sábado, 2 de janeiro de 2016

Marlon Brando - Os Deuses Vencidos

Um dos trechos mais interessantes da autobiografia do ator Marlon Brando intitulada "Canções Que Minha Mãe Me Ensinou" surge quando ele começa a tecer alguns comentários sobre o filme "Os Deuses Vencidos" (The Young Lions, EUA, 1958), produção dirigida por Edward Dmytryk. Brando assinou o contrato sem saber a fundo do que se tratava. Ele apenas tinha uma vaga ideia de que o roteiro seria uma adaptação da novela do escritor judeu Irwin Shaw e que se passava na II Guerra Mundial. O enfoque recaía sobre três personagens principais, três soldados. Um deles era um americano judeu chamado Noah Ackerman (papel que foi entregue ao grande ator Montgomery Clift). O seguinte era um americano comum que entrava no exército para combater na Europa. Esse segundo personagem seria interpretado por Dean Martin, naquela época tentando sobreviver ao rompimento de longos anos de parceria com Jerry Lewis. Por fim Brando interpretaria um oficial alemão nazista chamado Christian Diestl.

As filmagens seriam realizadas na Europa e durante a pré-produção do filme Brando se encontrou com Dean Martin em um restaurante de Paris. Durante o jantar um garçom acabou causando um acidente, derrubando água fervente nas pernas de Brando. Com sérias queimaduras ele precisou ser internado em um hospital. E foi lá que Brando finalmente teve a oportunidade de ler o roteiro do filme. Ele ficou chocado porque o seu personagem era muito maniqueísta, sem profundidade, um vilão tolo de filmes de guerra. O tenente alemão surgia nas páginas do roteiro como frio, calculista, perverso e completamente psicopata. Brando não aceitaria fazer uma atuação em cima de um material tão sem complexidade. Depois ele percebeu que a culpa vinha da própria novela que daria origem ao filme, escrita por Irwin Shaw que era judeu. Claro que no calor ainda fervente das revelações do holocausto nazista o autor resolveu retratar um oficial nazista como um verdadeiro monstro. Para Brando porém isso não era suficiente, se o personagem não fosse remodelado ele estaria fora do filme (e os produtores sabiam que ele faria isso mesmo, cumpriria sua ameaça).

Em seu livro Marlon Brando explicou de forma bem coerente seu ponto de vista. Para ele a culpa nem seria do nazismo ou do fanatismo que se abateu sobre o povo alemão naquele conturbado momento histórico. Na verdade o militarismo impunha esse tipo de comportamento em suas fileiras e nada poderia ser feito para mudar isso. Um dos pilares da disciplina militar seria justamente a obediência cega às ordens superiores de comando. Assim o tenente interpretado por Marlon Brando nada mais estaria do que cumprindo ordens, por mais insanas a violentas que fossem. Para Brando o personagem Christian Diestl não seria um psicopata por definição, mas apenas um alemão comum que respeitava as disciplinas militares do exército de seu país. Um argumento que foi bastante utilizado por velhos generais prussianos que foram julgados depois da guerra.

O mais interessante do ponto de vista do autor é que ele deixa claro que uma nacionalidade ou uma etnia nunca definiriam o caráter de uma pessoa. Assim como havia alemães ruins, também havia judeus sem um pingo de bondade. Para finalizar seu pensamento Brando relembrou os crimes de guerra cometidos por tropas americanas no Vietnã. Soldados ditos civilizados do exército dos Estados Unidos, portando lança-chamas, queimaram casas, matando famílias inteiras, velhos, mulheres e crianças. E o que dizer dos terríveis bombardeios de Napalm, um bomba incendiária que destruía tudo sem qualquer critério? Aliás o exército americano em tantos anos de invasões a outras nações teria se tornado contumaz em crimes contra a humanidade. Será que haveria mesmo diferença entre um soldado alemão nazista que matava inocentes e um soldado americano que fazia a mesma coisa nas selvas do Vietnã?

Pablo Aluísio.

3 comentários:

  1. Marlon Brando - Os Deuses Vencidos
    Pablo Aluísio - Todos os direitos reservados.

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  2. Fantástico... Amei. Brando é um dos que amo de paixão.

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  3. Grato pela visita e elogios.
    Grande abraço,
    Pablo Aluísio.

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