quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

The Beatles - Rubber Soul

Outro álbum que ando ouvindo com certa frequência ultimamente é Rubber Soul dos Beatles. Conheci o disco ainda na infância pois ele fora comprado por um dos meus irmãos mais velhos quando eu deveria ter entre seis ou sete anos de idade. Então estamos falando de um trabalho dos Beatles com quem tenho profunda ligação, até mesmo emocional e afetiva. Depois de alguns anos sem ouvir voltei a curtir esse que para mim é um dos trabalhos mais consistentes e únicos do grupo de Liverpool. É inegavelmente um álbum de transição onde os Beatles iam deixando para trás sua fase Yeah, Yeah, Yeah para entrar de cabeça nas experiências sonoras revolucionárias que iriam desenvolver na fase psicodélica da banda. Assim Rubber Soul é ao mesmo tempo a despedida aos anos iniciais do conjunto e o ponto de chegada numa nova era que os iriam consagrar para sempre no mundo da música. E também por essa razão você vai encontrar na seleção musical do álbum desde canções mais pueris até sons altamente bem trabalhados em estúdio, tanto do ponto de vista instrumental, como de letras. Não é à toa que Rubber Soul costuma ser um álbum que consegue agradar tanto aos fãs dos anos pioneiros como os que curtem Revolver e seus derivados da psicodelia. Certa vez assisti uma entrevista de George Harrison afirmando que Rubber Soul e Revolver deveriam ter feito parte de um único disco duplo e que isso havia sido cogitado na EMI durante as gravações. Na verdade Revolver é bem mais revolucionário, já é inegavelmente um disco da segunda fase dos Beatles enquanto Rubber Soul é bem mais pé no chão, já com inovações, mas sem ainda chutar o balde completamente.

Um exemplo é a faixa que abre o disco, "Drive My Car". Essa música poderia fazer parte tranquilamente de qualquer disco da fase primeira dos Beatles. Não é em nada inovadora, chega até mesmo a ser juvenil. A letra é uma brincadeira criada por Paul com John que só foi aprender a dirigir bem mais velho, justamente na época em que os Beatles gravavam esse disco. Como nunca havia dirigido um carro na adolescência e juventude, John sempre andou de ônibus. Quando os Beatles estouraram então ele comprou seu primeiro carro, mas não sabia dirigir! Só em 1965 John finalmente entrou na autoescola, mas mesmo após tirar sua carteira nunca mais conseguiu dirigir sem medo. Em meados dos anos 70 ele juraria nunca mais dirigir na vida após atropelar um gato!  Talvez a canção mais conhecida do disco, pelo menos para os brasileiros, seja "Girl" que na época da jovem guarda ganhou versões em língua portuguesa. A suposta garota citada por Lennon na letra não era uma mulher real, mas sim uma idealização do que seria a garota perfeita para ele. Era um sonho, uma garota simplesmente maravilhosa e sem defeitos (ou em poucas palavras, puro platonismo romântico!). O interessante é que quando a compôs Lennon já era um homem casado, mas não sentia que tinha encontrado o grande amor da sua vida que viria a ser Yoko Ono. Aliás numa entrevista na década de 70 o próprio John Lennon diria justamente tudo o que escrevi aqui. "Girl" acabaria sendo mesmo Yoko Ono, a mulher de sua vida. Alguém para finalmente dividir sua vida, sem culpas ou arrependimentos.

Por falar em John Lennon aqui temos algumas das músicas mais autorais de sua carreira até aquele momento, algo que havia acontecido timidamente em "I´m a Loser" do "Beatles For Sale" voltava com força total nesse álbum. Lennon estava disposto a escrever músicas que falassem sobre sua vida, sem malabarismos ou artifícios. "Norwegian Wood (This Bird Has Flown)" era sobre um caso extraconjugal que John estava tendo na época e "In My Life" era uma viagem emocional ao passado, onde procurava lembrar dos amigos e amores que tinham ficado para trás. Essa música é certamente uma das mais significativas da história dos Beatles, sob qualquer ponto de vista que você venha a adotar. A única composição de Lennon que ele depois repudiaria seria a boa (mas nada excepcional) "Run for Your Life". O próprio John reconheceria que ela teria sido criada, meio às pressas e sem capricho, apenas para cumprir tabela, para completar cronologicamente o disco. Era um tanto vazia e sem alma em seu modo de pensar. Esse estilo de compor seria deixado para trás para sempre por Lennon a partir daqui. Ele queria acima de tudo expor o que pensava, da forma mais honesta possível.

E Paul McCartney? Com tantas faixas fortes era de esperar que ele ficasse ofuscado pela genialidade de John Lennon. Ao contrário de John, Paul praticamente nunca se expunha pessoalmente em suas criações. Ele escrevia sobre personagens de ficção, puramente imaginários. Um exemplo disso vem com a bela "Michelle". Paul havia ficado tão encantado com a melodia natural do idioma francês quando os Beatles estiveram se apresentando em Paris que resolveu compor uma música para uma linda dama francesa chamada Michele (que não era uma pessoa real, ao contrário do que muitos pensam). Ficou linda, apesar de ser puramente ficcional. Aliás Paul nesse disco contribuiu efetivamente nas criações de John, tanto que se empenhou muito para que "Nowhere Man" apresentasse aquele arranjo simplesmente fantástico. A letra, tipicamente Lenniana, encontrou o tom certo na melodia criada por Paul. Essa é verdadeiramente uma obra prima de Lennon e McCartney, feita face a face, sem enganações ou ressentimentos e mostra que Paul, ao contrário do que muitas vezes disse John, também podia ser muito generoso em relação ao trabalho dos demais Beatles. 

Completam ainda "Rubber Soul" as canções "Think for Yourself" de George Harrison, onde se nota que ele ainda não havia amadurecido completamente como compositor; a excelente "The Word" com uma das melhores letras do disco; "What Goes On", a faixa obrigatória onde Ringo cantava e soltava o vozeirão e "I'm Looking Through You", outra que poderia fazer parte de qualquer álbum Yeah, Yeah, Yeah da primeira fase dos Beatles. Enfim, basta ouvir "Rubber Soul" para entender bem a força da música dos Beatles. Muitas pessoas ainda não entendem porque eles foram considerados a melhor banda de rock de todos os tempos! Sério mesmo?! Basta ouvir um álbum desses, uma verdadeira preciosidade do Rock, para tirar todas as dúvidas! Cinquenta anos depois de ser gravado o álbum ainda soa jovial e perfeito. Impossível não adorar!

Pablo Aluísio.

10 comentários:

  1. The Beatles - Rubber Soul (1965)

    Lado A
    1. Drive My Car
    2. Norwegian Wood (This Bird Has Flown)
    3. You Won't See Me
    4. Nowhere Man
    5. Think for Yourself
    6. The Word
    7. Michelle

    Lado B
    1. What Goes On
    2. Girl
    3. I'm Looking Through You
    4. In My Life
    5. Wait
    6. If I Needed Someone
    7. Run for Your Life

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  2. Bom dia meu lindo!
    Aqui vai minha listinha dos cds dos beatles que mais gosto:
    Revolver
    Abbey Road
    Magical Mystery Tour
    Let it be.

    Beijos, Thaís.

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  3. What Goes On": Pablo, e não é que o Ringo canta bem?

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    1. Ele não fazia feio. Porém ele conseguiu destruir uma das mais belas melodias dos Beatles, "Good Night" do Álbum Branco. Ali ele realmente estava péssimo.

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  4. Você tem razão a versão de Good Night do Ringo é Karaokê puro. Eu não sei como deixaram passar essa gravação, justo eles que eram tão meticulosos na seleção do repertório a ser gravado.

    Há duas ótimas versões com a Karem Carpenter e com a Linda Ronstadt o que da uma dimensão do desastre do pobre do Ringo.

    Pablo: você sabe quando um cantor famoso gravar a canção de outro deixou de chamar "Regravar" para chamar-se "Cover"?

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  5. As pessoas em geral usam as expressões cover e regravação como sinônimas, mas não são. O cover é um artista que imita completamente o artista original. Basta ver os covers de Elvis para entender isso. Eles se vestem com as mesmas roupas, acessórios, etc. Já regravação é outra coisa. John Lennon cantando músicas de Elvis é uma regravação pois Lennon não se vestia de Elvis e nem procurava fazer os outros pensarem que estavam na presença de um imitador. Regravação acontece quando um cantor de personalidade própria faz uma nova versão de outro cantor.

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  6. E exatamente o eu acho; mas não é assim que a palavra cover vem sendo utilizada ultimamente. Basta um cantor cantar a música do outro e já chamam de cover, como acontece com essa regravação de Good Nigth da Linda Ronstadt no You Tube; está descrito como cover.

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  7. Pois é...
    Eu mesmo já cometi esse erro. Em textos mais antigos eu cheguei a escrever, por exemplo, que "Elvis interpreta nessa faixa um cover de Chuck Berry"! Essa é linguagem do senso comum, não exata e não correta.

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