O disco final da banda The Doors, "L.A.Woman", foi gravado em oito canais entre dezembro de 1970 a fevereiro de 1971, no Doors Workshop (Hollywood, CA). Esse era um estúdio pequeno, improvisado no escritório do grupo. Logo no começo dos ensaios Jim percebeu que o som ficava ótimo dentro do banheiro e sugeriu que toda a banda fosse para dentro do sanitário! Com a recusa dos demais membros da banda, o Rei Lagarto não se fez de rogado, gravou todas as faixas sentado em um banquinho ao lado da privada... O disco foi lançado oficialmente nos EUA no final de abril de 1971. A produção ficou com Bruce Botnick e os próprios The Doors. Panelinha nativa.
Mesmo contendo três das canções mais famosas dos Doors (a faixa título, Love Her Madly e Riders on the Storm) e ter sido um dos discos mais vendidos da banda (fazendo deles o primeiro grupo de rock americano a receber sete discos de ouro consecutivos), "L.A. Woman" é uma obra que pode não ser rapidamente digerida pelos admiradores do grupo. Como Morrison Hotel já dava sinais, os Doors haviam se transformado mais do que nunca numa banda de blues, e esse último lançamento é basicamente todo dedicado a esse estilo. A diferença pode ter sido acentuada com a saída do produtor Paul Rothchild, que não gostou do que ouviu nos ensaios das novas canções e decidiu se afastar dos Doors.
Assim, resolveram produzir a si mesmos com o auxílio de Bruce Botnick, que havia sido o engenheiro de gravação dos outros discos, e prepararam o novo álbum em um estúdio improvisado no escritório da banda. Num ambiente calmo e familiar (os vocais eram feitos no banheiro, que possuía uma melhor acústica), prepararam as faixas no chamado "estúdio ao vivo", onde todos os instrumentos são tocados e gravados ao mesmo tempo, como num show. O resultado foi simples e excelente, uma grandiosa despedida de Jim Morrison. Curiosidade: o nome Mr. Mojo Risin', repetido diversas vezes durante a canção L.A. Woman, é um anagrama de Jim Morrison. Reordenando as letras é possível formar o nome do vocalista. Além disso é o nome de uma entidade de vodu, muito em voga na cidade de New Orleans, no sul dos EUA.
1. The Changeling (Jim Morrison) - Para muitos essa canção chamada "The Changeling' é um blues visceral. Para outros o único funk feito por brancos que valeu a pena ouvir (pelo amor de Deus, estamos falando aqui do funk americano verdadeiro, não daquelas coisas que são chamadas de funk no Rio de Janeiro e demais cidades pelo Brasil afora!). No final das contas não importa a exata classificação da música, o que importa mesmo aqui é a bela performance de Morrison (visivelmente "alto", dando gritos de empolgação) e sua banda. Curiosamente apesar de ser muito bem executada, com ótimo arranjo, a canção não deu muito trabalho aos Doors. Em poucos takes eles chegaram na versão definitiva. E pensar que esses ótimos solos de guitarra de Robby Krieger foram alcançados quase de primeira mão dentro do estúdio. Virtuosismo pouco é bobagem.
2. Love Her Madly (Robby Krieger) - "Love Her Madly" acabou sendo escolhida para ser uma das músicas de divulgação do álbum. Com ritmo nitidamente alegre e simpático, com a cara de Krieger, realmente parecia ser a ideal para virar um hit das rádios. A canção tem algumas paradinhas em sua melodia típicas para se ouvir nas praias californianas. Tudo muito soft e relax. Por ter essa característica tão comercial, digamos assim, não a colocaria entre as grandes faixas desse álbum. Dançante, com bom arranjo, mas em essência simplória demais para estar à altura das outras mensagens de Morrison e sua mente privilegiada. Jim aliás a achou "engraçadinha" demais da conta, mas como gostava de Krieger a gravou sem causar maiores problemas para seu amigo de banda.
3. Been Down So Long (Jim Morrison) - Depois começamos a ouvir os primeiros acordes de "Been Down So Long". Vamos aos fatos: Jim estava interessado mesmo em cantar blues nessas sessões. Embora isso de certa forma aborrecesse o batera Densmore, Morrison queria mesmo se entregar de corpo e alma ao ritmo. Essa "Been Down So Long" é o primeiro grande blues do disco. Morrison visivelmente entregue, se farta com uma canção extremamente bem arranjada, com os demais membros do Doors em momento inspirado. Curiosamente a ordem dos instrumentos foi levemente alterada para essa gravação. Não havia necessidade de órgão e nem piano e por essa razão Ray Manzarek trocou os teclados pela guitarra rítmica. Robby Krieger ficou responsável pelo Slide guitar e um terceiro guitarrista, o músico Marc Benno, ficou na base. Completando a equipe os Doors ainda contaram com Jerry Scheff, o baixista de Elvis Presley. Assim acabaram atendendo às velhas críticas que sempre afirmavam que os Doors precisavam urgentemente de um baixo em suas canções, algo que nunca havia se tornado um problema, mas que agora tinham resolvido suprir contratando o baixista da banda do Rei do Rock.
4. Cars Hiss by My Window (Jim Morrison) - Foi justamente a gravação dessa faixa "Cars Hiss by My Window" que irritou o baterista Densmore. Anos depois ele declararia numa entrevista: "Tudo bem para um vocalista pois aqueles blues eram ótimos nesse aspecto. Já para um batera como eu, era extremamente chato esse tipo de canção. Não há como inovar ou trazer coisas interessantes. A coisa toda vira um tédio. O ritmo se mantém o mesmo em praticamente todo o tempo". Se para Densmore tudo era tédio puro o mesmo não se pode dizer para o brilhante trabalho de guitarra do mestre Krieger. Ele praticamente sola da primeira a última estrofe, criando um duelo de melodia com a voz de Morrison, que aliás surge perfeita, dando a impressão de estar levemente embriagada - o que convenhamos casa perfeitamente com a proposta da gravação e da letra. Impossível ficar indiferente a esse belo momento dark etílico da carreira do grupo.
5. L.A. Woman (Jim Morrison) - "L.A. Woman" foi creditado a todo o grupo, ou seja, Morrison, Manzarek, Densmore e Krieger. Basicamente é uma declaração de amor de Morrison para a cidade de Los Angeles. Em uma de suas últimas entrevistas Jim Morrison explicou que L.A. o tinha acolhido em um momento particularmente complicado de sua vida, quando finalmente resolveu largar a universidade e viver como um vagabundo errante pelos arredores de Venice Beach, e que por essa razão era eternamente grato a ela. "Se disserem que nunca a amei certamente estarão mentindo" - decretou o cantor. Curiosamente em sua letra Morrison acaba humanizando a cidade, a identificando de forma surrealista com uma mulher, tudo sendo criado em um plano puramente subjetivo e poético, de sua maneira muito peculiar de enxergar a realidade. Os lugares da cidade por onde parece caminhar se misturam com os delicados devaneios do corpo de uma mulher amada, misteriosa e Inatingível. Em termos técnicos considero essa uma das melhores gravações da carreira dos Doors. A música tem uma melodia envolvente, que desfila em uma crescente euforia que também vai contagiando o ouvinte, tudo indo desembocar em um excesso de explosões emocionais. Certamente uma obra prima da carreira do grupo. Genial mesmo.
6. L'America (Jim Morrison) - "L'America" é outra composição de Jim Morrison com forte influência cinematográfica. É praticamente um road movie, como eram chamados os filmes de estrada, com enredos versando sobre pessoas que em determinada manhã simplesmente decidiam ligar o carro e pegar a estrada, rumo a lugar nenhum. Morrison assim vai narrando em forma sensorial essa trip, onde ele se coloca como aquele forasteiro que chega numa cidade onde não conhece ninguém. Os homens não gostam de sua chegada, mas as mulheres acabam ficando atraídas pela sua presença. A letra é até simples, com poucos versos, mas funciona muito bem, afinal Jim Morrison era um grande poeta e escritor.
7. Hyacinth House (Ray Manzarek / Jim Morrison) - "Hyacinth House" também servia de trilha sonora para essa via crucis do cantor pelos lugares menos glamourosos de Los Angeles. Aqui, em versos simples, Jim dava uma indireta até mesmo para os colegas de banda. Ele estava meio de saco cheio de viver ao lado de pessoas que só o criticavam. Isso justificava versos como: "Eu preciso de um novo amigo que não me incomode / Eu preciso de um novo amigo que não me atrapalhe / Eu preciso de alguém que não precise de mim". Essa última frase era uma resposta direta a John Densmore, o baterista dos Doors, que havia dito durante as gravações que o grupo poderia seguir em frente, mesmo sem Jim nos vocais. O clima entre eles, como se podia perceber, não era dos melhores.
8. Crawling King Snake (John Lee Hooker) - De todas as faixas uma das mais representativas é justamente essa "Crawling King Snake". Esse é um blues antigo, clássico, um verdadeiro standart. Presume-se (ninguém tem certeza) que a canção foi composta por cantores de blues de cabarés na década de 1920. Só depois vieram as primeiras gravações. Naquela época os compositores e cantores de blues eram considerados vagabundos, artistas que vendiam suas criações em troca de uma garrafa de whisky, as gravando em pequenos estúdios do tipo fundo de quintal. Assim as origens de músicas como essa acabavam se perdendo nas areias do tempo. A versão de Morrison bebe diretamente (sem trocadilhos infames, por favor!) da gravação de John Lee Hooker dos anos 1940. Em minha opinião essa versão dos Doors é inclusive superior às gravadas por Howlin' Wolf e Muddy Waters, Um registro excelente, com muita alma e espírito (provavelmente vindo diretamente das entidades que norteavam a mente do embriagado Morrison). Melhor do que isso, impossível.
9. The WASP (Texas Radio and the Big Beat) (Jim Morrison) - Outra excelente faixa desse álbum, tanto em termos de composição como gravação é a diferente "The WASP (Texas Radio and the Big Beat)". Essa canção soava como se você estivesse dirigindo por alguma estrada do Texas e sintonizasse uma rádio de blues no dial. A sigla WASP era uma referência aos brancos, aos protestantes, aos anglo-saxões, considerados "a nata" da sociedade americana. Essa sigla inclusive foi usada por organizações racistas para classificar o que era um "verdadeiro americano", pessoas bem acima do restante da escória, ou seja, dos negros, dos latinos, dos imigrantes e de todos aqueles que não se enquadrassem na visão racista e canalha da Klan. Jim obviamente usou o WASP como ironia, como crítica, como uma forma de debochar da mentalidade dessa gente. Jim incorpora um DJ na música e declama versos como esse: "Os negros brilhantemente enfeitados na selva / Estão dizendo "Esqueçam as noites" / Vivam conosco na floresta azulada / Aqui fora no perímetro não há estrelas / Aqui estamos petrificados - imaculados.". Morrison estava particularmente inspirado para escrever letras nesse disco.
10. Riders on the Storm (Jim Morrison / Ray Manzarek / Robby Krieger / John Densmore) - "Riders On The Storm" foi lançada em single, em junho de 1971. Foi o segundo compacto simples extraído deste disco. "Riders on the Storm" é uma canção visceral, excepcionalmente bem produzida e que mostra que em poucos anos o grupo atingiu uma maturidade precoce. A letra é bem emblemática e mostra como o cinema influenciou o trabalho poético de Jim, basta ler a letra e ver como tudo se desenrola como um verdadeiro roteiro de um filme, uma cena rápida, bem ao estilo de alguém que frequentou uma escola de cinema, um verdadeiro outsider cinematográfico. Bem, essa canção dispensa maiores comentários, nem vou relembrar o fato dela ter sido inspirada em um fato real ocorrido com Jim em sua infância, quem assistiu ao filme de Oliver Stone, sabe do que estou falando, por isso não vou me repetir aqui. Em suma, essa música é vital, essencial na história do Rock Mundial. No Lado B do single foi colocada "Changeling", um blues ao velho estilo. Todos concordam em um ponto, "L.A.Woman" é basicamente um trabalho de Blues. Jim poderia até mesmo ter chamado esse disco de "The Doors Blues Album" se quisesse. É uma faixa forte, recomendada para bluesmen inveterados.
Singles extraídos desse álbum: Love her madly / Don't go no farther - Em março de 1971 os Doors lançaram seu penúltimo single. O interessante deste compacto simples foi a escolha de uma das canções do disco como lado principal. "Love Her Madly" não tem a importância de "Riders on the Storm" ou ainda "L.A.Woman", mas foi ela a eleita para figurar como música "carro chefe" do disco. Não a considero uma canção altamente relevante dentro da discografia da banda, mas me parece que ela foi escolhida por ser a mais comercial, a mais fácil de ser digerida pelas rádios americanas. No lado B desse single temos uma música que hoje em dia é considerada uma verdadeira raridade. Se você já ouviu "Don't go no farther" por aí se considere privilegiado pois essa faixa sumiu da discografia da banda após seu lançamento nesse single.
Riders on the storm / Changeling - Em junho de 1971 o grupo lançou o segundo single extraído deste disco. "Riders on the Storm" é uma canção visceral, excepcionalmente bem produzida e que mostra que em poucos anos o grupo atingiu uma maturidade precoce. A letra é bem emblemática e mostra como o cinema influenciou o trabalho poético de Jim, basta ler a letra e ver como tudo se desenrola como um verdadeiro roteiro de um filme, uma cena rápida, bem ao estilo de alguém que frequentou uma escola de cinema, um verdadeiro outsider cinematográfico. Bem, essa canção dispensa maiores comentários, nem vou relembrar o fato dela ter sido inspirada em um fato real ocorrido com Jim em sua infância, quem assistiu ao filme de Oliver Stone, sabe do que estou falando, por isso não vou me repetir aqui. Em suma, essa música é vital, essencial na história do Rock Mundial. No Lado B do single foi colocada "Changeling", um blues ao velho estilo. Todos concordam em um ponto, "L.A.Woman" é basicamente um trabalho de Blues. Jim poderia até mesmo ter chamado esse disco de "The Doors Blues Album" se quisesse. É uma faixa forte, recomendada para bluesman inveterados.
The Doors - L.A. Woman (1971): Jim Morrison (vocais) / Ray Manzarek (piano, órgão) / Robby Krieger (guitarra) / John Densmore (bateria) / Jerry Scheff (baixo) / Marc Benno (guitarra) / Produzido por Bruce Botnick, Joey Levins e The Doors / Selo: Elektra Records / Local de gravação: The Doors' Workshop, Santa Monica Boulevard, Los Angeles / Data de gravação: Dezembro de 1970 - Janeiro de 1971 / Data de lançamento: Abril de 1971.
Pablo Aluísio.