Esse álbum foi lançado bem no auge da Beatlemania. Para as fãs que gritavam pelo grupo nos shows foi um deleite ter à disposição 13 novas canções inéditas, todas elas escritas pela dupla Lennon e McCartney. De fato foi um dos álbuns mais vendidos dos Beatles, até porque as vendas foram impulsionadas pelo sucesso do filme. O público via os Beatles nas telas de cinema e depois comprava essa trilha sonora nas lojas de discos. Era a dobradinha comercial perfeita na visão do empresário Brian Epstein e da gravadora EMI.
E o disco vinha mesmo cheio de novidades interessantes, músicas que iam do mais puro rock, passando pelo pop, indo parar no lado mais romântico da banda. Na coleção de belas baladas nenhuma se comparava a "If I Fell", um dos grandes sucessos do álbum. Essa foi uma composição conjunta entre John e Paul. Essa balada ganhou bastante destaque no filme, em uma boa cena, bem elaborada pelo diretor Richard Lester. O cineasta quis trazer algo de casual, como se os Beatles ainda estivessem se preparando para a apresentação, numa espécie de ensaio, onde John ao violão dava os primeiros acordes enquanto Ringo ainda motava sua bateria. Funcionou, embora os Beatles não fossem atores profissionais conseguiram fazer a cena sem problemas, sem doses excessivas de canastrice.
Outra música escrita por Paul que fez muito sucesso foi "Can't Buy Me Love". Na edição original ela vinha como a última faixa do Lado A do disco, por isso não se esperava muito dela em termos de sucesso nas rádios. Só que nos Estados Unidos ela foi escolhida praticamente como o carro-chefe do disco, se tornando um dos grandes hits dos Beatles na terra do Tio Sam. Os executivos da Capitol (a gravadora americana que lançava os discos dos Beatles na América) tinham uma visão mais apurada de seu mercado do que os ingleses. John Lennon chegou a colaborar em sua criação, porém em pequenas doses, conforme ele mesmo diria anos depois numa entrevista. Para Paul foi gratificante ver seu sucesso no outro lado do Atlântico. Era a prova de que ele sabia fazer, mesmo sem querer, grandes sucessos, aquelas músicas que não cansavam de tocar nas rádios. Um hit perfeito.
E mostrando que Paul realmente dominou em termos de composições para esse álbum, vale destacar outra bela canção romântica chamada "And I Love Her". Era uma criação de Paul McCartney, o eterno romântico dos Beatles. A bonita letra foi escrita para Jane Asher, a namorada de Paul, a garota ruiva que todos pensavam iria se tornar sua esposa em poucos anos. É incrível que seu relacionamento com Jane, que serviu de inspiração para tantas músicas românticas dos Beatles, não tenha se transformado em casamento. Em algum momento a coisa desandou entre o casal, para decepção de muita gente que vivia ao lado deles naquela época. O próprio John Lennon (que já era casado) tinha certeza que isso iria acontecer. Outra composição que Paul McCartney fez praticamente sozinho, levando ela praticamente pronta para os estúdios de Abbey Road em Londres. Essa rotina de Paul levar novas músicas de amor já compostas integralmente levou John Lennon anos depois a pensar sobre esse período, essa fase dos Beatles. Ele disse: "Parecia que Paul sempre surgia como o Beatle romântico, com alma de veludo e que eu só tinha rocks vibrantes para apresentar ao grupo. Era alto natural que acontecia. Eu tinha que fazer um contrabalanço a Paul. Já que ele compunha muitas canções românticas eu tinha que cuidar do lado mais roqueiro dos discos. Por isso fiquei com essa imagem nos primeiros LPs dos Beatles".
Os Beatles gravaram esse álbum no meio de uma correria sem fim. Eles tinham turnês para fazer, cenas para filmar e além de tudo encontrar tempo para gravar as canções do disco que futuramente seria a trilha sonora original. E mais curioso de tudo é que todas as músicas seriam compostas pela dupla Lennon e McCartney. Mesmo que ainda fossem jovens eles já sabiam do valor de seu trabalho musical e por isso determinaram que não haveria músicas de outros nesse álbum.
E no meio de toda essa agitação eles ainda tinham fôlego para compor belas baladas como "I Should Have Known Better". Essa música seria usada como faixa 2 do lado A do disco original britânico, ou seja, os Beatles colocavam fé na música. Acertaram bem no alvo pois a música se tornou um hit, um sucesso instantâneo do grupo assim que chegou nas rádios inglesas e americanas. O tema era de arrependimento, porém obviamente numa levada mais juvenil, adolescente, afinal esse era o público dos Beatles na época. Jovens não pensam muito bem em seus atos, são impulsivos, mas era melhor pensar um pouco melhor antes de fazer alguma bobagem. Esse era o tema da música.
Embora George Harrison não tenha composto nenhuma música para esse disco, John Lennon o escalou para cantar a bucólica "I'm Happy Just to Dance with You". Tema simples, bem romântico, ideal para bailinhos, onde o sujeito apaixonado ficava feliz apenas por dançar com a garota que amava. A voz de George e sua conhecida timidez que lhe valeu o apelido de "O Beatle quieto" combinou bem com a letra e a melodia. Os Beatles porém pouco trabalharam em cima dessa canção, se tornando apenas um bom complemento para o disco de uma forma em geral.
E fechando o lado A do disco original britânico surgia a boa faixa "Tell Me Why" onde o destaque vinha dos vocais dos Beatles. Todo mundo cantando junto em Abbey Road. Imagine um casal de adolescentes em crise. Ele quer saber porque o relacionamento vai tão ruim, por que ela o trata tão mal. Afinal o que ele fez? Um tema ideal para as fãs que gritavam pelos Beatles na época, ou melhor dizendo, para os fãs, uma vez que a letra vinha em primeira pessoa, de um namorado perplexo pelo que vinha acontecendo nos últimos dias. Pelo visto o pobre coitado acabou mesmo sem respostas...
Esse álbum dos Beatles levou muito tempo para ficar pronto. Eles levaram praticamente seis meses para completar o disco. Não que os Beatles tivessem ficado todo esse tempo dentro do estúdio gravando as canções. Pelo contrário. Eles tiveram que cumprir tantos compromissos que ficou complicado para eles terminarem o álbum. Só para se ter uma ideia eles tiveram que interromper as gravações para sua primeira turnê americana, a mesma que deu origem à Beatlemania nos Estados Unidos e no mundo.
E a correria foi tão grande que quando as filmagens de seu primeiro filme terminaram eles não tinham sequer gravado a música título do disco, a canção "A Hard Day's Night". Por essa razão não existe nenhum cena no filme mostrando os Beatles tocando essa música. Eles simplesmente não tinham gravado a faixa durante as filmagens. Só depois de pronta é que os editores a colocaram no filme, mas apenas nos créditos iniciais. Uma loucura incrível. E como todos sabemos a música também foi composta meio às pressas, em quartos de hotel das turnês. Quem deu a dica foi Ringo, exausto de tantos compromissos. Ele apenas fez um trocadilho espirituoso em cima da maneira de falar e pensar de John Lennon. Deu certo.
"You Can't Do That" também foi gravada na pressa. A EMI queria lançar um single o mais rapidamente possível. Já que o disco não conseguia ficar pronto era necessário colocar alguma coisa nova no mercado para faturar em cima da imensa popularidade dos Beatles. Assim eles se reuniram de forma urgente dentro da EMI e gravaram essa música que seria colocada como Lado B de "Can't Buy Me Love". Como se pode perceber a pressão em cima do grupo era grande, principalmente por parte da gravadora. Eles tinham que compor e gravar em ritmo quase industrial. Manter o pique para tantas solicitações de material era complicado.
Quando chegou em junho de 1964 o filme estava praticamente pronto, mas o disco ainda não. Os Beatles precisavam gravar ainda cinco ou seis faixas para o lado B do disco. John e Paul tinham decidido não colocar nenhum cover no álbum, mas apenas composições próprias. Então eles correram para criar um lado inteiro para o que seria a trilha sonora do filme. "Things We Said Today" foi composta dentro dos estúdios da BBC, onde os Beatles tinham seu próprio programa musical, onde tocavam e conversavam com os ouvintes e o DJ. Enquanto estavam esperando sua vez de entrar, eles apressadamente fizeram a música. Depois foi uma questão de tempo para finalizá-la em Abbey Road, poucos dias depois.
Um aspecto curioso desse disco dos Beatles é que no Brasil resolveram fazer algumas modificações na capa do LP. Nos Estados Unidos e Europa a trilha sonora chegou com aquela direção de arte que todos conhecemos, com várias fotos dos Beatles, com expressões diferentes e ao fundo uma bela tonalidade de azul. No Brasil o fundo foi mudado para vermelho, seguindo a mesma cor de um EP (compacto duplo) que foi lançado na Inglaterra. Por que razão mudaram a cor? E por qual razão continuaram a insistir no disco vermelho, até mesmo nas versões reeditadas, como a dos anos 80? Complicado de entender.
Já a seleção de faixas foi mantida, pelo menos isso. Até porque não havia como ser diferente já que o disco era lançado no mercado como a trilha sonora oficial do filme "Os Reis do Ié, Ié, Ié". Aliás, devo dizer, esse título nacional nunca me desceu pela garganta. É muito ruim, muito tosco. Melhor seria ou manter o nome original em inglês mesmo, ou então algo mais criativo, que não fosse tão ruim, não é mesmo? Infelizmente os distribuidores de cinema e as representantes das companhias cinematográficas no Brasil tinham tradição em criar títulos nacionais medonhos de ruim. Os Beatles foram apenas mais uma de suas vítimas.
Pois bem, o Lado B do disco "A Hard Day's Night" trazia uma boa coleção de composições de Lennon e McCartney. Essas canções não faziam parte do filme, para falar a verdade. Foram gravadas apenas para completar o disco, encher o LP original. Não foram usadas no filme e tampouco ganharam os palcos depois. Apesar de belas faixas os próprios Beatles apenas a gravaram em estúdio e depois meio que se esqueceram delas. Uma pena, pois como já escrevi, são boas criações de John e Paul. Mereciam melhor sorte.
Veja o caso de "Any Time at All" que abria o Lado B do vinil original. Sempre considerei uma faixa forte, com um marcação de ritmo bem singular e característica. Poderia ser até mesmo lançada como single que não faria feio para os Beatles na época. Um aspecto curioso dessa letra é que ela pode ser interpretada tanto do ponto de vista romântico, como uma letra que fala de um casal, em que um namorado diz para sua garota que ela pode lhe ligar a qualquer hora caso precisasse de apoio, que ele estará a disposição, como também sob um ponto de vista de pura amizade. Um amigo que precisa do outro para que esse lhe dê uma força. Quem escreveu essa letra? Penso que pelo otimismo em suas palavras pode ter sido Paul McCartney. Afinal não vejo o estilo ácido de John nessa mensagem poética.
Por fim, para finalizar essa análise da trilha sonora do filme "A Hard Day's Night" cabe tecer alguns comentários sobre duas canções do lado B do disco de vinil original. "I'll Cry Instead" tem um arranjo muito bom, um pouco puxado para o country norte-americano. Não sei como não deram essa para o Ringo Starr cantar. O vocal principal ficou com John Lennon e alguns instrumentos extras foram adicionados à gravação. Os Beatles praticamente nunca usaram essa canção em seus shows, demonstrando que era uma música gravada especialmente para completar o LP com a trilha sonora do filme, embora essa faixa também não tenham sido aproveitada em nenhuma cena da produção cinematográfica.
Embora a letra e a música tenham sido assinados por Lennon e McCartney, acredito que grande parte da letra tenha sido escrita exclusivamente por John Lennon. Há um toque de "vingança" daquele que é abandonado e que diz claramente que vai se vingar em outras garotas, decidido a destruir os sentimentos delas, como o seu próprio sentimento foi destruído, que sempre me soou muito Lennon. Que coisa não? Penso que algo tão mordaz assim só poderia ter sido escrito por John Lennon que tinha mesmo esse lado mais ácido.
"I'll Be Back" era a última música do disco original, lá no finalzinho do lado B do vinil. Novamente um belo arranjo, o que demonstra um capricho maior da banda em seu execução. Aqui George Harrison foi ao violão para executar seus famosos solos, todos bem pontuais, bem colocados dentro da música. O vocal principal novamente ficou com John Lennon, mas também com bastante ênfase em coro ao lado de Paul McCartney por toda a faixa. Ficou bonito, sem dúvida.
Essa é uma letra do namorado persistente. Ele diz claramente que mesmo que o romance chegue ao fim, ele retornará. Rapaz insistente esse, vou te contar. É o apaixonado resistente, que está disposto a fincar o pé e tentar de todas as formas segurar um caso amoroso. Tem cara de Paul McCartney, o eterno romântico dos Beatles. Embora não concorde em nada com a letra, pois acredito que quando um caso chega ao fim, não se deve insistir, a letra é adequada para os namoros adolescentes da época. Só não precisa forçar ao limite essa situação, vamos ser sinceros. Nem sempre é o ideal voltar, forçar uma barra. Muitas vezes o fim é o melhor caminho mesmo. Coisas da vida.
Pablo Aluísio.
ResponderExcluirThe Beatles
A Hard Day's Night
Pablo Aluísio.
Pablo:
ResponderExcluirVocê já ouviu no you tube quando eles postam musicas do Beatles e tiram os instrumentos deixando só as vozes? Cara é muito interessante. "Oh Darling" então é um loucura.
Os Beatles elaboravam maravilhosos arranjos vocais. Segundo o Paul eles aprenderam a fazer isso ouvindo os discos dos Everly Brothers. Realmente é tudo muito inspirado na dupla.
ResponderExcluirTudo bem que é estúdio e em estúdio tudo fica bom, mas mesmo assim a afinação das harmonias e nos solos é coisa
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