quarta-feira, 30 de novembro de 2022

A Última Tentação de Cristo

Eu assisti a esse filme quando ele foi lançado, nos anos 80. Nesta semana, resolvi rever em uma exibição na TV a cabo. Eu me recordo muito bem que o filme foi extremamente criticado por fundamentalistas cristãos. A polêmica girava em torno de um suposto desrespeito em relação a figura de Cristo. Nada poderia ser mais equivocado. Não existe desrespeito no roteiro desse filme. Ao contrário disso, o que se vê no filme é uma discussão bem interessante e muito complexa sobre o lado humano de Jesus. E se ele tivesse negado o destino na cruz? E se ao invés disso, ele preferisse viver uma vida normal de um homem comum de seu tempo? E se ele escolhesse ter uma família, uma esposa, filhos e viver até a velhice? São questões que o filme aborda de forma inteligente e muito sutil. 

Até porque vamos refletir. O significado do destino na cruz é uma criação teológica, feita por teólogos após a morte de Jesus. Não é algo que se possa dizer que seja historicamente preciso. O que pensou Jesus, sobretudo sobre o que estava acontecendo em seus momentos finais? Ele realmente, no momento em que subiu à cruz, pensou estar, de alguma forma, cumprindo a vontade de Deus? Um questionamento no mínimo interessante. O filme mostra justamente esse dualismo entre o Jesus divino, com destino para salvar a humanidade e o Jesus humano, temeroso pelos acontecimentos. Nenhum ser humano quer ser pregado em uma cruz. Historicamente foi uma das formas de execução e tortura mais bárbaras e desumanas que já existiram na humanidade.

Muitos ficaram revoltados contra o filme em relação a pequenos detalhes sobre a vida desse Jesus de Scorsese. Em determinado momento ele surge construindo cruzes para o Império Romano. Historicamente essa hipótese não é absolutamente absurda. Se ele era carpinteiro, é normal que em algum momento tenha trabalhado ou prestado serviços para os romanos. No filme, ele é xingado de traidor por fazer esse tipo de trabalho. Eu penso que a situação historicamente seria muito mais precisa do que algumas pessoas poderiam pensar. Há um fundo de verdade histórica e plausibilidade nesse tipo de situação. Ele era um homem da classe trabalhadora e precisava ganhar o pão de cada dia.

Apesar disso temos aqui um roteiro essencialmente teológico. É um Jesus fragilizado que treme diante da cruz. Jesus realmente quis morrer na cruz para ser o salvador do mundo? Ou ele queria mesmo ser o Messias para expulsar os romanos de sua terra para assim assumir o poder político? Seu plano deu certo ou errado? Se ele pensava ser um revolucionário político, deu errado. Se pensava ser o salvador, deu certo, pelo menos no plano da pura teologia. Para os romanos, no final das contas, ele era apenas um terrorista que ameaçava a dominação do Império naquela região. A morte pela aruz era a morte mais infame que existia, reservada aos piores criminosos do Império Romano. Não deixa de ser uma ironia triste e trágica do destino que Jesus tenha morrido dessa maneira. E assim Scorsese fecha as cortinas de uma de suas mais relevantes obras cinematográficas. Aplausos para o mestre!

Pablo Aluísio.

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Os Filmes de Faroeste de John Wayne - Parte 12

O filme "Paraíso dos Falsários" (Paradise Canyon) foi dirigido pelo cineasta Carl Pierson. Johw Wayne aqui contracenou com um elenco muito bom, com destaque para as participações de Marion Burns e Reed Howes. Realizado pelo produtor Paul Malvern, o filme era tipicamente uma produção para as matinês de sábado, com uma curta duração de apenas 57 minutos! Um bangue-bangue rápido, voltado principalmente para os mais jovens e crianças.

A sinopse era bem simples: Um agente secreto do governo era enviado para prender uma gangue de falsificadores que operavam perto da fronteira mexicana. John Wayne interpretava esse agente especial chamado John Wyatt. Porém para não ser descoberto pelos bandidos ele chegava na distante cidade de fronteira usando o nome falso de John Rogers. No começo das filmagens ocorreu um fato engraçado. O roteirista queria usar o nome de John Wayne no próprio filme. Seria o nome usado do agente para despistar os falsificadores. Só que Wayne achou a ideia realmente péssima e mandou ele procurar por outro nome. "Essa é uma ideia estúpida!" - Disse o velho cowboy para o pobre roteirista. Ficou John Rogers mesmo.

No filme seguinte John Wayne voltou a trabalhar com o diretor Robert N. Bradbury. Nessa fase de sua carreira esse cineasta foi quem mais dirigiu Wayne em seus faroestes. É curioso que depois que Wayne foi para a Paramount e outros grandes estúdios de Hollywood trabalhar em filmes mais bem elaborados, ele não tenha pensado em levar esse velho parceiro, dos velhos tempos, para dirigir algum de seus novos filmes. De uma maneira ou outra eles trabalharam juntos com frequência - e trabalharam bem, produzindo bons filmes de matinês.

Essa nova produção se chamava "Da Derrota à Vitória" (Westward Ho). John Wayne interpretou basicamente o mesmo personagem do filme anterior, chamado John Wyatt. Só que agora seu objetivo era a vingança. No passado seu pai foi morto por criminosos. E seu irmão foi levado como réfem. Décadas depois Wayne reencontra seu irmão, agora já um homem adulto, em um trem rumo ao oeste. O problema é que ele não tem mais memórias do passado e está agora trabalhando ao lado dos mesmos bandidos que  mataram seu pai. Com bom roteiro esse foi um dos faroestes mais interessantes dessa época na filmografia de John Wayne.

Pablo Aluísio.

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Montgomery Clift - Hollywood Boulevard - Parte 1

Edward Montgomery Clift nasceu em uma família aristocrata de Omaha, Nebraska, a mesma cidade que deu ao mundo outro gênio da atuação, Marlon Brando. Entre os dois atores haveria sempre uma coincidência de destinos. Eles nasceram na mesma década (Clift em 1920 e Brando em 1924) e na mesma cidade. Durante os anos 1950 se tornariam grandes astros do cinema americano, elogiados por suas grandes atuações nas telas. Apenas as origens sociais eram diferentes. Enquanto Montgomery Clift nasceu no lado rico de Omaha, em uma família bem tradicional da cidade, Brando era apenas o filho de um caixeiro viajante, membro de uma família bem disfuncional que vivia no lado pobre de Omaha, do outro lado da linha do trem.

Mesmo assim o destino e a sétima arte os uniriam, até mesmo porque a riqueza da família Clift seria tragada por causa da grande depressão que arrasaria a economia americana em 1929, durante a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque. O pai de Monty, um rico especulador de ações, perderia praticamente tudo com a crise. Arruinados financeiramente, a família Clift mudou-se então para Nova Iorque, deixando o meio oeste durante os anos 1930. Essa mudança de cidade iria também mudar para sempre o destino de Montgomery Clift. Criado para ser um dândi da elite de Nebraska, ele precisou rever seus conceitos na grande cidade, na grande Maçã, como Nova Iorque era conhecida.

Ao invés de estudar em colégios privados tradicionais ele foi parar em uma escola pública do Brooklyn. Monty que sempre havia estudado com jovens ricos e bem-educados de Omaha, se viu de repente no meio de um pessoal mais barra pesada, que partia para a briga nos intervalos. Nova Iorque era realmente uma selva e para sobreviver por lá o jovem Monty precisou se impor, não por meio de sua educação refinada, mas sim pela força dos punhos. Sem dúvida foi uma mudança brutal, de um meio aristocrático, para uma realidade bem mais pé no chão.

Em meio a tantas mudanças algo no novo colégio mudaria para sempre sua vida. Ele se apaixonou pelo teatro. O departamento teatral da escola era muito bom, muito original, um ambiente que valorizava o talento dos alunos que mostravam o interesse pela arte de interpretar. Monty foi fisgado desde os primeiros dias. Ele sabia que Nova Iorque era um dos lugares mais efervescentes do mundo em termos teatrais. Havia muitas peças sendo encenadas na Broadway e no circuito Off-Broadway. As oportunidades estavam em todos os lugares. Vendo que poderia arranjar trabalho no meio teatral da cidade ele se empenhou nas peças escolares em que atuou. Seu objetivo era ganhar experiência para partir para a Broadway, até porque trabalhar havia se tornado uma necessidade em sua casa, pois seu pai enfrentava muitas dificuldades para arranjar um emprego.

Pablo Aluísio.

domingo, 27 de novembro de 2022

Ambulância - Um Dia de Crime

Título no Brasil: Ambulância - Um Dia de Crime
Título Original: Ambulance
Ano de Lançamento: 2022
País: Estados Unidos
Estúdio: Universal Pictures 
Direção: Michael Bay
Roteiro: Chris Fedak
Elenco: Jake Gyllenhaal, Yahya Abdul-Mateen II, Eiza González, Garret Dillahunt, Keir O'Donnell, Keir O'Donnell

Sinopse:
Durante um assalto, dois criminosos em fuga pelas ruas de Los Angeles param e entram em uma ambulância da cidade. Eles fazem de refém a jovem paramédica e o paciente que está precisando urgentemente de ser levado ao hospital. Para completar o quadro de caos, o paciente que está entre a vida e a morte, é um policial baleado. O departamento de polícia de Los Angeles logo sai em perseguição a ambulância. Causando muito estrago e acidentes pelas ruas e rodovias da cidade.

Comentários:
Remake americano de um filme dinamarquês de 2005. Inicialmente, o diretor Michael Bay pensou em transformar esse filme em mais um da série "Uma Noite de Crime". Só que ele acabou gostando tanto do roteiro adaptado do filme original que decidiu que ele mesmo iria dirigir essa produção. Com sua entrada na direção, a produção ganhou mais dólares da produtora Universal e o ator Jake Gyllenhaal foi contratado para estrelar. Curiosamente, é um filme que foge um pouco do que ele vinha buscando nos últimos tempos. Gyllenhaal tinha optado por fazer filmes mais cults. Mas aqui se entregou um filme de ação bem convencional. De maneira em geral, esse filme traz tudo aquilo que se pode esperar de uma obra cinematográfica assinada por Michael Bay, ou seja, muita correria, muita ação, muita perseguição e carros voando pelos ares nas ruas de Los Angeles. Só faltou mesmo a entrada em cena dos robôs gigantes para ser um novo Transformers. Se o roteiro não traz maiores surpresas, pelo menos resta elogiar a produção. A edição frenética é muito bem realizada. E o filme até tenta criar um histórico na relação de amizade dos dois protagonistas irmãos. Acredito que para quem gosta de filme de ação, não há maiores decepções envolvidas aqui. O filme cumpre totalmente o que está no cardápio. Bom apetite.

Pablo Aluísio.

O Armário

Título no Brasil: O Armário
Título Original: Keullojet
Ano de Lançamento: 2020
País: Coreia do Sul
Estúdio: Moonlight Film
Direção: Kwang-bin Kim
Roteiro: Kwang-bin Kim
Elenco: Ha Jung-woo, Yool Heo, Nam-gil Kim, Kim Jung-Chul, Park Sung-woong, Hyeon-bin Shin

Sinopse:
Um pai viúvo se muda para uma nova casa, ao lado de sua filha, uma garotinha de 6 anos de idade. Ele está tentando superar a morte de sua esposa. Assim que chegam na casa, a menina começa a sentir e ouvir a presença de entidades paranormais. E acaba desaparecendo em seu próprio quarto ao entrar em um antigo armário. O pai, obviamente, fica desesperado e tenta de todas as formas trazer a menina de volta.

Comentários:
Filme de terror coreano, também conhecido como "O Closet". É a tal coisa, o cinema oriental de terror não deve nada aos filmes americanos desse gênero. Assim como ocorre na Espanha, os filmes de terror produzidos no Oriente são apreciados e cultuados em todo o mundo por fãs de filmes desse estilo. O maior erro dessa produção é tentar justamente copiar o estilo cinematográfico dos filmes produzidos nos Estados Unidos. Grande erro de percepção de seus realizadores. Se fosse usar como referência alguma cultura estrangeira, o ideal seria seguir os passos dos filmes japoneses de terror. Pecando pela falta de originalidade, esse filme coreano, ao tentar ser pop e comercial demais, se perdeu. Há espaço até mesmo para um personagem ao melhor estilo caça-fantasmas. Absolutamente nada a ver com a proposta que geralmente vemos em filmes orientais. Assim, o que sobra é apenas a falta de originalidade e a busca perdida por um estilo próprio. 

Pablo Aluísio.

sábado, 26 de novembro de 2022

Elvis Presley - Loving You (1957)

Esse foi o segundo filme de Elvis Presley e o primeiro a ganhar um disco no formato LP ou álbum. "Love Me Tender", o filme anterior, teve sua trilha sonora vendida em compacto. Aliás é bom salientar que Elvis foi um dos primeiros artistas jovens a ganhar essa honraria de ter suas músicas lançadas em álbum. Naquela época as gravadoras usavam esse formato mais para o lançamento de música clássica ou óperas. Não era comum um artista pop como Elvis ter discos de longa duração como esse. Geralmente esse tipo de artista tinha seu trabalho lançado apenas em singles, conhecidos no Brasil como compactos.

Não havia músicas suficientes para encher todo um álbum. Então a RCA Victor colocou no lado B do disco várias canções do "Just For You". Para os fãs o lado A era a grande novidade. Só músicas inéditas, todas gravadas para o filme "A Mulher Que Eu Amo" (Loving You, em seu título original em inglês). A boa notícia é que eram boas músicas, excelentes gravações por parte do cantor. A maioria delas foi gravada em Hollywood em janeiro de 1957. Para essas sessões Elvis trouxe sua banda habitual. Nada de músicos contratados pelos estúdios de cinema como havia acontecido em "Love Me Tender". Aqui Elvis fez questão de trabalhar com seus próprios músicos.

"Mean Woman Blues" foi escolhida para abrir o disco. Grande momento tanto do álbum, como do filme, quando Elvis a canta em uma de suas melhores cenas no cinema durante os anos 50. Essa era uma composição de Claude Demetrius, aqui aparecendo pela primeira vez em um disco de Elvis - e ele não se tornaria um compositor habital na discografia de Elvis, apesar de seu grande talento. O ritmo era até um pouco fora dos padrões, unindo a escala musical típica de um blues com a agitação do nascente rock ´n´roll. A mistura, apesar de ser original e muito bem composta, não chegou a agradar todo mundo. Alguns mais tradicionais criticaram, ignorando o fato de que o blues foi um dos gêneros musicais que deram origem ao rock. Enfim, erraram no ponto de vista.

"Blueberry Hill" abriu o lado B do álbum. Essa não fazia parte da trilha sonora de "Loving You" e foi colocada no disco para completar espaço. Isso de um ponto de vista puramente comercial, porque do ponto de vista artístico essa era uma grande canção. Foi composta por um trio (Vincent Rose, Al Lewis e Larry Stock) e virou sucesso na interpretação do ótimo Fats Domino. Seu toque de piano inicial era sua maior característica. Algo inclusive que levou Elvis a tentar tocá-la ao vivo algumas vezes durante os anos 50. Ficou muito bom, na maioria das vezes. Como a música já havia esgotado seu potencial de sucesso com Fats, ela nunca chegou a se tornar um hit na voz de Elvis, mas isso em nada tira seus méritos. É um dos melhores momentos de todo o disco.

Não é surpresa para ninguém que o grande hit desse álbum foi mesmo "(Let Me Be Your) Teddy Bear". A música foi escrita pela dupla Kal Mann e Bernie Lowe. O interessante é que apesar de todo o sucesso alcançado por essa canção, Elvis nunca mais iria gravar nada desses compositores. Ao contrário do que aconteceu com Ben Weisman, por exemplo, eles simplesmente sumiram da discografia de Elvis. O que terá acontecido? De qualquer maneira a música do ursinho Teddy foi mesmo um grande sucesso. Foi lançada em single e atingiu rapidamente a marca das cinco milhões de cópias vendidas.

As fãs da época adoravam a música e entenderam (de forma errada) que Elvis colecionava ursinhos de pelúcia. Na verdade ele jamais havia pensado em algo parecido. As únicas coisas que Elvis colecionava naqueles tempos eram discos e carros. Ele não tinha interesse em brinquedos felpudos para crianças, afinal já era um homem adulto. Apesar disso e de repente Elvis se viu em um mar de bichinhos enviados por correspondência para Graceland. Sem saber direito o que fazer com tantos ursinhos, que encheram um quarto inteiro na sua mansão, o cantor teve a boa ideia de doar todos eles para instituições de caridades que cuidavam de crianças carentes e órfãs. Foi um gesto bonito, mostrando mais uma vez o lado generoso da personalidade de Elvis.

A música título do filme foi a bela balada "Loving You". Escrita pela excelente dupla de compositores formada por Jerry Leiber e Mike Stoller, a faixa era nitidamente uma tentativa de repetir o sucesso de "Love Me Tender" (a música tema do filme anterior). Nunca chegou ao mesmo patamar de popularidade,, mas também não fez feio nas paradas. Muitas versões foram gravadas ao longo de todos esses anos, inclusive pelo cantor brasileiro Roberto Carlos. O curioso é que Elvis precisou de um tempo para se acostumar com sua melodia. Ela tinha um lado melancólico, quase parando, que destoava um pouco do que Elvis estava produzindo naquele ano. Afinal aquele era o Elvis rocker, o Elvis roqueiro, e Loving You, baladona romântica por excelência, exigia uma certa postura que aquele jovem de 22 anos ainda não tinha.

Os compositores Sid Tepper e Roy C. Bennett escreveram a música mais hollywoodiana desse álbum. Estou falando de  "Lonesome Cowboy". Parecia até mesmo uma música bem antiga, dos clássicos faroestes dos anos 1940. Essa dupla iria cair nas graças do Coronel Parker e na década seguinte eles iriam escrever a maioria dos temas musicais de filmes de sucesso de Elvis como "Feitiço Havaiano" (Blue Hawaii) e "Saudades de um Pracinha" (G.I.Blues). Ao lado de Ben Weisman foram os mais assíduos compositores de músicas para filmes de Elvis na década de 1960. De uma forma ou outra o tema, que não chegou a fazer sucesso nas paradas, serviu perfeitamente para o contexto do filme, que mostrava um jovem cantor tentando vencer na carreira, bem no circuito country and western.

"Hot Dog" foi escrita por Jerry Leiber e Mike Stoller. E isso leva muita gente boa a confundir com o clássico "Hound Dog". Músicas com nomes parecidos, de mesmos autores. A confusão seria bem esperada. Só que "Hot Dog" é um rock rápido, escrito especialmente para o filme e que nunca teve maior destaque dentro da carreira de Elvis. "Hound Dog", por outro lado, é um clássico absoluto na voz de Elvis Presley, ainda hoje lembrada e presente em qualquer coletânea do cantor que se preze.

Outro rock rápido, de cura duração, usado para fechar o lado A do vinil original é "Party". No disco de 1957 ela vinha logo após "Hot Dog" dando até mesmo uma impressão no ouvinte de que se tratava de um medley de rocks ligeiros por parte de Elvis. Como ele vivia sua fase mais roqueira, nada mais conveniente do que encher a trilha sonora de músicas desse estilo musical. Essa canção foi escrita por Jessie Mae Robinson. Apesar de ter um forte apelo de palco, ela nunca foi usada por Elvis em seus concertos.

"Got a Lot o' Livin' to Do"foi composta às pressas pela dupla Aaron Schroeder e Ben Weisman para ser gravada por Elvis em janeiro de 1957, Os produtores do filme em Los Angeles ligaram para a dupla, que morava em Nova Iorque, para que eles criassem uma música para uma determinada cena, que iria trazer um dos principais momentos do filme. E assim a canção foi criada. Ficou muito boa, pode até mesmo ser considerado o melhor rock do disco. Também merecem aplausos a própria cena do filme, que ficou muito bem coreografada e fotografada. As fãs de Elvis na época, nem é preciso dizer, adoraram tudo.

Da mesma dupla de compositores, Aaron Schroeder e Ben Weisman, veio outra canção que foi aproveitada no Lado B do antigo vinil. Se trata da boa "Don't Leave Me Now". Essa canção tem uma boa pegada melódica, que inclusive me lembra de blues mais tradicionais. Gravada em fevereiro de 1957 ela nunca teve maior destaque dentro da discografia de Elvis, o que sempre achei uma pena. É uma canção subestimada, com ótimo acompanhamento de piano. A letra é bonitinha, tem um senso romântico bem típico dos adolescentes e poderia ter sido escrito por um colegial apaixonado em seu caderno escolar. Leia os versos: "Não me deixe agora / Agora que eu preciso de você / Quão triste e solitário eu ficaria / Se você disesse que terminamos / Não despedace meu coração / Este coração que te ama / Elas serão nada para mim / Se você me deixasse agora".

Um dos aspectos que a discografia de Elvis Presley de uma maneira em geral deixou a desejar foi a ausência de músicas compostas pelos maiores compositores da história da música dos Estados Unidos. Elvis, como grande astro, poderia ter gravado discos e discos apenas com a fina flor da canção americana. Apenas com os mais consagrados autores de todos os tempos. Porém, infelizmente, só esporadicamente esse encontro entre o talentoso cantor e esses gênios da criação musical aconteceu.

Um desses raros encontros podemos encontrar aqui no álbum "Loving You". Se trata de "True Love", composta pelo grande Cole Porter, considerado por muitos historiadores de arte como um dos maiores gênios da música mundial. Porter foi aclamado desde cedo em sua carreira. Ao longo de sua vida compôs verdadeiras preciosidades em forma de notas musicais. Elvis poderia ter gravado muitas canções de Cole Porter ao longo da vida, mas isso infelizmente não aconteceu. Seus direitos autorais eram considerados caros demais pelo Coronel Parker. Além disso havia essa mentalidade de que Porter estava fora do espectro do que se esperava encontrar em um disco de Elvis Presley. Era algo mais alinhado com os álbuns de Frank Sinatra, para alguns. Um erro de percepção em minha opinião.

Outra boa aquisição ao álbum em termos de qualidade musical foi essa criação de Ivory Joe Hunter chamada "I Need You So". Aqui havia um toque de gosto pessoal do próprio Elvis. Quem conhece o material gravado de forma amadora na Alemanha, quando Elvis estava por lá servindo o exército, sabe bem que as músicas de Ivory Joe Hunter estavam sempre sendo tocadas por Elvis ao piano em sua casa. Ele gostava muito desse compositor, isso na sua esfera pessoal mesmo, de seu próprio gosto musical. Curiosamente, por anos e anos, Elvis não voltaria a gravar nada dele, só voltando a trazer para seus discos canções de Hunter já nos anos 70, quando já havia se transformado em um artista completamente diferente do começo de sua carreira.

Da dupla de compositores Johnny Russell e Scott Wiseman, o disco traz a boa "Have I Told You Lately That I Love You?". É uma boa canção country and western. Por essa época Elvis ainda surgia com esse tipo de música em seus discos. Depois de um tempo ele iria direcionar seu repertório para um material mais pop, principalmente na era dos filmes em Hollywood. De vez em quando algo country seria gravado, mas em menor escala. As trilhas sonoras exigiam um outro tipo de seleção musical. Em relação ao country Elvis só voltaria a gravar muito material dessa linha nos anos 70, quando aí sim virou um artista tipicamente saído da geração de artistas de Nashville.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

O Pistoleiro de Esporas Negras

Tudo o que interessa para o pistoleiro Santee (Rory Calhoun) é percorrer as pequenas cidades do velho Oeste em busca de cartazes ao estilo "Procura-se vivo ou morro!". Ele é um caçador de recompensas e está em busca do dinheiro que é pago para quem trouxer os criminosos mais procurados pelos xerifes da região. Acaba liquidando e executando vários deles, entre eles um dos mais perigosos assassinos, um mexicano conhecido como El Pescadore. Ao matar o criminoso, ele pega suas esporas e passa a ser conhecido como o pistoleiro das esporas negras. Santee também procura por novos meios de ganhar dinheiro. Vê uma oportunidade na nova ferrovia que está sendo construída. Se ele conseguir um desvio para uma cidade em particular, vai ganhar bastante dinheiro com a venda das terras onde a ferrovia vai ser construída. Nessa cidade, ele decide virar sócio de um saloon. Traz jogos e garotas do Texas para ganhar bastante dinheiro com os cowboys da região. Isso o coloca em choque direto contra o xerife e o pastor da cidade. E o duelo entre eles vai se armando aos poucos no horizonte. 

Bom filme, boa produção. Nada excepcional, mas um bom filme de faroeste daquela época. O ator Rory Calhoun teve uma certa fama durante aquele período. Não chegou a ser um astro do cinema, mas certamente era um nome conhecido dos fãs de filmes de western. A única crítica maior que eu teria ao filme se refere ao seu roteiro. O personagem do caçador de recompensas é bem construído ao longo de toda a história. Só que no final, os roteiristas deram um verdadeiro cavalo de pau nas características desse personagem. Em nome de uma moralidade boboca, perdeu-se a essência do protagonista. Isso fez o filme perder como um todo. De qualquer maneira, ainda assim é um bom faroeste. E para quem gosta do trabalho do ator Rory Calhoun, é praticamente um filme obrigatório.

O Pistoleiro de Esporas Negras (Black Spurs, Estados Unidos, 1965) Direção: R.G. Springsteen / Roteiro: Steve Fisher / Elenco: Rory Calhoun, Linda Darnell, Terry Moore / Sinopse: Caçador de recompensas do velho Oeste, acaba enfrentando inimigos em uma pequena cidade dominada por um xerife e um pastor bom de briga. Filme atualmente em cartaz na grade de programação do canal Telecine Cult.

Pablo Aluísio.

Duelo em Monterey

Dois assaltantes e bandoleiros acabam se desentendendo após mais um assalto a ferrovia. Um deles chamado Jay Turner diz que vai abandonar o mundo do crime. Já tem o dinheiro suficiente para começar uma nova vida. Isso irrita profundamente o outro criminoso, Max Reno. Em um momento de distração, Turner acaba sendo atingido pelas costas por um tiro dado por Reno. Ele faz isso por covardia e ganância. Ao atingir seu parceiro de crime, ele rouba seu dinheiro e foge. Turner fica agonizando na praia. Acaba sendo salvo por uma moradora da região e se apaixona por ela. O tempo passa e ele decide ir atrás de Reno em busca de vingança. Procura por várias cidades e acaba o encontrando em uma pequena cidade do velho Oeste, onde ele se tornou o dono de um saloon. Reno pensa que Turner foi morto, que não há volta, mas fica surpreso quando o reencontra em seu próprio salão de jogos. Turner assume outra identidade, e se diz ser um jogador profissional do Texas. Uma grande farsa é montada e a vingança vai sendo arquitetada aos poucos. 

Um filme B de curta duração, quase sendo uma produção de média metragem. Mal chegando a 70 minutos. É o que se pode chamar de um típico filme de matinê daquela época. Um faroeste com uma história simples e também com a produção bem modesta. O que salva hoje em dia um filme como esse é a força da nostalgia vintage. A fotografia em preto e branco e o roteiro mantém o interesse, mas o filme realmente não é grande coisa. Uma história de vingança entre dois bandidos, algo que seria explorado à exaustão pelo cinema italiano anos depois. Ainda assim, funciona, se você for fã de faroeste e não for muito exigente em termos cinematográficos.

Duelo em Monterey (Gun Battle at Monterey, Estados Unidos, 1957) Direção: Sidney Franklin Jr, Carl K. Hittleman / Roteiro: Lawrence Resner / Elenco: Sterling Hayden, Pamela Duncan,Ted de Corsia / Sinopse: Dois criminosos precisam acertar contas com o passado. Filme atualmente em exibição na grade de programação do canal Telecine Cult.

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

A História de Rock Hudson - Parte 14

Embora fosse gay, Rock Hudson não gostava de homens afeminados. Na verdade, tinha uma certa aversão a eles. Sempre que estava assistindo a um programa de TV e esse começasse a exibir um comediante imitando os gestos de um gay afeminado, exagerado, desmunhecando, Rock mudava de canal. Achava que esse tipo de comportamento transformava todos os gays em piada. Ele não via a menor graça nisso. Rock também jamais se relacionava com homossexuais que tinham esse jeito de ser. Todos os seus romances eram com homens que tinham a mesma postura do que ele. Eram sujeitos másculos, com imagens de homens heterossexuais. Seu tipo preferido eram homens altos, fortes, loiros, de olhos azuis. Muitos dos namorados de Rock também levavam uma vida dupla, tinham namoradas, noivas e alguns eram até casados. Esses jamais despertavam a curiosidade sobre suas sexualidades. Pareciam homens exclusivamente heterossexuais.

Rock Hudson tinha hábitos puramente associados aos hetéros. Ele era aquele tipo que gostava de se vestir com ternos elegantes, da melhor linha masculina do mercado. Suas casas tinham decorações fortes, em que um homem heterossexual se sentiria confortável. Nenhum sinal de cultura gay em seus móveis ou quadros. Ele também gostava muito de fumar. Nos anos 1950 isso ainda era considerado algo charmoso e elegante e o cigarro não era visto como algo negativo, pelo contrário, fazia parte do charme de ser uma estrela de cinema. Aliás os grandes astros de Hollywood faziam peças publicitárias de marcas de cigarro, algo que seria bem comum e encarado como normal até meados dos anos 1980. O próprio Rock costumava brincar dizendo: "Espero que os cientistas descubram logo que o cigarro faz muito bem à saúde, que mata todos os germes do corpo, pois adoro fumar". Era normal em sua vida o consumo de dois a três maços de cigarro por dia - um tipo de hábito que levou muitas pessoas à morte ao longo de todos esses anos. O próprio Rock seria diagnosticado com câncer em seus últimos meses de vida.

Outro problema que seguiu Rock Hudson por toda a vida foi a bebida. Rock foi um sujeito bom de copo. No começo da carreira ele ainda não tinha tomado tanto gosto pela coisa, mas conforme foi virando um astro de cinema, participando das muitas festas que Hollywood ia promovendo, seu consumo de álcool foi ficando fora de controle. Gostava de beber whisky puro, sem gelo, estilo conhecido como "cowboy". Entre as obrigações que um ator de sucesso tinha que cumprir na capital do cinema estava a de ser extremamente sociável, e isso significava participar de muitos jantares e festas com os donos de estúdios, premiações e banquetes. E nesse processo a bebida estava sempre presente. Fazia parte. Rock não se fez de tímido e se entregou de corpo e alma ao copo. O problema é que em pouco tempo isso se tornou um hábito que que ele não conseguia mais abandonar. Acabou se tornando alcoólatra.

Após uma viagem ao Brasil ao lado do diretor de publicidade da MGM, Tom Clark, Rock decidiu convidá-lo para ir morar ao seu lado no "Castelo" (o nome pelo qual sua mansão nas colinas de Hollywood era conhecida). Isso só fez aumentar seu consumo de bebidas diariamente. Clark era tão beberrão como Rock e tudo virava pretexto para que eles, todos os dias, ficassem bêbados. Tom Clark também entendeu que Rock estava com a carreira declinando. Para conseguir novos papéis era importante ele reviver sua intensa vida social. Deveria promover jantares e encontros em sua casa. Assim encontraria diretores e produtores nas festas. Isso foi bom, mas também trouxe mais uma desculpa para Rock encher a cara todas as noites.

Rock também se aventurava de vez em quando na cozinha, inventando de preparar jantares gourmets para seus amigos e amantes. Quase sempre dava errado, mas o importante era a diversão. O amigo George Nader relembrou em entrevistas que Rock gostava muito de preparar pratos diferentes, exóticos, mas sua vontade de fazer jantares com pratos finos esbarrava em sua própria falta de jeito para cozinhar! Além disso Rock era conhecido por queimar todos os pratos - dias de churrasco então era um terror! Rock gostava de beber antes de jantar e por isso atrasava o máximo possível o começo de suas refeições. O reflexo disso é que tudo terminava queimado e até pegando fogo! Certa vez durante um churrasco com amigos Rock teve que jogar um balde de água em cima da carne que estava literalmente pegando fogo!!!

Rock Hudson costumava dizer que três coisas lhe faziam feliz: O trabalho, a bebida e o sexo! Curiosamente não foi o trabalho, nem o cigarro e muito menos a bebida que iria destruir com sua vida, mas o sexo! Rock era gay e isso em uma época extremamente perigosa pois a AIDS ainda era uma doença desconhecida da medicina. O sexo era praticado sem proteção, e ninguém estava preocupado com DSTs. Como era rico e famoso, Rock teve muitos parceiros ao longo de sua vida, inclusive pessoas de San Francisco, a capital gay dos EUA, a primeira cidade onde o vírus realmente se espalhou, principalmente entre a comunidade gay local. Naquela época ser diagnosticado com AIDS era o mesmo que receber uma sentença de morte. Rock não conseguiu escapar da rápida proliferação da doença e menos de um ano depois de descobrir que tinha o vírus HIV estava morto. Seu legado foi ter assumido pouco antes de sua morte que era homossexual e que estava com AIDS. O escândalo criado fez a festa dos jornais sensacionalistas, mas também alertou as pessoas e fez com que autoridades públicas tomassem as devidas providências para que a nova doença fosse combatida. Um ato de coragem final que ajudou muitas pessoas ao redor do mundo, seja de forma direta ou indireta.

Pablo Aluísio.

Minha Fama de Mau

Nesta semana, o Brasil recebeu entristecido a notícia da morte do cantor e compositor Erasmo Carlos. Realmente foi uma perda para a música popular Brasileira, uma vez que ele foi um ícone e um dos artistas mais populares da chamada Jovem Guarda. Esse filme, baseado nas memórias do próprio cantor, foi lançado pela Globo filmes e foi reprisado ontem pelo Telecine, em homenagem à morte dele. Conta a história do jovem pobre da Tijuca que se apaixonou pelo rock durante os anos 50. Filho de uma mãe solteira que morava em um pequeno quarto de pensão, ele ousou sonhar em ter uma carreira artística. E foi atrás de seus sonhos, tentando seguir os passos de seus ídolos americanos como Elvis Presley e Bill Halley. O começo foi muito difícil como era de se esperar. Só que um dia, meio por acaso, ele recebeu a visita de um jovem atrás de letras de Elvis. O nome dele? Roberto Carlos. Esse encontro iria mudar a vida de Erasmo para sempre. 

Depois disso começou a participar de programas de rádio e aos poucos foi abrindo o próprio espaço para mostrar suas composições. O filme se concentra muito na fase da Jovem Guarda. Quem conhece a história de Erasmo Carlos sabe que ele não se resumiu a isso. Pelo contrário, ele fez discos muito bons, principalmente na década de 70. O filme, porém, não está muito preocupado em contar toda a sua história. Fatos polêmicos e controversos de sua vida são deixados de lado. O roteiro é muito mais focado nos seus anos ao lado de Roberto Carlos no famoso programa de TV. Tudo muito colorido, como convinha aos anos 60. Esse não é um erro do filme, mas sim uma escolha do seu diretor. Eu gostei do que vi e acho que é um um filme bem honesto como homenagem a uma vida dedicada a música. Certamente vai agradar aos fãs do Tremendão.

Minha Fama de Mau (Brasil, 2019) Direção: Lui Farias / Roteiro: Lui Farias / Elenco: Chay Suede, Gabriel Leone, Malu Rodrigues / Sinopse: O filme conta a história do cantor e compositor Erasmo Carlos. Ele fez muito sucesso e foi muito popular durante a década de 1960 no programa da rede Record, chamado Jovem Guarda. Depois, teve uma longa e produtiva carreira de parceria com Roberto Carlos em seus discos. Formando a dupla de compositores mais popular da história da nossa música.

Pablo Aluísio.