segunda-feira, 12 de setembro de 2005

Elvis Presley - Burbank 68

Elvis Presley estava acabado artisticamente em 1968. Seus discos não freqüentavam mais a lista dos mais vendidos e seus filmes já tinham passado da fase de sofrer críticas implacáveis por sua ruindade à toda prova e eram agora simplesmente ignorados, tanto pela crítica especializada quanto pelo público. Elvis em 1968 era um artista que nem mais era ouvido pelos jovens, que na realidade apenas tinham ouvido falar dele como um grande astro que fez muito sucesso na década anterior mas que já era, um nome importante no nascimento do Rock ´n´ roll mas que agora não passava de um tolo que estrelava filmes completamente ridículos que ninguém mais dava bola.

Elvis Presley estava morto e enterrado, um artista que era ouvido apenas por um seleto grupo de fãs leais que havia ficado ao seu lado, mesmo sendo massacrados ano após ano por uma sucessão de projetos patéticos que fariam vergonha até mesmo a Ed Wood. A carreira de Elvis Presley tinha virado uma piada que não tinha mais a menor graça. A pergunta que todos faziam nessa época era se o outrora aclamado Rei do Rock não passava de um projeto de marketing das gravadoras, um artista fabricado, que só fez sucesso e emplacou vários sucessos porque era um branco boa pinta que simplesmente roubara a cultura negra e a utilizou em seu favor, passando a perna na riqueza cultural afro-americana. Seria isso mesmo? Elvis Presley era uma farsa da indústria musical?

Não havia a menor dúvida que Elvis se encontrava em uma das fases mais delicadas de sua carreira. Ao trocar a música pelo cinema no começo dos anos 60 Elvis colocou seu prestígio como músico em xeque mate, virando um astro canastrão de filmes sem nenhuma importância e agora pagava o preço por ter tomado uma decisão tão equivocada como essa. O jogo finalmente havia chegado em seu final? Haveria saída para Elvis nesse tormentoso momento de sua vida profissional? A saída obviamente passava longe da tela grande dos cinemas, já que foi ali que ele entrou definitivamente em declínio profundo. Sua salvação seria certamente se utilizar de uma mídia de grande poder para lembrar a todos do imenso talento desse artista que, apesar de tudo, ainda estava lá pronto para lutar e reinvidicar seu trono. Era antes de tudo uma forma de deixar claro a todos que Elvis não havia morrido completamente, que ele apenas tinha sido afogado num pantanoso mar de projetos de quinta categoria, o lançando num injusto obscurantismo artístico. Se andava sendo ignorado nos cinemas, com bilheterias cada vez mais murchas, certamente ele não passaria despercebido na TV norte-americana, onde literalmente entraria na casa de todos para cantar (e tocar) seus grandes sucessos e mostrar que ele não estava irremediavelmente morto, que seu talento estava intocável e que seu sumiço das paradas nada mais era do que um fruto mais do que amargo da péssima administração de sua carreira ao longo dos anos.

O CD Burbank 68 captura Elvis nesse momento decisivo de sua vida e mostra os bastidores do especial que literalmente salvou seu pescoço. O especial para a TV NBC foi a tábua de salvação para o cantor que procurava desesperadamente por um projeto que não fosse descartável, tolo e infantil, como a maioria de seus filmes dos anos anteriores. Um projeto em que ele pudesse mostrar novamente ao povo americano seu talento, seu pique nos palcos, sua vontade de interpretar seus velhos sucessos ao mesmo tempo em que mostrava novas canções antenadas com os novos tempos. Uma forma de afirmar a todos que ainda estava vivo, artisticamente falando.

O Elvis que emerge desses registros é um artista extremamente carismático, talentoso e com domínio total sobre o publico. Nada poderia ser mais distante do entediado astro de produções B que literalmente passeava entre a maioria das cenas de seus filmes "linha de produção industrial" daqueles tempos. Um astro genuíno, não um produto de marketing vendido e plastificado para o gosto da acomodada classe média de Tio Sam. Um astro de verdade, não uma paródia de si mesmo. Um interprete de belas canções, não um idiota cantando para ostras e tartarugas como ele próprio gostava de brincar ao se referir aos seus anos em Hollywood. O verdadeiro Elvis Presley estava de volta!
 
Fruto da mente de Steve Binder o NBC TV Special era inovador, brilhante e destoava completamente do que Elvis vinha apresentando naquela época. Só o fato de haver uma preocupação genuína com a qualidade do material apresentado já demonstrava um grande sinal de mudanças na carreira de Elvis. Aliado a tudo isso havia um produtor independente cuidando de tudo, ignorando os absurdos sugeridos de Tom Parker e que conseguia manter uma linha de diálogo franco e aberto com o cantor. Steve Binder, ao contrário de várias pessoas ao redor de Elvis, não procurava esconder nada e era de uma franqueza atroz para com ele. Binder deixou claro para o astro que seus filmes eram muito ruins, que as músicas das trilhas eram péssimas e que Elvis deveria se agarrar ao seu passado glorioso dos anos 50 como forma de tentar reerguer seu legado, claro tudo isso sem ignorar o fato de que deveria apresentar um novo repertório com músicas relevantes e de qualidade.

Seu propósito de dar um choque de realidade em Elvis foi tamanho que ele mesmo levou o cantor para andar ao seu lado nas ruas adjacentes ao estúdio para demonstrar a Elvis como o mundo lá fora havia mudado, como ele poderia andar tranqüilamente entre as pessoas que ninguém iria dar bola. Elvis ficou tão surpreso com a proposta que foi com Binder dar uma volta nas redondezas e lá presenciou a queda de seu popularidade. Pensando que seria rasgado pelos transeuntes ou então teria que sair correndo por um acesso de tietagem por parte de fãs, tudo o que Elvis conseguiu naquela tarde foi ser completamente ignorado pelas pessoas que simplesmente passavam por ele, sem dar a mínima para o ex-Rei do Rock. Depois dessa experiência reveladora Elvis finalmente viu sua ficha cair. Isolado durante anos Elvis ainda pensava que era o furacão dos anos 50, o super astro. Sendo que na realidade a geração flower power dos anos 60 não dava a mínima para ele e sua música ultrapassada, com suas trilhas sonoras pra lá de ruins. Os jovens estavam em outra, curtindo uma revolução cultural sem precedentes e definitivamente Elvis Presley não fazia parte daquele momento fantástico dos costumes, da música e do cinema. Elvis estava por fora, completamente.

Ao entendermos completamente o contexto histórico em que o NBC TV Special foi realizado tomamos consciência de sua importância. Foi o evento que trouxe Elvis do mundo dos mortos, como bem foi escrito na época pela imprensa. Era a volta de um mito que naquele momento nada mais era do uma lenda viva sem mais nenhuma importância para a geração que gozava de uma liberdade cultural que afinal era proveniente do trabalho que o próprio Elvis havia desenvolvido nos anos 50 ao lado dos pioneiros do Rock. Porém se havia sido o Big Bang de todo esse movimento Elvis em 1968 não passava de um grande, enorme e constrangedor buraco negro.

Esse histórico e essencial especial de TV já foi revisitado em vários lançamentos, inclusive um que será lançado ainda nesse ano prometendo ser o box definitivo sobre esse grande momento da carreira de Elvis. Porém o que torna Burbank 68 interessante é o fato de ter sido o primeiro título do selo Follow That Dream (FTD). Esse projeto que começou timidamente a dar os primeiros passos com esse CD, logo se tornou o mais completo plano de resgate da discografia de Elvis nos tempos atuais. Com títulos inéditos trazendo shows ao lado de lançamentos completos de seus álbuns oficiais, o selo FTD vem trazendo a cada ano material de primeira qualidade, deixando sempre o nome de Elvis em destaque e não deixando a chama de seu talento se apagar.

Em termos de qualidade sonora o CD deixa um pouco a desejar. Não que isso seja um defeito do título em si mas sim um problema de todo o material que foi gravado para esse especial. Talvez por ter sido um projeto feito para a TV, o especial não foi tão cuidadosamente gravado como deveria ter sido em termos de sonorização e qualidade sonora. O próprio LP oficial do programa que foi lançado na época já trazia todos esses problemas. Mas deixando de lado esses pequenos detalhes técnicos o que temos é um cantor no auge de sua forma vocal, com um timing perfeito para o programa televisivo. Além disso não podemos esquecer que o Burbank 68 é focado inteiramente nos ensaios realizados por Elvis no dia 25 de junho, o que torna o ambiente bem descontraído e informal afastando ainda mais qualquer traço de profissionalismo exarcebado que poderia supor o ouvinte antes da primeira audição. Com isso a falta de uma qualidade sonora mais rigorosa acaba casando perfeitamente com o clima dos registros em si.

Pablo Aluísio.

Um comentário: