sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O Lobo da Escócia - Parte 6

Sexo, fúria e selvageria
Mark se tornou um lobo naquela mesma noite. Era sexta-feira de lua cheia. Impossível resistir ao chamado do lobo. Logo ele começava a suar em profusão, sentindo sua pele se revirar completamente. Era uma dor insana, uma dor da morte. Seus dentes caninos cresciam e forjavam sua caixa craniana. 

Geralmente nesses momentos ele desmaiava da dor insuportável que sentia. Perdia os sentidos. O homem era deixado de lado. A basta fera tomava o controle. E uma vez dominado, não havia mais nenhum pensamento racional em sua mente. Tudo que pensava em satisfazer seus desejos mais primitivos, como fome e sexo.

A fome logo foi saciada no bosque. Um cervo passeava tranquilamente na floresta, pensando estar seguro, coberto das sombras, quando o lobo o atacou. Era Mark transformado. Ele imediatamente atacou a jugular da pobre criatura. o sangue jorrou e lhe trouxe um prazer indescritível. Era insano, era selvagem, era maravilhosamente delicioso. Enquanto o animal morria, vendo sua vida escorrer por suas artérias, Mark se saciava, dando grandes mordidas em seu couro forte e resistente. Quando a pele finalmente rompia ele gritava para a luz do luar. Estava em êxtase completo.

Foi quando ouviu galhos se quebrando. Era uma pessoa. Melhor, era uma mulher. Andando no meio da floresta, no meio da noite, completamente indefesa. Tudo o que o lado bestial de Mark mais queria. Após saciar sua fome era hora de saciar sua lascívia. Não houve tempo de reação. A pobre garota gritou, mas não havia ninguém para ouvir. Mark pulou em cima dela, arrancando suas roupas com os dentes. Logo dois lindos seios rosados foram iluminados pela luz da lua da meia noite. Mark a possuiu com ferocidade, ali mesmo, no meio do mato, na areia do solo da floresta. Seu membro absurdamente aumentado por sua transformação praticamente rasgou a pobre garota em duas! Foi uma cena que o próprio Satã assistiu, tomando doses de vinho milenar e dando gargalhadas no meio da noite.

- Veja, seu desgraçado... Seu bastardo... veja... no que sua "genial criação" se transformou! - Era o anjo caído debochando e desafiando Deus. 

Era óbvio que ele, mais uma vez, queria demonstrar que o ser humano, dito como a maior criação de Deus, era uma piada infame. O seu ser humano, agora transformado em besta, devorava viva uma bela jovem loira de olhos azuis - Tome seu bastardo, tome seu canalha - Gritava Satã entre gritos e risadas diabolicamente ensandecidas.

Mark, ou melhor, a besta, continuou a possuir com ferocidade a jovem garota. Depois em um momento de pura fúria teve um orgasmo absoluto, feroz, incomparável. Ele estava fora de si, transformado em lobo. Lembrou de Katja, sua jovem amada, agora dentro de um caixão. Pensou em ir ao cemitério para tirar ela da sepultura, para fazer amor com seus restos mortais.

Satã, com seu poder de entrar na mente de Mark, deu risadas histéricas daqueles pensamentos. Imagine, depois de um ato de bestialismo, teríamos agora um ato de necrofilia. Esse Mark era realmente um de seus filhos malditos, um de seus ungidos nas escuras cavernas do inferno profundo. Satã dançava entre as árvores da floresta, ria de forma sarcástica, bebia o vinho derramando em seu corpo. Era a personificação do deboche, da blasfêmia, da sagacidade. Poucas vezes ele havia se divertido tanto como naquela noite escura.

Mark, ou melhor dizendo, o Lobo, continuou a correr pela floresta. A percepção de liberdade era absoluta em sua mente. Transformado em fera, Mark corria pelos bosques escuros na noite, se desviando das árvores, atacando qualquer animal e ser vivo que cruzasse em seu caminho...

Seu nível de consciência humana ainda existia, ainda apresentava resquícios, mas esses eram fugazes. Ele via o Diabo correndo ao seu lado. Tinha a figura clássica, chifres, pele vermelha, mas o corpo era de um equino, forte e saudável. Na forma de animal o ser das trevas não fala como Mark diretamente, apenas entrava em sua mente. Ele o sentia e ele o ouvia... 

Provavelmente a mente humana transformada em lobo modificava sua percepção do mundo, causando alucinações ou então revelava o mundo ao redor como ele realmente era de fato! Abria as portas da percepção sobre o mundo espiritual que existe ao nosso redor...

Sua caçada noturna continuou e nada iria parar a besta. Ele queria sangue e carne, carne e sangue. Encontrou algumas ovelhas no pasto, sinal de que havia habitações ali por perto. Com instinto em alta, atacou todos os animais. Foi uma orgia de sangue... Mark, sem ter consciência completa no que havia se transformado, uivava para a Lua com imenso prazer...

Nunca havia sentido tanto prazer da carne... Então, ainda na forma de lobo, avistou uma cabana ao longe. A fumaça saindo da chaminé mostrava que havia moradores por lá. E isso significava carne humana para se devorar... Não tardou e o lobo correu em direção àquela habitação rústica no meio da floresta... o pior estava por vir...
N
aquela cabana morava uma família de imigrantes alemães. Pai, mãe e uma filhinha de pouco mais de cinco anos. Foi ela quem primeiro sentiu a presença do lobo. A fera havia subido no telhado, fazendo barulho, quebrando coisas, telhas, rosnando de fúria. A menininha percebeu tudo e correu em direção á cama do casal...

- Mamãe, papai, tem um bicho mau em cima da casa! - A garotinha havia acertado em cheio sobre o que estava acontecendo. 

Hans, seu pai, um homem vigoroso, com quase dois metros de altura, forte, com músculos criados na dura rotina do campo, logo percebeu que algo estava acontecendo. Em um piscar de olhos foi atrás de sua espingarda, pegou as balas e disse que iria espantar o animal. Ele se virou para a esposa e disse: 

- Proteja nossa filha! Vou matar esse bicho...

Abriu a porta e viu o grande lobo em cima do telhado. Era Mark. Os dois olhos se cruzaram. O alemão não se intimidou em nenhum momento. Colocou as balas e fez mira. Atirou e acertou o lobo...

Só que aquelas não eram balas de prata. Não tinham efeito nenhum sobre o corpo bestial daquela fera. Não demorou nada, Mark pulou em cima do homem. A filhinha gritou... o caos era completo...

O lobo foi direto na jugular. O homem ainda tentou se defender usando sua própria arma como defesa, mas o ataque era forte e preciso. Ele não tinha forças suficientes para enfrentar aquele ser de puro ódio, pura ferocidade no mano a mano...
Em poucos minutos estava rendido e sem forças para continuar lutando... A mãe e a filhinha ficaram desesperadas dentro da cabana. A porta estava aberta, o lobo poderia pular para dentro para terminar sua carnificina, mas...

O lobo ficou parado diante das duas pessoas indefesas, a mãe e sua filhinha. Um mínimo de consciência humana parecia agir ali sobre a sua mente, o instinto feroz daquele monstro. Algo o fez parar, talvez a visão de uma criança indefesa tenha de alguma forma alertado sua mente humana adormecida de que aquela era uma linha que ele não poderia ultrapassar...

Mesmo rosnando, com a boca aberta, dentes à mostra, boca cheia de sangue de sua última vítima, o lobo não atacou! Após dois minutos parados diante da mãe e sua vítima, o feroz animal pareceu se acalmar, olhou para o lado uma vez, depois para o outro lado e... correu em direção à floresta...

A mãe, debruçou-se de joelhos, agradecendo a Deus, pois realmente não teria como se defender caso aquele lobo caso ele resolvesse atacar, era um sinal de que anjos do Senhor tinham descido naquele lugar... E a felicidade se intensificou quando ela descobriu que seu marido estava vivo... estava muito mal, sangrando pela garganta, muito mal, mas estava vivo...

Ela saiu e gritou o mais alto possível....

- Socorro! Socorro! Me Ajudem!

A filha pequena apenas chorava, soluçava de tanto chorar...

Carta a um Amigo...
Quando os inspetores entraram no quarto onde Mark vivia encontraram uma grande bagunça. Roupas rasgadas (e cheias de sangue) pelo chão, mau cheiro, podridão, moscas. Nada parecia lembrar o asseado estudante universitário do passado. A polícia já estava atrás de Mark há alguns dias. 

Ele foi visto saindo, praticamente nu, de uma das cenas de crime. Ali perto, a poucos metros, jazia o corpo de uma jovem que havia sido literalmente estraçalhada por uma selvageria poucas vezes vista. Assim o novo inspetor já sabia por quem procurar. 

Ele começou uma série de investigações e descobriu alguns fatos interessantes. Mark há muito já não frequentava as aulas na universidade. Estava sempre apresentando um comportamento estranho, esquisito. Não falava mais com os velhos amigos, parecia perturbado da mente e do corpo. 

Seu cheiro ruim passou a ser comentado por colegas de classe. Ele não conseguia mais prestar atenção às aulas e fugia das provas. Numa dessas ocasiões chegou a quebrar um lápis bem no silêncio do teste. Aquilo chamou a atenção de todos. Ele apenas se levantou, jogou a prova no chão e se foi, grunhindo algumas palavras que ninguém entendeu.

Parecia estar sempre suado, enervado, colérico. O menor sinal de aborrecimento levava à ira. O menor comentário que ele considerasse ofensivo... partia para cima de quem dissesse tais palavras. De jovem calmo, sereno, amigo, culto, passou a ser visto como um sujeito rude, grosso, ignorante. Estava sempre vermelho, prestes a explodir. Era irascível, brigão... parecia estar sempre em busca de briga. Virou um valentão nos corredores da universidade. Destruiu sua imagem, virou uma paródia de si mesmo. Esse foi o quadro que surgiu de diversas entrevistas com outros estudantes.

Na carta que foi encontrada dentro de seu quarto, o inspetor descobriu mais sinais de que ele poderia ser o assassino selvagem e mordaz que estava há tempos procurando. A carta estava amassada, quase rasgada. Foi encontrada dentro de um balde onde o estudante jogava fora suas anotações. Era algo bem bizarro ter encontrado aquele manuscrito no meio de um monte de outras folhas de estudo. Ele estava com a mente alterada, por isso não devia se esperar por algo lúcido.

A carta tinha o seguinte teor: "Carta a um amigo. Estou muito mal nos últimos dias. Tenho passado por sintomas estranhos. Tenho momentos de delírio e loucura. Alucinações passam pela minha mente. Eu me vejo como um lobo no meio da floresta, correndo entre as árvores, caçamdo pequenos e grandes animais. Sinto uma vontade imensa de consumir carne... humana! Quero matar, quero dilacerar... não sei o que está acontecendo comigo. Acima de tudo quero registrar no papel o que se passa em minha mente nesse momento tormentoso de minha vida!” 

Em um raro momento de lucidez nos últimos dias foi até a biblioteca da universidade em busca de respostas. Nos livros de medicina encontrou algo que poderia ser a resposta para suas muitas perguntas. A palavra que poderia lhe salvar era: licantropia! É isso, decidiu ir atrás de um especialista, atrás de cura... precisava se curar! 

Pablo Aluísio.

O Lobo da Escócia - Parte 5

A Revelação
Jack abriu os olhos. Estava exausto da noite anterior. Cada músculo de seu corpo doía. Não era algo de se admirar. A tensão de enfrentar dois monstros ao mesmo tempo cobrara seu preço. Jack quase não conseguiu se levantar. Ele, após certo esforço, finalmente ficu de pé. Colocou um pouco de água para ferver e tomou seu café da manhã. E saiu da cabana onde morava para fumar um pouco. Ele tinha que fumar pela manhã para começar bem o seu dia. 

Ele estava ansioso. Queria comprar o jornal daquela manhã. Se tudo desse certo, ele leria em primeira mão a notícia da morte do jovem Mark. A polícia teria encontrado seu corpo no meio da floresta. Estaria nu e alvejado por balas. O lobo cinzento também estaria morto nas previsões do velho Jack. Essa pelo menos era a sua esperança. Provavelmente o lobo cinzento era algum vagabundo que rondava aquela região, por isso sua identidade nunca seria descoberta com certeza.

Assim ele esperava acontecer, mas...

Ao abrir o jornal levou um susto e tanto. Um corpo havia sido encontrado na floresta, como ele previra. Só que não era de Mark e nem de um vagabundo.. Nervoso, começou a ler a notícia... era inacreditável... O texto dizia:

Urgente: Corpo do Inspetor Robertson é encontrado no meio da floresta!
A polícia do condado ainda busca provas da morte do inspetor Robertson da chefatura de polícia. Segundo informações preliminares ele foi assassinado com vários tiros. O que intrigou os policiais de sua própria delegacia é que as balas encontradas em seu corpo são todas de um tipo de fabricação diferente! São balas folheadas com prata! Quem teria matado o veterano policial?... são muitos os suspeitos, mas nenhuma prova concreta ainda foi encontrada!"

Jack não podia acreditar naquilo. O Lobo Cinzento era na verdade o inspetor Robertson!!! 

Era chocante, algo que o impressinou muito!

De dia ele defendia a lei, para nas noites de lua cheia se tornar um monstro, uma fera irascível e assassina. 

Só que essa informação era de conhecimento apenas de Jack. Ninguém, nunca, iria saber a verdade. As investigações seriam feitas, mas ninguém iria saber que o antigo inspetor era na realidade um ser amaldiçoado das noites escuras. 

Mas e Mark?... Nada havia sobre um segundo corpo. Jack levantou várias hipóteses em sua mente. Será que ele teria ido para o condado vizinho e lá morrido em alguma ravina inacessível? Será que foi embora para nunca mais voltar?...

O que de fato teria acontecido?

O Uivo do Lobo
Mark não morrera. As balas usadas pelo coveiro não tinham o teor necessário de prata pura para matar o lobo, apenas para suspender por um curto período de tempo sua transformação. O velho coveiro não teria dinheiro mesmo para comprar prata de alto nível de pureza. Mark estava vivo. Ele recobrou sua consciência levando as mãos em seu rosto. Sentiu como se 1 tonelada estivesse pressionando sua cabeça. Era uma dor terrível, mas ele havia retomado a consciência de si mesmo, de onde estava. As roupas rasgadas, sujas, cheias de lama... sangue coagulado em seus braços e mãos. Aquela noite que passou havia sido mesmo uma noite infernal, sob todos os aspectos.

Mark então se levantou. Ele ainda cambaleava, procurando por uma direção. Por sua sorte foi visto por uma jovem colega da universidade de medicina. Ela ficou horrorizada com o que estava vendo. Mark estava em frangalhos, ou melhor dizendo, suas roupas estavam esfarrapadas. Naquele momento parecia o mais imundo escocês do mundo - mais sujo do que os mendingos que andavam pelas ruas da cidade. Sua conhecida (veja bem, não era sua amiga, mas eles se conheciam), correu e usou o grande lençol que estava usando para seu pic-nic para cobrir Mark.

- Meu Deus! O que lhe aconteceu? - Isabel estava em choque. Mark não respondeu. Ele tinha problemas de se manter em pé. Imediatamente entrou na carruagem da amiga que o levou até um pequeno hotel nas vizinhanças. Mark mandou comprar roupas novas e depois de um longo banho estava novamente apresentável. Parecia finalmente um ser humano.

Ele se deitou na cama e ficou pensativo. O que havia acontecido mesmo? Ele tinha lapsos de memórias, apenas momentos breves surgiam em sua mente. Suas lembranças tinham cheiro e gosto. Cheiro e gosto de sangue humano. Lembrava de lutas, suor, fedores, adrenalina destroçando sua mente. Eram lembranças do momento em que se transformava em um monstro, em um lobo.

Como todo rapaz de sua geração ele também conhecia a lenda dos lobisomens. Era algo bem explorado por livros de bolso, publicações sensacionalistas. Era pulp fiction por excelência. Só que Mark também sabia que algo havia lhe acontecido. Verdade ou mentira, lenda ou realidade, ele sabia que algo havia lhe atingido. Sua mente de médico (ou de quase médico, já que ele ainda não havia se formado) se colocou a pensar. 

Ele poderia estar contaminado por algum vírus nunca estudado pela ciência médica. Ele poderia estar passando por alguma doença desconhecida. Virar simplesmente um monstro não era algo que lhe parecia crível. Era algo insano, fora de realidade, coisa de gente ignorante das pequenas vilas de interior. Mark tinha que achar a resposta, antes que fosse tarde demais...

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O Lobo da Escócia - Parte 4

O Monstro
Mark virou-se e saiu, meio tonto pelas ruas molhadas pela chuva. Foi uma imersão traumática para ele, do ponto de vista psicológico. Isso porque ele amava Katja, mas ela agora não passava de um cadáver. Ele queria saber o que tinha acontecido, o velho até estava disposto a lhe dizer, porém não naquele momento. O coveiro iria se inteirar dos acontecimentos. Saber o que havia mesmo acontecido. Caso Mark começasse a apresentar um comportamento estranho, o velho estava disposto a usar seu rifle para dar um tiro em sua cabeça. Mais uma criatura metade lobo, metade homem, seria demais para aquela pequena cidade.

Mark foi se recuperando aos poucos. A cada dia ele ganhava uma dose de normalidade. Começou a beber muito, na maioria das vezes para superar o trauma da morte de Katja. Era algo que ele não conseguia entender. O que havia acontecido naquela noite? Uma fera saindo das sombras, atacando as pessoas em um cemitério, durante uma noite de luar? Não fazia muito sentido. Era algo complicado de entender. Muitas perguntas ficaram sem respostas. Tudo havia ficado pelo caminho.

Numa tarde recebeu a visita do inspetor da cidade. Ele estava investigando a morte de Katja. Queria saber como ela havia morrido. Mark não tinha muito o que esclarecer. Ele mesmo tinha muitas dúvidas sobre tudo. Se alguém estava em busca de respostas era ele mesmo. O velho policial não gostou da atitude de Mark. Achou ele evasivo e fraco em seu depoimento. Desconfiado, colocou Mark na lista de suspeitos. Ele era um jovem rico, estudante de medicina, de uma ótima família tradicional, mas nada disso impedia de quem sabe ser indiciado pelo crime.

Durante a primeira semana após o ataque Mark foi notando algumas diferenças. Ele não conseguia mais se concentrar nas aulas e tinha tonturas e crises de vômitos, todos os dias isso acontecia. Ele estava tão deprimido que ignorou os sinais que seu corpo estava lhe passando. Outro fato também o deixou perplexo. Sua fome aumentou consideravelmente. E não era uma fome como outra qualquer. Era algo voraz. Ele não se satisfazia com o que estava acostumado a comer todos os dias. Agora Mark queria grandes fatias de carne, e se essas fossem sangrentas, muito melhor!

Ele passou a frequentar o restaurante especializado em assados e caças. Ele nunca havia ido muito por lá, mas agora era uma necessidade vital que sentia. Mal as aulas caminhavam para o final e ele já estava nos corredores, correndo em direção à comida. Queria comer, comer, comer, muito carne, sempre, sem intervalos. Virou algo obsessivo e doentio. Seus colegas de faculdade logo notaram isso. E mais de uma vez surgiu na classe com a roupa suja de sangue da carne que havia comido. Logo ele, um verdadeiro dândi no modo de vestir. Agora parecia o porco de um açougueiro... o que estava acontecendo?

Ele também passou a desenvolver uma sexualidade fora do controle, lasciva, absolutamente lasciva. Seu ideal de mulher do ponto de vista sexual era Katja. Ela era uma mulher baixinha, mal chegando aos 1.60 de altura, porém como muitas mulheres desse tipo ela tinha um corpo maravilhoso, muito bem torneado, bem distribuído. Tinha pernas maravilhosas e um bumbum que faria qualquer padre deixar a batina. Mark só penava nela nua em sua cama. Mesmo quando tentava asistir ás aulas sua imagem vinha sempre em sua mente. Por isso passou a se masturbar com uma freqüência absurda!

Também começou a literalmente feder pois sua higiene pessoal começou a desaparecer. Estava sempre mal arrumado, barba por fazer, cabelos despenteados. O rapaz que em um passado muito recente despertava o interesse de suas colegas universitárias agora gerava comentários e fofoquinhas pelo fato de cheirar mal. Definitivamente algo estava acontecendo com ele. 

Na primeira noite de lua cheia após o ataque veio a revelação! Ele começou a passar muito mal no pequeno quarto da faculdade onde residia. Parecia que sua pele queimava por dentro. Mark pensou que estava passando por algum tipo de crise alérgica que desconhecia. Não, era algo bem pior. Ele estava se transformando. Passou a ver pessoas mortas de seu passado como sua avó, há muito falecida! Era atroz, além de estar sentindo problemas físicos poderia perceber que seu psicológico também estava se comprometendo. Ele tinha consciência do que vinha acontecendo, mas uma força poderosa em sua mente também o impedia de procurar por algum tipo de ajuda...

O estudante de medicina Mark estava se transformado em um monstro. Nas noites de lua cheia, ele perdia a consciência humana e se transformava em um lobo feroz, uma fera em busca de carne! A fome era insuportável, assim qualquer coisa que se mexia era atacada ferozmente. O lobo causou pânico e terror por onde passava. A polícia já sabia que algo estava acontecendo. Era raro não aparecer o corpo de algum animal de pequeno ou médio porte ao amanhecer. Algo estava fora de controle e sedento por sangue.

O velho Jack, o coveiro, sabia muito bem o que ocorria. Ele entendia a lenda. Os eruditos se recusavam a acreditar em lobisomens. Isso era coisa de gente ignorante do interior. Mas Jack, um velho experiente, que não se surpreendia com nada, bem sabia o que se escondia por trás das sombras. Ele então decidiu que iria matar o monstro. Lamentava que com isso também iria eliminar Mark, mas isso era algo que não poderia mudar. O ser humano teria que ser sacrificado com a morte da fera. A bestialidade não poderia mais andar à solta nos bosques.

O que ninguém sabia é que Jack já havia tratado com esse tipo de coisa antes. Ele era muito interessado em ocultismo e sabia que forças sobrenaturais agiam no mundo material que conhecemos. Para lobisomens apenas balas de prata eram eficientes. Ele então foi até o amigo que trabalhava com forjamento de metais e pediu que ele fizesse um conjunto de seis balas de prata. Uma vez armada com o tipo ideal de munição se colocou à moita, esperando Jack passar na madrugada. Ele conhecia a rotina do jovem.

Estava pronto para fazer o que tinha que ser feito. Aquele velho já havia sido um jovem em um passado muito distante. Um jovem com muitos sonhos de vida, muitos deles que nunca se realizariam. Esse tipo de frustração pessoal forjou um homem que sabia que havia momentos cruciais na vida. Era momento de ser pragmático, de agir, custe o que custasse. 

Numa noite avistou, muito ao longe, o lobo se alimentando de uma pobre ovelha. A noite era iluminada pela lua cheia e ele conseguiu enxergar naquela silhueta ao luar a figura transformada de Mark. Não havia mais dúvida. Aquele ser bestial tinha que ser eliminado e ele faria isso – estava completamente decidido sobre isso. Nada de policiais, nada de caçadores profissionais. Ele iria resolver aquela questão. 

A Noite
Na noite ideal ele começou a seguir os passos de Mark. Ele parecia meio desorientado quando adentrou o bosque da região. Com as mãos no rosto mal conseguia ficar em pé, então caiu. A transformação iria começar. Em poucos minutos sua feição começou a mudar. Era uma transformação dolorosa e insana. 

O velho Jack se agachou e foi andando devagar em direção a gruta onde Mark eestava se transformando. Ele foi se transformar em um lugar bem próximo do velho cemitério onde Jack trabalhava e isso o deixou completamente surpreso. O que diabos estava acontecendo... Isso lembrou velhas histórias que tinha ouvido no passado, uma delas dizia que os lobos monstros sempre procuravam pelos lugares onde tinham sido atacados, quando eram seres humanos. Pelo visto não era lenda e a história parecia se confirmar...

Para surpresa do velho não havia apenas um Lobo, mas dois! O segundo, o velho lobo cinzento, o original, entrou na gruta e passou a andar lentamente em volta de Mark que se contorcendo no chão, ia aos poucos perdendo suas características humanas. Primeiras mudanças surgiam nas pupilas, agora com tonalidades indo ao amarelo forte. Depois o crescimento voraz de pelos por todo o corpo. 

O velho lobo cinzento apenas observava a transformação, com dentes cerrados, a saliva descendo por sua boca em direção à areia quente... Se não fosse um animal irracional o velho Jack poderia até mesmo afirmar que aquela fera estava sentindo um certo orgulho de sua criação. 

A transformação ocorria em uma velocidade extremamente rápida. Em pouco mais de dez minutos o ser humano Mark já tinha se transformado em algo diferente, em um bicho real, que se levantava do chão e começava a perceber a presença do outro lobo ao redor. Jack poderia pensar que haveria uma briga feroz entre os dois monstros, mas para sua surpresa Mark se abaixou, em sentido de clara subordinação ao lobo que o havia atacado no passado. Agora ele fazia parte da alcateia, tinha que mostrar total submissão ao macho alfa, caso contrário seria atacado e muito provavelmente morto pelo seu agora mestre selvagem.

 Jack entendeu que havia chegado o momento de agir. Não havia mais como esperar, ou então ele seria atacado por aquelas duas bestas ferozes. Ele então se posicionou, colocou as balas no rifle e fez mira.

- Morram, enviados do diabo... morram! - Foram suas únicas palavras.

O estampido do tiro espantou os corvos. O tiro não foi certeiro, atingindo apenas o ombro da fera alfa. Essa deu um pulo de sobressalto, procurando pelo atirador. Os olhos vermelhos de ira denunciavam que o ser humano não existia mais, apenas a besta.

Então o velho Jack mirou com capricho no coração daquela besta cinzenta. Houve um uivo forte que atravessou a madrugada . Jack não esperou pelo pior, apertou o gatilho. A bala acertou em cheio...

Um ruído assustador cortou a madrugada. A fera, sentindo a ferocidade do ataque... se voltou e correu em direção ao bosque. Estava sem dúvida, ferida. E não tinha forças naquele momento para atacar Jack. O lobo cinzento saia em retirada rápida, não queria ficar para ver o que lhe aconteceria. 

Mais um tiro, nas costas. Três balas de prata já cravavam o corpo do monstro.

O animal então desapareceu na escuridão da noite. Estaria abatido ou mortalmente ferido? Naquele momento de tensão, não havia como raciocinar direito, apenas se lutava pela sobrevivência...

O velho Jack então mirou suas atenções para Mark, totalmente transformado, pronto para atacá-lo. Jack deu um tiro e errou... O lobo jovem era muito rápido... puxou o gatilho e deu um novo tiro... outro erro.... finalmente no terceiro conseguiu atingir Mark. 

Foi um tiro forte, dado a curta distância, que abriu um verdadeiro buraco no corpo do lobo. Agora era torcer para que a morte viesse para o monstro, pois não tinha mais balas...  Vendo o perigo, Jack recuou, o lobo parou e olhou em seus olhos. 

O velho sentiu a presença de Mark ali. Pensou que o pior estava por vir, que Mark o atacaria, mas para sua surpresa, isso não aconteceu. Assim como acontecera com o lobo cinzento, Mark também virou as costas e correu em direção ao mato, sangrando, mas não parecendo ter sido atingido de forma fatal. Ainda estava rápido e feroz, com boa disposição. Não demorou e desapareceu pela noite adentro. 

Jack não perdeu tempo e foi embora do lugar. Alguém poderia ter ouvido os tiros. Ele não queria ser acusado de assassinato.

E ali naquela lareira abandonada, iluminada apelas pela luz opaca da Lua, o jovem Mark começou a ressurgir. Ele estava muito ferifo, com as roupas rasgadas, o ombro nu, sangrando... Mas estava vivo... era o que importava...

Pablo Aluísio.

O Lobo da Escócia - Parte 3

Fúria
Naquele mesmo fim de semana, Mark finalmente resolveu que iria até o cemitério, tarde da noite. Queria ver o que se passava. Já meio embriagado, ele partiu ao lado de Katja pelas ruas escuras da cidade.

- Vamos encontrar seu tio – vamos lá! – gritava Mark enquanto caminhava. Ele via as pedras das calçadas brilhando ao luar.

- Fale baixo, cala a boca, vão nos prender por arruaça – devolvia Katja com os braços de Mark em seus ombros.

Ele tinha uma garrafa de whisky numa das mãos e na outra segurava Katja com força. Imaginem o escândalo caso sua nobre família o visse daquele jeito. O tio de Katja estava de plantão naquela madrugada. Era a velha história dos adeptos de ocultismo e paganismo invadindo o cemitério de noite para fazer seus rituais. Havia até mesmo adeptos de uma nova linha religiosa francesa, que havia sido compilado em um livro de sucesso chamado “O Livro dos Espíritos”. O autor? Um professor desconhecido que havia adotado o nome de Allan Kardec.. O velho professor acreditava em toda aquela nova doutrina baseada na existência de espíritos de pessoas falecidas. A consciência que sobreviveria até mesmo à morte física. Era uma nova idéia que intrigava as pessoas daqueles tempos. 

A entrada no cemitério foi tranquila. Os velhos portões enferrujados estavam entreabertos.  Era um velho cemitério decrépito, com suas antigas lápides, encobertas por vegetação rasteira. Aquelas pessoas tinham morrido há muitos anos. Provavelmente seus familiares também estavam mortos. Assim não havia mais quem se importasse com os túmulos. Com o abandono a natureza voltava a tomar conta. Após a morte, o esquecimento é um fato que virá, mais cedo ou mais tarde. É o trágico destino de cada pessoa que viver nesse mundo.

Era aquele clima de abandono e solidão. Aqueles nomes nas pedras já não significavam nada para ninguém. O tempo, senhor de tudo, já havia de certo modo apagado da memória dos vivos a história daquela gente que jazia sete palmos abaixo da terra. Quem foram? Quem eram? Quais eram suas personalidades? O que faziam quando eram vivos? O que pensavam? Tudo havia se perdido nas areias do tempo. Dizem que nenhuma alma se apaga. É uma visão romântica. A maioria das pessoas terá suas memórias apagadas para todo o sempre. As ditas pessoas comuns serão esquecidas. Suas pegadas serão apagadas. Nem seus descendentes vão se lembrar delas após alguns anos. A morte é a morte também da lembrança, da memória.

E no meio desses pensamentos melancólicos Mark e Katja foram adentrando pelas ruelas do velho cemitério decrépito. Ela olhava acima dos ombros em busca de seu tio. Ele, meio bêbado, não estava preocupado. Tinha o calor do corpo de Katja ao seu lado. Era tudo o que ele queria na vida, no final das contas. Foram andando, andando, de vez em quando se lia algum nome de algum morto até que...

Eles ouviram barulhos. Pareciam tambores. Parecia gente cantando uma música estranha. Eram os pagãos, com certeza. Mark colocou o dedo sob a boca, fazendo aquele gesto de “silêncio” que todos conhecemos. Havia uma fogueira, se via pela claridade do fogo no meio da escuridão da noite. Mark e Katja foram em sua direção, se agachando um pouco para que ninguém os visse. Era um misto de aventura, mistério, tudo junto. Embiaguez de sentidos.

Ao subirem o pequeno morro viram então a cena. Eram de cinco a seis mulheres. Elas dançavam ao redor do fogo. Gritavam e cantavam numa língua estranha. Parecia um velho idioma dos druidas. Era obviamente uma cerimônia antiga, uma coisa de invocação de espíritos da natureza. Era o que os antigos costumavam chamar de bruxaria. Se fosse ainda os tempos da santa inquisição aquelas mulheres seriam queimadas na fogueira com toda a certeza.

Elas pareciam invocar o nome de deuses ancestrais. Nomes que Mark desconhecia, mas que soavam um pouco familiares. Eram nomes de deuses caídos, ditas por seguidoras de divindades antigas que a igreja tentou apagar por séculos. O que aquelas mulheres queriam com aquele ritual? Era exótico, estranho, tudo ao mesmo tempo. Claro, havia ali também um prato servido para sociólogos e teólogos em geral. Afinal ver um bando de mulheres nuas dançando em volta de uma fogueira, com instrumentos desconhecidos nas mãos, invocando antigos nomes de deuses, definitivamente não era algo que se via todo dia.

Na realidade aquelas mulheres pagãs cultuavam as forças da natureza. A força das árvores antigas da floresta, do espírito dos animais selvagens, inclusive daqueles que já não existiam mais. O homem, um ser frágil, na realidade, mal conseguia compreender a força que provinha da natureza. Fazia todo o sentido. Tudo era natureza, desde o mais simples organismo, até os grandes astros do universo. Não havia na existência forças maiores do que essas. 

E entre o conhecido e o desconhecido pela ciência, realmente existia uma grande esfera de criaturas ainda não estudadas pelos cientistas. E essas criaturas estranhas pareciam reagir bem àqueles rituais, talvez algo inerente ao seu próprio organismo. Algo herdado de seus ancesttrais mais remotos na história. Antes mesmo do surgimento do homem no continente europeu. 

Até que Mark ouviu um barulho vindo do meio da escuridão das árvores. Parecia uma fera grunhindo de fúria perto de atacar. Era um rosnado aterrorizador, é verdade. Mark colocou as mãos sobre o paletó e percebeu que estava totalmente desarmado. Se aquele bicho resolvesse atacar, ele não teria nem ao menos como se defender... Se havia momento para ter medo, bom, aquele era a hora certa para isso...

O Lobo Cinzento
 Chorem crianças da noite, chorem! - Mark conseguiu ouvir essa ladainha bem no meio da tensão. Uma criatura estranha o enxergava por entre as árvores. Árvores de cemitério. Velhas, longas, sinistras... Um velho lobo cinzento com as marcas de luta por todo o seu corpo! O animal foi se aproximando, mas ainda sem se revelar. Era algo não natural. Parecia um lobo, mas de porte extremamente avantajado. E aqueles olhos vermelhos, bem, aquilo não lhe parecia familiar? Era a ponte entre o mundo natural e o sobrenatural. A fúria e a violência. Nada de paz provinha daquele bicho.

Então ele se colocou por fora das sombras. A luz do luar iluminou a cabeça daquela insana visão. Mark ficou em alerta. Ele não queria fazer um gesto brusco porque isso poderia assustar aquela criatua da noite! E então o animal começou a rosnar, a rosnar, era o prelúdio de um ataque iminente. Mark percebeu que tinha apenas alguns segundos e então... o pulo fatal!

Ele se esquivou, mas não escapou de ser machucado pelas garras da fera. O sangue escorria em seu ombro. Mark então se abaixou e pegou uma pedra enorme, provavelmente pedaços de uma lápide secular. Ele ficou jogando a imensa pedra de mão em mão, olhando a besta nos olhos. Era uma dança corporal que passava a mensagem que haveria reação, que caso fosse atacado ele iria revidar. Besta dos infernos ou não, cão de Satã ou não, haveria luta. Mark, cerebral, agiu como se tivesse pronto para a guerra com seu opositor.

O animal deu uma segunda investida e cravou os dentes no ombro de Mark. Ele caiu ao chão, viu de perto os dentes da fera pingando com seu sangue. Com adrenalina a mil, nem pensou duas vezes e bateu a pedra na cabeça do bicho. Deu certo. A pancada surtiu efeito e o monstro saiu em retirada. A violência e a força do ataque acabaram chamando a atenção de todas as pessoas que estavam no cemitério, até mesmo das garotas pagãs que se vestiram e saíram correndo em direção a Mark para prestar socorro.

Ele caído no chão, com a roupa rasgada e o sangue escorrendo pela camisa.  

- O que aconteceu? O que aconteceu? - gritavam as aprendizes de bruxas pagãs. 

- Fui atacado por um lobo! - Respondeu Mark, ainda desnorteado pelos acontecimentos. Apoiado nas meninas, ele se levantou. Sacudiu para tirar a areia. Areia de cemitério. A mesma que era jogada em cima dos caixões putrefatos dos corpos sem vida. Então as garotas o levaram até o portão. Só que havia um problema;. Mark parou, olhou para trás e gritou: 

- Katja, onde você está? – E não houve qualquer resposta...

Depois disso a perda de sangue cobrou seu preço. Mark se apoiou em uma velha lápide do cemitério. Não parecia ter mais forças nas pernas e nas mãos. O sangue escorria por seu corpo. Aos poucos foi perdendo a consciência... O mundo ia ficando escuro... a visão embaçada... Por fim a escuridão completa... o vazio, o vão sem fundo...

Mark acordou no hospital. Ele estava mal. O animal que o atacou gravou os dentes em seu ombro. O ferimento foi feio. Rasgou a pele e danificou várias veias e músculos. O quadro não era bom. Ele ardia em febre. Seu pai ficou espantado ao saber das circunstâncias do ataque. O que diabos Mark estava fazendo em um cemitério? Que bicho o atacou? Por que ele não avisou sua família? Eram questões que todos se perguntavam.

Mark ficou doente e febril por três dias seguidos. Coisa grave. Só que para espanto dos médicos, após o terceiro dia ele teve uma melhora espantosa. O ferimento deixou de inchar e um risco de infecção foi descartado. No quarto dia ele parecia muito bem. Sentou na cama, andou pelo quarto, falou alegremente com os familiares. Parecia ter se recuperado bravamente! Até o corpo médico que o atendeu ficou surpreso! Era caso de entrar nos estudos da medicina.

No sexto dia Mark pegou sua camisa, seu casaco e saiu do hospital. Os médicos não lhe deram alta. Ele se deu alta. Acordou, lavou o cabelo, escovou os dentes e se foi. Sua primeira parada não foi na casa dos pais, mas na de Katja. Ele estava preocupado com ela. O que aconteceu com a garota pela qual ele tinha tantos sentimentos? Ele estava muito preocupado, porque em suas lembranças difusas, ele a viu sendo brutalmente atacada pelo bicho. Aquilo havia acontecido mesmo ou era fruto de uma mente em delírios, após a grande febre que teve no hospital?

 A notícia não foi nada boa. Jack, o velho coveiro, tio de Katja, lhe deu a terrível verdade.

- Katja está morta! - O velho era duro, sua profissão lidava com a morte, mas agora ele estava realmente entristecido.

- Meu Deus! Eu não acredito! - Mark, com lágrimas nos olhos, não conseguia acreditar. Ele se abaixou e ficou ema posição que mostrava sua vulnerabilidade emocional.

- O lobo a matou. Ele não resistiu aos ferimentos... Filho, lamento... lamento... - O tom do velho Jack era estarrecedor.

- Não, não... não... - Mark não conseguia acreditar no que estava ouvindo...

O  velho coveiro então percebeu que Mark tinha pedaços de curativos saindo por seu casaco. Ele percebeu que Mark tinha sido ferido também pela criatura. Isso não era um bom sinal, pelo contrário, era um péssimo indicativo. O velho acreditava em velhas lendas... como a de homens que viravam feras em noites de lua cheia. Para ele o ataque do "lobo" nada mais era do que o ataque de um "lobisomem" e como tal isso condenaria a vida de Mark para sempre. Se em algum momento, durante o ataque, seu sangue teve contato com o sangue do monstro feroz, então ele também estava condenado.

Pablo Aluísio.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O Lobo da Escócia - Parte 2

A Universidade de Medicina
Mark retornou para a universidade pela segunda de manhã. Era a volta à velha rotina estudantil. De fato o curso de medicina era extremamente puxado, um choque de realidades envolvendo a esbórnia dos fins de semana e as aulas intermináveis da semana. Para aliviar um pouco o stress de passar o dia correndo pelos corredores, indo de uma sala de aula a outra ele se reunia com seus amigos na parte da noite na área externa do campus. Ali eles bebiam um pouco, conversavam sobre o mundo, recitavam poesias. Gostavam de se ver como um clube de literatura. Membros da fina flor intelectual escocesa, era natural que levassem aquele estilo de vida dândi. Todos adoravam Lord Byton e conversavam sobre sua história pessoal fora dos padrões. Era o ídolo dos jovens da época. 

Ao lado de Mark estavam sempre seus bons amigos, John Robinson e William Clark. Todos jovens como ele, ali na faixa dos vinte e poucos anos. Tinham a vida toda pela frente. Robbie e Bill (seus apelidos dentro do grupo de amigos) sempre ficavam intrigados e interessados nos relatos de Mark. O que ele teria aprontado no fim de semana? Nesse dia em particular Mark tinha mesmo muito o que contar. Ele havia conhecido o velho tio da garçonete pela qual ele era apaixonado. Um senhor que trabalhava como... o coveiro da cidade! Estranho, muito estranho.

Porém a ideia ali era mesmo relaxar, contar algumas piadas, ouvir histórias bizarras, tudo para passar o tempo. Mark lhes contou que o velho havia flagrado pessoas andando pelo cemitério na madrugada, fazendo rituais de velhas seitas pagãs. Robbie, assim como havia ficado Mark, simplesmente não acreditou que ainda havia paganismo na Escócia! Era surreal. Aliás, eles como estudantes de medicina, estavam obviamente mergulhados em pura ciência. Sentimentos religiosos eram encarados como crendices populares, uma herança distante de um tempo que para esses jovens que se sentiam imortais não trazia mais nenhum sentido. Talvez apenas uma curiosidade sociológica. Nada mais do que isso.

Robbie provocou. Quem sabe eles não poderiam por pura farra ir para o cemitério à noite para ver com os próprios olhos esses "medievais". Seria divertido, engraçado, bizarro, tudo ao mesmo tempo. Além disso, ia trazer uma anedota para que eles pudessem contar pelo resto de suas vidas. A ideia empolgou os dois amigos, mas Mark ficou com um pé atrás. Afinal o velho coveiro era o tio da garota pelo qual ele estava caidinho. Valia a pena se queimar assim? Só pela farra de seus colegas de universidade? Era muito arriscado, mas nessa idade quem pensa com seriedade? É um jogo divertido de cartas meu caro.

A semana transcorreu sem maiores problemas. Havia muitas aulas e naquele semestre em particular Mark estava prestando praticamente todas as matérias sobre anatomia. O corpo humano o fascinava. Ele tinha aquela máquina da natureza como um conjunto perfeito o que em sua opinião exigia a presença de um criador. Anos antes do advento da inteligência de design, Mark já ficava pensativo sobre tudo o que aprendia. Desde a menor célula, até o mais bem organizado e complexo membro ou órgão, tudo tinha sua função. Não havia espaço para o inútil dentro do nosso corpo. Era fabuloso. Para Mark havia uma inteligência por trás de tudo aquilo. Não poderia ser mero acaso, definitivamente não haveria como!

Durante a semana Mark se comportava como um estudante de medicina exemplar. Ele tinha boas notas, era considerado um aluno inteligente pelos professores e se revelava uma pessoa bem sociável entre os colegas de universidade. E freqüentar uma universidade naquela época era mais do que um privilégio. Era um verdadeiro sinal de que assim que formado haveria empregos, bons salários e um futuro promissor pela frente. E para isso não era necessário ser o mais inteligente dos homens. Se o jovem médico optasse por morar no interior, em pequenas cidades, ele também teria uma vida de privilégios, pois os médicos eram ao mais bem pagos por onde passavam. Era uma vida cheia de promessas no futuro, um sensação de sucesso enchia a todos de orgulho.

Claro, naquele meio também existiam os patifes, os pequenos canalhas e os assumidamente escroques. Todos eram, em maior ou menor grau, filhos da elite escocesa, pois o curso exigia vários anos de estudo e era necessário para isso uma família abastada e rica por trás. Os livros custavam pequenas fortunas e manter um estudante de medicina naquele tempo custava caro. Só as famílias mais ricas podiam dispor desse privilégio.

E no plano de futuro brilhante também havia a expectativa que o jovem médico escolhesse uma bela dama para se casar. Uma moça de família de sobrenome, a mulher que seria a ideal para um jovem médico em começo de carreira.

Era justamente isso que Mark mais temia. Ele era apaixonado por Katja, a garçonete sobrinha de um coveiro. Impensável para sua mãe ter uma nora assim. Ele podia inclusive ouvir a voz de sua mãe berrando em sua mente numa hipotética situação dela um dia vir a descobrir tudo. Era enervante. A mãe dominadora provavelmente teria um colapso nervoso caso viesse a saber que Mark, seu filho motivo de orgulho, era apaixonado por uma mulher como aquela. E o que dizer de seus excessos na bebida?

Conforme a semana ia chegando ao fim Mark começava a salivar, a sentir um enorme desejo de tomar uma bebedeira. Ele sabia que isso era sintoma de que provavelmente ele iria desenvolver nos próximos anos um alcoolismo crônico. Porém é a tal coisa, quando se é jovem e se tem o futuro pela frente, tudo é possível, nada parece ser trágico, cinza ou negro em seu futuro. Tudo parece brilhar, é claro. Só que contra fatos não há argumentos. Mark sentia a abstinência. Assim quando mal acabavam as aulas na sexta-feira pela tarde, ele corria, subia em uma carruagem e ia para o interior, freqüentar as piores e mais esfumaçadas tabernas. Ele queria se esbaldar, com muito álcool, sexo pago e aquele clima de vida boêmia decadente e depravada que ele tanto amava.

E sim, havia ainda Katja, seu amor proibido. Mark não via a hora de se deitar com ela, ficar enrolado em seus braços, sentir aquele cheiro de perfume barato que tanto o excitava. Era um paradoxo. Quanto mais Katja parecia vulgar e dissoluta, mais ele parecia se apaixonar por ela. Quanto mais ela quebrava convenções, mais ele se derretia. Psicologicamente era um portão de liberdade. Liberdade de se ver preso a semana inteira na imagem de jovem impecável, de jovem promissor. Ele queria a esbórnia, queria a embriaguez. Viver uma vida como Lord Byron, seu maior exemplo!

O Cenário do Crime
 Naquela manhã o pequeno diário da cidade estampava em sua página principal uma notícia bem perturbadora.  O corpo de uma jovem havia sido encontrada nos bosques, bem ao lado da propriedade rural do velho senhor McBride. O inspetor Robertson estava intrigado. Em mais de 40 anos de serviço policial ele não havia visto nada igual. Ela estava virada de bruços, havia sido atacada de forma avassaladora. Suas roupas estavam rasgadas e o cenário não era bonito de se ver. 
 
Sua mandíbula estava arrancada. O rosto ainda traia expressões de dor, de desespero. O velho policial chegou até perto do corpo, acendeu seu charuto e olhou ao redor. O ataque havia sido premeditado, feito de surpresa. O agressor ou o animal pulou em cima da vítima em questão de segundos. Não havia como se defender. O velho policial viu o lugar de onde o assassino surgiu pois as folhas estavam quebradas no meio da mata. E ali havia uma pequena trilha, pequena demais para um homem robusto, ideal para um lobo. 

Não demorou muito e reconheceu as pegadas da fera. Eram bem maiores dos que os camponeses estavam acostumados a ver. Se era mesmo um lobo então era de uma nova espécie desconhecida, ou então era de algum animal exótico que havia sido trazido ilegalmente para aquela região e havia fugido de seu cativeiro. Então a situação se colocou em seu ponto de vista. Era, pelo menos naquele momento, o ataque de um lobo selvagem, desconhecido da fauna comum que existia naqueles bosques. 

Ao perceber que um jornalista havia chegado ao lugar, o velho inspetor determinou que seus policiais agissem rápido, que levassem o corpo da mulher morta para o departamento de polícia. Mesmo com a pressa, não escapou de ser interrogado pelo repórter que queria novidades. 

- Inspetor o que aconteceu aqui, alguma informação para os leitores de nosso jornal? – Foi logo indagando o velho policial cansado da vida. 

O policial parou, acendeu o fogo de seu charuto e respondeu ao jornalista

- Eu vejo aqui um cenário de crime, talvez, de uma jovem mulher assassinada. Penso, em uma visão preliminar, que se trata de um ataque de um animal selvagem. Um animal com porte físico bem maior do que o normal. Não temos maiores informações do que isso. Só o tempo e as investigações vão revelar mais sobre esse caso – Finalizou o veterano, agora envolto nas nuvens de seu charuto. Então deu as costas e voltou para sua delegacia. Era um caso novo e muito complicado de se resolver, disso ele tinha plena consciência. 

Pablo Aluísio.

O Lobo da Escócia - Parte 1

Prólogo - Nos Tempos Romanos
Sempre existiram lendas e mitos nas terras altas escocesas. O clima frio e hostil e aquelas terras onde ninguém morava dava mesmo margem para o aparecimento desse tipo de história. Já nos tempos em que as ilhas britânicas estavam sob dominação romana, se dizia que nenhum legionário do império deveria subir muito ao Norte pois a morte o encontraria de forma certeira. Isso impressionou os comandantes romanos que apesar de formar uma casta de homens bravos, não se encorajavam a ponto de enfrentar forças sobrenaturais que eles não conheciam. 

Nessa época remota surgiu a história de Lupus, um monstro, meio homem, meio lobo. Dizia-se entre os romanos que certa vez uma patrulha foi muito ao Norte e acabou se perdendo naquelas terras sem fim. Com a chegada da noite, eles precisaram levantar acampamento para no dia seguinte tentar voltar para sua legião. Entretanto isso não iria acontecer. 

Não se trataria de um lobo selvagem comum, nada disso. Estava mais para um ser sobrenatural. Os romanos já tinham se deparado com esse tipo de lenda quando entraram nas florestas geladas da Germânia. Os povos bárbaros que lá habitavam diziam que existia uma entidade meio homem e meio lobo que vivia dentro das florestas mais escuras e que nenhum ser humano deveria adentrar seu território pois isso iria contra a vontade dos deuses. 

A velha lenda era interessante. Quatro soldados romanos acabaram em uma região aberta, perto de um lago de águas cristalinas. O lugar era bonito, afastado e selvagem. Não havia alma viva por perto, em quilômetros de distância. As altas montanhas ao redor deixavam claro que aquele era um penhasco de muitos ventos. Vento frio, de gelar a alma de qualque mortal. E os romanos não estavam definitivamente prontos e nem vestidos adequadamente para aquele tipo de clima feroz. Sem dúvida era necessária uma roupa melhor, com muitas peles, para agüentar aquele frio intenso. 

Apesar da situação nada calorosa, os romanos finalmente escolheram um lugar que acharam o mais adequado. Grupo pequeno, que precisava ficar atento. Um deles ficou de guarda pela madrugada. Não adiantou muito. Lá pelas três da manhã se ouviram os primeiros uivos. Aqueles soldados sabiam muito bem como soava um lobo na noite. Só que aquilo parecia diferente, uma mistura do som natural do lobo, com crianças chorando e nítidas sonoridades de um grito humano. Era de arrepiar. 

Não tardou muito para o pior. Eles foram violentamente atacados durante a madrugada. Uma besta caiu sobre eles de forma avassaladora. Muito se comentou sobre as forças que atuaram naquele ataque formidável. Dois legionários tiveram suas cabeças arrancadas, seus elmos destruídos. Um outro ainda tentou fugir em disparada, mas parou ao sentir que longas garras entravam em suas costas, arrancando seu coração. Um barbarismo como nunca se viu!

Nem o fato de estarem portando armas mortais, como espadas, lanças e escudos, ,serviu para que pudessem se defender. O ataque foi tão violento e rápido que mal conseguiram perceber o que estava acontecendo com eles! Parecia uma força vinda diretamente das entranhas do inferno. Aquele monstro não era natural, da natureza. Era algo pior, mais sujo, mais violento. De seus grandes dentes escorria uma baba pegajosa, muito mal cheirosa. Os romanos conheciam a Raiva, uma doença que atingia cães e lobos, mas aquilo era diferente. Era algo mais nocivo, mais putrefato, era o bafo da morte, o cheiro das profundezas do Hades. 

O ataque durou poucos minutos. Em questão de momentos, todos os legionários estavam mortos. Os corpos caídos ao chão foram dilacerados. Suas entranhas foram comidas com ferocidade. Aquele animal certamente estava com muita fome e não distinguia entre uma ovelha ou um ser humano. Tudo era comida e a fome era enorme. Havia também elementos de crueldade extrema, como amputações de pernas e braços dos militares. As armas ficaram para trás, no chão, sem serventia. Certamente aquele monstro era irracional. Se fosse o ataque de inimigos certamente as armas teriam sido levadas. E os romanos sabiam que havia tribos bárbaras naquela região, mas não era esse o caso.

Os romanos que chegaram no acampamento duas semanas depois ficaram chocados com o que encontraram. Restos de braços, pernas e equipamento militar espalhados por todas as áreas. A fera que os atacou não apenas tirou suas vidas, mas comeu parte de suas carnes. Canibais! Os romanos já tinham enfrentado todos os tipos de bárbaros ao longo de sua história, mas nunca tinham se deparado com nada parecido com aquilo. O comandante do grupo de resgate ficou chocado e amaldiçou o homem ou o animal que fez aquilo! Por Júpiter, nunca se vira algo assim antes!

Relatórios militares logo foram escritos e levados para a cidade eterna. Em Roma não se falava em outra coisa. Pelos becos da capital do império todos estavam comentando sobre monstros vivendo na ilha da Bretanha. Aquele lugar escuro, onde sempre parecia chover, realmente não era uma terra das mais amistosas. As lendas envolvendo monstros sempre fizeram parte da cultura romana. Dizia-se que os mares eram infestados de monstros marinhos. Só não se sabia até aquele momento que em terra também havia esse tipo de fera feroz!

Depois disso os romanos resolveram parar os avanços para o Norte. O imperador Adriano ficou particularmente chocado e mandou trazer os sábios do império para discutir sobre o assunto com ele. Estava intrigado com o que ouvira. Os sábios lhe disseram que essa história já havia sido contada antes quando legiões foram para a Germânia. Provavelmente seria o mesmo tipo de besta. 

O imperador Adriano ainda ouviu os sacerdotes dos templos de Júpiter. Eles relembraram de antigos mitos gregos como o Minotauro. O imperador tinha uma grande curiosidade sobre tudo o que dizia respeito à cultura grega. Por isso ouviu tudo de forma muito atenta. Certamente poderia ser um caminho a seguir. Provavelmente como o Minotauro aquela besta seria um castigo dos deuses contra alguma subversão dos homens que ali viviam, Os romanos apenas não tinham tido o conhecimnto de tudo o que havia acontecido. 

Finalmente depois de dias debatendo o tema com sábios e religiosos, Adriano finalmente se dirigiu ao Senado romano. Uma decisão política deveria ser tomada sobre o tema. E para isso ele precisava ouvir seus senadores. Deveria enviar mais tropas para o Norte ou recuar, decidindo que nenhum romano deveria mais colocar os pés naquelas terras amaldiçoadas, essa era uma dúvida válida naquele momento .

Adriano então sentou no centro do senado e ouviu seus senadores. Ouviu e ouviu de novo tudo o que cada um deles tinha a dizer. E levou em consideração todas as opiniões. Então ele tomou sua decisão e mandou erguer um muro para o qual nenhum romano deveria passar além. As muralhas de Adriano ainda se erguem em grande parte do Norte da Bretanha, no local basicamente onde está a fronteira entre a Inglaterra e a Escócia de nossos tempos. 

Foi uma forma de proteger seus soldados, seus exércitos. A Roma imperial estava pronta para enfrentar qualquer inimigo, de qualquer lugar remoto do mundo, mas o imperador não estava disposto a perder seus homens para feras desconhecidas, que pareciam ter uma grossa pele que resistia até mesmo a ataques de espadas e lanças. Ele não queria ir tão longe. Em se tratando da ilha da Bretanha, os romanos estavam satisfeitos com o que tinham tomado. Não era necessário ir tão ao longe daquele lugar frio, escuro e assustador. Então Adriano tomou sua decisão e editou seu decreto. Dois novos generais foram enviados até lá para a construção do muro. E ele ficou satisfeito com a decisão que havia tomado. 

E a lenda sobreviveu, pois antigos textos romanos foram encontrados contando justamente essa história. Relatórios militares que foram enviados para o Imperador em Roma. A lenda de um homem lobo que atacava e matava todos os que ousavam ultrapassar seu território. Ninguém poderia sobreviver após aqueles terríveis acontecimentos...

E o monstro seria conhecido nos séculos que viriam. Toda uma mitologia então foi criada pela literatura de terror, algumas dessas baseadas em ataques reais que aconteceram ao longo dos séculos. Ao lado de outros monstros clássicos, como vampiros e criaturas dos mais diferentes tipos, a lenda dessa fera atravessou séculos, entrou para a cultura e folclore de povos tão diversos como os do leste europeu ou da América Latina. Até mesmo povos orientais cultuaram seus monstros híbridos de lobos e homens. Pelo visto algo aconteceu no passado, sedimentando todas essas histórias que se contavam. E a seguir passaremos a contar uma delas, das mais assustadoras que se tem notícia pois foi bem documentada pelos cronistas da época vitoriana. 

O Coveiro
Estamos no século XIX. Para ser mais exato em 1873. Jack Boyd é um homem que para muitas pessoas não passa de um sujeito asqueroso. Ele trabalha como coveiro na cidade de Newtown. Lugarejo que parece nunca ter saído da estagnação, embora fosse relativamente perto da capital. Ali muitos estudantes de medicina, da classe alta, iam em busca de passar algumas noites nos bares e prostíbulos do lugar. As mulheres tinham fama de serem bonitas. Afinal mulheres bonitas que serviam nas tavernas se tornavam alvo fácil para gaviões endinheirados da capital escocesa.

Entre eles estava Mark MacAlister III, filho de uma família tradicional. Jovem de apenas 20 anos, fazendo o primeiro ano do curso de medicina. Ele não sabia, mas seu destino iria cruzar, pelas vias tortas do acaso, com o coveiro Jack. Para completar o trio de pessoas importantes naquela noite havia Katja Boyd, a jovem de aparência russa que trabalhava na taverna Devil In The Heart. Mark era louco por ela, já a tinha levado para a cama algumas vezes, mas sempre com um tipo de impessoalidade que o incomodava.

Ele sabia que aquela garçonete de corpo maravilhoso era também disponível, pronta para fazer companhia noite adentro a quem pagasse bem. Um relacionamento do jovem futuro médico com uma mulher considerada de classe inferior era algo impensável para a tradicional família MacAlister. Nem em sonho isso iria acontecer. porém Mark estava literalmente caído por Katja. Algumas vezes viajava toda a noite de carruagem apenas para vê-la. E aqui temos o primeiro elo de ligação entre o promissor estudante de medicina e o coveiro asqueroso da cidade. Katja era sobrinha de Jack.

No começo Jack passava pela madrugada para pegar a sobrinha e levá-la em segurança pelas ruas escuras da cidade. Numa dessas ocasiões conheceu o acadêmico em medicina que estava apaixonado por ela. 

- "Bem rapaz, você então vai ser médico?" - Jack perguntou acendendo seu cigarro de palha, enquanto olhava Mark com os olhos semicerrados - "Eu conheço alguns médicos da faculdade de Edimburgo" -o sorriso irônico não escondia a acidez de seu comentário. Era como se ele dissesse "Eu conheço aquela gente, aqueles porcos de jalecos brancos!". No passado Jack havia vendido corpos humanos para professores e médicos da universidade. Claro, era um crime abominável, ele vendia cadaveres frescos de pessoas pobres e indigentes para os doutores. Era uma forma de estudarem a anatomia humana com mais precisão.

A revelação obviamente chocou em um primeiro momento o jovem Mark. Era algo sinistro, porém isso numa visão das pessoas comuns, do homem médio. Ele iria ser um homem da ciência, um médico, por isso embaixo do rosto espantado havia também um pensamento racional do tipo "Eu entendo esse tipo de coisa, eu posso aceitar essa situação que para muita gente é sinistra e nebulosa". Ora, ora, Mark e Jack então decidiram tomar uma bebida. Tudo pago pelo jovem. Afinal ele queria conquistar também o tio, pensando em levar mais uma vez para cama sua sobrinha, Katja, mulher de seus sonhos mais inconfessáveis. Então ele olhou diretamente nos olhos do velho coveiro e lhe disse com convicção: 

- "Eu posso conviver com isso! Eu entendo meus colegas! Eles fizeram tal coisa pela ciência". – Sim, o jovem estudante parecia firme em seu ponto de vista. 

A noite de bebedeiras continuou até o dia seguinte. Lado a lado a fina flor da sociedade escocesa, um estudante de medicina jovem, o melhor que se poderia esperar de um rapaz. Do outro lado um coveiro, considerado um dos tipos de trabalho mais brutais e rudes que se poderiam imaginar, isso claro, sob um ponto de vista da elite burguesa e intelectual. Porém por mais diferentes que fossem acabaram se aproximando, se tornando, pelo menos naquela noite, bons amigos.

Mark gostava de beber. Embora tivesse que estar na universidade pela segunda de manhã, ele passava os fins de semana nas tavernas mais obscuras daquele lugar. Entre uma poesia e outra ele enchia copos e mais copos de whisky. Entre devaneios puxava conversas envolvendo lutas, sexo e até sobre o sobrenatural. Tudo o que ele não falava entre as elegantes e elitistas salas de aula da universidade. Afinal o ambiente universitário não abria margens para esse tipo de conversação, considerada de baixo nível, de péssimo gosto.

O coveiro Jack lhe contou algo curioso. O cemitério tinha sua própria "fauna" noturna, pessoas envolvidas com religiões e rituais pagãos de magia negra. Com a igreja pressionando os adeptos desses cultos de ocultismo só sobravam mesmo as ruelas entre os túmulos onde eles podiam fazer seus rituais macabros, durante as madrugadas escuras. Mark ficou surpreso em saber da existência desse submundo. Ele pensava até aquele momento que o cristianismo havia varrido da Europa esse tipo de ocultismo. Porém havia muito mais sobre as sombras que ele nem poderia imaginar. O velho paganismo de um passado remoto ainda existia entre a população daquela região.

Jack se referia a todos eles como "as criaturas da noite" ou "as crianças da noite", um pequeno feudo de pessoas que flertavam perigosamente com as forças do outro lado. Não as forças das luz, mas sim as forças das sombras. Jack, ás vezes, assistia tudo de longe, escondido em alguma penumbra. Havia muitas invocações, bebidas estranhas eram tomadas pelos participantes e de vez em quando alguma presença maligna chegava a ser sentida. Seus superiores tinham dado ordem para ele expulsar todos que encontrassem para fora do cemitério, mas Jack era um homem prático. Enquanto não houvesse aberturas de túmulos ou violações de corpos, ele tolerava aquela presença. Afinal, se havia alguém culpado em profanar túmulos naquele lugar era o próprio Jack, como ele já havia confessado.

Pablo Aluísio. 

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Constance - Livro de Sangue

Cap. 1 - Vingança
Entrou pela cozinha. A velha não o viu. Ele tinha contas a acertar. Aquela velha no passado quis matá-lo. Depois ficou anos e anos procurando destruir sua reputação, publicando em jornais frases de deboche e escárnio, o ofendendo através de piadas psicóticas. Ela tinha personalidade retardada, era infantilóide e embora estivesse com 80 anos parecia ainda uma víbora adolescente. Também era uma das madames mais ricas de Paris! 

Agora havia chegado a hora de dizer basta. O Lord Constance, vampiro fino e elegante, queria descontar tudo o que havia passado. Chegou por trás da velha que, ouvindo mal, não o viu chegar. Ele a pegou pelos cabelos. Estavam na cozinha da casa. Pegou ela pelos cabelos e buum... a bateu com força na quina da pia dura de pedra da cozinha. A pancada foi forte e certeira. Ela perdeu imediatamente os sentidos. 

O Lord vampiro percebeu que ela não tinha mais consciência. Só para se assegurar que aquele ser não iria voltar a pegou novamente pela cabeça e deu uma, duas, três, fortes pancadas com sua cabeça no chão. O crânio fez barulho de ter trincado. O Lord então pegou um machado, o levantou e zumm... cortou a cabeça da velha fora! A cabeça rolou e rolou... Foi parar perto de uma poça de água...

Não iria beber seu sangue. Não queria beber o sangue daquela nobre de quinta categoria. Mulher rica de Paris, mas de baixos instintos. Ela tinha o que merecia. Era uma megera, uma insana, uma psicótica com ares de perversidade. De personalidade tóxica até o último fio de cabelo. Sua vida se esvaira. Estava morta. Constance nem perdeu tempo. Deu um chute feroz em sua cabeça decepada que estourou na parede da cozinha. O sangue cobriu tudo. Ele olhou uma última vez para aquilo. Estava satisfeito. Ela agora jazia nas profundezas do inferno. 

Acendeu um último cigarrete, olhou para o luar e saiu pela janela, para nunca mais voltar naquela casa...

Pablo Aluísio. 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Morte na Ravina - Parte 1

Cap. 1 - Todos Mortos...
Little Bighorn, Montana, 30 de junho de 1876
Entramos nas colinas próximas a Little Bighorn, no Território de Montana, em 30 de junho de 1876. Cinco dias antes a Sétima Cavalaria do General Custer havia sido destroçada por índios nessa mesma região. Estávamos chegando para conferir pela primeira vez o que teria realmente acontecido. Será que eles tinham mesmo sido mortos pelos nativos? Era necessário o envio de uma parte da cavalaria para verificar in loco o que de fato teria acontecido. Antes de qualquer coisa devo me apresentar. Esse que escreve essas linhas é o Major Paul Byron, faço parte da décima nona cavalaria e minha missão era de ir até aquela região para ver tudo com os próprios olhos. 

Antes de entrarmos na ravina já encontramos corpos de militares. Todos em avançado estado de decomposição. Muitos tinham sofrido com a tradicional ritualística dos nativos de retirar seus escalpos, a parte da frente dos cabelos nos crânios dos homens mortos. Os índios usavam os escalpos em seus cintos e nos cavalos para mostrar aos demais guerreiros da tribo a sua bravura na guerra contra o homem branco. 

Vi o corpo de um jovem soldado com a boca aberta e os olhos de terror. O rigor cadavérico preservou para a eternidade suas últimas feições em sua face praticamente juvenil. Não havia armas entre os corpos, uma prova de que elas tinham sido levadas pelos índios. Isso significava que estavam fortemente armados e municiados. Mais um sinal de que deveríamos ter muito cuidado. 

Finalmente depois de quase uma hora no lugar identificamos o corpo de Custer. Ele estava cadáverido, mas conseguimos reconhecer pelo uniforme, pelas insígnias e também pelos cabelos que sobraram, loiros, longos, ao vento. Seus dedos tinham sido cortados e seu corpo estava muito mutilado, demonstrando o ódio e a fúria de seus inimigos no calor da luta. Eles não apenas mataram Custer, eles fizeram de tudo para lhe tirar sua dignidade. O tronco havia sido separado de suas pernas, um dos pés foram arrancados e sua dentro de sua boca havia flechas de fogo. Um triste fim para um dos oficiais mais importantes da história do exército americano. 

Pablo Aluísio. 

domingo, 13 de dezembro de 2009

Manuscritos de um Vampiro

Manuscritos de um Vampiro
Segue abaixo mais um lote de manuscritos encontrados nas catacumbas de Paris no final dos anos 1920. Reza a lenda que seria de um Lord Vampiro, há muito desaparecido...

Capítulo 1 - Mil Demônios em seu leito fétido...
Paris, 12 de outubro de 1801
Estive lembrando de novo de uma figura imunda que cruzou meu caminho. Mulher de baixos instintos. Soube que ainda está viva, para minha surpresa. Sim, velha, sim, decrépita, mas ainda respirando. Aliás ela e seus irmãos, todos patifes da pior laia, ainda vivem e andam sobre a Terra. Daí eu me pergunto, como isso seria possível... Volto a dizer, que não existe nada. Nem um céu acima de nós e nem um inferno abaixo de nossos pés. É tudo invenção, tudo mitologia. 

Caso existisse algo desse tipo, mulheres como essa, que se dizem crentes em Deus, mas que no fundo são hipócritas malditas, já teriam virado pó. Um pastiche cremoso, feito de suas visceras. Mas como nada existe mesmo, elas caminham sobre a Terra de forma livre, leve e solta. Ainda são imundas, mesmo com o passar dos anos. Como são velhas de decrepitude a carne fede, os homens pegam nojo, ainda mais com suas personalidades cheias de preconceito, racismo e escrotidão. São mulheres escrotas no mais alto nível que você possa imaginar. Duas irmãs que vivem na sarejta moral e espiritual. 

De qualquer forma como sou um vampiro, que muitas pessoas não acreditam existir, vou deixar aqui uma oração negra de maldição, velha tradição da literatura do mal-dizer, muito em voga em eras passadas. Era uma forma de amaldiçoar o próximo ou a próxima. Eis minhas palavras nesse sentido, dirigidas para HM. Queima freira do Diabo, queima...

"Oh, seres das trevas...
Amaldiçoem as pegadas dessa velha imunda
Que Mil Demônios avancem sobre ela, de noite, de dia, a qualquer hora...
Que suas imundicies que saem de sua boca voltem para ela...
Que a miséria de sua alma fétida corroe suas entranhas...
Que o sono fique perturbado, que seja feito de pesadelos...
E que pela manhã o câncer que já esteve em seu corpo avance...
Avance, tome os órgãos, todos eles...
Destrua a imunda, destrua, por dentro, em todo lugar...
Coma suas vísceras, como o verme come os corpos apodrecendo nas covas do cemitério...
A carne fedendo, as unhas pretas, o cheiro de podridão...
E que ela seja enviada para seu lugar natural...
A mais baixa profundida do infernos...
Onde beijará as placas ardentes do submundo do reino das trevas...

Está lançada a praga, está lançada a maldição eterna..." 

Capítulo 2 - Encontro noturno em Portugal
Lisboa, 15 de dezembro de 1802
Eu estive em Portugal poucas vezes em minha vida. Hoje estou aqui. Ontem me encontrei com um senhor vampiro chamado Andrade Soarez. Ele é um velho vampiro, de muitos séculos de existência. Visualmente parece ser um senhor distinto, cabelos grisalhos e tudo mais. E realmente é uma presença agradável. Sabe aquelas pessoas gentis que você reconhece até mesmo em pequenos gestos. Pois bem, era o caso dele. Fomos para uma pequena cantina numa alameda do centro de Lisboa e conversamos durante duas horas naquela noite. Ele reclamou bastante dos jovens da noite, vampiros com menos de 200 anos de existência. Para ele era um bando sem salvação, um bando de vagabundos!

Não que não houvesse vampiros ruins no passado, ele confessou que havia. Foi mais além e disse que determinadas casas ou clãs eram formadas apenas por gente de esgoto, asquerosos, gente sem nenhum tipo de valor humano ou inumano. Era a escória em sua palavra. Citou um velho vampiro muito antigo de uma casta tradicional. Disse que o chefe desse clã era miserável e avarento e que todos os seus 11 filhos eram seres desprezíveis. Ele perdeu o filho mais velho, que acabou caindo dentro de sua própria armadilha. Depois disso assumiu a coordenação do clã o segundo mais velho. Um homem impotente e que por baixo de uma aparência de vampiro honrado, era ladrão e golpista. 

Os demais não valiam muito. Havia três irmãs mais velhas, três víboras. Uma era mística fanatizada, a outra uma megera incurável e a mais jovem uma canalha pérfida. Mulheres da noite tão feias que não arranjaram pretendentes. Pareciam morcegos atrofiados, aleijados. Os demais irmãos mais novos eram em essência patifes. Todos envolvidos em redes de prostituição, bebedeiras e crimes dos mais diversos tipos. Um deles precisou fugir acusado de roubo de dinheiro público. Terminou sua vida (ou morte, já que vampiros supostamente teriam vida eterna) como um aleijão que mal conseguia se levantar de uma cadeira. Mesmo debilitado e sem forças, continuava o mesmo ser desprezível. 

Esse clã familiar vampiro não resistiu ao tempo. Demorou, mas aos poucos todos foram desaparecendo. Uma ninhada de ratazanas. O senhor então bebeu sua última gota de vinho e me confessou que a tal vida eterna também havia se tornado um fardo, ainda mais agora que ele finalmente compreendia que o ser humano era um projeto que deu errado. Passavam os séculos e os mesmos erros eram cometidos, inclusive na sociedade, dentro da política, das comunidades de uma maneira em geral. Agora, com séculos nas costas ele só queria desapatecer de uma vez por todas, numa esquina escura de uma cidade portuguesa. E foi justamente isso que ele fez após se despedir da minha presença, com breves palavras finais. 

Capítulo 3 - Oh Morte, Venha a ela...
Paris, 8 de janeiro de 1824
Oh Helena, pessoa sórdida e vil!
Que sua boca seja invadida por sangue de hemorragia, que a luz de seus olhos se apaguem, que você sofra todos os males possíveis e imagináveis. Que se afogue em seu próprio sangue e perversidade, que o mau cheiro de suas entranhas entre em suas narinas e de lá nunca mais saiam... Que você sofra muito em suas últimas horas nessa existência miserável que você vive. Que os vermes decompositores rejeitem sua carne podre no caixão!

Que ao morrer seus restos mortais de chorume cadavérico sejam jogados numa caçamba de lixo e não em um túmulo, pois nem isso você merecerás! Joguem no lixo essa pessoa imunda, esse ser humano de quinta categoria, esse estrume, escória, imundície suprema... Que o lixo e a lama sejam seus últimos companheiros nessa vida desgraçada que levas...

Eu estarei na beira de seu túmulo onde vou me encher de pus fédido para cuspir em seus dejetos cadavéricos. Aquele pus amarelo fedorento escorrendo de sua foto péssima... Eu anseio por esse momento... Vou cuspir, cuspir e cuspir em sua memória... Que você morra muito em breve, que tenha muito sofrimento, que caia no descrédito e na humilhação coletiva, que seu nome seja motivo de escárnio e ofensa pelos séculos que virão...

Tu não és nobre, tu és lixo putrefato... Eu como vampiro vou olhar para você em seu último refúgio e cuspirei em seus restos mortais, Oh Helena, morra, morra eternamente na escuridão de sua própria imundície pessoal e que leve com você todos esses seres sórdidos que você chama de família... Oh Helena, apodreça, apodreça...

Capítulo 4 - Helena
Paris, 11 de janeiro de 1824
Ontem reencontrei um velho amigo, Lord Constance. Como sempre estava muito elegante e charmoso. Velhos vampiros não aprendem truques novos, muito embora educação e elegância já não tenham a mesma força atrativa para essas jovens de hoje, todas muito frívolas e superficiais. Pois bem, foi um breve, mas traumático encontro. Não pela presença de Constance, pois sempre gostei muito dele como Lord das trevas e tudo mais, mas sim pelo que ele me contou, quase no final da nossa conversa, quando já estava colocando seu bonito chapeu para se retirar. Eles se virou para mim e fez a pergunta fatal: 

- Você soube de Helena Margot?

Fiz cara de surpresa, mas escondendo fúria e raiva incontroláveis pois Helena era o nome proibido no meu caso, ainda mais depois de tudo o que aconteceu...

- Não estou sabendo de nada...

Constance então colocou as mãos em meus ombros, como se estivesse me preparando para a informação que iria me abalar. Ele olhou em meus olhos fixamente e disparou...

- Helena Margot morreu ontem em Paris. Ela estava com 94 anos de idade! Estava com demência avançada, além de Mal de Parkinson e havia sido abandonada em um asilo nos arredores da cidade pelos últimos familiares que lhe restavam...

Foi como receber uma estaca final em meu coração! Senti o sangue jorrar de meu coração falecido... Foi muito doloroso... Fiz rosto de pessoa consternada, um pouco teatral, mas foi isso... Não me veio mais nada à mente... Estava chocado demais para reagir, para falar algo que fosse minimamente coerente ou complexo... 

Ele então, percebendo que eu tinha ficado abalado, pediu desculpas, falou que tinha que ir e que havia sido muito bom me reencontrar... Com os olhos marejados, úmidos, ainda consegui dizer a ele:

- Claro Constance, o prazer foi todo meu... - Então ele virou-se e foi embora. 

Fiquei sozinho olhando o luar. Estava arrasado... Eu havia amaldiçoado o nome de Helena Margot por muitas décadas, mas a verdade é que a simples citação de seu nome ainda me abalava. Eu estava em choque! 

Helena, Helena... Nunca houve uma beleza como Helena... A amei e a odiei em doses extremas, sem meio termo... Ódio e Amor nas mesmas proporções... Provavelmente o único amor que tive em toda a minha existência... Eu tenho que enfrentar meus demônios interiores e contar nossa história, o que ocorreu no passado. Quero deixar registrado no papel nossa história. E é o que farei, nobre amigo, nas próximas cartas que irei lhe escrever...

Capítulo 5 - O Baile
Paris, 23 de janeiro de 1824
De acordo com o que lhe escrevi na última carta aqui vao algumas recordações que tenho de Helena Margot, que ja amaldiçoei em inúmeras vezes nas noites eternas em que vago sem rumo pelas ruas desertas e escuras em Paris. Hábito que admito, amo de coração, acaso tivesse eu ainda um coração batendo em meu peito de puro vácuo. Eu me recordo que a vi pela primeira vez em um salão de festas, um baile dado em homenagem ao filho de um conde que estava se formando em letras jurídicas. Não lembro mais o nome desse nobre. O tempo joga suas areias em nossas lembranças, mesmo as mais marcantes. 

Estava eu andando pelo baile, falando com as damas de ocasião quando surgiu Helena em minha frente. Uma doce donzela na flor de seus 16 anos de idade. Pele maravilhosa, olhos profundamente azuis, cabelos longos, ondulados e loiros como as mais puras e intocadas divindades nórticas. Estava conversando com uma amiga, dando risadinhas, contando alguma coisa engraçada entre elas. Pareciam muito felizes e contentes. E eu, literalmente falando, esbarrei nela sem querer. Estava de costas, bebendo, quando de repente percebi que havia batido em alguém de forma involuntária. O salão estava cheio, era inevitável esse tipo de situação!

- Oh, perdão, senhorita, não foi minha intenção - lhe disse assim que tomei par da situação um tanto embaraçosa...

- Não, tudo bem, fique tranquilo - ela me disse.

- Espero que não tenha derramado o seu copo em seu lindo vestido... - Uma observação pertinente enquanto a olhava de cima a baixo. Na verdade estava inebriado com sua beleza. Com o falso motivo de estar procurando por alguma gota em seu vestido, pude apreciar todas as suas curvas, a beleza de seus seios, a pela de porcelana....

- Não,  não me molhou... até porque se tivesse caído alguma bebida em meu vestido eu estaria louca, louca... - Ela disse sorrindo, aliás dentes perfeitos, brancos, maravilhosos... Fiquei inebriado...

Então puxamos algum tipo de conversa banal, apenas para tentarmos nos conhecer melhor. 

Pude perceber que ela tinha tiradas ótimas, de puro humor, sobre os vestidos das demais damas. Não era algo de maldade, achei tudo de um bom humor realmente cativante. Fiquei muito interessado nela. 

Não era uma adolescente comum. Ela era muito inteligente. Devo dizer que era mais inteligente do que eu, haja visto que ela fez algumas piadas comparando os convidados com alguns personagens de literatura que eu já ouvira falar, mas que não tendo lido os livros me deixou numa situação de humildade intelectual que raras vezes senti. Uma mulher assim era algo notável. Conhecer ela naquela noite me marcou. E não demoraria para nos vermos novamente, em outras situações mais do que interessantes...

Pablo Aluísio. 

sábado, 12 de dezembro de 2009

Cartas Vampirescas

Cap. 1 - Eu, o Vampiro...
Eu, Lord de Stlevanisk, figura antiga, figura que cruzou os séculos, deixo aqui alguns registros do que vi com meus próprios olhos. Me tornei vampiro há séculos, já andei com patifes, piratas, homens do governo, políticos ditos respeitados, chefes de governo e Estado e posso dizer que todos são iguais. A raça humana é escória, imundície. Não valem nada. Me tornei vampiro ao renegar a cruz de Cristo. Ele era um bosta, um revolucionário fracassado do século I, não tinha nada de sagrado e nem de Deus. Uma mentira, uma farsa que enganou milhões e continua enganando. A mente humana é ridicularmente medíocre e obtusa. Os romanos mostraram a ele como se trata de terrorismos em geral. Levou uma surra enorme, depois morreu pendurado numa cruz. Os abutres comeram sua carne, o resto caiu no chão para os cães comerem. Ressuscitou nada, quando falam isso eu dou uma grande gargalhada...

Estava com sede. Ontem de madrugada visitei o apartamento de uma velha professora. Deveria ser uma pessoa inteligente, mas me deparei com uma mulher burra e grosseira, de baixos instintos. Não era bonita, embora fosse vaidosa. Tinha os cabelos nada naturais, cafonas, banhados em química por décadas para tentar preservar uma juventude que não mais existia. Pessoa patética. Você nunca mais será jovem! Já é uma velha decrépita. Ninguém mais lhe quer. Seu futuro será o frio túmulo, sendo corroída por vermes decompositores que certamente vomitarão ao consumir sua carne fétida e imunda.

Imunda a define bem! Uma fascista imunda! Adepto de torturas e porões da ditadura. Quando soube que gostava de torturas lhe dei um gostinho do que é uma tortura. A massacrei lentamente, tirando inicialmente sua pele, como se faz a um coelho abatido. Pele de gente velha, cheia de manchas e rugas. Não servia para nada aquela pele. Joguei no lixo. Com a sua carne viva resolvi me divertir. Joguei sal em cima. os gritos dela foram bem interessantes, me divertiram um pouco. Voz feia, voz de gente velha. Ninguém liga se grita. Acham que é uma louca tendo crises. E no fundo ela era uma louca mesmo! Pensei em fazer um serviço de reciclagem para melhorar o mundo! 

Depois disso cortei seus dedos, orelhas e seios. O sangue jorrou. Bebi um pouco e me arrependi. Como era uma velha tomava muitos remédios. O sangue ficou com gosto péssimo. Como não servia mais para nada arranquei sua cabeça em um só golpe. Existem pessoas que não servem mais para nada, nem para jogos mortais com um velho vampiro que sou! Decidi que só vou atrás das mulheres jovens daqui em diante. Chega de velharias inúteis. Eu quero é sangue jovem! Etarismo? Pois é, palavra nova para velhos preconceitos. Eu me tornei vampiro para nunca perder a minha vida e a minha juventude. Devo ser mesmo um bastardo preconceituoso. Minha mentalidade é de séculos atrás, por isso não me julguem. Enquanto penso isso limpo meu elegante terno do sangue daquela velha imunda. Ah, os ossos do ofício... 

Cap. 2 - Velhas Cartas...
Encontrei velhas cartas no porão, algumas banalidades, mas algumas com aspectos interessantes, lembranças de um tempo passado que jamais voltará novamente... Passa a transcrevê-las a partir de agora...

Londres, 19 de setembro de 1873
Chuvas noturnas, ruas escuras, coração entristecido. Ando por essas ruas sombrias lembrando do amor que nunca veio. Era uma mentira. A doce pela qual estava apaixonado era uma fraude. Não era a bela mulher de meus sonhos, ao contrário disso era uma vulgar. De classe social superior se achava mais importante, mais relevante, certamente se considerava superior à minha pessoa. Só que na verdade era uma figura lamentável, feia de corpo, baixos instintos. O rosto poderia ser considerada bonito, com muita boa vontade, mas no geral era bem mal organizada. O amor veio da minha própria solidão e não daquele ser que hoje sei ser abjeto. 

Porca imunda, coberta de sífilis e outras doenças sexualmente transmissíveis. Morta moral, rameira suprema. Fizeste de seu corpo um playground para qualquer um. Imunda faceira, rosnando na areia de vômito e gozo de outros. E pensar que nutri bons sentimentos por esse tipo de pessoa asquerosa. Teu futuro virá e será triste. Mando mil demônios em sua direção. Lepra será bem-vinda depois de saberes o mal que lhe desejo. Amaldiço seu passado, presente e futuro. Que seu espírito sempre imundo seja acompanhado em suas carnes decompostas. Vaca de brejo imundo. 

Riu de mim naquele salão vitoriano. Rirei de você em meus pensamentos. Não terás filhos, todos serão mal formados de suas mpurezas. Vermes estarão nas tuas entranhas. De suas raízes nada brotará, a não ser infâmia, desabor e decepção. Quero ir em sua cova dar uma cusparada eterna. O cadarro escoerá de sua foto bem posada. Nada sobrará de sua existência. O esquecimento será sua última químera. Bons ventos a aguarda nas profundezas do inferno mais vil. Morra, apodreça, finde para todo o sempre! Imunda, imunda...

Cap. 3 - O Túmulo dos Mares
Paris, 16 de abril de 1912
Cá estava eu em uma belo café de Paris quando me deparei, lendo o jornal daquele dia, que o navio HMS Titanic afundou no Atlântico Norte, levando para o fundo do mar mais de 1500 almas! Que desperdício de alimento, meu caro Azmodeus! E tudo aconteceu porque o maldito navio bateu em um iceberg naquelas águas geladas! Pois é, a maioria das pessoas morreram congeladas mesmo. Ao cair naquele oceano frio não restou outra chance para elas. Vão com Deus, os pobres. Vão com o Diabo, os ricos. Afinal não foi o Nazareno que disse que era mais fácil um camelo entrar no buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus? Então, estão todos fritando agora. Imagine que destino, morrer na água gelada, pagar seus pecados no inferno em chamas. Só dando risadas! 

A ironia pessoal é que quase comprei um ticket do Titanic quando estava pensando em viajar para os Estados Unidos. Desisti na última hora, após ver algumas fotos de cowboys! Gente suja aquela! Obviamente não conseguem ter um dente na boca. Cheiram a bosta de vaca, passam anos sem tomar banha. Detesto gente mal cheirosa. Assim, desisti daquela terra de bárbaros e vim para Paris onde posso desfilar com minhas roupas finas, meu monóculos elegante e minha bengala com esquifes de leões de marfim. 

Viro a página e vejo que a polícia de Paris procura por uma modelo francesa desaparecida na calada da noite. Hahahahaha... Não vão achar, crianças de azul. Ela esteve em meu menu ontem à noite. Confesso que foi mais do que um lanchinho e menos do que um cardápio refinado. Ela não era de alta estirpe. De certo modo era uma mulherzinha pé de chinelo que fazia muita força para parecer da alta sociedade. Eu a degustei como quem devera uma comida de rua. Estava com fome. Nem sempre comemos os mais finos pratos franceses. Algumas vezes nos contentamos com comida rápida! 

Ser imortal tem seus problemas. Não faça amizades íntimas, não seja amigo de ninguém, prefira a solitude. Viver sozinho, quando você tem vida interior rica e extensa, pode ser o maior dos prazeres. Por isso, faminto vampiro, adquira cultura! Vá aos museus, leia os melhores livros, visite os mais requintados teatros - e os populares também, para falar mal. Adquira cultura que você no final de tudo nunca estará realmente sozinho...

Cap. 4 - Sangue sobre a Alemanha
Berlim, 30 de janeiro de 1933
Estou em Berlim, onde vim passar um fim de semana agradável em meu hotel preferido da cidade. Assim pensava eu. Quando cheguei na cidade, já tarde da noite, encontrei um clima realmente péssimo. Chove muito e está frio, mas não é nada disso o que estou tentando descrever. A Alemanha tem um novo chanceler, um sujeitinho ridículo chamado Hitler. Esse é daqueles que não tem vergonha de ser bestial. Só defende as bandeiras erradas e para minha surpresa nessa culta e sofisticada Alemanha muitos o seguem de forma fanatizada. Estou impressionado com a perversidade desses nazistas. Nenhum vampiro se equivale. Sao malvados e perversos, cheios de preconceitos e muito ódio, ódio visceral é bom esclarecer. 

Odeiam judeus, mas não apenas eles. Odeiam qualquer um que não seja alemão, loiro e alto. São assumidamente racistas e escrotos e muitos dos mais velhos o seguem despudoradamente. Esses velhos se dizem conservadores, andam com o livro sagrado nas mãos, rezam de forma fervorosa. Rezam para que os diferentes sejam mortos. São pessoas péssimas, sinceramente falando. O velho JC ficaria horrorizado em ver no que sua mensagem se transformou na mente desses idiotas violentos...

Nunca pensei que gente culta, com nível educacional superior, iria se prestar a uma coisa dessas, mas é a pura verdade. Eu confesso que a Europa caminha mal tendo uma de suas principais nações nas mãos desses loucos. O que poderá vir pela frente? Eu não sei, mas sei que boa coisa não virá...

Com essa nova ideologia perversa as ratazanas saíram dos esgotos. Nem disfarçam mais como pensam ou o que querem. Desejam morte, clamam pela morte. Eu tenho quinhentos anos de existência e nunca vi nada igual. E tudo potencializado por um sistema de propaganda política poderosa, que aliena, faz lavagem cerebral e aprisiona mentalmente o sujeito. Quem já tinha propensão à doença mental então, nem se fala. Loucura... essa é a definição do que ocorre na Alemanha nos dias de hoje, no dia em que escrevo essa carta. Prevejo em breve um mar de sangue por toda a Europa...

Cap. 5 - A Cruz e o Vampiro
Roma, 19 de junho de 1878
Eu sou um vampiro. As pessoas podem perguntar se eu tenho medo da cruz. Tenho nada! Isso é coisa da literatura. Não tem porque ter medo da cruz. O JC foi um revolucionário judeu que tentou lutar contra a dominação romana e se deu mal. Vamos encarar a realidade. Ele não era aquilo que as pessoas pensam. Hoje em dia a palavra Messias nos leva a uma ideia de algo espiritual, de ser superior nesse sentido. Nos tempos do JC ser Messias significava ser um líder político. O Messias era o Rei. O filho de Deus era um título dado ao Rei. JC queria ser o Rei Judeu que expulsou os romanos. Se deu mal. Foi preso, crucificado e morto. Não teve isso de ressurreição. Cresçam meninos. Nenhum homem jamais ressuscitou na história da humanidade!

Outra coisa: a cruz era um instrumento de tortura usado pelos romanos para matar os inimigos do Estado. Nada mais do que isso. JC ficaria certamente horrorizado se soubesse que a cruz daria origem a uma religião em seu nome. Seria o fim para ele. Era como se um enforcado fosse representado religiosamente por sua forca. Um absurdo completo, vamos falar a verdade. 

Assim, diante de todos esses argumentos, porque diabos eu teria medo da cruz? Não. não tem nenhuma lógica nisso tudo. Além disso geralmente o crucifixo é levantado por membros do clero católico. Hei, psiu, vou te contar um segredo: Tem poucos santos dentro desse clero. Quase nenhum! O que existem são muitos homossexuais embaixo das batinas. Ande de madrugada pelas ruas próximas ao Vaticano. Você vai encontrar vários desses religiosos do clero em busca de uma companhia masculina. Sim, a maioria é homossexual! 

Então eu vou sair correndo por causa de um homossexual cheio de pecados (dentro da doutrina que eles mesmos dizem seguir), segurando uma representação de um instrumento de tortura romano, símbolo de uma religião criado por um insurgente judeu contra os romanos no século I? Mas que lógica existe nisso? Por favor me poupe de suas crendices bobobas...

Cap. 6 - Jack de Whitechapel
Londres, 10 de novembro de 1888 
A cidade só fala nisso. Jack, o Estripador, voltou a matar na noite anterior. Antes de mais nada devo defender a minha classe. Não, Jack não é um vampiro. É apenas um porco sádico e demente. Vampiros são elegantes e matam para sobreviver, afinal precisamos do sangue quente dos seres humanos. Esse Jack é claramente um doente mental. ele mata essas pobres mulheres que vivem pelas ruas como prostitutas, tentando de forma desesperada ganhar a vida e depois as mutila de forma horrenda. Eu nunca faria aquilo com uma mulher que morderia seu pescoço. Tem que respeitar a vítima. 

Dentro da nossa comunidade sabemos quem é Jack, o Estripador. Os vampiros sabem tudo o que acontece na noite. Só que não ajudaremos aos policiais, esses porcos que muitas vezes nos perseguem sem razão alguma. Eu me lembro do que aconteceu com Lara, uma jovem vampira que foi massacrada por esses imundos. Não, não faremos nada para facilitar seus trabalho. Trabalhem porcos, trabalhem...

Mas como essa é uma carta confidencial direi a você quem é Jack, afinal devemos nos informar. Ele é um sujeito que sempre viveu ao lado do irmão em um dos bairros mais pobres de Londres. Ele é um imigrante de uma família que veio da Polônia em busca de trabalho e de uma vida melhor. Seu nome é Aaron Kosminski. Trabalha como barbeiro e açougueiro em espeluncas de Whitechapel. É um tipo rude, porcalão, vulgar e sofrendo de uma grave doença. 

O dito cujo contraiu sífilis de prostitutas londrinas. Por isso as odeia, por isso quer matar todas elas. A doença esta corroendo seu cérebro. Ele está enlouquecendo aos poucos. Vai terminar seus dias em uma instituição para loucos, urinado em si mesmo, comendo fezes pensando ser comida. Esse é o tal Jack, o Estripador. Não tem nenhum glamour nele. Apenas miséria, pobreza e desespero insano. E assim caminha a humanidade. 

Cap.7 - Asas Sobre a América
New Orleans, 23 de janeiro de 1940
O mundo está novamente em guerra. Quando afirmo que a humanidade não vale nada, falo com convicção, minhas queridas criaturas da noite. Há um cheiro de falso moralismo e patriotismo verdadeiro no ar. O presidente americano reluta em entrar na guerra, principalmente em uma guerra na Europa onde não faz muito tempo muitos jovens americanos perderam suas vidas. Se a Europa tem problemas, que eles mesmos venham a resolver seus problemas, assim afirmam os que defendem a neutralidade dos Estados Unidos na guerra. 

Em New Orleans fui apresentado à religião Vodu. Acho tudo um grande simbolismo, mas destituído de valores práticos. Ninguém fará mal a outro apenas confeccionando bonequinhos de argila para causar sofrimento alheio. É tudo simbólico, mas não passa mesmo de pensamento mágico. Agora, gostei da comunidade vampiresca na cidade, principalmente de lady Anne. Uma francesa muito bem educada, jovial, ali na casa dos 200 anos de idade. 

Ela me ofereceu uma recepção em sua casa ao estilo colonial. Não faz muito tempo e escravos trabalhavam acorrentados naquelas plantações de algodão. Pobre gente negra. Foram escravos por muitos séculos, tratados como animais. Depois dizem que os vampiros são perversos... nenhum vampiro escraviza outro vampiro, mas os seres humanos certamente escravizaram seus semelhantes. 

De minha parte a conversação à mesa foi agradável. Ela é uma anfitriã de mão cheia. É a tal coisa, boa postura e elegância vem de um berço aristocrático. Gente grossa com dinheiro é apenas gente grossa. Elegância e fino trato social é outra coisa. Falamos sobre tudo, mas principalmente da lástima que a Europa se tornou. Penso até mesmo em deixar o velho continente para trás... Quem sabe eu possa me estabelecer na jovem América, passando temporadas entre Estados Unidos e Canadá, que é um país dos mais agradáveis para se viver. Até porque adoro clima frio. 

Cap. 8 - Psicótico Perverso
Paris, 5 de outubro de 1823
Eu fui um ser humano normal, ha muitos anos, há muito tempo. Era jovem e cheio de vida, pensando que meu futuro iria ser brilhante. Quando me tornei vampiro, deixei as lembranças do jovem de lado Meus pensamentos sao outros. O que me levou a escrever essa cartas de lembranças foi deixar registrado na tinta da pena de meu lápis um pouco das lembranças dos meus entes familiares que como meros mortais estão todos mortos. Não tenho saudades de nenhum deles. Era um grupo de patifes da pior espécie, gente que nunca prestou! 

Eu poderia definir todos eles cmo psicóticos perversos! Hoje em dia, analisando tudo com coerência a paciência não teria outra definição para aquela gente. O grande patriarca da família, o meu avô, era um sujeito asqueroso. Batia na esposa (minha avó, claro!) e a deixava em cárcere privado. Louvado hoje em dia em prosa e verso, era em essência um tremendo de um canalha. Naqueles tempos não havia direitos da mulher e o marido podia ser o abusador supremo, que nada acontecia. Com um bando de filhos covardes, deu no que deu. Todos foram crescendo com sérios problemas emocionais. Alguns foram em vida bem doidos mesmo. O meu próprio pai não era o que se podia considerar de um sujeito normal e o pior de tudo é que ele amava aquele velho bastardo que era o seu pai. Até hoje nunca entendi como um filho que sofreu tanto nas mãos do próprio pai conseguia ter tanto afeto com ele! 

Eu não tive muito contato com esse meu avô. morava em cidades diferentes. No pouco contato que tive, criei a impressão de que ele era mesmo um sujeito estranho. Não parecia ser nada inteligente. Parecia ser rude e burrão. Não formulava nenhum tipo de pensamento mais bem elaborado. era rude e grosseiro. Eu me lembro dele cuspindo dentro de casa e isso para mim era a maior das seboseiras. Não parecia muito limpo e não era. Na família se dizia que ele nunca tomava banho. Tinha grande pés que arrastava pela casa. Não demonstrava qualquer tipo de empatia com o próximo, nem com a esposa que maltratava, nem com os filhos que ele expulsava de casa assim que atingiam a maioridade. Certamente tinha algum distúrbio mental. Provavelmente estava no espectro autista, mas naqueles tempos as pessoas comuns nem sabiam o que era isso. 

Nunca pareceu gostar de ninguém. Suas demonstrações de afeto eram estranhas. Ele tinha um cavalo que gostava muito quando jovem. Quando esse morreu, ele trouxe os ossos para os fundos de um cômodo da sua própria casa. Imagine ter um esqueleto de um bicho desses dentro de casa. O velho era muito estranho. Quando a esposa morreu, ele pareceu comemorar pois haveria um prato a menos na mesa, menos despeas. Ela havia doado toda a sua vida para viver ao lado desse velho asqueroso e ao morrer ele não demonstrava nenhum tipo de sentimento humano. Era ou não era um psicótico pervero? Depois eu é que sou chamado de monstro por ser um vampiro. Seres humanos são bem piores, pode ter certeza disso. 

O fim do velho foi trágico. Ele viveu muito, chegando a 96 anos de idade! Vaso ruim não quebra, dizia a sabedoria humana. Já tinha perdido a razão, vivia quase nu, gritando dentro de casa. A família nem tinha coragem de interná-lo em um asilo e nem tampouco de levar ele para a rua. Viveu seus últimos dias preso dentro de casa. Até que a revolução francesa eclodiu. Ele tinha títulos de nobreza e não escapou da turba. Eles o pegaram e o levaram para a guilhotina. O velho nem tinha forças mais para andar. Em poucos segundos sua cabeça rolou. Uns garotos que estavam ao pé do cadafalso jogaram bola com ela. O velho teve o fim que merecia. Depois sua carcaça foi jogada numa caçamba de lixo. Bom final para o tipo de ser humano que ele foi em vida. 

Cap. 9 - Lena, Filha de Paul 
Paris, 14 de outubro de 1890
Vampiras, de modo em geral, são mais sádicas e perversas que vampiros. Isso a experiência de séculos me ensinou. Veja o caso de Lena, filha de Paul. Uma mulher que poderia ser dita como bela, mas longe dos padrões de beleza das grandes modelos clássicas. Ele era alta, longos cabelos castanhos e belas pernas. Também destacaria seus quadris, ótimos para despertar o desejo dos homens como se falava entre os humanos. Era bem branca e tinha uma bela voz. Tinha um semblante que despertava meus desejos mais íntimos e era conhecida como Thatiana entre os mais próximos. Eu me lembro de imaginar várias vezes ela em minha cama, completamente nua. 

Só havia um problema com Lena. Ela só amava cretinos. Quanto mais imbecil e idiota fosse o homem, mais ela parecia ficar perdidamente apaixonada. Isso me fazia duvidar de seus dotes intelectuais, afinal se fosse uma mulher realmente inteligente jamais iria se encolver com aquele bastardos. O homem com quem se casou era uma piada ambiente. Um soldado raso, imbecil até dizer chega. Uma daquelas figuras que você não conseguiria nem ter uma conversação amigável de trato social. Ao que me consta ela ficou fisurada nele por causa de seus dotes penianos. Dizem que homens são escravos de vaginas bem delineadas. Ora meu caro, mulheres também se tornam escravas de homens com penis robustos. 

De qualquer maneira ela selou seu destino. Casou com ele, teve duas filhas. Entrou para um ramo protestante conhecido também pela idiotice. De bela mulher se tornou uma crente das mais feiosas. Parou de se cuidar. Ficou feita mesmo, desleixada, com seu apelo sexual indo pelo ralo depois de duas maternidades. Ainda assim eu cheguei a desejá-la alguns anos depois quando a reencontrei por acaso. Era uma ruína de mulher, não parecia nada com o tesão que conheci pela primeira vez em uma prestigiada e tradicional faculdade de direito em Paris. 

Com uma certa pena a mordi e a transformei em uma vampira. Meus caros, ela virou uma das vampiras mais perversas que se tem notícia. Lena, filha de Paul, ficou falada entre as criaturas da noite. Todos queriam saber seus últimos crimes, suas últimas atrocidades. Ela chegou a levar 20 homens negros para a cama e depois os esquartejou sem dó e piedade. E tudo com aquela imagem de garota da vizinhança. Era mesmo sedenta por sexo e sangue. Tenho que voltar a encontra-la pois como a transformei em vampira sou responsável por ela. Tenho que parar a Thatiana mais cedo ou mais tarde. Tenho que destrui-la. Sei que farei isso algum dia...

Cap. 10 - O Medíocre por Opção
Paris, 1 de outubro de 1823
O meu pai nasceu nos tempos da revolução francesa. Era um homem inteligente, mas embora tenha nascido na época certa, onde a educação e o conhecimento estava ao alcance de todos, ele nasceu no lugar errado e na família errada. Veja, meu pai era um homem inteligente, mas nasceu no meio de gente tosca, ignorante e perversa, a começar pelo próprio pai dele que mal sabia ler e escrever e era um perverso de carteirinha, que batia na esposa, filhos e até empregados com requintes de crueldade. Era obviamente um psicótico não diagnosticado! Os irmãos dele eram todos brutalizados, rudes, figuras grotescas. Assim ele deixou seu potencial de lado para afundar no meio dessa família de asnos, que apesar das injustiças que sofreu ao longo de sua vida, sempre os amou profundamente. 

Dessa forma ele que parecia ser a única pessoa inteligente no meio daqueles imbecis, acabou também se tornando um asno, deixando a escola e o saber de lado, abraçando a negatividade e burrice de todos aqueles parentes asquerosos dele. Foi um caso de história trágica mesmo. Depois, mais velho, adquiriu uma doença grave e nunca mais se recuperou. Foi definhando com essa doença grave e sem cura até a morte. Morreu abraçando a estupidez, ignorância e idiotice de seus familiares obtusos. 

Eu e meus irmãos fomos pessoas inteligentes, mas obviamente sofremos por causa da pobreza que as escolhas de nosso pai sempre fez ao longo de sua vida. Ao invés dele procurar se instruir, se formar, ele viveu de empregos medíocres e funções subalternas, algo que não era para ele por causa de sua inteligência que ele de fato nunca desenvolveu. Lutamos para subir na vida, mas sempre houve limites para pessoas pobres como nós. O pai muitas vezes pode destruir não apenas os seus sonhos, mas os de seus filhos também. 

Quando jovem eu tive muitas vezes raiva do meu pai. Muitas vezes foi grosseiro e estúpido comigo e tudo feito de forma gratuita. Quando era jovem e bem de saúde era igualmente um escroto de marca maior. Infelizmente seguiu os passos de meu avô, um sujeito pra la de tacanho. Com a velhice e a doença passei a ter piedade e compaixão. De certa maneira ele foi mesmo uma vítima, de todos aqueles parentes estúpidos, daquela mentalidade medíocre que existia entre sua própria família. Sobre eles eu sempre quis distância. Era mesmo gente rasteira, do esgoto produndo. É o tipo de gente que nunca quis ao meu redor, em nenhuma época de minha vida. 

Pablo Aluísio.