quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018
Victoria & Abdul
Obviamente que a Rainha da Inglaterra ter uma aproximação assim tão de perto com um indiano, ainda mais muçulmano, criou uma série de atritos com os demais membros da família real. Vitória, no fundo uma mulher solitária, sem amigos, já com oitenta anos, sentia-se muito sozinha e amarga, principalmente pelo fato de que todas as pessoas de quem realmente gostava já tinham morrido naquela fase de sua vida. O filho, chamado por ela de Bertie, futuro Rei Eduardo VII, não passava de um homem fútil que só trazia aborrecimentos para ela. As demais filhas também não lhe traziam mais boas notícias, assim acabou sobrando para ele ter pequenos momentos agradáveis com seu servil Abdul, que era um homem inteligente que estava sempre disposto a contar e ensinar coisas para a Rainha. Ela era a Imperatriz da Índia naquele momento, mas nunca havia ido naquele distante e exótico país, tampouco conhecia sua história e riqueza cultural. Abdul acabou abrindo essas portas de conhecimento para ela.
Além de ser historicamente muito interessante, "Victoria & Abdul" ainda passeia pela vida privada e mais íntima da Rainha, a mostrando em momentos bem humanos. Ela foi a monarca que mais tempo ficou no trono na Inglaterra e deu nome a todo um século, chamado de "Era Vitoriana". Foi o auge do império britânico, com possessões e colônias em todos os lugares do mundo conhecido. Claro que em um filme assim haveria a necessidade de ter uma grande atriz interpretando a Rainha Vitória. E ela está lá, Judi Dench. Essa maravilhosa atriz já havia inclusive interpretado Vitória em "Sua Majestade, Mr. Brown" e agora retorna ao mesmo papel. Envelhecida ainda mais por uma bem feita maquiagem (que está concorrendo ao Oscar nessa categoria), ela realmente impressiona pelo talento e pela sensibilidade mostrada em cada momento do filme. Sua atuação é grandiosa. Em suma, um belo filme, um dos melhores de 2017, que inclusive não foi indicado na principal categoria (o de melhor filme do ano). Mais uma injustiça na longa lista da história do Oscar.
Victoria e Abdul: O Confidente da Rainha (Victoria & Abdul, Inglaterra, Estados Unidos, 2017) Direção: Stephen Frears / Roteiro: Lee Hall / Elenco: Judi Dench, Ali Fazal, Tim Pigott-Smith, Eddie Izzard / Sinopse: Baseado no livro escrito por Shrabani Basu, o filme conta a história real da amizade da Rainha Victoria com um serviçal indiano, que se tornou uma pessoa bem próxima dela em seus últimos anos de vida. Filme indicado ao Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz (Judi Dench). Também indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Maquiagem e Cabelo (Daniel Phillips e Loulia Sheppard) e Melhor Figurino (Consolata Boyle).
Pablo Aluísio.
sexta-feira, 26 de janeiro de 2018
Museu de Cera
Título no Brasil: Museu de Cera
Título Original: House of Wax
Ano de Produção: 1953
País: Estados Unidos
Estúdio: Warner Bros
Direção: André De Toth
Roteiro: Crane Wilbur, Charles Belden
Elenco: Vincent Price, Carolyn Jones, Charles Bronson, Phyllis Kirk
Sinopse:
Henry Jarrod (Vincent Price) é um artesão talentoso que transforma bonecos de cera em retratos quase perfeitos de personagens históricos. Maria Antonieta, Joana d'Arc e Abraham Lincoln são algumas da figuras históricas que ele esculpiu em cera para serem exibidas em seu próprio museu. Seu sócio porém tem outros planos. Ele está de olho no dinheiro do seguro. Por essa razão resolve promover um grande incêndio, algo que deixa Jarrod severamente ferido e deformado pelas chamas. Agora, recuperado, ele parte para sua vingança pessoal contra todos que fizeram esse atentado contra sua arte e sua vida. Filme indicado ao prêmio da Academy of Science Fiction, Fantasy & Horror Films.
Comentários:
É um dos clássicos de terror mais lembrados da carreira de Vincent Price. O enredo gira em torno desse artista muito diferente, um mestre em criar figuras de cera com extrema fidelidade, a tal ponto de levar a todos a pensarem se estão mesmo na presença de uma peça de cera ou de um ser humano real. Após entrar em atrito com seu desonesto sócio, um sujeito que só pensa em queimar todo o museu de cera para receber o seguro, Henry Jarrod (Vincent Price) vê suas pretensões de ser um grande artista queimarem em um inferno em chamas. Deformado pelo fogo e transformado em um ser de aparência repugnante (o que contrasta enormemente com a beleza de sua arte) ele ainda não se sente pronto a abandonar suas ambições artísticas. Após se vingar daqueles que o destruíram ele resolve voltar. Como é um artesão em recriar rostos e formas humanas cria uma máscara para esconder as deformidades de sua própria face, arranja um novo sócio e abre um novo museu de cera, só que essa vez bem diferente, com uma seção especializada em horrores que refaz todas as cenas dos maiores crimes da história. O que é desconhecido do público é que Henry Jarrod perdeu sua capacidade de criar figuras em cera após ter suas mãos queimadas no incêndio. Assim ele decide usar outra técnica para produzir suas novas "obras de arte" - isso mesmo, corpos humanos de verdade!
Essa produção foi alvo de um remake há poucos anos, mas aquele roteiro tinha pouco a ver com essa produção original. Aqui o foco é todo voltado para as ambições de um artista que só pretendia refazer o belo em cera, mas que pelas circustâncias de sua vida trágica teve que abraçar o grotesco e o horror! Price usa uma bem feita máscara que o dá uma face monstruosa e usa de seu charme e elegância naturais para interpretar o gentil artista que no fundo esconde um terrível segredo. Charles Bronson também está no elenco interpretando Igor, o assistente mudo e com problemas mentais de Jarrod. Completando o elenco ainda temos Carolyn Jones, que se imortalizou como a Morticia Frump Addams da série de grande sucesso na TV americana, "A Família Addams". Tecnicamente o filme é muito bem realizado, com cenários bem construídos. Também foi um dos primeiros filmes da história a usar uma rudimentar tecnologia 3D. Você vai perceber bem isso em algumas cenas que parecem gratuitas, como a do animador com bolinhas de pingue-pongue que as fica atirando propositalmente em direção à tela. A única coisa que não me agradou muito do ponto de vista técnico nesse "House of Wax" foi sua trilha sonora incidental. Com uma linha de flauta irritante em sua melodia ela acabou atrapalhando um pouco justamente nos momentos mais tensos da estória. Mesmo assim, não é algo com se preocupar, pois não chega a ser um problema. No fundo é apenas fruto de uma época. Enfim, de maneira em geral é um terror muito bom, com aquele charme nostálgico que só melhorou com os anos. Não é de se admirar que seja um filme tão cultuado pelos fãs de terror até os dias de hoje!
Pablo Aluísio.
quinta-feira, 25 de janeiro de 2018
A Maldição do Sangue da Pantera
Título no Brasil: A Maldição do Sangue da Pantera
Título Original: The Curse of the Cat People
Ano de Produção: 1944
País: Estados Unidos
Estúdio: RKO Radio Pictures
Direção: Gunther von Fritsch, Robert Wise
Roteiro: DeWitt Bodeen
Elenco: Simone Simon, Kent Smith, Jane Randolph
Sinopse:
Amy Reed (Ann Carter) aparenta ser uma garota normal, mas isso não corresponde a realidade dos fatos. Ela tem uma mente mais imaginativa do que as demais meninas de sua idade, a ponto de suas coleguinhas de escola dizerem que ela vive sonhando. Após receber um anel de uma senhora que mora numa grande casa sombria na vizinhança ela começa a ter visões de uma bela dama em seu quintal. Mal sabe ela que Irena (Simone Simon), sua suposta amiga imaginária, é na realidade o fantasma da ex-esposa de seu pai, uma mulher estranha que tinha o poder de se transformar em uma pantera negra.
Comentários:
Que filme surpreendentemente bom! Inicialmente você pensa que vai assistir apenas a uma sequência caça-niqueis de "Sangue de Pantera". Ledo engano. Em certos aspectos essa continuação consegue ser melhor do que o filme original! Falando sinceramente poderia ser um roteiro até mesmo isolado da trama do primeiro filme. O clima mais espiritualista e a proposta diferenciada realmente fazem com que essa produção tenha um estilo bem próprio e singular. O enredo gira praticamente todo em torno de Amy Reed (Ann Carter). Ela é a filha do casal formado por 'Ollie' Reed (Kent Smith) e sua esposa Alice (Jane Randolph). Em "Sangue de Pantera" acompanhamos como se conheceram e se apaixonaram. Apesar de Ollie ser casado com Irena (Simone Simon), sua personalidade difícil e suas crenças fora do comum foram minando aos poucos o conturbado relacionamento. Ela tinha certeza que havia sido amaldiçoada em sua vila na Sérvia e que por isso se transformaria em uma pantera em noites escuras e sombrias. Depois dos trágicos acontecimentos do primeiro filme com a morte de Irena, finalmente Ollie e Alice ficaram livres para se casar. O problema é que Amy, sua filha, não age como uma garotinha normal de sua idade. Ela não tem amigos e cultiva uma imaginação fora do comum, onde realidade e fantasia geralmente se confundem. Quando ela começa a ter visões de Irena no jardim de sua casa as coisa complicam ainda mais. Ela surge em sua forma espiritual, como se fosse sua amiga imaginária. A fronteira que separa fantasia e realidade vai ficando cada vez mais estreita, para desespero de seus pais.
O roteiro ainda apresenta outros personagens interessantes, como uma veterana atriz de teatro que vive em sua sombria casa ao lado da filha, ao qual não mais reconhece. O clima de sombras e medo atravessa todo o filme, mas tudo é realizado com tanto bom gosto que não podemos ficar menos do que surpresos. Para quem gostou das mulheres que se transformam em panteras fica o aviso que o roteiro agora apresenta outro foco, a ponto inclusive de não haver mais feras em cena. O terror é mais psicológico. Como eu já escrevi, apesar de haver uma pequena ligação com a trama do primeiro filme essa sequência é tão própria e particular que poderia até mesmo ser assistida sem ver o filme anterior. Por fim vale a menção da presença do grande Robert Wise na direção. Um dos mestres em sua especialidade, a presença do talentoso cineasta explica muita coisa, inclusive sua qualidade fora do comum. Esse foi o primeiro trabalho creditado de Wise como diretor e ele resolveu caprichar bastante, tanto no aspecto puramente técnico (há ótima utilização de luz e sombras) como de roteiro (a trama é de fato bem surpreendente). Seu talento que iria despontar no clássico "O Dia em que a Terra Parou" já dá sinais bem claros aqui. É de fato uma pequena obra prima clássica, não se enganem sobre isso. É aquele tipo de filme que se revela muito melhor do que aparenta ser.
Pablo Aluísio.
Sangue de Pantera
Título Original: Cat People
Ano de Produção: 1942
País: Estados Unidos
Estúdio: RKO Radio Pictures
Direção: Jacques Tourneur
Roteiro: DeWitt Bodeen
Elenco: Simone Simon, Tom Conway, Kent Smith, Jane Randolph
Sinopse:
Irena Dubrovna (Simone Simon) aparenta ser uma jovem normal. Em um passeio pelo zoológico de sua cidade acaba conhecendo casualmente Oliver Reed (Kent Smith), um arquiteto que fica bastante interessado nela. Após alguns encontros começam a namorar. O que parecia um relacionamento promissor se torna problemático quando Oliver descobre que sua namorada tem estranhos pensamentos. Um deles a faz acreditar que ela é mais uma vítima de uma maldição secular de sua terra natal, a Sérvia. No século XV mulheres de sua região teriam feito um pacto com Satã, que transformaria jovens em feras, bestas animalescas das sombras. Estaria Irena enlouquecendo ou haveria algum fundo de verdade em suas estranhas crenças?
Comentários:
Se você tem mais de 30 anos de idade certamente conhece o filme "A Marca da Pantera" com Nastassja Kinsk, um filme que fez bastante sucesso em seu lançamento no ano de 1982. Pois bem, poucos sabem disso, mas aquele era apenas um remake desse filme original, "Sangue de Pantera" de 1942. O argumento é basicamente o mesmo. O enredo gira em torno de uma antiga maldição que acabou dando origem a uma linhagem de mulheres que se transformam em panteras quando são traídas ou ofendidas. A personagem Irena Dubrovna ainda não sabe se isso tem alguma veracidade ou se é apenas uma lenda de sua país, a Sérvia. O roteiro procura explorar o suspense que nasce dessa situação. No mais perfeito clima noir o filme se desenvolve muito bem e apresenta soluções excelentes para os momentos mais tensos. Como não havia ainda tecnologia para mostrar uma mulher se transformando em pantera, o cineasta Jacques Tourneur acabou criando cenas de alto impacto. Por exemplo, ao invés de mostrar a transformação em si, de forma explícita, ele apenas a sugere com vestígios, como as pegadas de um sapato feminino no chão que aos poucos vão sendo substituídos por marcas de patas de felinos. Desse tipo de sugestão, que nada mostra, mas deixa claro, é que vemos a inteligência de seus realizadores. Outra cena muito boa acontece numa piscina coberta, quando Alice Moore (Jane Randolph) fica aterrorizada com a iminente presença de uma fera no local. Uma pantera negra prestes a atacar sua presa! Enfim, um belo suspense noir, cheio de sacadas bem boladas e inteligentes, tudo associado a um roteiro muito bem escrito e eficiente. É de fato um pequeno clássico em seu gênero.
Pablo Aluísio.
quarta-feira, 24 de janeiro de 2018
Alma no Lodo
Título Original: Little Caesar
Ano de Produção: 1931
País: Estados Unidos
Estúdio: First National Pictures
Direção: Mervyn LeRoy
Roteiro: W.R. Burnett, Robert N. Lee
Elenco: Edward G. Robinson, Douglas Fairbanks Jr., Glenda Farrell
Sinopse:
Little Caesar (Edward G. Robinson) é um bandido que vive de pequenos golpes, como roubos em postos de gasolina. Ao se deparar com a notícia de um grande jornal de Nova Iorque ele percebe a diferença entre ser um bandido pé de chinelo e ser um grande e poderoso gângster de uma grande cidade americana. Assim resolve deixar sua cidade natal e vai até a grande metrópole no objetivo de entrar na gangue de Pete Montana (Ralph Ince). Violento e ambicioso, começa a subir na hierarquia do crime. Após matar um importante comissário de polícia resolve se tornar o chefão de sua própria quadrilha. Filme indicado ao Oscar na categoria de Melhor Roteiro Adaptado.
Comentários:
Segundo várias biografias de Al Capone esse era o seu tipo preferido de filme. Não é de se admirar, até porque na maioria das vezes os roteiros eram meras adaptações de sua própria vida pessoal. Assim o mais famoso gangster da história se sentia lisonjeado em ser retratado nas telas. Tal como aconteceu com James Cagney, o ator Edward G. Robinson construiu sua carreira interpretando criminosos, gangsters violentos e cruéis. Cagney ainda procurava injetar certos aspectos de humanidade em seus personagens, mas Robinson não estava muito preocupado com isso. Seus bandidos eram violentos, desalmados e cruéis. Ele próprio dizia, sem rodeios, que já nascera com cara de bandido (o que não deixava de ser uma verdade). Nesse filme ele dá vida a Little Caesar, que se tornaria um de seus personagens mais famosos. Aquele tipo de gangster que a platéia adorava odiar! O curioso é que o roteiro gira praticamente em torno dele e de seu comparsa mais antigo, Joe Massara (Douglas Fairbanks Jr), um criminoso incomum que não conseguia se decidir entre escolher o mundo do crime ou da dança (isso mesmo, um gangster que adorava dançar!). O enredo está cheio de assassinatos, crimes violentos, roubos e tiroteios. Esse tipo de filme, realizado na década de 1930, acabaria sendo alvo do Macartismo alguns anos depois, sendo apontado como um exemplo de como Hollywood gostava de glorificar e glamorizar a vida de criminosos infames da época. Não é para tanto. O roteiro parece preocupado o tempo todo em mostrar que o crime não compensa, a ponto inclusive de abrir o filme com uma passagem do Novo Testamento quando Jesus disse: “Embainha a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada pela espada morrerão!" (Mateus 26:52). O destino de Little Caesar só confirmaria a famosa frase, mostrando claramente as intenções do roteiro. Assim temos aqui um dos mais famosos filmes sobre gangsters da era de ouro do cinema clássico americano. Um belo retrato de uma época violenta e brutal.
Pablo Aluísio.
Jejum de Amor
Título Original: His Girl Friday
Ano de Produção: 1940
País: Estados Unidos
Estúdio: Columbia Pictures
Direção: Howard Hawks
Roteiro: Charles Lederer, Ben Hecht
Elenco: Cary Grant, Rosalind Russell, Ralph Bellamy, Gene Lockhart, Porter Hall, Ernest Truex
Sinopse:
Baseado na peça teatral intitulada "The Front Page", o filme "Jejum de Amor" conta a história de um editor de jornal que usa de todos os truques para que sua ex-esposa não venha a se casar novamente.
Comentários:
Esse clássico filme romântico foi mais um dos escolhidos para fazer parte de uma seleta lista que procurou preservar grandes obras cinematográficas do passado, tudo sob a supervisão do Congresso dos Estados Unidos. Diante dessa informação você já começa a entender sua importância dentro da cultura norte-americana. Mas calma, não pense que é um filme pesado. chato, enfadonho ou nada do gênero. Na realidade é uma deliciosa comédia romântica dos anos 40, valorizada por uma inspirada interpretação do sempre ótimo Cary Grant. Ele não consegue tirar sua ex-esposa da cabeça e começa a mexer os pauzinhos para destruir os planos dela de se casar novamente. Situação complicada. Enfim, ótimo filme, um delicioso momento do cinema de Howard Hawks.
Pablo Aluísio.
terça-feira, 23 de janeiro de 2018
Boneca de Carne
Título no Brasil: Boneca de Carne
Título Original: Baby Doll
Ano de Produção: 1956
País: Estados Unidos
Estúdio: Warner Bros
Direção: Elia Kazan
Roteiro: Tennessee Williams
Elenco: Karl Malden, Carroll Baker, Eli Wallach, Mildred Dunnock
Sinopse:
Archie Lee (Karl Malden) é um fazendeiro arruinado, cheio de hipotecas para pagar, que não encontra mais nenhuma fonte de renda em sua propriedade falida, uma velha mansão sulista caindo aos pedaços. Casado com um mulher vinte anos mais jovem, de mente adolescente e boba, a infantil Baby Doll (Carroll Baker), que o despreza completamente, ele decide de forma desesperada cometer um crime, colocando fogo em uma máquina do sindicato dos plantadores de algodão, para assim lucrar alguma coisa na manufatura do produto em sua própria fazenda. Filme indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Fotografia, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Atriz (Carroll Baker) e Melhor Atriz Coadjuvante (Mildred Dunnock).
Comentários:
Tennessee Williams era um gênio. Um escritor brilhante que soube como poucos captar a alma do sulista norte-americano. Aqui ele abre vistas para um casal disfuncional. Ele é um sujeito fracassado, arruinado financeiramente, gordo e careca, que não consegue mais esconder de ninguém que já não conseguirá alcançar mais nada em sua vida. Ela é uma garota mimada, desbocada, ofensiva e imatura, que transforma a vida do marido em um inferno maior do que ela já é! Para piorar levou a tiracolo sua tia, uma senhora idosa com problemas mentais, para morar com eles. Após a loja de móveis levar toda a mobília de sua velha casa embora por falta de pagamento, Archie Lee (Malden) resolve tomar uma decisão extrema: tocar fogo na descaroçadeira de algodão do sindicato para assim levar os produtores a lhe procurar, pois ele tem uma máquina dessas, meio acabada pelo tempo, é verdade, mas que ainda funciona, aos trancos e barrancos. Uma desesperada tentativa de ganhar algum dinheiro.
Silva Vacarro (Eli Wallach) é um dos produtores que acabam procurando Archie depois do incêndio. Ele desconfia que foi Lee quem colocou fogo em tudo e por isso vai até sua propriedade rural, não apenas para alugar sua velha máquina, mas também para seduzir sua jovem e bobinha esposa. O texto de Tennessee Williams mostra os perigos de se viver em uma ilusão, tentando-se criar uma realidade forçada, imposta. O casamento de Archie Lee e Baby Doll é um desastre em todos os aspectos. Ela não o respeita, o despreza e o humilha, mas ele insiste em continuar casado com ela, dando origem a uma relação doentia e fadada ao completo fracasso. Inseguro, não consegue consumar seu casamento com a própria esposa, ao mesmo tempo em que vive em estado de tensão esperando pela inevitável traição por parte dela. Uma aula sobre as mesquinharias da alma humana que apenas Tennessee Williams teria talento para colocar no papel. Some-se a isso a incrível sensibilidade do diretor Elia Kazan e do excelente trio de protagonistas e você certamente terá um dos melhores filmes americanos da década de 1950. Um clássico do cinema simplesmente imperdível. Uma maravilhosa obra prima cinematográfica. Nota dez com louvor!
Pablo Aluísio.
O Enviado de Satanás
Título Original: Alias Nick Beal
Ano de Produção: 1949
País: Estados Unidos
Estúdio: Paramount Pictures
Direção: John Farrow
Roteiro: Jonathan Latimer, Mindret Lord
Elenco: Ray Milland, Audrey Totter, Thomas Mitchell
Sinopse:
Joseph Foster (Thomas Mitchell) é um procurador honesto que apesar dos esforços não consegue condenar nos tribunais um famoso chefão de quadrilha do crime organizado de sua cidade. As provas que o condenariam são queimadas. Desesperado e ambicionando uma carreira de sucesso também no mundo político (ele almeja se tornar o próximo governador de seu estado), acaba dizendo a frase: "Eu daria minha alma para prender esse homem!". Em pouco tempo surge Nick Beal (Ray Milland) em sua vida, um sujeito misterioso que começa a lhe ajudar na realização de seus sonhos de vaidade e ambição.
Comentários:
Apesar do título nacional sugerir isso, não se trata de um filme de terror. É um drama com toques de suspense que foi nitidamente inspirado no famoso poema "Fausto" de Johann Wolfgang von Goethe. O argumento é basicamente o mesmo e se desenvolve quando um homem íntegro e honesto acaba caindo nas garras da ambição e vaidade pessoal, fazendo um pacto com o diabo para realizar seus desejos de riqueza e poder. Nesse processo acaba perdendo sua própria alma. O roteiro explora esse personagem, um procurador que começa a esquecer seus valores e princípios, tudo ambicionado por uma carreira política de sucesso. O tal enviado de Satanás (um título muito exagerado e pouco sutil do tradutor brasileiro, é bom frisar) é interpretado por Ray Milland. Um sujeito estranho que parece sempre surgir das sombras, nos momentos mais decisivos. Seus conselhos são sempre antiéticos e manipuladores, mas no calor do momento soam pertinentes e adequados para Joseph. De decisão em decisão o antes honesto e correto Joseph Foster começa a se afundar na lama da corrupção. Enquanto isso Nick Beal (Milland) vai se deliciando com a fraqueza e a pobreza espiritual dos homens em geral. O próprio nome do personagem interpretado por Ray Milland traz pistas, pois lembra Baal, um velho demônio da mitologia antiga. Um belo filme, muito interessante, valorizado por uma estética noir que lhe acrescenta e muito em termos cinematográficos. Em suma, um bom programa e uma bem realizada releitura do poema imortal de Goethe.
Pablo Aluísio.
segunda-feira, 22 de janeiro de 2018
A Loja da Esquina
Título Original: The Shop Around the Corner
Ano de Produção: 1940
País: Estados Unidos
Estúdio: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM)
Direção: Ernst Lubitsch
Roteiro: Samson Raphaelson, Miklós László
Elenco: Margaret Sullavan, James Stewart, Frank Morgan
Sinopse:
Alfred Kralik (James Stewart) é o melhor vendedor de uma loja de variedades em Budapeste, na Hungria. Quando Klara Novak (Margaret Sullavan) é contratada para trabalhar no mesmo estabelecimento começam os atritos. Eles não se dão muito bem e em pouco tempo a convivência começa a se tornar intolerável. O que eles nem desconfiam é que trocam cartas apaixonadas entre eles, em um programa de encontros anônimos. Apaixonados na escrita, mas implicantes no trato pessoal, eles terão uma surpresa e tanto quando suas verdadeiras identidades são reveladas depois de um longo período de troca de correspondências.
Comentários:
Pauline Kael foi uma das mais famosas críticas de cinema da história do jornalismo americano. Ela manteve uma coluna periódica na publicação "The New Yorker" por longos anos. Seus textos eram extremamente influentes e poderia levar um filme ao fracasso completo caso escrevesse uma crítica negativa. Ela era conhecida por sua aspereza e forma ácida com que destruía filmes que não lhe agradassem. Mesmo sendo considerada implacável em suas avaliações ela acabou se rendendo ao charme desse charmoso "The Shop Around the Corner". Na verdade ela se encantou tanto com essa produção que chegou ao ponto de escrever que era uma das melhores comédias românticas da história do cinema americano! Um elogio e tanto partindo de alguém que era conhecida por ser tão pouco generosa na distribuição de elogios cinematográficos. A boa notícia é que ela tinha toda a razão. Esse filme é de fato uma delícia em todos os aspectos. O roteiro é cativante e emociona o espectador não apenas pela singeleza de seu enredo, mas também pelas excelentes atuações da dupla central de atores. James Stewart sempre foi o tipo ideal para dar vida a personagens de uma honestidade de sentimentos fora do comum. Com poucos minutos você já sabe que ele é uma pessoa em que se pode confiar. Margaret Sullavan era outra preciosidade das telas. Simpática, mas também passando a sensação de ser uma mulher dos novos tempos, ela se deu muito bem ao contracenar com Stewart, dando credibilidade à dúbia situação pela qual passa sua personagem. Em suma, um dos clássicos mais charmosos da década de 1940. Uma verdadeira jóia do cinema clássico americano. Simplesmente imperdível para cinéfilos de estilo.
Pablo Aluísio.
O Crime não Compensa
Título Original: Knock on Any Door
Ano de Produção: 1949
País: Estados Unidos
Estúdio: Columbia Pictures
Direção: Nicholas Ray
Roteiro: Daniel Taradash, John Monks Jr
Elenco: Humphrey Bogart, John Derek, George Macready
Sinopse:
Andrew Morton (Humphrey Bogart) é um advogado criminalista que decide defender o jovem Nick Romano (John Derek) nos tribunais. Ele está sendo acusado de ter matado um policial durante uma fuga, após um assalto frustrado. Morton conhece Romano há muitos anos, desde que defendeu seu pai no passado, também acusado de crimes no bairro onde morava. Para o advogado, Romano seria inocente e seu passado de pequenos crimes seria apenas fruto de uma vida complicada, pois perdeu seu pai muito cedo, ainda em sua adolescência.
Comentários:
"Viva rápido, morra jovem e se torne um belo cadáver" - Esse é o lema do jovem criminoso Nick Romano (Derek) nesse filme. Criado nas ruas, tendo logo cedo contato com a criminalidade, ele acaba se envolvendo numa acusação de homicídio de um tira, logo após um assalto mal sucedido. O advogado Morton (Bogart) acredita em sua inocência e resolve lutar para provar sua inocência. O problema básico é que o jovem tem uma longa ficha policial em seu passado, pois desde a morte do pai não deixou mais de praticar pequenos crimes pelas redondezas onde mora. Esse filme é mais um da safra do excelente cineasta Nicholas Ray que enfoca a delinquência juvenil, um problema considerado muito sério na sociedade americana da época. Sua grande obra prima, explorando esse mesmo tema, viria alguns anos depois com o clássico jovem "Juventude Transviada" com o mito James Dean. Aqui ele já ensaia passos que iria usar em seu grande filme. Nicholas Ray tenta provar algumas teses com esse roteiro. A mais importante delas seria a de que muitos criminosos, principalmente os jovens, seriam na verdade vítimas da própria sociedade. É a velha teoria da justificativa social do crime. Uma maneira mais humana de entender as causas da criminalidade dentro da vida de alguns excluídos do sistema. Claro que hoje em dia essa visão está bem desacreditada, principalmente no momento atual que vivemos em nosso país. De qualquer maneira, olhando-se puramente pelo ponto de vista cinematográfico, temos aqui um bom filme, valorizado pelo uso inteligente de flashbacks e pela sempre bem-vinda presença de Humphrey Bogart que tem um longo monólogo no tribunal na cena final do filme.
Pablo Aluísio.