sábado, 5 de maio de 2001
Direito Civil - Casamento. Regime de União Estável. Jurisprudência 2025
Direito Civil - Tomo I
Direito Civil - Parte Geral
Direito Civil - Primórdios - Algumas definições são bem importantes para o estudante de direito. A primeira delas se refere justamente ao termo "Direito". Esse termo tem inúmeros significados, mas aqui irei expor os mais citados na doutrina. É um primeiro passo para o estudo do Direito Civil, o mais clássico ramo do direito privado. O mais interessante é lembrar que os romanos, os grandes mestres do direito privado, usavam a expressão "JVS" para se referir ao Direito como saber cultural. Essa palavra acabou originando o vocábulo "Justiça" em nossa língua. Os povos anglo-saxões usavam o termo "Law" que em nossa língua significa Lei.
Assim Direito é o termo usado na língua portuguesa para se referir à ciência jurídica. Podemos até mesmo recuar no passado para lembrarmos que a filosofia grega costumava usar igualmente esse termo para se referir aos homens justos, que andavam em uma linha reta, direita, na vida. Aristóteles foi um dos filósofos que chegaram a usar esse termo. De qualquer maneira temos que ter em mente que o Direito é uma ciência social, humana, que só faz sentido em sociedade pois normatiza os comportamentos sociais adequados, ao mesmo tempo em que pune os atos ilícitos que atentam contra a vida em comunidade. Conforme o exemplo que quase sempre é citado em diversos livros, o Direito não teria sentido em uma ilha deserta onde houvesse apenas um homem. O Direito assim regula a vida em sociedade, para harmonizar a interação entre os homens. É igualmente uma ciência normativa pois estuda normas e princípios.
Diante disso chegamos no primeiro conceito interessante que é o de Direito Objetivo. Livros e mais livros foram escritos para conceituar algo tão simples. O Direito Objetivo nada mais é do que o Direito Positivo, o Direito posto, escrito, determinado. O Código Civil é um exemplo de Direito Objetivo. É a lei escrita, gravada em um meio onde se possa consultá-la e se tornar conhecida. Muitos autores afirmam que Napoleão Bonaparte e seu Código Civil seria o grande pioneiro do Direito Objetivo, mas esse é um engano. Novamente voltamos aos romanos. A Lex romana já era escrita e nos tempos do imperador Justiniano tivemos a primeira grande codificação da história da humanidade com o monumento jurídico do Corpus Juris Civilis, que procurava compilar todas as leis romanas em vigor no império. O chamado Código Justiniano foi o primeiro que se tem notícia. Um exemplo maior da genialidade do pensamento jurídico dos romanos.
Já o chamado Direito Subjetivo tem outro enfoque. Se o Direito Objetivo é o Direito escrito, posto, aqui temos uma relação entre a pessoa e a lei escrita. O Direito Subjetivo é justamente o liame que liga aquele que incorporou em seu patrimônio jurídico o seu direito, determinado pela lei. É muito simples de entender. Quando alguém se refere ao seu direito, nada mais está do que reivindicando a parte do Direito que entende ser seu. Esse é o conceito mais simples e preciso de Direito Subjetivo. O Direito de cada um, que lhe pertence e deve ser respeitado. Outro conceito importante é o de Direito potestativo que é aquele que se torna efetivo apenas por um ato unilateral. O exemplo mais citado para entender essa definição é aquele do empregador que tem o direito potestativo de demitir seu empregado, de forma unilateral, sem necessidade da concordância de quem quer que seja.
Direito Civil - Direito de Família - Casamento - Causas Suspensivas
Existem diversas causas suspensivas no casamento. São causas que uma vez presentes suspendem a habilitação para o casamento. Por exemplo, imaginemos uma viúva ou viúvo. Ele só poderá casar após dez meses da morte de seu marido ou esposa, ou então do término da sociedade conjugal. Qual seria o motivo? Evitar que se crie dúvidas sobre os filhos que irão nascer. Se bem que hoje em dia, com os exames de DNA, esse tipo de dúvida seria facilmente esclarecida. Quem seria o pai, o novo marido ou o marido falecido? basta fazer um exame de DNA para saber.
Outra causa suspensiva se refere ao divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal. Aqui o que se procura é evitar a confusão patrimonial. Antes do casamento é de todo conveniente que se realize a partilha dos bens das pessoas que se divorciaram. É uma proteção também aos filhos do primeiro casal. Outra hipótese se refere ao tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas. Aqui se procura proteger o tutelado e o curatelado da pressão de seus tutores e curadores. Medida importante e justificável. Caso o magistrado venha a entender que não haverá efetivo prejuízo, mesmo nos casos citados, ele poderá afastar essas causas por decisão própria, judicial.
Depois de superadas as causas suspensivos haverá então o seguimento da habilitação para o casamento. E o que seria isso? É um procedimento administrativo iniciada pelas pessoas que querem se casar perante um oficial do cartório de registro civil das pessoas. Essa habilitação tem como objetivo provar que as pessoas possuem capacidade para se casarem, inexistindo impedimentos ou causas suspensivas que impeçam a realização do casamento.
Para se casar uma pessoa precisa ter capacidade para se casar e demonstrar a ausência de impedimentos para o matrimônio. A capacidade para o casamento surge aos 16 anos de idade. Entre 16 e 18 os jovens poderão se casar, mas vão necessitar de autorização dos pais. Caso essa autorização não seja dada poderá ser suprida pelo juiz. Abaixo de 16 anos de idade é vedado o matrimônio. Esse casamento de jovens entre 16 e 18 anos de idade seguirá a separação obrigatória de bens.
Direito Civil - Direito de Família - Casamento - Fases
O casamento segue determinados ritos e antes que o casal troque alianças deverá cumprir certas formalidades. São quatro fases a serem cumpridas no cartório de registro de casamentos. A primeira fase é a de requerimento e apresentação de documentos. A segunda fase consiste nos editais de proclamas, a terceira fase consiste no registro e a último será caracterização da expedição da certidão que habilita ao casamento do nubentes.
A primeira fase tem como objetivo conferir toda a documentação do casal, para evitar que, por exemplo, eles venham a se casar pela segunda vez, sendo o primeiro casamento ainda válido. Ou então para não deixar nenhuma dúvida sobre a verdadeira identidade das pessoas que queiram se casar. Como todo ato jurídico essa fase é composta por apresentação da documentação necessária para se casar. A fase de editais de proclamas consiste na edição e publicação de editais proclamando (ou chamando) toda pessoa que saiba alguma coisa que impeça o casamento daquelas pessoas. É uma coisa antiga, que muito provavelmente venha do direito clássico romano. Apresente-se aquele que saiba de algo que impeça essas pessoas de se casarem. Por fim há o registro, quando toda a documentação está correta e a expedição da certidão de casamento, deixando claro que nada consta contra aquele casamento.
Algumas questões interessantes podem surgir no meio do caminho. Por exemplo, o menor de 16 anos pode se casar? Como regra geral, não. Deverá haver autorização judicial para isso. E a pessoa que tem entre 16 a 18 anos poderá se casar? Sim, nesse segundo caso não será necessário a autorização judicial, precisando apenas de autorização de seus representantes legais. O Pródigo, aquele que destrói todo o seu patrimônio (ou apenas tem potencial para esse tipo de coisa) precisa de autorização? Como regra geral não! A prodigalidade não atinge seus direitos de casamento, porém se houver a assinatura de algum pacto nupcial é forçoso reconhecer que seu curador deve ser consultado.
Há algumas peculiaridades (estranhas no meu modo de ver) envolvendo o casamento de militares e de servidores públicos de embaixadas que queiram se casar com estrangeiros. No caso dos militares, tratando-se de praças (aspirantes a oficial) e guardas-marinha, deverá constar a autorização do ministro da força respectiva (marinha, aeronáutica ou exército). Também deverá se pedir autorização do ministro das relações exteriores para se casar com estrangeiros, no caso de servidores de embaixadas e alunos do instituto Rio Branco. Nessa hipótese se afirma que isso é necessário para se garantir a soberania do país, algo que ao meu ver, faz pouco sentido.
Direito Civil - Contratos - Teoria da declaração ou teoria da vontade?
Velha questão dos primórdios do direito civil. Qual teoria deve prevalecer na interpretação das cláusulas de um contrato? A teoria da vontade afirma que deve prevalecer a vontade da parte, aquilo que ela realmente almejava alcançar quando assinou o contrato. Vale aqui sua vontade mais íntima, sua mente, o que ele pensava. Porém como um juiz vai conseguir entrar na mente de uma parte para saber o que ela realmente desejava? Eis aí um problema dessa teoria de natureza subjetiva.
A teoria da declaração é objetiva. Vale o que está escrito no contrato, sem se importar com a internalização da mente do contratante, o que ele pensou. Esse campo ninguém pode alcançar, mas o que está no contrato sim, esse está no papel e deve prevalecer. Será que essa segunda teoria está certa? Ora, muitas pessoas não possuem conhecimento e formação para entender o que está escrito em um contrato, ainda mais na rebuscada linguagem jurídica, dos advogados e magistrados.
Assim a solução lógica para esse impasse é mais simples do que se pode pensar. As duas teorias anteriores aplicadas isoladamente se tornam extremas. Segundo vários juristas civilistas de renome o que vale realmente é a teoria da confiança, que não aplica nenhuma das teorias anteriores de forma isolada e ao invés disso tira de cada uma as suas melhores partes. A teoria da confiança eleva o espírito do juiz em busca da verdade. Ele deve investigar, analisar o todo global, o contexto geral da formação do contrato, procurando chegar na confiança que inicialmente levou as partes em busca de um contrato. E dentro desse caldeirão de elementos a serem levados em conta não poderia faltar a boa fé objetiva.
Direito Civil - Direito das Coisas - Ação de nunciação de obra nova
Curiosamente não é uma ação de natureza possessoria como muitos pensam. É uma ação usada quando obras em terrenos vizinhos ameaçam de qualquer forma a integridade de sua própriedade. Imagine que um cidadão tenha uma casa vizinha a um terreno onde está sendo construído um grande prédio. Certa manhã ele acorda e vê rachaduras em sua residência, tudo causado pela construção que está sendo feita ao lado. Nessa situação aflitiva caberá então a ação de nunciação de obra nova.
Essa ação tem duas finalidades principais. Parar a obra ao lado que está prejudicando sua propriedade através de um embargo determinado liminarmente pelo juiz e também ressarcir o dono do imóvel prejudicado pelos prejuízos que ele está tendo, como por exemplo, o abalo na estrutura de sua casa, as rachaduras, etc.
Essa ação não é possessória porque de posse não está se discutindo. Sua natureza é bem outra. É uma ação urgente usada para parar obras vizinhas à sua casa que o está prejudicando. Curiosamente a obra não precisa ser ao lado, parede a parede, pode ser algo mais distante, desde que esteja destruindo ou prejudicando de qualquer maneira sua imóvel, seus bens do patrimônio pessoal.
Direito Civil - Direito das Sucessões - Indignidade
A indignidade é um instituto jurídico que busca evitar que o autor de determinados atos ou crimes seja herdeiro de determinada herança. É uma punição disciplinada pela lei civil e está determinada pelo código civil em seu artigo 1814, no título dos excluídos da sucessão. Antes de mais nada é importante esclarecer que indignidade e deserção são institutos jurídicos diferentes, embora ambos visem retirar um herdeiro em particular do direito de receber uma herança. Via de regra a deserção surge em um testamento escrito pelo autor dos bens que formam o patrimônio da herança. A indignidade precisa ser provada em ação própria, muitas vezes após a morte daquele que era o titular do patrimônio que vai formar a herança.
São três as hipóteses de indignidade. A primeira delas e a mais grave é aquela que se refere a homicídio doloso cometido contra a pessoa de cuja sucessão se tratar. Pense no caso do filho que mata o pai para herdar. Esse é o caso mais simples de retratar esse tipo de indignidade. A indignidade, nessa caso se refere apenas ao homicídio doloso e não engloba o homicídio culposo e nem o preterdoloso. Porém haverá também indignidade no caso de mera tentativa. E essa indignidade vai alcançar não apenas o autor do crime, mas também aos co-autores e os partícipes do crime. Aquele que mata, que é assassino, não pode herdar bens da vítima assassinada. Essa é a primeira hipótese.
A segunda hipótese de indignidade surge quando houve acusação caluniosa em juízo ou então no cometimento de crimes contra a honra do autor dos bens que irão fazer parte da herança. Os crimes contra a honra são calúnia, difamação e injúria. Nessa segunda hipótese, ao contrário da primeira, a indignidade só será reconhecida com a sentença transitada em julgado na esfera penal.
A terceira hipótese se refere à aquele que de alguma forma, seja por violência ou fraude, tenta impedir o autor da herança de dispor de seus bens por ato de última vontade. Imaginemos a pessoa que tenta impedir o pai de fazer um testamento que vá agraciar os demais filhos ou do marido que destrói um testamento que está no cofre de um banco com o objetivo de impedir que os filhos do primeiro casamento da esposa venha a se beneficiar com sua última vontade. Em suma, indigno é aquele que joga sujo, de forma criminosa, para colocar as mãos na herança, mesmo que para isso tenha que cometer crimes. Esse tipo de pessoa não poderá ser jamais um herdeiro, se beneficando de um crime que cometeu.
Pablo Aluísio.
sexta-feira, 4 de maio de 2001
Direito Processual Civil. Atos Processuais.
Se quiser, posso em seguida trazer um quadro cronológico (últimos 5 anos) de decisões que tratam de nulidade de atos processuais.
1. Definição de ato processual
-
O ato processual é toda manifestação jurídica humana praticada no processo (pelas partes, pelo juiz, pelos auxiliares da justiça) que tenha por fim constituir, modificar, conservar ou extinguir direitos ou situações jurídicas processuais. (DireitoNet)
-
Como ensina a doutrina: “o processo se desenvolve mediante atos praticados pelas partes, pelo juiz ou seus auxiliares”, formando uma “cadeia de atos”. (JusBrasil)
-
O CPC trata dos atos processuais em seu Título V – Dos atos processuais (arts. 154 a 261) – ali se disciplinam forma, tempo, lugar, comunicações dos atos etc. (TRT-2)
Características importantes:
-
São atos no âmbito do processo (“processuais”), ou seja, vinculados ao procedimento. (DireitoNet)
-
Podem ter efeitos imediatos ou depender de homologação, decisão etc. (ex: art. 200 do CPC: os atos das partes “produzem imediatamente” efeitos, salvo disposição em contrário). (Trilhante)
-
Relevância: se um ato processual for praticado de forma irregular, pode haver nulidade ou prejuízo ao direito da parte interessada.
2. Classificação / tipos de atos processuais
Podemos classificá-los sob diversos critérios. Aqui apresento os tipos centrais:
2.1 Quanto ao agente (quem pratica)
Segundo o CPC e a doutrina, distinguem-se ao menos três grandes grupos:
-
Atos das partes (autor, réu, terceiros intervenientes, Ministério Público). (JusBrasil)
-
Atos do juiz (pronunciamentos jurisdicionais, despachos, decisões interlocutórias, sentenças). (IDP)
-
Atos do escrivão ou chefe da secretaria / auxiliares da justiça (por exemplo: certidões, termos, vista dos autos). (JusBrasil)
2.2 Quanto à função ou conteúdo
Na doutrina encontra-se, por exemplo:
-
Atos postulatórios (ex: petição inicial, contestação) – inseridos nos atos das partes. (JusBrasil)
-
Atos instrutórios (ex: produção de prova, exame pericial, depoimento) – visam à instrução do processo. (JusBrasil)
-
Atos dispositivos (ex: desistência da ação, transação, renúncia) – modificam, extinguem ou prescindem do direito de agir. (DireitoNet)
-
Atos reais ou “de evento” (alguns autores classificam) – fatos ou atos que produzem efeito por si mesmos, embora nem sempre haja manifestação de vontade típica. (JusBrasil)
2.3 Quanto à forma, tempo, lugar e comunicação
-
Forma: o CPC dispõe que os atos processuais não dependem de forma determinada, salvo quando a lei exigir. Art. 154, § 1º e § 2º do CPC. (TRT-2)
-
Tempo: há regras específicas para a contagem de prazos (arts. 172 a 199 do CPC). (TRT-2)
-
Lugar: também o lugar de prática dos atos está disciplinado (arts. 172‐176 do CPC). (TRT-2)
-
Comunicação dos atos: para que produzam efeitos, muitos atos dependem de comunicação (citação, intimação, carta, Diário de Justiça). CPC trata no Capítulo IV (arts. 200 a 242) “Das comunicações dos atos”. (TRT-2)
3. Das comunicações dos atos processuais
A comunicação dos atos processuais é um aspecto crucial porque, sem comunicação válida (citação, intimação), muitos atos não produzem plenos efeitos ou podem ser anulados.
3.1 Citação, intimação, cartas
-
A citação é o ato pelo qual se chama o réu a juízo, de modo a possibilitar sua defesa.
-
A intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo para que pratique ou possa praticar ato.
-
As cartas (cartas rogatórias, cartas precatórias) são formas de comunicação entre jurisdições ou entre juízos diferentes.
-
O CPC prevê essas formas no capítulo das comunicações (arts. 200 a 242). (TRT-2)
3.2 Forma eletrônica de comunicação
-
A Lei 11.419/2006 (informatização do processo judicial) permite que os atos e termos processuais “sejam produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico”. (TRT-2)
-
O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que a “intimação por meio eletrônico” (publicação em Diário de Justiça Eletrônico + comunicação à parte) tem o mesmo efeito da intimação pessoal. (Superior Tribunal de Justiça)
-
Porém há limites: por exemplo, o STJ entendeu que a citação por redes sociais (WhatsApp, Facebook etc) não está autorizada, por falta de previsão legal. (Superior Tribunal de Justiça)
-
Também importante: o tribunal passou a adotar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) “Diário da Justiça Eletrônico Nacional (DJEN)” como meio oficial de publicação dos atos judiciais do STJ, o que afeta a contagem de prazos. (Superior Tribunal de Justiça)
3.3 Efeitos práticos da comunicação
-
A contagem dos prazos processuais frequentemente começa no primeiro dia útil subsequente à publicação no DJe ou no sistema eletrônico, conforme a Lei 11.419/06 e jurisprudência. (Superior Tribunal de Justiça)
-
A comunicação válida é requisito de regularidade do ato — se for inválida, pode haver nulidade ou devolução dos prazos.
-
No ambiente digital, advogados devem ficar atentos aos sistemas de intimação e publicação (e-SAJ, PJe, etc), porque a ciência pode se dar automaticamente ou por clique, conforme cada tribunal/região.
4. Dos atos das partes
4.1 Conceito e natureza
-
Conforme art. 200 do CPC: “Os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais”. (Trilhante)
-
Exceção: a desistência da ação só produzirá efeitos após homologação judicial. (Trilhante)
-
Os atos das partes abrangem: petição inicial, contestação, reconvenção, manifestações das partes, acordos, pedidos, etc. (IDP)
4.2 Tipos/qualificações
-
Unilaterais: praticados por uma parte independentemente da outra (ex: petição inicial). (Canal Educação)
-
Bilaterais: dependem de acordo entre as partes (ex: transação, desistência após contestação). (Canal Educação)
-
Ainda: atos postulatórios, atos instrutórios, atos dispositivos. Já vistos na seção 2.2.
4.3 Efeitos e requisitos
-
Produzem efeitos imediatos, salvo previsão contrária.
-
Necessitam, em muitos casos, de observância de requisitos formais (ex: assinatura, procuração do advogado, etc).
-
Se praticados de forma irregular (ex: fora de prazo, sem procuração, etc), podem ser considerados ineficazes ou nulos.
5. Dos atos do juiz
5.1 Conceito e classificação
-
São os pronunciamentos jurisdicionais (e outros atos relacionados) que o juiz pratica no curso do processo. (IDP)
-
O CPC distingue (art. 203 e 204):
5.2 Efeitos e requisitos
-
O juiz deve motivar suas decisões, observar princípios como contraditório, ampla defesa, devido processo legal.
-
A prática irregular de ato judicial (ex: sem intimação da parte, sem base legal, com ofensa ao contraditório) poderá ensejar nulidade ou anulação.
-
A publicação ou comunicação da decisão é requisito para início da contagem de prazo recursal ou cumprimento de ato.
5.3 Exemplos práticos
-
Juiz despacha: por exemplo, manda juntar documentos, designa audiência.
-
Juiz decide interlocutoriamente: indeferimento de tutela provisória, designação de perito.
-
Juiz sentença: julgando procedente ou improcedente o pedido principal.
6. Atos processuais pelos meios eletrônicos: como são feitos na prática
6.1 Base normativa
-
A Lei 11.419/2006 regula a informatização do processo judicial, permitindo que “atos e termos processuais sejam produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico”. (TRT-2)
-
O CPC também prevê que tribunais podem disciplinar a prática e comunicação de atos processuais por meios eletrônicos (art. 154, § 1º). (TRT-2)
6.2 Prática corrente
-
Petição inicial, recursos, manifestações das partes são protocoladas eletronicamente (sistemas PJe, e-SAJ, etc).
-
Publicação de decisões, intimações por meio de Diário de Justiça Eletrônico (DJe) ou equivalente. (Superior Tribunal de Justiça)
-
Comunicação via sistema eletrônico aos advogados previamente habilitados: o advogado recebe “intimação eletrônica” que poderá gerar aviso no sistema, e a contagem de prazo tem início.
-
O Superior Tribunal de Justiça implantou robôs para automatizar atos processuais, como baixas, intimações, petições. (Superior Tribunal de Justiça)
6.3 Aspectos práticos relevantes
-
A habilitação do advogado no sistema eletrônico (token, certificado digital) é pré-requisito para atuação.
-
A parte deve observar o “dia útil subsequente à publicação” para início de prazo no caso de DJe.
-
Importante controle de autenticação, integridade, para garantir validade jurídica dos atos eletrônicos. (E-Publicações UERJ)
-
Limitações: nem todos os meios são válidos para determinados atos (ex: o STJ negou a citação por WhatsApp/rede social). (Superior Tribunal de Justiça)
6.4 Desafios práticos
-
Acesso desigual a tecnologia (exclusão digital) pode comprometer efetividade. (E-Publicações UERJ)
-
Falhas de sistema ou “não ciência” podem levar a prazos perdidos ou alegação de nulidade.
-
Cuidados com segurança, certificação e problemas de autenticação ainda persistem.
7. Decisões recentes do STF / STJ sobre atos processuais
Aqui alguns destaques relevantes:
-
Em 28/08/2023, a Terceira Turma do STJ decidiu pela impossibilidade de citação por redes sociais (WhatsApp, Facebook etc) por ausência de base legal. (Superior Tribunal de Justiça)
“A dificuldade de encontrar o réu não justifica a citação por meio de redes sociais…” (Superior Tribunal de Justiça)
-
Em 25/09/2024, o STJ publicou que os atos judiciais da corte passarão a ser publicados no DJEN (Diário da Justiça Eletrônico Nacional, CNJ) e que essa mudança afeta a contagem de prazos. (Superior Tribunal de Justiça)
-
Em 2016 (e reiterado posteriormente) o STJ já havia decidido que as comunicações por meio eletrônico (como publicação no DJe) equivalem à intimação pessoal, desde que observados os requisitos. (Superior Tribunal de Justiça)
Esses exemplos evidenciam tendências: a digitalização dos atos, a importância da forma válida de comunicação e os limites para inovação (como uso de redes sociais ainda questionado).
8. Reflexões finais
-
Os atos processuais são o “combustível” do processo — sem a prática adequada de atos das partes, do juiz ou comunicação válida, o processo não anda ou poderá ser anulado.
-
A classificação (partes/juiz/auxiliares) ajuda a organizar os deveres, poderes e efeitos de cada sujeito.
-
A comunicação e os meios eletrônicos ganharam enorme relevância e exigem atenção especial: onde, como e quando se comunica um ato pode fazer a diferença entre eficácia e nulidade.
-
A digitalização traz ganhos (rapidez, rastreabilidade) mas não elimina a necessidade de observância das garantias processuais (contraditório, ampla defesa, acesso).
-
A jurisprudência do STJ reflete que, embora o processo eletrônico seja permitido, inovações formais não previstas em lei (ex: citação via rede social) ainda geram resistência.
-
Na prática, advogados e partes devem estar atentos aos sistemas eletrônicos dos tribunais, aos prazos decorrentes da publicação eletrônica, e às formalidades: autenticação, assinatura digital, habilitação, ciência da intimação.
Direito Processual Civil. Ação. Definição de Ação.
1. Ação: definição e significado
Conceito de ação
-
Em sentido amplo, a ação é o direito subjetivo público que assiste ao indivíduo de provocar o Estado-juiz (o Poder Judiciário) para que este dirima o conflito de interesses mediante decisão. É a aptidão que o particular tem de submeter uma pretensão ao órgão estatal.
-
Em sentido estrito / concreto, “ação” também designa o comportamento processual do autor (atos iniciais: petição inicial, etc.).
-
No direito brasileiro domina a visão de que ação é um direito público subjetivo, autônomo face ao direito material (i.e. não é mera derivação passiva dele).
-
O art. 5º, XXXV, da Constituição (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”) consagra o direito de ação como direito fundamental de acesso ao Judiciário.
A partir desse conceito surgem as teorias da ação, que procuram explicar a natureza, os limites e os efeitos do direito de ação.
2. Principais teorias da ação: panorama e características
Vou apresentar as teorias clássicas na ordem histórica, suas ideias centrais, pontos fortes e críticas, e depois mostrar qual delas (ou quais) influenciam o processo civil brasileiro.
2.1 Teoria Imanentista (ou civilista, clássica)
Ideia central / definição
-
Essa é a teoria mais antiga, ligada ao direito romano-germânico, com forte influência do direito privado. Um de seus expoentes no direito moderno é Friedrich Carl von Savigny.
-
Para a teoria imanentista, a ação está imanentemente ligada ao direito material: não haveria direito de ação se não houvesse direito material a ser tutelado ou exercido. A ação simplesmente seria a exteriorização ou meio de exercer o direito material.
-
Em outras palavras, o direito material e o direito de ação são a mesma coisa ou, ao menos, não há autonomia entre eles.
Características / implicações
-
A jurisdição e o processo são subordinados ao direito material: não haveria ação sem direito material legítimo.
-
Se o direito material do autor não existir, não existe ação ou não tem sentido o processo.
-
São muito frágeis as distinções entre direito material e direito processual.
-
A ação é concebida como algo derivado, não como direito autônomo.
Críticas principais
-
Não explica bem as ações declaratórias, em que não há violação concreta, mas apenas pedido de declaração (o autor pleiteia apenas a confirmação de que não há obrigação ou relação).
-
Conduz a uma confusão entre mérito e admissibilidade: se tudo depende do direito material, não há lugar para pressupostos ou condições processuais.
-
Não permite explicar a persistência do processo, os atos intermediários, e a existência de litispendência ou coisa julgada material: se a ação não existir por ausência do direito material, muitos institutos processuais ficam sem justificativa.
-
Não compatível com a visão moderna do processo como instrumento constitucional e autônomo.
2.2 Teoria Concreta da Ação (ou teoria do direito concreto da ação)
Ideia central / definição
-
É uma reação à teoria imanentista. Um dos autores associados é Adolf Wach.
-
Para essa teoria, o direito de ação só existe se o autor tiver de fato o direito que afirma, isto é, se a pretensão for procedente (o direito material existir). A ação é “concreta” porque está condicionada à existência real do direito material postulável.
-
A ação é vista como um direito autônomo, mas condicionado à procedência do pedido.
Características / implicações
-
A ação depende da existência do direito material (como na imanentista), mas reconhece uma separação formal entre ação e direito material — porém ele condiciona o direito de ação à procedência.
-
Se, em sentido abstrato, o autor não tiver direito material, não há ação.
-
O processo (judício) existe se objetiva concretizar um direito previamente existente.
Críticas principais
-
Se a ação só existe quando o direito existe de fato, muitos casos não poderão sequer ser levados ao Judiciário — o que compromete o acesso à jurisdição.
-
Também dificulta a delimitação entre mérito e admissibilidade: a averiguação da existência do direito material recairia desde logo na fase inicial, levando a um exame antecipado do mérito.
-
Implica que muitas demandas “deveriam ser rejeitadas” já de início, sem permitir ao autor demonstrar sua pretensão — ameaça à ampla defesa e ao contraditório.
-
Não é compatível com a noção de ação como direito público de provocação estatal.
2.3 Teoria Abstrata da Ação (ou teoria do direito abstrato da ação)
Ideia central / definição
-
Apareceu com teóricos como Giuseppe Chiovenda, Degenkolb, Plósz.
-
Para essa teoria, o direito de ação é abstrato e autônomo: existe independentemente da existência ou não do direito material que se pleiteia.
-
Basta que o autor tenha (ou afirme) uma pretensão juridicamente tutelável: não importa se no final ela será reconhecida ou rejeitada — o Judiciário só vai examinar o mérito depois.
Características / implicações
-
A ação não depende de prova da existência do direito material no momento inicial.
-
O processo deve existir independentemente de quem vença.
-
O direito de ação é um direito de petição: o autor pede que o juiz se pronuncie, mas não garante que seu pedido será acolhido.
-
A verificação da existência ou não do direito material (mérito) caberá ao juízo de mérito, e não compõe o exame de admissibilidade.
Críticas principais
-
Pode levar a excesso de demandas manifestamente improcedentes (se não houver filtro inicial).
-
Menos critérios materiais são exigidos inicialmente para “filtrar” causas que claramente não têm base jurídica.
-
Pode onerar o Judiciário, porque muitas ações sem razoabilidade terão de ser recebidas e depois rejeitadas no mérito.
-
A separação radical entre ação e direito material pode parecer artificial ou demasiado formal.
2.4 Teoria Eclética da Ação (ou teoria intermediária / temperada) — Liebman
Ideia central / definição
-
É, historicamente, uma tentativa de conciliar os excessos das teorias anteriores e veio a influenciar fortemente o direito processual moderno, inclusive no Brasil.
-
O principal nome é Enrico Tullio Liebman.
-
Para ele, a ação é um direito abstrato-autônomo, mas condicionado à presença de requisitos (chamados “condições da ação” ou “condições de admissibilidade”) que devem ser verificados antes ou simultaneamente à análise do mérito.
-
Ou seja: a ação existe independentemente do direito material, mas para que seja admitida (i.e. para que o auctor obtenha o pronunciamento do juiz, com resolução do mérito), precisa preencher certos requisitos.
Condições da ação (segundo Liebman / teoria eclética clássica)
Liebman originalmente mencionava três condições essenciais:
-
Legitimidade ad causam — a parte deve ter legitimidade para agir (relação entre sujeito e a pretensão).
-
Interesse de agir (ou interesse processual) — deve haver utilidade e necessidade no provimento jurisdicional pleiteado.
-
Possibilidade jurídica do pedido — não pedir algo que o ordenamento jurídico proíba ou que seja inviável juridicamente.
Obs.: com o tempo, a “possibilidade jurídica do pedido” passou a ser vista por muitos estudiosos como elemento do mérito (i.e. não uma condição de admissibilidade). No CPC/2015, o Código optou por não usar expressamente a “possibilidade jurídica do pedido” como condição da ação, mas como aspecto do mérito. (JusBrasil)
Características adicionais
-
As condições da ação não se confundem com o mérito: elas são requisitos de admissibilidade processual, não de existência do direito material.
-
Se alguma condição for ausente, o processo deve ser extinto sem apreciação do mérito (carência de ação).
-
As condições são de ordem pública, podendo ser conhecidas de ofício pelo juiz, a qualquer tempo e grau. (Estratégia Concursos)
-
Também para Liebman, as condições devem ser observadas na fase inicial (ou antes da “resolução do mérito”).
-
A teoria eclética foi traduzida ao direito brasileiro como um modelo intermediário, adotado em linhas gerais pelo CPC. (EMERJ)
Críticas à teoria eclética
-
Alguns autores entendem que a dicotomia entre admissibilidade (condições) e mérito não é clara ou que muitas vezes serão atravessadas provas para reconhecer a ausência das condições, o que pode gerar confusão entre méritos e admissibilidade.
-
A teoria é acusada de excesso de formalismo, exigindo condições rígidas que nem sempre são fáceis de observar à partida.
-
Outro ponto é que, com o CPC/2015, o legislador não mencionou diretamente as “condições da ação” como no CPC/73, o que leva a debates se essa noção foi ab-rogada ou transformada (alguns críticos questionam se cabe ainda falar em condições da ação no novo regime). (Tede PUCSP)
-
Também há críticas de que a teoria eclética impõe um juízo preliminar rígido demais, podendo limitar o acesso à jurisdição.
2.5 Teoria da Asserção (in statu assertionis, teoria della prospettazione)
Ideia central / definição
-
É uma teoria mais moderna, que busca conciliar efetividade e economia processual com os requisitos de admissibilidade.
-
Segundo essa teoria, as condições da ação devem ser avaliadas com base nas alegações do autor contidas na petição inicial, i.e. in statu assertionis (na situação afirmada), em cognição superficial, sem investigação aprofundada.
-
O juiz, nessa fase inicial, supõe provisoriamente verdadeiras as alegações do autor, apenas para verificar se, “se tudo fosse verdade”, estaria cumprida a legitimidade e o interesse de agir.
-
Se, nessa análise superficial, as condições aparecem presentes, o processo segue. Se não, o juiz extingue por carência de ação.
-
A verificação mais aprofundada (se as alegações são falsas, se os pressupostos não se confirmam) se dá na fase de mérito. Se na fase de mérito se constatar que as alegações não correspondem à realidade ou que alguma condição não estava presente, aí sim se rejeita o pedido, com julgamento de mérito — resultando em coisa julgada material.
Características / implicações
-
A aferição inicial é simplificada, rápida, sem produção probatória profunda.
-
Evita-se que o juiz “mergulhe no mérito” para afastar a existência das condições da ação, de modo a preservar a finalidade constitucional do direito de acesso à jurisdição.
-
Ela busca um equilíbrio entre efetividade e o controle de demandas manifestamente inadmissíveis.
-
As condições da ação (legitimidade, interesse) devem estar aparentes nas alegações iniciais; se dependerem de provas complexas ou da impugnação do réu, pode-se discutir no mérito.
-
A teoria da asserção costuma tratar a carência de ação como matéria “prévia”, mas sua verificação depende da petição inicial, e não de exame profundo.
Críticas à teoria da asserção
-
É acusada de fragilizar o controle das condições da ação — admitir demandas com alegações frágeis ou inverossímeis, levando a aumento de indevidos processos que depois serão rejeitados.
-
Pode gerar insegurança jurídica, pois decisões de extinção sem maior investigação podem “descartar” causas que teriam mérito.
-
Há risco de que “alegações fantasiosas” ou temerárias sejam admitidas apenas para que o processo vá adiante.
-
A coisa julgada formada ao julgar mérito pode consolidar entendimento errado sobre ausência de condições, sem que fosse feita verificação adequada.
-
Alguns críticos dizem que a teoria da asserção “invade o mérito”, porque pressupõe que tudo que o autor alega é verdadeiro para analisar admissibilidade, o que distorce a distinção entre admissibilidade e mérito.
-
Também se discute se essa teoria é compatível com princípios do contraditório e da ampla defesa, quando decisões de extinção são tomadas prematuramente.
3. Adoção no processo civil brasileiro: qual teoria “vigora”?
No Brasil, a doutrina dominante diz que o direito processual brasileiro é influenciado pela teoria eclética (modelo intermediário). (Revisão Ensino Jurídico)
No entanto, há uma tensão muito clara entre a teoria eclética (frequentemente invocada como fundamento) e a orientação jurisprudencial, especialmente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que adota muitas vezes a teoria da asserção para verificação das condições da ação. (Superior Tribunal de Justiça)
Alguns pontos concretos:
-
O CPC/2015 não menciona explicitamente “condições da ação” como o CPC/73 fazia, mas conserva dispositivos que levam à extinção sem resolução de mérito em casos que corresponderiam às hipóteses de carência de ação (e.g. arts. 267, § 6º, 301, 485, etc.). (Tede PUCSP)
-
A doutrina majoritária entende que o CPC/2015 adotou tacitamente a teoria eclética, ou uma versão modificada dela, e que as condições de legitimidade / interesse de agir permanecem como pressupostos de admissibilidade. (Juspodivm)
-
Por outro lado, o STJ tem reiterado que para efeitos de extinção por carência, a análise das condições da ação (legitimidade, interesse) deve ser feita com base nas alegações da petição inicial (teoria da asserção) — sem exame aprofundado, salvo se o caso exigir investigação mais densa (i.e. parâmetro de mérito). (Superior Tribunal de Justiça)
-
Em suma: o processo civil brasileiro “opera” com um modelo híbrido: teoricamente eclético, mas com uma tendência interpretativa assertiva (teoria da asserção) em muitas decisões judiciais.
Essa dualidade é precisamente um dos temas centrais de debates atuais.
4. Comparação: teoria eclética × teoria da asserção
Vou destacar as principais diferenças entre essas duas teorias (eclética e asserção), com foco nos efeitos práticos:
| Critério | Teoria Eclética | Teoria da Asserção |
|---|---|---|
| Natureza da ação | Direito abstrato-autônomo, condicionado a requisitos (condições) | Direito processual que admite as condições com base nas alegações iniciais |
| Momento da verificação das condições | Antes da análise do mérito, fase preliminar ou incidente | Na petição inicial, por cognição superficial, presumindo verdadeiras as alegações |
| Profundidade do exame | Mais rigoroso, pode demandar análise factual ou probatória para constatar ausência de condição | Exame sumário; se for necessário exame mais aprofundado, isso se desloca ao mérito |
| Repercussão de constatação de ausência | Extinção do processo sem resolução de mérito — carência de ação; não forma coisa julgada material sobre o mérito | Extinção por carência se na fase inicial a alegação não mostra condições; mas se o juiz só descobrir depois que a condição não existe, ele julga no mérito (rejeição de pedido) com coisa julgada |
| Segurança jurídica / controle | Maior controle das condições, menor chance de demandas “fantasiosas” | Menor rigor inicial, favorece acesso à jurisdição, mas pode gerar inundação de pedidos |
| Risco de invasão de mérito | Há risco de “mergulhar no mérito” para averiguar a condição, o que alguns consideram equívoco | A teoria da asserção evita que o juiz adentre o mérito para analisar admissibilidade, preservando a função inicial da petição |
| Compatibilidade com contraditório / ampla defesa | Mais compatível com aprofundamento processual das partes | Dependendo de como for usada, pode ferir o contraditório se julgamento prematuro for feito antes de oportunizar defesa |
Em essência, a teoria da asserção é mais “generosa” ao autor (favorece a admissão inicial da demanda), enquanto a teoria eclética tende a exigir maior robustez desde o início, como mecanismo de filtro.
Uma diferença crucial: segundo a teoria da asserção, o juiz não deve recusar imediatamente uma demanda simplesmente porque não viu prova ou porque há dúvida — ele supõe verdadeira a alegação inicial se for minimamente plausível. Já na teoria eclética, se já houver indícios claros de ausência de legitimidade ou de interesse, o juiz pode (e deve) extinguir.
5. Teoria da asserção e carência de ação: efeitos práticos
A carência de ação (ou extinção por falta de condições da ação) é a figura processual que corresponde à ausência dos requisitos de admissibilidade (legitimidade, interesse, possivelmente possibilidade jurídica). A teoria da asserção molda como essa carência será apreciada:
-
Se, na petição inicial, as alegações do autor não demonstram minimamente que existe legitimidade ou interesse, o juiz pode extinguir o processo por carência, sem resolução de mérito — com base na teoria da asserção.
-
Se as alegações são suficientes para supor que a condição exista (in statu assertionis), o processo segue até o mérito.
-
Se, na fase de instrução ou no mérito, se verifica que, de fato, a condição não existia (ex: o autor não era legítimo, ou não havia utilidade na tutela), então o juiz rejeita o pedido, com julgamento de mérito — e aí se forma coisa julgada material sobre essa questão (i.e. não cabe nova ação com mesma pretensão alegando falta de condição).
-
Por isso, com a teoria da asserção, há uma distinção entre extinção por carência (quando na exordial já se nota a falha) e rejeição liminar no mérito (quando se descobre no curso do processo).
Esse modelo dá mais chance ao autor de “seguir adiante” e fazer sua prova, reduzindo decisões extintivas prematuras que poderiam impedir a análise do mérito.
Por outro lado, também demanda cautela — porque, se aceita demasiadamente demandas frágeis apenas com base em alegações, pode gerar uso abusivo do processo.
Vale destacar que, no entendimento do STJ, as condições da ação devem ser averiguadas segundo a teoria da asserção: o tribunal exige que a análise de legitimidade ou interesse se baseie nas alegações iniciais, sob pena de indevida extinção antecipada. (Superior Tribunal de Justiça)
Por exemplo:
“As condições da ação são apuradas de acordo com a teoria da asserção. Assim, o reconhecimento da legitimidade das partes se dá com base nos argumentos formulados na petição inicial.” (Superior Tribunal de Justiça)
Outro caso prático recente: no Boletim Informativo do TRF1 (2025), há referência à teoria da asserção e ao dever de observância do contraditório: antes de extinguir por carência, deve-se garantir possibilidade de manifestação das partes. (Tribunal Regional Federal da 1ª Região)
E em artigo recente (2025) discute-se a aplicação da teoria da asserção na legitimidade ativa de beneficiários terceiros de contratos de honorários advocatícios — mostrando que decisões judiciais indevidas vêm sendo criticadas quando afastam ação sem analisar mérito, com base em ilegitimidade suposta. (Migalhas)
6. Críticas contemporâneas à teoria da asserção da ação
Além das críticas já apontadas, aqui vão algumas observações pontuais contemporâneas:
-
Fragilidade no controle de admissibilidade
Ao admitir qualquer pretensão que pareça minimamente legítima, pode-se admitir demandas claramente infundadas, onerando o Judiciário. -
Risco de decisões precipitadas
Em casos em que a ausência de condição é evidente (por exemplo, parte manifestamente ilegítima), a teoria da asserção pode impedir extinção imediata e forçar tramitação até o mérito, com desperdício de recursos. -
Coisa julgada em questões de condição
Ao rejeitar no mérito uma condição que, se considerada inadmissível, poderia ter dado extinção por carência, forma-se coisa julgada material — o que impede reabertura por ausência de condição no futuro, mesmo que se demonstre que a condição realmente não existia. Isso pode gerar efeitos injustos se o controle inicial foi superficial. -
Tensão com o contraditório e a ampla defesa
Quando o juiz extingue de ofício com base em teoria da asserção, sem oportunidade de contraditório aprofundado, pode-se violar o princípio da ampla defesa. Por isso, é necessário garantir oportunidade mínima às partes.
Um acórdão recente do TRF1 enfatiza que, antes de extinção por carência, deve haver observância do contraditório. (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) -
Descompasso entre doutrina e prática
A doutrina muitas vezes pauta-se pela teoria eclética, enquanto a prática jurisprudencial, especialmente do STJ, favorece a teoria da asserção, gerando insegurança sobre qual critério aplicar em casos concretos. -
Questão da compatibilidade com o CPC/2015
Alguns doutrinadores afirmam que o CPC/2015 “desfigurou” ou “aboliu” a noção clássica de condições da ação, migrando para o regime de pressupostos processuais gerais ou integrando parte dessas matérias ao mérito. Isso pode criar incompatibilidade com a teoria da asserção em sua versão mais pura. (Tede PUCSP) -
Possível aumento da litigiosidade irresponsável
Se autores perceberem que basta alegar minimamente para seguir em frente, pode haver estímulo a demandas especulativas ou “aventurosas”.
Por essas razões, muitos doutrinadores defendem uma “teoria da asserção moderada” ou temperada, que admita exame superficial, mas com salvaguardas e limites — por exemplo, exigir plausibilidade mínima, permitir impugnação pelo réu, permitir extinção logo que surjam provas fortes de ausência de condição, etc.
7. Decisões recentes do STF / STJ sobre teoria da asserção ou condições da ação
Embora o tema “teoria da ação” não seja frequentemente objeto de julgamento exclusivo no STF (mais comum no STJ e tribunais regionais), há decisões e entendimentos relevantes que refletem essa tensão. Aqui alguns exemplos:
-
STJ (Revisão / Súmulas / Jurisprudência pacífica)
O STJ tem consistente jurisprudência no sentido de que as condições da ação devem ser analisadas de acordo com a teoria da asserção: o tribunal entende que o juiz deve valorar as alegações iniciais para decidir extinção por carência ou prosseguimento. (Superior Tribunal de Justiça)
Por exemplo, já se decidiu que:“A análise das condições da ação, tal como a legitimidade ativa ad causam, que porventura acarretarem a extinção do processo sem resolução de mérito, são aferidas à luz da teoria da asserção, de modo que, demandando tais questões exame mais aprofundado, esta medida implicará julgamento de mérito.” (cj.estrategia.com)
-
STF
Não identifiquei decisões recentes do STF especificamente focadas na teoria da asserção da ação (ao menos não nos materiais pesquisados). Em geral, o STF trata mais de temas constitucionais de processo (duplo grau, devido processo, direito de petição etc.). -
Tribunais regionais
Como mencionado, o TRF1, em boletim informativo (2025), já publicou entendimento sobre teoria da asserção, reiterando que o contraditório deve ser observado antes de extinção por carência. (Tribunal Regional Federal da 1ª Região)
Tribunais estaduais também têm aplicado a teoria da asserção em decisões de legitimidade ou interesse: por exemplo, TJDFT já reconheceu que legitimidade passiva e outras condições da ação devem ser aferidas com base nas alegações iniciais (“as questões relacionadas às condições da ação … são aferidas à luz do que o autor afirma na petição inicial”) (TJDFT)
Esses casos mostram que o sistema judiciário brasileiro já opera de fato — sobretudo no STJ — segundo a teoria da asserção para decidir extinções ou admissibilidade.
8. Síntese e reflexões finais
-
As teorias da ação (imanentista, concreta, abstrata, eclética, asserção) refletem diferentes visões sobre a relação entre direito material, direito processual, e o papel do Judiciário.
-
O modelo mais equilibrado e historicamente influente no Brasil é a teoria eclética, que sustenta que a ação é um direito autônomo, mas condicionado ao cumprimento de requisitos (condições) que devem ser verificados como admissibilidade.
-
A teoria da asserção tem ampla adesão jurisprudencial (notadamente no STJ) para fins de verificação das condições da ação, porque valoriza a narrativa inicial do autor e busca evitar decisões extintivas precipitadas.
-
No entanto, essa teoria não está isenta de críticas: risco de demandas especulativas, insegurança jurídica, fragilidade no controle de admissibilidade, e tensão com o contraditório e ampla defesa.
-
Em prática, o direito processual brasileiro opera em um modelo híbrido: teoricamente eclético, mas com forte influência assertiva no exame das condições da ação.




