segunda-feira, 24 de junho de 2019

Marlon Brando - Hollywood Boulevard - Parte 7

Desde os primeiros dias em Hollywood Marlon Brando sabia que a pior parte de ser um ator de cinema era ter que lidar com a imprensa da costa oeste. Marlon estava acostumado com os grandes órgãos de notícias de Nova Iorque, que eram sérios e tratavam de temas relevantes. Em Los Angeles a coisa era bem diferente.

O mundo das celebridades já estava a mil quando ele chegou por lá. Os principais nomes dos jornais que tratavam sobre cinema não eram de jornalistas consagrados, mas de senhoras que eram mais conhecidas por seus fuxicos e fofocas do que por qualquer outra coisa. Entre elas havia Hedda Hopper, ex-atriz que se destacava mais por publicar mexericos em sua coluna do que produzir algo que prestasse.

Brando achava aquilo de uma futilidade sem tamanho. Até porque ele queria ser um ator sério e não uma celebridade respondendo perguntas idiotas como se ele dormia nu, se gostava de beber ou se era tão namorador como diziam. O problema é que Brando tinha que dar entrevistas por obrigação contratual, como parte do esforço de divulgar seus novos filmes e assim lá ia ele se encontrar com essa gente que tanto desprezava. Geralmente Brando dava respostas absurdas nessas entrevistas maçantes. Quando perguntado por seus pais, Brando dizia: "Morreram no Titanic!". Onde havia nascido? "Em Kuala Lumpur". O que gostava de fazer nas horas vagas? "Plantar bananeira" e por aí vai.

Tão entediado e aborrecido ficava nesses momentos que a partir do momento em que virou um astro em Hollywood Brando disse a seu agente que retirasse de seus contratos toda e qualquer obrigação de ter que falar com a imprensa de Hollywood. Para Brando os seus filmes falavam por ele, tudo o que precisavam saber sobre Marlon Brando, o ator, estava em suas atuações. Nos anos que seguiram isso aumentou a fama de rebelde de Marlon Brando ao mesmo tempo em que o transformou em um alvo da imprensa. Qualquer deslize em sua vida pessoal era logo tratado como um grande escândalo pelas jornalistas fofoqueiras de Los Angeles. Havia um preço a se pagar ao não fazer o jogo daquela gente e Brando pagou muito bem esse preço.

Pablo Aluísio.

Marlon Brando - Hollywood Boulevard - Parte 6

Em 1949 Marlon Brando apareceu em um episódio da série Actor's Studio. Essa foi uma série televisiva muito interessante produzida pelo canal ABC que tinha como objetivo levar adaptações de textos teatrais para a TV. O material era escrito, dirigido e interpretado por professores e alunos do famoso Actor's Studio de Nova Iorque. Como Brando estudava lá, também participou de um dos episódios chamado "I'm No Hero".

Aqui Brando interpreta um jovem e inexperiente médico que é forçado a mão armada a operar um gangster ferido após uma intensa troca de tiros com a polícia, interpretado por Harry Bellaver, numa adaptação de uma história de Henry Kane. O curioso é que o programa era feito ao vivo e em seu livro de memórias Brando relembra que trabalhar dessa maneira era muito complicado para um ator como ele. 

Numa das cenas do episódio Brando tinha que entrar debaixo de um chuveiro, ficar pensativo e receoso pois seu personagem estava o tempo todo sob a mira de uma arma de fogo. Na hora em que estava atuando o contraregra abriu a água e Brando foi surpreendido por um verdadeiro dilúvio em sua cara. O problema é que a água estava fria como o pólo norte e Brando não aguentou e soltou um grito dizendo: "Mas que diabos?!"

O mais divertido de tudo é que no dia seguinte o New York Times elogiou a intensidade da "atuação" de Brando, só que na verdade aquela tinha sido apenas uma reação natural diante de uma situação de completa surpresa! Pelo visto a estrela de Brando já brilhava desde o começo de sua carreira!

Pablo Aluísio.

domingo, 23 de junho de 2019

Marlon Brando - Hollywood Boulevard - Parte 5

A carreira e a vida pessoal de Marlon Brando enfrentaram diversos problemas nos anos 1960. O ator não parecia mais se entender com os estúdios, brigava com diretores e para piorar um quadro complicado começou a escolher os roteiros errados. Muitos de seus filmes fracassaram nas bilheterias, gerando um mal estar geral entre o ator, seu empresário e a indústria cinematográfica. De repente o grande astro da década anterior parecia não ter mais importância. Não gerava mais lucro para Hollywood.

Na vida pessoal do ator imperava o caos. Ele havia se casado com a atriz Anna Kashfi. Mulher de temperamento forte, não aceitava o modo de ser do marido. Brando era conhecido como um mulherengo e invariavelmente traía todas as mulheres com quem se envolvia. Com Anna não seria diferente. Ele tinha inúmeras amantes e muitas vezes não tinha nem a preocupação de esconder isso. Obviamente a imprensa de fofocas fazia a festa.

Só que Anna Kashf não estava disposta a ser humilhada publicamente. Após mais uma reportagem noticiando um dos casos amorosos do marido ela resolveu confrontá-lo em uma de suas casas em Los Angeles. A discussão foi ficando cada vez mais acalorada e insana, até que Anna resolveu que iria matar Brando. Ela pegou uma faca de cozinha e foi para cima dele. O ator recuou, mas quase foi esfaqueado. A polícia foi chamada. O escândalo ganhou grandes proporções na imprensa marrom. Isso em nada iria ajudar na carreira de Brando, naquela altura bem em baixa em Hollywood.

O casal acabou se separando, mas isso não foi o fim dos problemas. Marlon e Anna ficariam anos brigando nos tribunais na luta pela guarda do filho Christian. Ela também pediu uma fortuna de milhões de dólares para assinar o divórcio. As finanças do ator foram à bancarrota. Ele tinha que pagar advogados, investigadores, detetives particulares. E Anna não parecia disposta a deixar de lutar com fúria, o ameaçando de morte por anos a fio. Quando muitos anos depois Marlon Brando aceitou escrever sua autobiografia ele só pediu uma exigência, a de que não iria falar dos problemas enfrentados em seus casamentos. Era tanta confusão e baixaria que o livro iria correr o risco de virar uma novela mexicana, daquelas bem bregas!

Pablo Aluísio. 

Marlon Brando - Hollywood Boulevard - Parte 4

Em sua autobiografia "Canções Que Minha Mãe Me Ensinou" Marlon Brando relembrou como foram terríveis as filmagens de "Vidas em Fuga". O problema básico foi o comportamento da atriz Anna Magnani no set de filmagens. Diva do cinema italiano Anna estava entrando numa idade em que papéis rareavam e ela perdia espaço para beldades mais jovens.

Com receio de aparecer velha nas cenas mandou seu maquiador literalmente esticar seu rosto com esparadrapos atrás de sua cabeça, o que a deixava com uma expressão facial constrangedora. Brando fez de tudo para não criar problemas nas filmagens, mas foi impossível. Anna Magnani estava obcecada em ter um caso amoroso com ele e queria a todo custo levar o ator para a cama. Brando não tinha o menor interesse nela, mas não queria dispensá-la frontalmente pois sabia que seria um insulto tremendo para a atriz.

Em um jogo de sedução nada sutil Anna começou a agarrar o ator pelo set de filmagem. No começo Brando tentou levar na brincadeira e na esportiva, mas a situação foi ficando cada vez mais complicada. Nas cenas de beijo de seus personagens a atriz italiana perdia a compostura, beijando de forma violenta, chegando até mesmo a rasgar os lábios de Brando. Para cessar o assédio o ator resolveu radicalizar e começou a comer alhos e cebolas para ficar com um hálito insuportável. Não adiantou, Magnani continuou com suas investidas.

Tudo continuava na mesma até que um dia Brando resolveu deixar claro que não queria nada mesmo com Magnani. Falou com a atriz abertamente sobre isso, porém a italiana pareceu entrar em um transe e agarrou o ator com força para lhe dar outros daqueles beijos selvagens. Acuado, Brando sem alternativas, a empurrou com força e deu um apertão em seu nariz... a atriz ficou espantada com a reação do ator e saiu do set vociferando palavrões contra Brando! No livro Marlon diz ter se lembrado daqueles ataques de viúvas negras que após acasalarem com seus machos os devoravam vivos! Algo que o ator definitivamente não queria pagar pra ver.

Pablo Aluísio.

sábado, 22 de junho de 2019

Marlon Brando - Hollywood Boulevard - Parte 3

"Sindicato de Ladrões" foi de certa maneira uma forma que o diretor Elia Kazan encontrou de se justificar aos seus colegas de profissão após ter dedurado uma série de profissionais do cinema e teatro para o comitê de atividades anti americanas. Parte dessas pessoas tinham participado do Partido Comunista americano e isso era algo muito sério naquela época. Para escapar da prisão ou talvez até mesmo de ser banido de Hollywood, Kazan resolveu entregar todos aqueles que ele sabia serem membros do Partido. Obviamente que aquilo tudo pegou muito mal e da noite para o dia Kazan passou a ser um nome a ser evitado. Como contornar uma situação dessas? A resposta caiu no colo de Kazan poucas semanas depois.

No roteiro desse filme também havia um sujeito que fora forçado pela situação para entregar os nomes de pessoas que tinham se envolvido em esquemas de corrupção. Quando Marlon Brando foi convidado para o papel de Terry Malloy ele imediatamente disse não, mas depois acabou sendo convencido que seria mais uma boa oportunidade de realizar um grande filme - e isso era a mais absoluta verdade. As filmagens se concentraram entre Nova Iorque e Hoboken, New Jersey e foram muito duras. Com baixas temperaturas, Brando precisou aprender parte da manha dos trabalhadores braçais do porto da cidade. Acabou fazendo amizades entre eles e em pouco tempo estava completamente à vontade em seu papel.

Por ser uma obra delicada que serviria a um propósito maior, Kazan queria seguir o script à risca, mas isso definitivamente não aconteceria com Marlon Brando no elenco. Numa cena com Rod Steiger e ele, o diretor sugeriu uma determinada situação de confronto no banco de trás de um carro. Brando achou que duas pessoas tão próximas como eram os personagens deles nunca se tratariam daquele jeito e por isso sugeriu mudanças. Ao invés de acontecer uma luta insana e feroz, o personagem de Brando apenas olharia com rosto chocado quando Steiger lhe apontasse uma arma. Era uma reação mais natural. Após um longo combate criativo Kazan finalmente se convenceu que Brando estava mesmo com a razão. Para Brando a resposta positiva por parte de Kazan confirmava o que ele pensava do diretor: que ele era de fato um dos cineastas mais brilhantes da história de Hollywood. Por seu engajamento no filme e principalmente por sua ótima atuação, Brando mais uma vez acabou sendo indicado ao Oscar de Melhor Ator.

Hoje em dia, depois que Brando recusou seu Oscar por "O Poderoso Chefão", todos conhecem a extrema ojeriza que o ator sentia pela Academia, mas naquela época, ainda um jovem talento em ascensão, Brando decidiu que compareceria à premiação. Para sua surpresa seu nome foi anunciado e ele, pela primeira vez em sua carreira, seria premiado com a estatueta mais cobiçada do cinema americano. Usando um comportado terno, todos sorrisos, Brando subiu ao palco e recebeu seu Oscar das mãos de uma princesa, Grace Kellly. Estaria o mais famoso selvagem de Hollywood devidamente domado? Pelo menos naquela noite memorável sim. Brando foi um perfeito gentleman. Agradeceu até emocionado pelo reconhecimento e depois fez um discurso bem nos moldes que todos esperavam, sem atropelos ou escândalos. Anos depois o Oscar de Brando foi parar numa casa de leilões. Em seu livro o ator reconheceu não se lembrar mais onde ele havia ido parar, mas depois de um ou dois minutos admitiu que o havia dado de presente - só não lembrava direito a quem! Imagine, o prêmio mais desejado de Hollywood indo parar nas mãos de qualquer um... enfim, coisas de Marlon Brando...

Pablo Aluísio.

Marlon Brando - Hollywood Boulevard - Parte 2

Em 1953 Marlon Brando entrou no set de seu novo filme, "The Wild One" que no Brasil seria intitulado "O Selvagem". Brando, já naquela altura considerado o maior rebelde de Hollywood, iria interpretar o papel de um jovem motoqueiro chamado Johnny Strabler. A direção seria do cineasta húngaro Laslo Benedek que havia dirigido a adaptação para o cinema do clássico da literatura "A Morte do Caixeiro Viajante" dois anos antes. Inicialmente Brando não viu grande coisa no roteiro. Para ele seria um filme apenas para cumprir contrato com o produtor Stanley Kramer. Como era um filme pequeno, de curta duração e com enredo simples, não haveria muito trabalho à vista.

Nada que poderia se comparar com os filmes anteriores do ator, verdadeiras obras primas como "Espíritos Indômitos", "Uma Rua Chamada Pecado", "Viva Zapata!" e principalmente "Júlio César" que havia exigido muito dele em termos de atuação. Afinal de contas Brando havia suado a camisa para se sair bem em seus primeiros filmes, em especial o último, uma complicada adaptação para o cinema da famosa peça escrita por William Shakespeare, sob direção do austero Joseph L. Mankiewicz. Assim interpretar Johnny era quase como um passeio no parque. Além do mais Brando adorava motos e o universo que as cercava, então foi mesmo a união de algo que gostava de fazer em sua vida pessoal com a possibilidade de dar um tempo nos filmes mais sérios e desafiadores.

Para sua surpresa porém o filme virou um dos maiores cult movies da história. Inicialmente Brando não gostou da película. Como ele próprio recordou em suas memórias a primeira vez que assistiu a "O Selvagem", logo após sua estreia nos cinemas, não gostou mesmo do que viu. Achou o filme violento e sem conteúdo. Curiosamente a fita acabou virando o estopim de uma série de revoluções comportamentais ocorridas na juventude americana nos anos 1950, desembocando na revolução cultural que iria estourar nos anos 1960. Para Brando foi tudo uma grande surpresa. Ele não tinha consciência na época que havia todo um sentimento reprimido por parte dos jovens e que seu filme seria usado para aprofundar todos esses anseios. Johnny, na visão de Brando, era apenas mais um personagem a interpretar. A juventude da época porém viu de outro modo. Aquele motoqueiro, vestido de couro preto da cabeça aos pés, era a personificação da liberdade. O roteiro dava a ele uma conotação ruim, algo que não poderia ser usado como modelo, mas como um aviso contra a delinquência juvenil. Para reforçar isso o estúdio colocou um texto avisando sobre os males de se seguir o exemplo dos personagens. Brando percebeu que o tiro sairia pela culatra. A juventude em geral ignorou a mensagem moralista quadrada e obsoleta e abraçou o personagem como um ícone, um mito, um exemplo a seguir. Para Brando não poderia ser melhor e ele foi elevado à altura de símbolo máximo entre os jovens da época.

Realmente, do ponto de vista puramente cinematográfico "O Selvagem" não pode ser comparado aos demais clássicos que Brando rodou por essa época em sua carreira. Já do ponto de vista meramente cultural e sociológico é de fato um dos mais marcantes momentos de sua carreira no cinema. Isso porque o filme não pode ser visto apenas sob a ótica do que se vê na tela, e sim muito mais além disso, pois teve enorme influência dentro da sociedade, principalmente entre os jovens, que viram ali um modelo de liberdade incrível. Numa época em que havia grande repressão e os controles morais eram extremos, ver Johnny atravessando a América de moto, sem dar satisfações a ninguém, e vivendo com um grupo de rebeldes como ele, era de fato um impacto para o jovem americano típico dos anos 1950. Depois que Brando surgiu com aquela imagem ícone, nasceu toda uma cultura jovem no país, até porque a juventude de um modo em geral era completamente ignorada dentro da sociedade até então, sendo considerada apenas uma transição entre a infância e a vida adulta. Depois de Brando vieram James Dean - o maior símbolo de juventude que o cinema jamais produziu - o Rock ´n´ Roll, Elvis Presley e toda a iconografia da cultura jovem que conhecemos hoje em dia.

Para Brando o filme passou logo, mas os efeitos dele se tornaram duradouros. Assim que terminou as filmagens da fita ele foi procurado novamente por Elia Kazan. Ele o convidou para participar do filme "On the Waterfront" (no Brasil, "Sindicato de Ladrões"). Assim que leu o roteiro Brando entendeu do que se tratava. Era uma grande metáfora em forma de película, que justificava de certa forma o comportamento do próprio Kazan durante o Macartismo, onde ele havia dedurado vários colegas de profissão. Depois disso a biografia do cineasta havia sido manchada para sempre. Ele tencionava com o filme resgatar parte de seu prestígio dentro da comunidade cinematográfica, ao mesmo tempo em que justificava seu ato e pedia desculpas pelo que fez. No começo Brando relutou em fazer o filme. Desde sempre ele se considerava um liberal e o que Kazan havia feito era realmente algo desprezível. A vontade porém de realizar mais uma obra prima foi maior do que seus escrúpulos pessoais. Assim, ainda vestido de Johnny, ele se encontrou nos corredores da MGM e assinou o contrato com Kazan. Mal sabia que estaria prestes a realizar um dos maiores filmes de toda a sua carreira.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 21 de junho de 2019

A História de Rock Hudson - Parte 10

Rock Hudson e Doris Day brilharam nas telas durante a década de 60. Juntos realizaram três filmes de grande sucesso: "Confidências a Meia Noite", "Volta Meu Amor" e "Não Me Mande Flores". Além dos sucessos de bilheteria se deram muito bem também fora das telas. Rock e Doris se divertiram muito nos sets de filmagens. O ator relembra: "Fazer filmes com Doris Day era um enorme prazer. Para mim aquilo não era trabalho. Não havia um único dia em que eu não me divertia muito! Ela era espirituosa, alegre, animada e tinha um talento para comédias como eu nunca tinha visto antes".

Fazer comédias ao lado de Doris Day era naquela altura de sua carreira uma mudança e tanto. Rock vinha de vários sucessos em aventuras, alguns faroestes e principalmente em dramas dirigidos por Douglas Sirk. De ator dramático e sério para comediante era grande reviravolta nos rumos de sua filmografia mas Rock topou o desafio e não se arrependeu. De fato os filmes que realizou ao lado de Doris deram tão certo que o ator resolveu investir na década de 60 em filmes nessa linha como "Quando Setembro Vier", "O Esporte Favorito do Homem" e "Um Favor Muito Especial". De repente Rock havia se tornado o ator número 1 de Hollywood para comédias românticas e maliciosas.

Rock e Doris continuaram amigos até o fim de suas vidas. Na década de 80 Doris estava falida após diversos divórcios com homens que acabaram levando tudo o que ela tinha ganho em anos de trabalho. Tentando uma saída ela migrou para a TV. Na estreia de um de seus novos programas chamado "Doris Day and Friends" resolveu convidar o amigo Rock Hudson para dar uma força em sua audiência. Ela não sabia porém que Rock estava seriamente doente naquela ocasião. Corroído pela AIDS, muito magro e abatido se surpreendeu com o convite da amiga. Rock sabia que surgir publicamente com aquele aspecto físico seria terrível para sua imagem mas mesmo assim não recuou. Querendo ajudar Doris Day de todas as formas apareceu para gravar ao lado da amiga. Foi a última aparição pública de Rock Hudson. Um gesto de coragem sem dúvida, mas muito mais uma atitude de carinho e devoção para com sua querida amiga Doris Day. Foi um belo final para uma amizade muito especial.

Pablo Aluísio.

A História de Rock Hudson - Parte 9

Junho é sempre uma boa oportunidade para colocar a leitura em dia. Nesse período de férias resolvi me dedicar a ler as biografias de dois mitos de Hollywood do passado: Marilyn Monroe e Rock Hudson. Sobre o livro 'A Deusa", que mostra detalhes da vida de Marilyn, ainda tecerei comentários futuramente aqui mesmo no blog. Agora quero falar um pouco sobre a autobiografia de Rock Hudson intitulada "História de sua vida". Em um texto muito bom somos apresentados a uma das trajetórias mais marcantes dos anos dourados do cinema americano. A ascensão e a queda de um dos grandes ídolos do passado são desvendados sem o glamour que tanto conhecemos. Rock desvenda sem pudores os grandes segredos dos estúdios, as intrigas e o star system. Logo no começo do livro o ator deixa bem claro que não devemos acreditar em nada do que nos é repassado pelos grandes estúdios. Tudo não passava de uma grande mentira.

A própria vida de Rock Hudson foi de certa forma construída em cima de uma mentira. Após passar alguns anos na Marinha, Roy Fitzgerald Scherer (seu verdadeiro nome) foi para Hollywood tentar a carreira de ator. Boa pinta, com mais de 1.90 de altura, Roy sabia que poderia encontrar uma boa oportunidade na terra do cinema. Lá começou os primeiros passos rumo ao estrelado. Através de bons contatos profissionais o ator conseguiu ser aceito na "fábrica de atores" da Universal e começou a aparecer numa série de pequenos filmes do estúdio. Era o chamado Star System. As companhias de cinema treinavam, ensinavam como se comportar em eventos sociais e promoviam determinados atores para depois os transformarem em grandes astros. Até mesmo seus nomes eram mudados e transformados, tudo num rígido e bem pensado sistema de promoção à prova de falhas. E foi assim que nasceu "Rock Hudson", um verdadeiro galã americano que em poucos meses já havia se transformado no sonho de todas as mulheres daquele tempo. Rock era considerado o "homem ideal" e o "marido perfeito" e assim foi construído todo o seu mito. Durante mais de uma década foi o ator mais popular de Hollywood, conquistando um sucesso de bilheteria atrás do outro. Era definitivamente a personificação do Sonho Americano. Só havia um pequeno detalhe nessa história de sucesso que era guardado a sete chaves pela Universal: Rock era gay!

A autobiografia de Rock foi escrita quando o ator estava em seu leito de morte, corroído pela AIDS. Com receio de sua história ser distorcida por outros, Rock contratou uma escritora profissional (Sara Davidson) e resolveu contar o seu lado da história. Mesmo debilitado resolveu abrir o jogo sobre a verdade obscura atrás da cortinas douradas de Hollywood. O retrato descrito por ele é demolidor. Rock conta vários segredos de bastidores que deixariam qualquer um de seu fãs dos tempos áureos de queixo caído. Em pouco mais de 400 páginas o ator fala sobre o mecanismo de fabricação de ídolos e revela fatos até então nunca revelados. Entre eles admite que só conseguiu o grande papel de sua carreira, no filme Assim Caminha a Humanidade, após dormir com um dos principais executivos da Universal. O sujeito, casado e pai da família, depois encontraria Rock em um jantar social e sussurraria em seu ouvido que "ainda o amava"!

O homossexualismo de Rock é mostrado sem rodeios. Os vários amantes e companheiros de sua vida são nomeados e descritos sem qualquer problema. Não poderia ser diferente, como Rock morreu antes da conclusão da autobiografia ele pediu aos seus amores do passado que contassem toda a verdade sobre os anos que viveram juntos. Essa parte do livro pode incomodar algumas pessoas pela franqueza. As várias tentativas de encobrir sua vida pessoal também são mostradas em detalhes. Entre elas a maior de todas: o casamento de fachada entre ele e uma secretária de um dos seus agentes. Rock se casou com ela justamente quando os boatos de que era gay ganhavam maior destaque na mídia. Apesar de sempre haver dúvidas Rock conseguiu, a duras penas, manter sua fama de "homem ideal" por várias décadas, tanto que o mundo recebeu com grande surpresa em 1985 a notícia de que estava com AIDS por ser homossexual.

Outro aspecto interessante do livro é mostrar a nítida transição que o cinema sofreu no final dos anos 60 e começo dos anos 70. Rock descreve a dificuldade de se manter trabalhando nesse período, quando os filmes passaram a retratar uma realidade concreta da vida e não apenas uma realidade idealizada dos grandes filmes do passado. Foi a época em que uma nova geração de atores surgiu, como Al Pacino, Robert De Niro e outros. Astros com cara de gente comum, pessoas do povo, bem distante da imagem de galã impecável do qual Rock era o símbolo maior. Sem trabalho Rock teve que se contentar em fazer TV (que odiava) e Teatro (que amava). Enfim, o livro é um excelente retrato de uma período que marcou a história do cinema. Rock é mostrado não apenas como um grande ator desse tempo mas também como uma pessoa muito humana que tentou sobreviver em Hollywood da melhor maneira que podia. Sua coragem no final de sua vida ao revelar todos os seus segredos diz muito sobre sua personalidade. Com sua morte Rock chamou a atenção da grande mídia para a AIDS, que naquele momento ainda era uma doença relativamente desconhecida do grande público. No final da vida soube utilizar bem o maior segredo de sua vida para algo definitivamente positivo, pois despertou o mundo para os perigos que a nova doença trazia. Seu livro é um testemunho de vida e deve ser conhecido por todos.

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 20 de junho de 2019

A História de Rock Hudson - Parte 8

Além de ser o galã número 1 de Hollywood em sua fase de ouro, em plena era do cinema clássico americano, o ator Rock Hudson também tinha que procurar preservar sua vida pessoal de todas as maneiras possíveis. Rock cultivava hábitos que poderiam manchar sua imagem perante o grande público. Além da homossexualidade, que ele tinha verdadeiro pavor que fosse revelada (afinal uma revelação escandalosa dessas em plenos anos 1950 poderia destruir sua carreira), Rock ainda tinha sérios problemas com a bebida. Ele era muito bom de copo e desenvolveu um alcoolismo que com o tempo começou a afetar seriamente seu prestigio em Hollywood.

Rock veio de uma família de bebedores de whisky. Nascido no meio oeste americano ele viu desde cedo o hábito de beber muito como algo natural. Quando foi para a Marinha, durante a II Guerra, o problema só piorou. Para aguentar as intermináveis jornadas de trabalho nos navios, ele e seus colegas de farda afogavam o stress e a exaustão em bebedeiras homéricas nos bares dos portos onde chegavam. Rock Hudson foi um marinheiro ao velho estilo, onde seus camaradas se reuniam em bando para brigar em bares ao longo da costa. Geralmente as brigas eram contra soldados do exército ou Força Aérea. Bastavam se encontrar para a briga começar. Esse tipo de rivalidade era algo comum nas forças armadas americanas e invariavelmente terminava com todos bêbados, cantando pelas ruas pela  madrugada adentro.

Depois da guerra Rock resolveu que iria tentar realizar seu velho sonho de se tornar um astro de cinema. No começo era apenas um sonho quase impossível de realizar. Como era boa pinta, alto e bonito, as portas dos grandes estúdios logo se abriram para ele. Rock então aproveitou como poucos a boa vida de um galã de Hollywood. Praticamente dava festas todas as noites para colegas de profissão, diretores e amantes ocasionais. A farra não tinha hora para parar e nem havia previsão de terminar a bebedeira. Rock não perdia a chance de encher a cara nessas ocasiões festivas. Geralmente terminava a noite desmaiado na piscina ou no sofá de sua sala ricamente decorada.

Com o tempo todos foram percebendo que o consumo de álcool aumentou e fugiu do controle. Rock começou a beber todas as noites, ficando embriagado com regularidade. Dono de uma maravilhosa coleção de discos de vinil, Rock passava a noite ouvindo música e bebendo até cair, mesmo que estivesse sozinho. Em fins da década de 1960 ele começou um longo e complicado caso amoroso com um sujeito chamado Tom Clark que trabalhava como publicitário da MGM. Clark bebia tanto quanto Rock e juntos eles protagonizaram bebedeiras que entraram na história de Hollywood. Em uma dessas festas Rock ficou tão bêbado que apareceu vestido de bebê, com fralda e tudo. Em outra começou uma violenta briga com Clark que terminou em socos e pontapés na frente de todos os convidados.

Sua carreira começou a ficar prejudicada. Como Rock não se parava de beber todas as noites, ele começou a aparecer arrasado nos estúdios no dia seguinte. Seu semblante de ressaca atrapalhava a sua imagem e seu estado deplorável o impedia de decorar corretamente suas falas. Não era fácil ficar bebendo até as quatro da manhã para depois aparecer para trabalhar, posando de galã, as oito da manhã. Seu alcoolismo ficou tão sério que Rock começou a perder seu bem mais precioso: sua imagem, que se deteriorou rapidamente. Ele ficou com a pele ruim, cinzenta, e seu aspecto era a de um homem acabado. Com isso os papéis para o cinema começaram a sumir, afinal ele sempre fora um galã e galãs precisam aparecer bonitos e impecáveis em cena.

Rock Hudson bebeu sem parar até a morte. Na década de 1980 ele sofreu um infarto e o médico atribuiu isso ao alcoolismo e ao tabagismo desenfreado de Rock. Depois disso ele só viveria poucos anos. Quando contraiu AIDS isso lhe pareceu como uma sentença de morte, afinal ele nunca fora um homem de hábitos saudáveis e agora doente isso iria lhe custar um alto preço. Com o organismo debilitado pelo alcoolismo e fumo, ele não conseguiu encontrar forças para fazer frente à terrível doença. Rock morreu em 1985, naquela que foi considerada a primeira morte de AIDS de uma celebridade internacional. Em seus últimos dias de vida ainda bebia muito whisky sem gelo. Dizia que era um dos poucos prazeres que ainda lhe restavam.

Pablo Aluísio. 

A História de Rock Hudson - Parte 7

Rock Hudson nunca havia feito comédias antes. Ele sempre havia se dado muito bem com dramas românticos. Até que em 1959 seu agente lhe disse que o estúdio Universal estava interessado nele para atuar junto de Doris Day numa comédia romântica intitulada "Pillow Talk". Rock ficou receoso em um primeiro momento. Fazer comédia era algo muito específico. Será que ele conseguiria soar engraçado na tela?

No primeiro encontro com o diretor Michael Gordon, o ator lhe disse justamente isso. "Eu não sou comediante! Não saberia fazer humor!". Gordon então lhe deu uma resposta que Rock jamais esqueceu. Ele disse: "Não tente ser engraçado na tela. Não faça caretas, nem nada disso. Seja apenas você! Atue como sempre atuou! O humor está no roteiro, no texto do filme e não em você!".Com essas palavras Rock então resolveu embarcar no projeto. Ele aceitou o convite e disse a Gordon: "Bem, se é o que você diz, vamos fazer esse filme e ver no que tudo isso vai dar!".

As filmagens foram realizadas em tom muito ameno, divertido, o que ajudou ainda mais ao filme. Rock e Doris se deram imediatamente bem. Eles tinham o mesmo tipo de humor e sabiam se comunicar entre si, mesmo quando não falavam uma única palavra. Foi simpatia à primeira vista. Seguindo os conselhos do diretor, Rock não exagerou, não quis soar engraçado. Talvez só um pouquinho quando imitava o lado mais caipira de seu personagem, mas nunca foi algo forçado, exagerado. No filme ele interpretava um playboy arrogante que estava sempre brigando com sua vizinha, pois ambos dividiam a mesma linha de telefone. Certo dia ele ouve ela falando do tipo de homem ideal que gostaria de conhecer. Para passar um trote nela ele então decide assumir todas as características que Doris Day gostaria de encontrar em um pretendente. O resto era pura diversão.

O filme foi um grande sucesso de público e crítica e abriu as portas para uma nova fase na carreira de Rock Hudson. Ele que sempre havia se destacado nos dramas de Douglas Sirk, agora podia ser visto em comédias picantes, bem humoradas, com roteiros versando sobre a guerra dos sexos entre homens e mulheres. Para Rock foi duplamente satisfatório. Ele não apenas encontrou um novo nicho a explorar dentro da indústria cinematográfica, como também viu seu cachê voltar a fazer parte da lista dos dez atores mais bem pagos de Hollywood. Era um outro nível e uma nova fase de sucesso que iria atravessar toda a década de 1960. Rock Hudson havia se reinventado, para a alegria de suas fãs ao redor do mundo.

Confidências à Meia Noite (Pillow Talk, EUA, 1959) Direção de Michael Gordon / Roteiro de Stanley Shapiro e Maurice Richlin / Elenco: Rock Hudson, Doris Day, Tony Randall / Sinopse: Brad Allen (Rock Hudson) é um machista playboy que se faz passar por uma caipirão para conquistar sua vizinha Jan Morrow (Doris Day) que implica com ele por causa da linha de telefone que ambos dividem. Filme vencedor do Oscar na categoria de Melhor Roteiro. Também indicado nas categorias de Melhor Atriz (Doris Day), Melhor Atriz Coadjuvante (Thelma Ritter), Melhor Direção de Arte (Richard H. Riedel) e Melhor Música (Frank De Vol).

Pablo Aluísio.