Quando o Cristianismo começou a se espalhar dentro da sociedade de Roma as autoridades do Império implementaram uma série de duras medidas para conter seu avanço. Afinal a religião romana era considerada uma das bases de todo o Império Romano. Seus vastos e diversificados deuses traziam legitimidade para os detentores do poder supremo. Caso o panteão divino deixasse de ser cultuado pela sociedade o próprio poder imperial poderia vir abaixo. O Cristianismo era uma religião monoteísta que admitia apenas um Deus, o único todo-poderoso. Não havia espaço para deuses menores e nem tampouco para semi deuses mitológicos. Os templos de Roma começaram a ficar vazios e a fé pagã começou a desaparecer. Para conter essa situação os imperadores usaram de força bruta onde o exército se tornava instrumento essencial na repressão para conter o avanço da crença no Cristo judeu. O problema é que em pouco tempo o cristianismo também começou a se espalhar entre os próprios militares, algo que as grandes autoridades do Império jamais imaginariam.
Um símbolo dessa nova situação pode ser encontrada na história do Centurião Marcellus. Ele foi um destacado membro do exército romano, tendo participado de inúmeras campanhas militares. Considerado um profissional exemplar. Em uma dessas invasões comandadas pelo seu Império ele tomou pela primeira vez contato com os chamados cristãos. Eram pessoas de índole irrepreensível, que estavam sempre exaltando as palavras de amor e carinho de seu mestre a qual chamavam de Jesus Cristo. Uma mensagem como aquela era algo completamente novo na vida de Marcellus, um homem que lutou e viveu dentro de uma rígida disciplina militar por toda a vida. Misericórdia e perdão era algo inexistente dentro das legiões romanas.
De uma maneira ou outra aquela mensagem o conquistou. Embora o Império considerasse todo cristão um criminoso e se tornasse dever de cada centurião eliminar essa ameaça, Marcellus começou a enxergar o mundo sob uma nova visão. Ele era pai de um família numerosa - com doze filhos - e sabia muito bem a importância do amor ao próximo que era justamente a base da mensagem daquele Cristo que havia conhecido. Quando atravessava a cidade de Lyon acabou se encantando com um pregador cristão e a partir dali resolveu se converter definitivamente na nova fé. Era algo absolutamente subversivo e contra as regras do exército romano, mas Marcellus resolveu seguir o que seu coração dizia. Depois que aceitou a palavra do Cristo começou a pregar a nova fé entre seus companheiros de armas, às escondidas, durante as noites nos acampamentos romanos.
Depois de converter vários militares como ele, sua centúria foi enviada de volta a Roma. Ele ficou chocado com a violência e a brutalidade com que os cristãos estavam sendo tratados na cidade eterna. Eram execuções em massa, com jovens, mulheres, crianças e idosos sendo jogados às feras nas arenas. Os adultos mais fortes eram praticamente sacrificados ao terem que lutar com gladiadores fortemente armados enquanto eles, os cristãos, ficavam de mãos vazias. Era um massacre indescritível. Como era de se esperar aquilo tudo revoltou Marcellus. Sim, ele era um guerreiro, mas sabia que não havia qualquer honra militar naqueles grotescos espetáculos.
Enquanto estava de serviço como capitão da guarda imperial do imperador Trajano ele foi designado para trucidar cristãos em nome de Roma. Na hora de executar suas ordens Marcellus jogou ao chão sua espada e seu escudo dizendo que agora só serviria como soldado de Jesus Cristo, o Rei eterno. Aquilo foi um choque para seus superiores e Marcellus foi imediatamente levado para a prisão. Levado a um rápido julgamento foi imediatamente condenado à morte. Nada poderia ser mais ultrajante para o império do que um centurião convertido ao cristianismo. Era o ano de 298 e Roma vivia uma grave crise religiosa. O menor sinal de "contaminação" dentro dos legionários com aquela fé cristã deveria ser combatida de forma enérgica. Assim em 3 de dezembro daquele ano ele foi brutalmente decapitado na frente de sua unidade, para que os demais homens não seguissem seu caminho. Foi em vão. Antes de morrer Marcellus já havia plantado as sementes da fé naqueles militares que lutaram e caminharam ao seu lado. A violência porém não acabou com sua morte e vários de seus filhos também foram mortos por ordem do imperador. Isso chocou tanto as pessoas que fez com que sua crença em Cristo se fortalecesse ainda mais. Séculos depois o Vaticano reconheceria a grande mensagem de fé na vida do Centurão Marcellus, o canonizando no século V. Seus restos mortais e de seus amados filhos estão enterrados sob a Catedral de Lyon.
Pablo Aluísio.