domingo, 10 de julho de 2005

Elvis Presley - You'll Never Walk Alone (1971)

Oficialmente Elvis gravou apenas três álbuns no estilo gospel. O primeiro foi "His Hand in Mine" em 1960, o segundo "How Great Thou Art" em 1967 e finalmente o terceiro e último "He Touched Me" em 1972. Foram poucos discos, mas que trouxeram grandes frutos para sua carreira. Além das boas vendas essas gravações trouxeram os únicos prêmios Grammy da discografia de Elvis Presley. Sim, de certa forma era um grande absurdo, um dos maiores nomes da história da música nunca foi premiado em vida pelo Grammy por suas gravações em outros estilos musicais. Quem disse que a vida era justa? De qualquer forma a RCA estava sempre vasculhando os arquivos para colocar no mercado coletâneas de Elvis. O selo RCA Camden se especializou por essa época em lançar discos com preços promocionais do cantor. Em 1971 os executivos da RCA decidiram que era hora de colocar no mercado mais um álbum com canções religiosas. O problema era que a última vez que Elvis havia entrado nos estúdios para gravar algum álbum nesse estilo havia sido em 1967. Assim a gravadora foi em seus arquivos atrás de canções avulsas para compor esse novo LP. Eles acharam coisas bem interessantes, canções que só tinham sido lançadas em singles, outras que nunca tiveram o destaque merecido, etc.

No total conseguiram reunir nove músicas (abaixo da média da época que era em torno de 10 a 12 canções para se completar um álbum). Mesmo assim como o disco chegaria em preço promocional nas lojas não haveria muitos problemas. O novo disco foi chamado de "You'll Never Walk Alone". Uma canção simplesmente maravilhosa que puxaria a venda dessa nova coletânea. Apesar de alguns equívocos na seleção o fato é que esse disco realmente era um atrativo e tanto para o colecionador da época. Estamos falando de um tempo em que não existia internet e nem muitos lançamentos de Elvis no mercado. Por isso qualquer novidade, qualquer música menos conhecida que chegava nas lojas, já era uma boa notícia para os fãs. O repertório era bem eclético. Além da já citada "You'll Never Walk Alone", clássico gospel gravado por Elvis em 1967, o disco trazia ainda gravações dos distantes anos 1950 (como "I Believe", "It Is No Secret (What God Can Do)", "(There'll Be) Peace in the Valley" e "Take My Hand, Precious Lord"), músicas de filmes (como a excelente "Let Us Pray" de "Change of Habit" e "Sing You Children" de "Easy Come, Easy Go"), além de versões esparsas de gravações religiosas feitas por Elvis durante os anos 1960 (como "Who Am I?" e "We Call on Him"). Para quem estava em busca de músicas difíceis de achar no mercado na época era uma bela e muito bem-vinda surpresa.

1. You'll Never Walk Alone (Oscar Hammerstein II / Richard Rodgers) - É muito curioso perceber que em 1967 Elvis gravou em Nashville a canção "You'll Never Walk Alone". Essa era uma velha canção, dos tempos da II Guerra Mundial, que havia sido inclusive usada em musicais da época. Elvis ignorou esse passado e remodelou a música ao seu estilo. Tecnicamente a gravação de 67 não é perfeita, mas os produtores da RCA Victor resolveram aproveitar mesmo assim, com pequenas imperfeições, por causa da inspirada interpretação do cantor. A faixa deveria ter sido lançada em um álbum convencional (ou seja, que não fosse uma trilha sonora de filme) que a RCA planejava há tempos. Infelizmente desistiram da ideia.

2. Who Am I? (Rusty Goodman) - Na falta de uma definição melhor poderíamos dizer que essa gravação era mais um daqueles momentos de Elvis em estúdio que ficavam completamente perdidos dentro de sua discografia. Muitas vezes Elvis gravava um grande lote de novas músicas em Nashville ou em Memphis e depois todo o pacote era levado para a central da RCA Victor em Nova Iorque onde eles escolhiam quais seriam lançadas e de que forma (em álbuns, singles, etc). Essa canção religiosa havia sido escrita por Rusty Goodman, membro de um grupo vocal gospel sulista chamado The Goodman Family Revival ou como era mais conhecido, The Happy Goodman Family. Esse tipo de artista só uma pessoa nascida e criada no sul dos Estados Unidos e mais ainda, que fizesse parte da comunidade evangélica, poderia conhecer. Era um tipo de grupo de nicho mesmo, bem específico. Como Elvis adorava a sonoridade de quartetos gospel, não é de se admirar  que ele conhecesse muito bem a obra desse grupo religioso. Afinal ele era um colecionador desse tipo de disco. A sua versão porém só veio muitos anos depois, sendo gravada em fevereiro de 1969.

3. Let Us Pray (Buddy Kaye / Ben Weisman) - Essa faixa foi escrita para o filme "Change of Habit (no Brasil, "Ele e as três noviças). Esse filme, da fase final de Elvis em Hollywood, contava no elenco com a talentosa atriz Mary Tyler Moore, recentemente falecida. Ao contrário de muitas comédias musicais fracas que Elvis estrelou após 1965, essa produção tinha um bom roteiro e uma direção segura do cineasta William A. Graham. Elvis canta essa música na cena final do filme, quando ele está se apresentando durante uma missa em uma bela e histórica igreja católica de Nova Iorque. É um hino religioso, mas com ótimo ritmo, parecendo até mesmo um rock animado. Ideal para quem ainda não entendeu que o gospel foi um dos elementos mais importantes na criação e surgimento do Rock ´n´ Roll nos anos 50. Destaque também para o belo coro feminino da gravação, naquela época uma novidade e tanto nas gravações de Elvis.

4. (There'll Be) Peace in the Valley (Thomas A. Dorsey) - Essa era uma velha música religiosa de autoria de Thomas A. Dorsey, a aclamada "(There'll Be) Peace in the Valley". Tudo bem que era um clássico dentro do repertório religioso de Elvis, tendo sido a primeira música gospel cantada pelo cantor na TV americana, ainda na década de 1950. O problema era mesmo de saturação. Se já havia sido lançada tantas vezes antes no "Elvis Christmas Album", porque lançá-la mais uma vez aqui, em um disco que poderia abrir espaço para outras canções desse estilo que não tinham tido o mesmo espaço? Uma pena que o próprio Elvis não tinha controle (ou até mesmo interesse) na seleção musical de seus discos. Caso ele olhasse com mais cuidado sobre isso coisas assim não aconteceriam.

5. We Call on Him (Fred Karger / Sid Wayne / Ben Weisman) - Essa faixa acabou sendo mal lançada, em março de 1968, como lado A de um single que não foi devidamente promovido pela gravadora. Esse foi certamente um dos maiores erros da RCA Victor pois a performance de Elvis era magistral. O lado B desse single trazia  "We Call on Him", outra gravação dessa mesma sessão de setembro de 1967 em Nashville que a RCA também aproveitou para colocar nesse álbum. Outra boa faixa desperdiçada. Ficou anos fora de catálogo. Para os fãs brasileiros a situação era ainda pior porque o compacto nem sequer foi lançado no Brasil. Descaso completo da filial da RCA em nosso país. De qualquer forma era outra bela canção do repertório mais intimista de Elvis. Uma pena que ambas as músicas, tanto seu lado A como seu lado B, tenham sido tão equivocadamente lançadas no mercado. Gravações que tinham grande potencial nas paradas, acabaram passando despercebidas pelos fãs de Elvis.

6. I Believe (Ervin Drake / Irvin Graham / Jimmy Shirl / Al Stillman) - Para completar o disco a RCA usou de material que já naquela época estava saturado, pelos inúmeros relançamentos, como as constantes reedições do disco natalino "Elvis Christmas Album". Embora a música "I Believe" tenha sido lançada inicialmente no EP gospel "Peace in The Valley", o fato é que ela também fez parte do repertório original do disco de natal. Assim não era uma novidade para os colecionadores, muito pelo contrário. Soava como mais um caça-níquel. A composição feita para ajudar espiritualmente os soldados americanos na Guerra da Coreia já não tinha mais o mesmo impacto de antes.

7. It Is No Secret (What God Can Do) (Stuart Hamblen) - Essa música foi gravada por Elvis em janeiro de 1957. É no mínimo curioso perceber que mesmo na fase mais roqueira de sua carreira, como nesse ano em que ele estrelaria o sucesso cinematográfico "Jailhouse Rock", Elvis jamais havia deixado de lado o gospel, as músicas religiosas de sua infância e juventude. Essa canção data de 1951, quando foi lançada pela primeira vez pelo grupo vocal tradicional The Ink Spots. Na época o single chamou a atenção pois conseguiu ocupar espaço até mesmo entre os mais vendidos do ano! Não era mais apenas um lançamento de nicho (no caso religioso), mas sim da principal lista de sucessos do país, a conhecida Hot 100 da Billboard. Um feito e tanto. Some-se a isso o fato de Elvis adorar quartetos gospel e você entenderá porque ele a gravou, assim que foi possível.

8. Sing You Children (Fred Burch / Gerald Nelso) - Outra canção retirada da fase Hollywoodiana de Elvis é "Sing You Children". É divertido perceber como a discografia de Elvis era bagunçada naqueles tempos. Os executivos misturavam músicas avulsas, restos de filmes, gospel e o que mais viesse na cabeça. Algo impensável nos dias de hoje, ainda mais se tratando de um artista tão importante como Elvis Presley. Pois bem, A RCA resolveu encaixar "Sing You Children" do filme "Easy Come, Easy Go" (Meu Tesouro é Você, no Brasil) para completar o disco. Escrita por Fred Burch e Gerald Nelson, essa música foi apresentada no filme numa sequência nonsense (típica da segunda metade dos anos 60, em musicais) onde Elvis com um pandeiro nas mãos tenta atravessar o público e fica perdido no meio das pessoas. Cinematograficamente falando não é nada memorável, mas tudo é deixado em segundo plano por causa do ótimo visual do cantor, com figurino todo preto, impecável em sua forma física. Afinal Elvis compensava qualquer problema com sua presença carismática em cena.
   
9. Take My Hand, Precious Lord (Thomas A. Dorsey) - Outra música de Thomas A. Dorsey e que também fez parte do compacto duplo "Peace In The Valley" foi "Take My Hand, Precious Lord". Ela também foi incluída aqui nesse álbum. Aliás creditar a autoria dessa canção ao reverendo Dorsey é algo historicamente meio impreciso. Esse tipo de hino religioso tem na verdade autoria incerta, pois vinha sendo cantado nas igrejas evangélicas históricas desde os primórdios da colonização americana. Quem a realmente compôs? Não se sabe ao certo, apenas se sabe que Dorsey a registrou, após criar uma ou duas linhas de melodia e harmonia. Como sua fonte de criação é bem imprecisa (pode ter sido até mesmo uma composição coletiva nas capelinhas do sul), fica tudo pelo meio do caminho. De uma forma ou outra Elvis adorava esse hino e resolveu também deixar sua versão.

Elvis Presley - You'll Never Walk Alone (1971) - Faixas do EP "Peace In The Valley": Elvis Presley (voz e violão) / Scotty Moore (guitarra) / Bill Black (baixo) / D.J.Fontana (bateria) / Gordon Stoker (piano) / Dudley Brooks (piano) / Hoyt Hawkins (órgão) / Jordanaires (acompanhamento vocal) / Produzido por Steve Sholes / Arranjado por Elvis Presley e Steve Sholes / Gravado nos estúdios Radio Recorders - Hollywood / Data de Gravação: 12 a 13 de janeiro de 1957 e 19 de janeiro de 1957 / Faixas da trilha sonora do filme "Change of Habit": Elvis Presley (voz) / Dennis Budimir (guitarra) / Mike Deasy (guitarra) / Howard Roberts (guitarra) / Robert Bain (baixo e guitarra) / Max Bennett (baixo) / Carl "Cubby" O'Brien (bateria) / Roger Kellaway (piano) / B.J. Baker, Sally Stevens, Jackie Ward (backup vocals) / The Blossoms: Darlene Love, Jean King & Fanita James (backup vocals) / Data de lançamento: 22 de março de 1971 / Selo: RCA Camden / Melhor posição nas paradas: 69 (Billboard 200).

Pablo Aluísio.

9 comentários:

  1. Elvis Presley
    You'll Never Walk Alone
    Pablo Aluísio.

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  2. Esse selo da RCA era uma versão americana da CID brasileira. Quem lembra?kkkkkkkkkk

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  3. Eu lembro. A comparação é divertida, mas há uma diferença. A CID nunca lançava discos com os cantores originais. Eram outros artistas fazendo covers. Eu me lembro que meu pai tinha um disco da CID com letras garrafais na capa "ELVIS PRESLEY", só que não era Elvis o cantor do disco, mas um tal de Carlin Davis fazendo cover. Outros discos que me lembro eram os com as trilhas sonoras cópias de Grease e Os Embalos de Sábado à noite. Tinha um chamado Explosão dos anos 60, só com covers de jovem guarda que também era bem agradável.

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  4. Imperdíveis mesmo eram os discos com hinos de times de futebol e marchinhas de carnaval. Nos anos 80 todo mundo tinha pelo menos uma cópia em casa kkkkkkkkk

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  5. Eu que sou catolico, portanto um tanto relapso em relação as minhas obrigações com a igreja, fico imaginando sempre que ouço falar nestes três discos gospel do Elvis a maravilha que deve ter sido para os envangelicos americanos ter seus hinos preferidos cantados por uma das vozes mais lindas e famosas do mundo.
    Serge Renine.

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  6. Um presente e tanto para os evangélicos americanos. Porém temos que sempre lembrar a honrosa exceção de "Mireacle of Rosary", uma música religiosa católica cantada por Elvis no álbum "Elvis Now".

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  7. Respostas
    1. Esse Elvis sabia ser ecumênico. Dizia ele que queira estar bem com todo mundo depois de morrer, só por garantia.kkkkkkk

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  8. "Não quero perder o Paraíso por um detalhe técnico"
    (Elvis Presley)

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