segunda-feira, 2 de julho de 2007

Os Filmes de Marlon Brando - Parte 3

Vidas em Fuga
Valentine 'Snakeskin' Xavier (Marlon Brando) é um músico errante de New Orleans que chega numa pequena cidade do sul dos EUA em busca de trabalho. Ele havia sido expulso da última localidade por onde passou acusado de roubo, desordem e vadiagem. Ao procurar por emprego acaba parando numa pequena loja de roupas local. Lá conhece Lady (Anna Magnani) esposa do proprietário, um homem com problemas de saúde. Sozinha, carente e frustrada ela acaba se aproximando de "Snakeskin" cada vez mais. "Vidas em Fuga" foi baseado na peça "Orpheus Descending" que nada mais é do que uma releitura de Tennessee Williams para o famoso clássico Orfeu e Eurídice. Toda a estrutura da peça original está lá. A mulher reprimida e infeliz, o marido desprezível e o amante sedutor, mas perigoso. Williams transporta a trama para o sul racista americano, onde novamente a hipocrisia da sociedade é colocada em evidência. Embaixo de uma superfície de moralidade há uma sordidez latente, bem ao estilo do que realmente imperava nessas pequenas cidades.

O elenco está brilhante. Brando curiosamente está contido. Seu Val "Snakeskin" Xavier é em essência um espectador privilegiado dos acontecimentos. Sua presença sensual e provocadora logo desperta o que há de pior entre os moradores da cidade. Irresistivel para as mulheres e odiado pelos homens, sua persona parece ter sido levemente inspirada em michês que passaram pela vida de Tennessee Williams. É o típico caso do sujeito sem profissão definida, que viaja de cidade em cidade em busca de uma melhor sorte. Para tanto usa de sua beleza para alcançar dinheiro e posição, muitas vezes praticando pequenos delitos no caminho. Já Anna Magnani, com forte sotaque italiano, também esbanja boa atuação. Não deixa de ser curioso o fato dela ter perseguido Brando no set de filmagem em busca de um envolvimento amoroso. 

Como relatado em sua autobiografia, Marlon descreveu o assédio de Anna como uma busca pela juventude perdida. Com a idade chegando a atriz procurava se envolver cada vez mais com jovens, numa triste metáfora com sua própria personagem no filme. Após várias tentativas frustradas Brando a dispensou discretamente. Ele não tinha qualquer interesse nela, exceto em nível puramente profissional. Os problemas entre os atores nos bastidores porém não prejudicou o resultado final do filme. Brando e Magnani estão perfeitos em seus respectivos papéis. Outro destaque digno de nota é a boa atuação de Joanne Woodward. Na pele de uma personagem complicada que facilmente poderia desandar para a caricatura, Joanne se mostra adequada e talentosa na medida certa. Enfim, nada melhor do que conferir mais uma produção que une Tennessee Williams e Marlon Brando. Não chega a ser tão marcante como "Um Bonde Chamado Desejo" mas mantém o alto nível. O resultado final é excelente.

Vidas em Fuga (The Fugitive Kind, Estados Unidos, 1960) Direção: Sidney Lumet / Roteiro: Meade Roberts adaptado da peça "Orpheus Descending" de Tenneesse Williams / Elenco: Marlon Brando, Anna Magnani, Joanne Woodward e Maureen Stapleton / Sinopse: Valentine Xavier (Marlon Brando) é um artista de New Orleans que vive tocando entre um lugar e outro, até decidir se instalar em uma pequena cidade entre New Orleans e Memphis. Enquanto o passado de Valentine vem à tona, ele se envolve com uma excêntrica mulher casada.

A Face Oculta
Esse western foi o único filme dirigido por Marlon Brando. Foi um projeto complicado desde o começo. Inicialmente a Paramount escolheu o genial Stanley Kubrick para dirigir o filme, mas atritos com Brando fizeram com que o cineasta resolvesse abandonar a produção. Como Marlon Brando confiava na qualidade do material e parte do dinheiro do orçamento de produção vinha de sua própria produtora (a Pennebaker Productions) ele tomou uma decisão inédita em sua carreira. Ele decidiu que assumiria a direção do filme. Foi uma decisão precipitada e muito ousada pois Brando nunca havia dirigido nada em sua vida. Ele era um ótimo ator, mas nunca havia estudado uma linha para assumir a direção de um filme. Ele não tinha experiência e nem o conhecimento técnico para essa função. A direção de Marlon Brando transformou "A Face Oculta" em um verdadeiro elefante branco cinematográfico. Sem experiência nenhuma na arte de dirigir um filme, Brando começou a filmar a esmo, sem foco, sem rumo certo a tomar. 

Durante as filmagens ficou óbvio para todos que sua inexperiência iria tornar tudo mais caro, demorado e complicado. Ele não tinha a menor capacidade técnica para realizar o filme. Coisas óbvias como a escolha da lente da câmera ou das técnicas de se filmar em locações eram desconhecidas para o ator. Brando resolveu contratar o ator e amigo Karl Malden para o papel de xerife, uma escolha que a Paramount achava equivocada já que o personagem era bem mais velho do que ele. E assim os erros foram se acumulando cada vez mais. Outro problema foi o estouro rápido do orçamento. Marlon chegou a ficar um dia inteiro filmando ondas no mar em busca da "onda perfeita" para aparecer no filme. Seu primeiro rolo editado chegou nas mãos do estúdio com cinco horas de duração! Era uma metragem absurda, completamente fora dos padrões e nada comercial. A Paramount então resolveu assumir o controle da edição final do filme, tentando montar no meio de horas e horas de filmagens inúteis, um enredo que fizesse sentido para o público. Foi um trabalho imenso que levou meses para ficar pronto e mesmo assim tudo resultou em um filme muito longo... e muitas vezes muito chato! Pelo menos essa foi a opinião dominante entre os críticos na época de lançamento original do filme.

Marlon Brando, por sua vez, passou a falar mal do filme aos jornalistas que lhe perguntavam quando o filme iria ser lançado. Ele nem pensava duas vezes antes de dizer que esse faroeste era um desastre e que dirigir tinha sido uma das piores experiências de sua vida. O resultado que chegou até o público mostra bem os problemas da película. Mesmo completamente cortado e editado, o filme se mostrou muitas vezes longo e sem direção, caindo, em alguns momentos, no marasmo completo. A crítica em 1961 obviamente malhou impiedosamente o filme quando chegou aos cinemas, mas curiosamente o tempo parece ter feito bem ao western, uma vez que hoje em dia ele assumiu um status de cult movie que ninguém previra em sua chegada aos cinemas na década de 1960.

A Face Oculta (One-Eyed Jacks, Estados Unidos, 1961) Direção: Marlon Brando / Roteiro: Guy Trosper, Calder Willingham / Elenco: Marlon Brando, Karl Malden, Pina Pellicer, Katy Jurado, Ben Johnson / Sinopse: Traição e morte rondam os envolvidos em um roubo no México anos atrás. Único filme dirigido por Marlon Brando. Filme indicado ao Oscar na categoria de melhor direção de fotografia (Charles Lang)

O Grande Motim
O navio HMS Bounty ruma em direção aos mares do sul em uma viagem de exploração e reconhecimento do Tahiti e ilhas daquela região, tudo para defender os interesses da coroa britânica. No caminho os tripulantes começam a se indispor com o tratamento rude, diria até tirânico, do comandante Bligh (Trevor Howard). Na volta da expedição, sob o comando do primeiro tenente Fletcher Christian (Marlon Brando), os membros da tripulação resolvem levantar um motim contra o capitão da embarcação. Marlon Brando relembrou esse filme em sua autobiografia "Canções Que Minha Mãe Me Ensinou". Ele contou que na época o estúdio lhe ofereceu a possibilidade de fazer dois filmes. O primeiro seria o clássico "Lawrence da Arábia" e o segundo esse remake de um antigo filme de 1935 com Clark Gable. Curiosamente Brando se decidiu por "Mutiny on the Bounty" simplesmente porque ele seria filmado na Polinésia Francesa, um lugar maravilhoso no Pacífico que o ator gostaria de conhecer desde os tempos de escola.

Brando ouvira dizer que David Lean demorava muito para fazer seus filmes e que isso iria lhe custar muito tempo e trabalho no meio do deserto, um lugar que ele não tinha a menor intenção de conhecer. Assim rejeitou a oportunidade de estrelar aquele que se tornaria um dos maiores clássicos do cinema, "Lawrence da Arábia". Entre "secar no deserto como uma planta sem água" (como ele mesmo escreveu em seu livro) ou ir se divertir nas paradisíacas ilhas dos mares do sul, Brando optou pela segunda opção. Tão encantado ficou que anos depois compraria uma ilha particular na região, a bonita e distante Tetiaroa.

Pois bem, já voltando ao filme em si temos que admitir que se trata de uma aventura realmente saborosa. As filmagens foram complicadas, com estouro de orçamento, prazo e divergências entre diretor e estúdio, o que levou inclusive o cineasta Lewis Milestone a ser demitido no meio das filmagens. Além disso o clima irregular das ilhas prejudicou as locações e os cenários. A MGM então resolveu jogar a culpa pelos atrasos em cima do próprio Marlon Brando que estava preferindo ir nadar com as lindas figurantes locais do que trabalhar duro. Quando o filme finalmente foi lançado, depois de vários adiamentos, recebeu criticas negativas e não fez o sucesso esperado. Revendo hoje em dia só podemos nos admirar por ter tido uma recepção tão ruim. Com linda fotografia e belo desenvolvimento do enredo é complicado entender tanta má vontade em seu lançamento. Talvez tenha sido uma retaliação da imprensa contra Marlon Brando e seu temperamento complicado. O espectador porém deve deixar esse tipo de coisa de lado. Ignore tudo isso e assista pois sem dúvida é um belo filme.

O Grande Motim (Mutiny on the Bounty, Estados Unidos, 1962) Estúdio: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) / Direção: Lewis Milestone, Carol Reed / Roteiro: Charles Lederer, baseado no livro de Charles Nordhoff / Elenco: Marlon Brando, Trevor Howard, Richard Harris / Sinopse: Durante uma longa viagem pelos mares do sul, um grupo de marinheiros e oficiais de pequena patente decidem se rebelar contra seu capitão, bem conhecido por ser um homem duro e muitas vezes cruel.

Quando Irmãos se Defrontam
Nesse filme o aclamado ator Marlon Brando interpreta o embaixador norte-americano Harrison Carter MacWhite. Ele é um ambicioso estudioso da política internacional que se torna embaixador em Sarkan, um país do sudeste asiático onde a guerra civil está se formando no horizonte. E de seu posto começa a perceber a vil política de seu país em relação a pequenos países daquela parte do mundo. Em termos políticos o ator Marlon Brando sempre foi progressista e liberal. Ele odiava com todas as forças a política externa dos governos conservadores e republicanos que chegavam ao poder em seu país. Esse foi provavelmente o filme mais político de sua carreira pois era em essência uma denúncia da maneira como os Estados Unidos promovia golpes de Estado e atrocidades em países de terceiro e quarto mundo. 

E justamente por causa do teor político desse filme, Brando encontrou várias portas fechadas para que o filme fosse finalmente produzido. Inclusive em um momento crucial da produção ele acabou colocando dinheiro do próprio bolso para que o filme finalmente chegasse a uma conclusão. É um bom filme certamente, onde Brando está mais do que empenhado em seu papel, algo que nem sempre acontecia, como bem podemos ver em sua longa filmografia. Feito para dar um recado e deixar a mensagem e o pensamento político do ator registrados eternamente em película, esse é um daqueles filmes essenciais para entender a mentalidade de Brando ao longo de sua vida. 

Quando Irmãos se Defrontam (The Ugly American, Estados Unidos, 1963) Estúdio: Universal Pictures / Direção: George Englund / Roteiro: Stewart Stern, William J. Lederer / Elenco: Marlon Brando, Sandra Church, Eiji Okada, Jocelyn Brando, Arthur Hill, Pat Hingle / Sinopse: Drama político indicado ao Globo de Ouro nas categorias de melhor direção e melhor ator (Marlon Brando).

Dois Farristas Irresistíveis
Dois golpistas que vivem de enganar mulheres mais velhas e ricas, solitárias, entram em conflito em uma praia badalada na costa do Mediterrâneo. Será que o vigarista mais velho, culto e de alta classe sairá vencedor ou será que o jovem golpista, de pequenos truques, sairá vitorioso nessa aposta? Ao longo de sua carreira Marlon Brando tentou ir para outros gêneros cinematográficos. Principalmente nos anos 1960 ele se permitiu se arriscar em certas aventuras cinematográficas, como por exemplo, tentar atuar em comédias. Isso não foi necessariamente algo bom para ele pois esses filmes não faziam sucesso. O público não queria ver Brando tentando o humor. 

De qualquer maneira, como ele próprio deixou claro em sua autobiografia, embora esse filme não tenha sido um dos melhores de sua carreira (ficou muito longe disso) e nem tenha feito sucesso nas bilheterias, foi por outro lado um prazer trabalhar nele, principalmente porque Brando adorava o estilo de fina ironia do ator David Niven. Juntos, eles se deram muito bem e embora Brando não fosse um comediante, aprendeu muito com o trabalho de Niven. Revisto hoje em dia, devo confessar que o humor envelheceu muito, mas o filme, de modo em geral, ainda funciona como uma curiosidade de ver Brando tentando ser engraçado. Ele não era, mas valeu o esforço de tentar fazer algo diferente em sua filmografia. 

Dois Farristas Irresistíveis (Bedtime Story, Estados Unidos, 1964) Estúdio: Universal Pictures / Direção: Ralph Levy / Roteiro: Stanley Shapiro, Paul Henning / Elenco: Marlon Brando, David Niven, Shirley Jones, Dody Goodman, Aram Stephan, Parley Baer / Sinopse: Dois vigaristas que vivem de enganar mulheres ricas e solitárias se enfrentam em um balneário de luxo. 

Pablo Aluísio.

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