quarta-feira, 9 de maio de 2007

Filmografia Comentada: Elizabeth Taylor

Sua fama na história do cinema só pode ser rivalizada com Marilyn Monroe, outro mito absoluto. Ao longo de uma vida longa e produtiva Elizabeth Taylor colecionou sucessos, fama, maridos e joias, não necessariamente nessa ordem. Defensora de causas em prol de pesquisas à AIDS, grande amiga de outros mitos de Hollywood como Montgomery Clift, Rock Hudson e James Dean, Liz Taylor, falecida recentemente, dispensa maiores apresentações. Segue comentários de alguns de seus principais filmes.

Quem Tem Medo de Virgina Woolf?
Casal de meia idade decide receber um casal amigo em sua casa. A esposa interpretada por Elizabeth Taylor (em ótima caracterização) logo se excede na bebida. Em pouco tempo começa a ofender e destruir a imagem e auto estima de seu marido (Richard Burton, soberbo) o qualificando como um miserável, um derrotado e fracassado na vida. Logo a briga matrimonial foge totalmente do controle. O que posso dizer? Belo filme. Aqui o que importa mesmo é atuação do grande casal Elizabeth Taylor e Richard Burton. Basicamente tudo se passa em apenas uma noite, sendo explorada apenas uma situação. O problema básico é que os personagens em cena estão completamente embriagados e como sabemos quando a bebida sobe à cabeça as amarras sociais descem ladeira abaixo. Assim o que parecia ser apenas um tedioso encontro social vira uma verdadeira carnificina psicológica entre os presentes. Tudo é passado a limpo, desde segredos reveladoras a frustrações pessoais e profissionais. O argumento forte capta o momento de falência de um casamento quando a esposa transforma o marido em mero saco de pancadas, jogando todas as suas raivas reprimidas em cima dele de uma só vez. Do elenco o destaque absoluto é mesmo Elizabeth Taylor como Martha. Muita gente não dá o devido valor a Liz Taylor e geralmente usa seu estigma de estrela de Hollywood para rebaixar seu talento. Sempre fui contra essa visão preconceituosa em relação a ela, pois a considero uma das melhores atrizes da história do cinema americano (sendo estrela ou não). Aqui nesse filme provavelmente ela entrega sua melhor interpretação ao lado do maridão Burton (que vira quase uma escada para ela mas é salvo por outra brilhante atuação). Liz é intensa, visceral e não mede consequências. Engordou e se enfeiou propositalmente para tornar sua personagem (uma dona de casa frustrada) mais verossímil. Richard Burton também se despiu de sua vaidade natural e imagem de galã viril para encarnar um pobre diabo que não consegue mais lidar com o inferno que sua vida se tornou. O mais curioso é que o casal real também se envolvia em bebedeiras homéricas e brigas públicas, o que provavelmente facilitou e muito em cena. Mas isso não tira seus méritos. Virginia Woolf é isso, excessivo, pesado, com cara de teatro filmado, mas que no final das contas se revela um filme simplesmente brilhante. Para quem gosta de grandes atuações é um prato cheio! Sirva-se à vontade.

O Homem Que Veio de Longe
Ótima produção do casal Taylor / Burton que para minha surpresa segue pouco conhecida. O roteiro é de Tennessee Williams baseado em sua própria peça "The Milk Train Doesn't Stop Here Anymore", o que por si só já é garantia de ótimos diálogos e cenas extremamente bem escritas. Obviamente o filme em nenhum momento nega sua origem teatral mas isso é compensado pelo uso de uma locação simplesmente maravilhosa: uma mansão em cima de um penhasco rochoso numa paradisíaca ilha no litoral italiano (localizada em Capo Caccia na Sardenha). É nesse cenário deslumbrante que Liz Taylor e Richard Burton duelam em cena, o que me lembrou muito em sua estrutura outro filme famoso do casal, "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?". Ela inclusive aqui está muito mais diva do que no famoso filme que a consagrou. A produção foi um projeto pessoal de Liz Taylor. Ela inclusive escalou o desconhecido diretor Joseph Losey para comandar as filmagens que pelas locações distantes tiveram um maior grau de dificuldade em relação aos filmes rodados em estúdio. Liz vinha de um filme complicado, "The Comedians", ao lado de Burton que não havia sido muito bem recebido nem pela crítica e nem pelo público. Produção muito cara (só Burton recebeu um milhão de dólares de cachê pelo filme) não trouxe bom retorno de bilheteria quando lançado. Para recuperar o fôlega Elizabeth então resolveu voltar para os textos de Tennessee Williams e exigiu que o mesmo fosse o próprio roteirista do filme. Era uma tentativa de voltar aos anos de glória de sua carreira. O personagem de Elizabeth Taylor é uma viúva milionária (foi casada com seis magnatas) que há muito passou seu apogeu. Vivendo solitária em sua mansão ela é servida dia e noite por um grupo de lacaios prontos a atender qualquer que seja seu desejo. Isso porém não a impede de ser desbocada, despudorada e abusiva com todos à sua volta. Ditando sua biografia para uma secretária servil ela se surpreende quando um dia chega um desconhecido em sua casa (Burton) que aos poucos vai colocando em xeque o modo de agir da milionária. Há um curioso subtexto no roteiro sobre a real identidade do desconhecido, inclusive a de que ele na realidade seria um anjo da morte, tal como vimos em outra produção mais recente, "Meet Joe Black" com Anthony Hopkins e Brad Pitt. Mas será mesmo? Enfim, altamente recomendado para quem quiser conhecer mais a filmografia do mito Elizabeth Taylor.

De Repente no Último Verão
Catherine Holly (Elizabeth Taylor) é uma jovem sofrendo de problemas mentais. Em busca de tratamento ela é atendida e acompanhada pelo Dr Cukrowicz (Montgomery Clift). um especialista na área, que atua sob as ordens da dama da sociedade Violet Venable (Katherine Hepburn) que teme que Catherine divulgue um segredo sórdido envolvendo o passado de sua família. O filme começa logo impactando. As duas primeiras cenas juntas duram mais de 50 minutos (praticamente mais da metade do filme). Nelas temos dois grandes "duelos" em cena: Katherine Hepburn e Montgomery Clift e logo em sequência esse ao lado de Liz Taylor. Curioso é que em ambas Clift apenas serve de escada para que as atrizes possam declamar longos textos sobre Sebastian (o personagem cujo rosto nunca aparece mas que é citado em praticamente todos os diálogos do roteiro). Esse começo arrebatador sintetiza tudo: é um filme de diálogos e interpretação, nada mais. Sua gênese teatral não é disfarçada e nem amenizada até porque estamos tratando de Tennessee Williams, um dos grandes dramaturgos da cultura americana. Achei Elizabeth Taylor extremamente bonita e talentosa no filme. Ela já estava entrando nos seus 30 anos mas ainda continuava belíssima. Mostra talento em cada cena mas não fica à altura de Hepburn (essa realmente foi uma das maiores atrizes da história). Já Montgomery Clift deixa transparecer as cicatrizes e deformações de seu rosto, após o grave acidente que sofreu ao sair de uma festa na casa da amiga Liz Taylor. Ele está contido no papel mas consegue dar conta muito bem do recado mesmo com as várias dores que sofria (atuou praticamente sedado durante todo o filme). O texto é rico e claramente trata da questão homossexual do personagem Sebastian. E foi justamente por essa razão que foi censurado nas telas. A censura partiu do próprio estúdio. A razão foi tentar conseguir uma classificação etária melhor, além de evitar maiores polêmicas com os chamados setores da "boa decência" da sociedade americana, bem atuantes na época de lançamento do filme. A questão da homossexualidade do personagem Sebastian inclusive ficou tão truncada no roteiro final (do aclamado Gore Vidal) que muitos nem se darão conta disso. Por isso recomenda-se conhecer melhor a peça no qual o filme foi adaptado para entender melhor a motivação dos personagens. Os textos de Tennessee Williams eram considerados fortes demais para os padrões morais da época e geralmente chegavam no cinema atenuados ou suavizados. De qualquer forma o resultado não pode ser classificado como menos do que grandioso. Todos brilham em cena – na realidade se trata de uma rara oportunidade de ver tantos talentos juntos em um só filme, o que torna a produção simplesmente imperdível para qualquer cinéfilo que se preze.

Disque Butterfield 8
Esse filme é uma grata surpresa por vários motivos. Primeiro por seu tema. O roteiro enfoca a vida de uma call girl (expressão antiga para designar aquilo que você está pensando mesmo), Pensar que um filme assim foi realizado no começo dos anos 60 já é um feito e tanto. É preciso entender que a primeira metade dos anos 60 foi a época em que comédias românticas bobinhas com Doris Day estavam na moda e nada é mais longe daquela ingenuidade do que esse Butterfield com Elizabeth Taylor. Seu personagem mora com a mãe, que finge não saber o que ela faz. Ao se envolver com um homem casado Gloria (Liz Taylor) tenta reabilitar sua vida que está fora dos eixos desde a morte precoce do pai. O filme não tem a profundidade daqueles que foram baseados em Tennessee Williams e nem é tão bem escrito como "Gata em Teto de Zinco Quente" mas compensa isso com diálogos inteligentes recheados de duplo sentido. Aliás o cinismo do filme é um dos atrativos do roteiro. Gloria sabe o que é e brinca com o fato. A cena inicial do filme, um longo plano sequência com ela se levantando após uma noite de aventuras com um homem casado é um primor de naturalismo no cinema. Eu acredito que Liz realizou esse filme em resposta ao escândalo de seu envolvimento com o marido de Debbie Reynolds, o Eddie Fisher (que está no filme). Como ela foi xingada bastante de vagabunda por isso então resolveu interpretar uma no cinema! O resultado é ótimo e ela levou seu primeiro Oscar (que dizem ter sido de consolação). Mas isso é o de menos. Assista Butterfield 8 e entenda porque ela foi uma das grandes divas da história do cinema americano.

Gata Em Teto de Zinco Quente
Produção: Elegante, acima de tudo. O enredo se passa todo dentro de um grande casarão que é sede de uma fazendo de algodão no sul dos EUA. Embora isso possa parecer tedioso, não é. Hoje a MGM está à beira da falência mas naquela época não economizava no bom gosto, como bem podemos comprovar aqui. A fazenda tipicamente sulista, o bonito figurino (especialmente de Liz Taylor) e a fotografia inspirada confirmam a elegância da película. / Direção: Eu considero o cineasta Richard Brooks, que dirigiu esse filme, muito mais um roteirista do que um diretor propriamente dito. Sua carreira como diretor é um pouco irregular, onde se mesclam filmes bons e ruins na mesma proporção. Mas aqui seu talento de bom escritor foi conveniente pois ele não promove alterações substanciais no texto de Tennessee Williams e consegue transmitir sem problemas tudo que o dramaturgo queria passar ao público. No fundo o Brooks não complicou e isso já é um mérito e tanto. / Elenco: Ótimo. Elizabeth Taylor, linda e talentosa, mostra serviço e esbanja naturalidade e carisma. Paul Newman, que passa o tempo todo de muletas e engessado, mostra muito talento no papel de Brick Pollitt, talvez o único personagem que valha realmente alguma coisa dentro daquela casa. O curioso é que mesmo atores com escolas diferentes (Newman do teatro e Liz basicamente uma atriz de cinema) conseguem se entender extremamente bem em cena. Sua química salta aos olhos, mesmo Paul Newman interpretando um marido que diante de tantos problemas negligencia sua bela e jovem esposa. Do elenco de apoio tenho que destacar primeiramente Burl Ives (Big Daddy, ótimo em sua caracterização de um homem que não conseguiu passar afeto aos seus familiares) e Madeleine Sherwood (que faz a insuportável Mae Pollitt). Dentre as cenas a que destaco como a melhor na minha opinião é aquela que se passa entre Newman e Ives no porão quando em tom de nostalgia Big Daddy se recorda de seu falecido pai, um mero vagabundo. Ótimo momento no quesito atuação. / Roteiro e argumento: O filme foi roteirizado pelo diretor Richard Brooks. Como eu disse antes, ele era mais roteirista do que diretor. Pois bem, embora Tennessee Williams tenha reclamado de algumas mudanças em seu texto original, temos que convir que o roteiro em si é muito bem escrito e trabalhado, deixando o filme com ótimo ritmo, fugindo da armadilha de o deixar teatral demais.. Penso que os textos de autoria do grande Tennessee Williams eram perigosos ao serem adaptados ao cinema, pois poderiam deixar qualquer filme pesado ou com aspecto de teatro filmado, o que não seria adequado pois artes diferenciadas exigem também adaptações diferentes. Nem sempre o que é adequado ao teatro consegue ser satisfatório na tela. Em "Gata em Teto de Zinco Quente" isso definitivamente não acontece e o espectador ao final da exibição terá a certeza de que assistiu a um grande filme, cinema puro.

O Pecado de Todos Nós
"O Pecado de Todos Nós" definitivamente não é uma obra para todos os públicos que vá agradar a todos os setores, pelo contrário, o diretor John Huston não fez nenhuma concessão e entregou uma obra crua, visceral, sem nenhum tipo de amenização. Marlon Brando, como sempre, se destaca. Acho esse um de seus personagens mais corajosos. O ator joga a imagem de galã fora e encara um papel extremamente complexo e polêmico. Aqui ele interpreta um Major do exército americano com o casamento em crise, em frangalhos. Sua esposa, interpretada por Elizabeth Taylor em mais uma de seus excelentes caracterizações, é uma fútil dona de casa que passa os dias em longas cavalgadas ao lado de seu amante (um oficial que mora vizinho ao casal na vila militar onde residem). Isso já bastaria para caracterizar esse casamento como disfuncional mas isso não é tudo. O problema básico do Major feito por Brando é que ele não tem mais nenhum desejo sexual pela esposa pois na realidade é um homossexual enrustido que não consegue exteriorizar e vivenciar sua verdadeira orientação sexual. Após ver um soldado cavalgando nu pelo bosque o Major acaba ficando obcecado por ele. Tudo caminha então para um clímax ao melhor estilo do diretor Huston, com muitas nuances psicológicas e tensão entre os principais personagens. A hipocrisia do núcleo familiar considerado ideal pela moralista sociedade norte-americana também é exposta sem receios. O argumento soa na realidade como uma provocação por parte de John Huston para com toda a sociedade norte-americana. A família tradicional e o sistema militar são obviamente seus principais alvos. Na porta de entrada dos EUA na guerra do Vietnã ele ousou colocar um tema tabu em cena: o homossexualismo dentro das casernas militares. Mais explosivo do que isso impossível. Além disso expõe os problemas que existiam por baixo da imagem impecável das famílias conservadoras daquele país. O marido que posa de cidadão exemplar na verdade despreza sua esposa e esconde seus desejos sexuais mais inconfessáveis. A esposa é infiel, sem conteúdo, rasa, materialista e tola. Um retrato demolidor de um modelo que nos anos 1960 vinha abaixo. "Reflections in a Golden Eye" foi baseado na obra do escritor Carson McCullers, um autor que não tinha receio de tocar nas feridas mais profundas da América. Aqui ao lado de Huston, Liz Taylor e Marlon Brando ele finalmente encontrou a transposição perfeita para as telas. Em suma, "O Pecado de Todos Nós" é uma produção nada confortável e nem amenizadora. No fundo é um retrato controvertido que coloca na berlinda alguns dos pilares mais prezados pelos americanos. Não deixe de conhecer.

Um Lugar Ao Sol
George Eastman (Montgomery Clift) é o jovem sobrinho de um rico industrial do mercado de roupas femininas. Seu tio logo o emprega em uma das fábricas como empacotador. Lá conhece a operária Alice (Shelley Winters) e logo se enamora dela. Ao mesmo tempo em que corteja Alice acaba se envolvendo também com Angela Vickers (Elizabeth Taylor) uma rica garota da alta sociedade. O triângulo amoroso trará consequências trágicas para todos os envolvidos. "Um Lugar Ao Sol" é um dos grandes clássicos da carreira de Montgomery Clift e Elizabeth Taylor. O filme mescla muito bem romance, suspense e drama. Vivendo em dois mundos completamente distintos o personagem de Montgomery Clift, um pobre rapaz que anseia subir na vida algum dia, acaba perdendo o controle dos acontecimentos em sua vida emocional, o que o levará a pagar um alto preço por se envolver com duas garotas ao mesmo tempo. George Stevens foi um dos grandes diretores do cinema americano. Austero e detalhista ele filmava muitas tomadas diferentes, de ângulos diversos para só depois montar o filme ao seu bel prazer. Assistindo "Um Lugar ao Sol" é fácil perceber que ele estava literalmente obcecado pelo belo rosto juvenil de Elizabeth Taylor. O cineasta usa e abusa de vários closes do rosto de sua atriz, o que não é nada mal uma vez que Liz estava no auge de sua beleza. Com traços delicados e lindos olhos azuis (que infelizmente não foram captados pois o filme foi rodado em preto e branco) a estrela poucas vezes esteve tão bonita como aqui. O roteiro foi baseado no livro "An American Tragedy" de Patrick Kearney. Embora ficcional a estória foi inspirada em fatos reais acontecidos em Chicago na década de 20. A situação toda é bastante sórdida e demonstra que não existem muitos limites para a maldade da alma humana, embora no filme o personagem Geroge Eastman seja de certa forma amenizado. É fácil compreender a razão. Não haveria como rodar toda uma produção como essa em cima de um mero assassino. Assim tudo foi cuidadosamente suavizado para não chocar muito o público americano dos anos 50. O resultado de tanto capricho veio depois nas bilheterias e nas ótimas críticas que o filme conseguiu. Shelley Winters e Montgomery Clift foram indicados ao Oscar. Embora não tenham sido premiados o filme em si conseguiu vencer em seis categorias (inclusive direção e roteiro), se consagrando naquele ano. Até o gênio Charles Chaplin se rendeu ao filme declarando que havia sido o "melhor filme que já tinha assistido em sua vida". Além disso os bastidores da produção deram origem a muitas histórias saborosas envolvendo Clift e Taylor, que se tornariam amigos até o fim de suas vidas. Depois disso não há muito mais o que escrever. Para os cinéfilos "Um Lugar ao Sol" é mais do que obrigatório. Um filme essencial.

Pablo Aluísio.

Um comentário:

  1. Filmografia Comentada: Elizabeth Taylor
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