Matadores de Velhinha" dirigido pelos irmãos Coen e com Tom Hanks no papel principal. Embora bem realizado, não conseguiu ter o mesmo brilho desse original. Afinal o elenco reunido nessa primeira versão seria simplesmente impossível de superar.

Pablo Aluísio.