Provavelmente um dos menos conhecidos trabalhos de John Lennon na carreira solo. O fato é que sendo um disco de covers, "Rock´n´Roll" não chamou tanta atenção assim da mídia na época e nos anos que viriam o álbum cairia em um injusto esquecimento. Existe também um certo preconceito contra o disco. Já li, por exemplo, várias resenhas afirmando que Lennon o gravou apenas para cumprir seu contrato com a gravadora e encerrar sua longa parceria com a Emi-Odeon. Acho esse tipo de atitude apressada. Não considero o álbum um "tapa buraco" na discografia solo de John Lennon, isso é de um simplismo absurdo. O fato é que John vinha vivendo uma fase conturbada na vida (havia se separado de Yoko Ono) e resolveu gravar um LP com as músicas que tinham feito sua cabeça na adolescência. Nada mais de acordo com uma pessoa que se considerava acima de tudo uma "velha orquestra de Rock´n´Roll".
Outros dizem que John apenas gravou "Rock´n´Roll" por uma questão legal. Acontece que após o lançamento da canção "Come Together" John sofreu um pesado processo judicial por plágio por aqueles que detinham os direitos autorais da canção "You Can´t Catch Me" de Chuck Berry. Para não ser condenado Lennon acabaria fazendo um acordo no tribunal. Ele não pagaria uma indenização pesada (algo em torno de alguns milhões de dólares) mas em compensação gravaria a música de Berry. Como ela era em si uma antiga música dos anos 50 ele teria tido a ideia de realizar um velho sonho gravando outras canções antigas, da época em que era apenas um jovem de Liverpool. O fato é que de uma maneira ou outra Lennon se decidiu e resolveu gravar seu disco revival.
O álbum na verdade pode ser dividido em duas partes. A primeira foi gravada com a produção de Phil Spector e a segunda pelo próprio John. Eu pessoalmente gosto muito mais da "parte Lennon" do disco. As músicas que foram produzidas por Phil Spector são mais "pesadas" em seus arranjos e produção, o que acaba prejudicando a própria essência das canções, que tinham arranjos bem mais simples e lúdicos. Spector produziu em excesso as canções, colocando uma quantidade fora do normal de metais e orquestração ao fundo, muitas vezes abafando a própria vocalização de Lennon. Já a segunda parte do disco é bem mais coesa, leve e divertida (como tinha que ser já que estamos lidando aqui com músicas que em sua maioria pertencem aos pioneiros do surgimento do Rock nos anos 50). Lennon suavizou os arranjos, maneirou nos excessos e trouxe vitalidade e leveza ao disco em si. Ainda bem.
Em um depoimento Mick Jagger afirmou que a seleção musical do disco contou com sua preciosa participação. Ele afirma que por essa época começou a sair mais com Lennon e esse o usou de forma deliberada para lembrar de velhos hits da juventude de ambos. Pode ser, já que separado da japonesa, John realmente se uniu a alguns amigos do passado e caiu na vida boa, se divertindo, arranjando confusões e até brigas em boates (esse período de sua vida ele chamava de "Fim de Semana Perdido"). Depois do disco John Lennon finalmente retornou para os braços de Yoko Ono e com o contrato cumprido anunciou que ficaria cinco anos parado, sem gravar nada em estúdio, promessa que cumpriu só voltando a gravar material novo em 1980 no álbum "Double Fantasy". De qualquer forma recomendo e muito a audição do disco, principalmente para quem só conhece o single "Stand By Me". John já não era apenas um jovem rebelde por essa época mas era suficientemente competente para gravar um belo revival do surgimento do Rock´n´Roll.
Três foram os motivos para John Lennon gravar esse álbum chamado "Rock 'n' Roll" que era composto basicamente por diversas versões covers dos clássicos do rock dos anos 50 e 60. O primeiro foi que Lennon tinha que cumprir seu contrato com a EMI / Capitol, a gravadora que lhe processaria em alguns milhões de dólares se ele pulasse fora do barco. Quando ainda era um Beatle ele assinou esse contrato de dez anos e agora tinha que cumprir o que havia se comprometido a fazer. Os Beatles se separaram e John ainda tinha cinco anos de contrato para cumprir! Esse disco foi exatamente o último LP a ser gravado por essa obrigação contratual. Uma forma de finalmente se ver livre da EMI e suas pressões. Pode-se dizer que John ficou muito aliviado de ter chegado ao fim das gravações desse disco. Foi sua liberdade reconquistada.
O segundo motivo foi também cumprir uma obrigação, mas dessa vez judicial. John havia perdido um processo por plágio movido por Chuck Berry. Na conciliação que se seguiu John se comprometeu a gravar algumas músicas de Berry, um artista que ele realmente adorava e respeitava. Bom, nem precisa pensar muito para entender que se iria gravar rocks de Chuck Berry, então era melhor gravar logo um disco inteiro de músicas do surgimento do Rock 'n' Roll nos Estados Unidos. Juntando o útil ao agradável e adotando uma sugestão de Mick Jagger, Lennon resolveu colocar a ideia do álbum em frente. O prazer de gravar tantas músicas imortais acabou sendo assim a terceira e última razão para gravar o disco. Era algo que ele queria fazer já há alguns anos, no final das contas seria um prazer para ele que sempre se considerou acima de tudo um roqueiro ao velho estilo, um verdadeiro cantor de rock.
As sessões só não foram melhores porque John enfrentava uma crise pessoal em sua vida. Poucas semanas antes de começar as gravações sua musa Yoko Ono resolveu dar um tempo no relacionamento que tinha com o ex-Beatle. Nem precisa dizer que isso o devastou emocionalmente. John ficou muito abatido e acabou chamando esse rompimento com Yoko de "o fim de semana perdido". Ele ficou literalmente perdido mesmo e começou a se envolver em confusões, principalmente nas boates de Nova Iorque. Sem Yoko de lado, John voltou a ser o valentão bêbado de seus dias de adolescência quando gostava de brigar nos bares de Liverpool. A diferença agora era que ele estava mais velho e já não tinha mais a energia de seus tempos de juventude. As brigas voltaram e John ficou mal, não apenas emocionalmente mal, mas fisicamente mal também. Passou a acordar todos os dias com uma ressaca infernal. Mal conseguia se levantar para trabalhar em estúdio.
Outro erro foi contratar o produtor Phil Spector para trabalhar ao seu lado. Spector estava vivendo uma fase de profundo vício em cocaína, que o impedia de prestar atenção nos takes, nas gravações. John ficou irritado e acabou demitindo o produtor, assumindo ele mesmo a produção do disco. John, que também estava usando drogas na época, era mais profissional. Ele nunca esqueceu suas origens em Liverpool. Tendo nascido na classe trabalhadora inglesa, onde todos levavam muito à sério o trabalho, John sabia separar o momento das farras do trabalho. Na hora de ir para as gravações para trabalhar John procurava sempre antes ficar sóbrio. No estúdio se mostrava um músico concentrado. Já Spector aparecia cheirado, completamente noiado e cheio de droga na cabeça. John obviamente ficou irritadíssimo com isso. Não demorou muito e Lennon o demitiu na frente de todos, bem no meio do Record Plant, o caro estúdio de Nova Iorque. Ele não precisava de Spector naquela situação deplorável em que ele se encontrava. Ele iria assumir tudo, se tornando o George Martin e também o Paul McCartney de seu novo disco. Iria produzir e fazer todos os arranjos sozinho. Não deixava de ser um desafio interessante para o bom e velho John Lennon. Ele queria se testar novamente.
John Lennon - Rock ´n´ Roll
01- Be Bop a Lula
02- Stand by me.
03- Medley: Rip it up / Ready Teddy.
04- You can't catch me.
05- Ain't That a Shame.
06- Do you want to dance?
07- Sweet little sixteen.
08- Slippin' and slidin'.
09- Peggy Sue.
10- Medley:
Bring it on home to me / Send me some lovin'.
11- Bony Maronie.
12- Ya ya.
13- Just because.
Pablo Aluísio.