segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O Vampiro de Versalhes - Parte 3

Valerie de Versalhes
Paris, 10 de outubro de 1850
Prezada, obrigado por responder minha primeira carta. Já estava esperando ser ignorado. Quando sua carta de resposta finalmente chegou fiquei surpreso e feliz. E digo, felicidade não é algo que tenho sentido muito nas noites, nas sombras, por onde caminho. 

Você tentou descobrir minha identidade, mas errou muito. Eu conheci esse sujeitinho que você citou. Um homem com poucos valrores. Quase fiquei insultado em pensar que você me confundiria com ele. Não, não vá por esse caminho. Você ainda está longe de descobrir minha verdadeira identidade. 

Não fique aflita. Apenas pense em mim como Maximilian, até porque eu tenho pouca ou quase nenhuma identificação com o meu eu do passado. 

Bem, você pediu maiores dicas. Quer saber com quem me envolvi em meus tempos de Versalhes. Tudo bem, é uma reivindicação válida de sua parte. 

Ah, as mulheres... como perdi tempo com elas... Hoje em dia posso entender que muito desse tempo, que nos dias atuais seria valioso, foi perdido com mulheres que no fundo valiam pouca coisa. 

Uma dessas perdas de tempo e esforço me veio à mente quando você pediu que eu falasse mais de meus romances do passado. Então tudo bem, aqui vão algumas informações que penso que você vai apreciar. 

Eu ainda me lembro da primeira vez que bebi sangue. Foi na velha casa que servia de "fazendinha" para Maria Antonieta. Não poderia haver coisa mais inusitada. Enquanto os verdadeiros camponeses franceses sofriam com a grave crise econômica, muitos deles passando fome com suas famílias, a rainha brincava de camponesa em uma fazendinha de mentira perto do Petit Trianon, seu palácio privativo perto em Versalhes. 

Nesse lugar tinha tudo que uma verdadeira fazenda francesa tinha, como bois, porcos, aves, peixes. Só não tinha camponeses de verdade. Quem frequentava aquele lugar era a nobreza entediada que precisava preencher seus dias de tédio com alguma diversão.

Então um jovem Maximilian conheceu a jovem Valerie naquele mesmo lugar. Era filha de um dos serviçais de Versalhes. Uma mulher de longos cabelos pretos cacheados, carnes fartas, com jeito de ser muito quente na cama. 

Carnuda e muito sensual, Val pecava pela dentição ruim e feia. Ali ela se revelava mesmo uma senhorita das classes inferiores. Tinha dois dentes centrais prejudicados, chegando a serem ridículos. Maximilian porém não estava interessado em sexo. Ele poderia satisfazer sua lascívia entre as pernas da mulher quando bem entendesse. Só que ele não queria sua vagina, mas sim sua jugular. Maximilian queria sangue para se alimentar.

E o mais estranho é que Maximilian nem tinha tido consciência ainda que havia se tornado um vampiro, uma criatura da noite. Não sabia quem o havia mordido, provavelmente na madrugada anterior, numa orgia no templo do amor, onde nobres e garotas da plebe se entregavam ao máximo da luxúria. Onde ninguém era de ninguém, onde todos beijavam todos, chupando todos os membros sem se importar quem era os seus donos. 

Na orgia de sexo e bebidas provavelmente perdeu a consciência. Com o pescoço à mostra foi infectado, virando para sempre um desgraçado filho de Satã que jamais encontraria a morte... ou a vida!

Val pensou que Maximilian queria transar com ela. Levantou as saias, mostrou as coxas carnudas. Maximilian deu um salto, tal com um ente predador que ataca sua caça. Ela mal teve tempo de reação. Seus olhos abriram com espanto, tentou dar um grito, mas ele tapou sua boca e em um ato de extrema violência, quebrou seu pescoço. 

O sangue de presas vivas sempre foi mais saboroso para os vampiros. Eles conseguiam sentir o pulso de seus corações no delicioso líquido vermelho, mas como Maximilian ainda era um novato nem pensou muito nisso. Preferia matar, antes de ingerir. O inesquecível para ele nessa noite nem foi o sangue dela corrente em seus caninos, mas sim a sensação única de ver a vida de sua vítima escoar pelas pupilas dilatadas. A morte chegando e a vida indo, lhe trouxe um enorme prazer.

Relembrar esse dia me traz sentimentos e sensações estranhas. Eu não sou mais aquele jovem Maximilian. Hoje levo a experiência e a sabedoria de ter vivido muitos anos. O que era importante para mim naquele tempo muitas vezes não tem mais valor nos dias atuais. 

Ainda assim sinto uma certa pena daquele jovem Maximilian. Não tinha consciência de muita coisa na vida. E estava experimentando pela primeira vez a sensação de ser uma verdadeira criatura da noite. 

E não saber quem me violou, quem me mordeu e bebeu meu sangue, me transformando em um vampiro, me trouxe problemas ao longo de todos esses anos. Em alguns núcleos vampirescos da velha Europa eu ainda sou considerado um ser bastardo, justamente por não saber quem seria o meu mestre. 

Por outro lado minha existência se tornou masi responsável e centrada. Eu não preciso de mestres, eu levo minha própria vida. Eu não preciso de deuses, nem os que habitam os céus e nem os que vivem nas profundezas dos infernos. Eu vivo de acordo com minhas próprias escolhas e decisões.

Eu nem gosto de pessoas. Eu sempre procuro evitá-las, principalmente quando apresentam personalidades tóxicas, gente insuportável. E a maioria dos seres humanos são assim. A maioria da humanidade não vale nada, não crie ilusões sobre isso. 

O mais próximo amigo pode ser o seu pior inimigo, vestido de parceiro. O irmão pode ser o algoz disfarçado. O parente é certamente a serpente que deseja tirar sua vida. A existência solitária é uma benção. A solitude verdadeira é a que traz paz e tranquilidade. Viver com gente desequilibrado consome muita energia e pode inclusive transformar sua existência materialmente falando. Pessoas negativas geralmente deixam as pessoas à sua volta, doentes. Por isso fuja delas, como o vampiro foge da cruz...

Sim, esse foi um trocadilho infame, eu sei, mas tudo bem. Mande mais notícias suas. Estarei esperando com grande ansiedade. Em cartas futuros lhe direi mais... ou não, dependendo das circunstãncias. 

Abraços, Maximilian. 

Anne
Paris, 24 de dezembro de 1880
Estou morto! Minha temperatura corporal é nula. Minha pele vai perdendo a elasticidade se eu não for atrás do néctar dos deuses. O que é o Néctar dos deuses? É sangue humano, minha querida. Eu preciso de sangue humano. Não importa, se de jovem ou velho, homem ou mulher. O sangue humano é preciso para que o corpo não entre em decomposição. Alguns disseram que ratos e animais inferiores eram o bastante. Não são! Só o sangue de um ser humano restaura a beleza da juventude. Eu sou um animal e preciso abater um animal da mesma espécie para continuar existindo.

E eu bem sei que ao ler esse primeiro parágrafo você deve ter dado boas gargalhadas... risadas sem fim... dizendo pra si mesma: Endoidou... 

Eu sei, eu sei, mas minha tragédia é que tudo o que escrevo agora é a mais absoluta verdade... acredite! 

As pessoas gostam de ver vampiros como seres nobres. Não são! São monstros. Se há alguma elegância, se há alguma educação ou modos finos, isso tudo é apenas a antevéspera do ataque. Eu quero morder o pescoço, eu quero quebrar a coluna de quem estou matando. Eu sou um predador e eu sou um imundo das trevas. Todos os vampiros que tive o desprazer de conhecer eram seres repugnantes. Asquerosos... asquerosos! Fingiam ser até mesmo religiosos, mas no fundo eram seres forjados no ódio. Não havia finesse, havia sede de sangue!

Eu quero triturar essa vadia, eu quero matar ela. É bonita? Se acha superior? Eu quero mostrar a ela quem é o superior! Eu sou superior, eu sou eterno! 

E isso me fez lembrar de um amor do passado que reencontrei durante "O Terror", aquela fase insana da Revolução Francesa onde todos morriam... até mesmo os líderes da própria Revolução...

Nunca a guilhotina foi usada tanto como naquele período...

Ela se chamava Anne Dubois. Depois de virar mãe solteira, ao ser usada como vasilha de esperma de um médico arrogante e insensato, ela ficou grávida. Ele a largou.  Quando eu era mortal havia gostado dela. Fui desprezado. Mais do que isso, fui ridicularizado! Maldita, maldita! Agora veja essa vadia. Largada, abandonada. Mãe solteira. Tu não vale nada, mas eu vou sair com você. Eu vou te seduzir na calada da noite. Vou te fazer sentir uma deusa, como nos velhos tempos quando eras jovem e bonita. 

Porém eu vou te destroçar quando levá-la a um quarto de quinta categoria de um bordel imundo de Paris. Eu vou te matar, mas antes vou fazer com que se sinta especial. Depois vou sugar seu sangue, cravar minhas unhas em sua pele bronzeada e vou tirar sua vida.  Com prazer enorme vou te jogar na lata de lixo! Pensa que me desprezou no passado e vai ficar por isso mesmo? Eu vou te destruir, eu vou sugar sua vida, sua desgraçada miserável. O amor não correspondido pode mesmo facilmente ser transformado em puro ódio irracional.

Eu a matei naquela noite em que Maximilien de Robespierre foi para a guilhotina. Eu estava lá... o povo gritou de prazer... e eu pensei, não havia sido esse que também havia mandado tantos para a morte em nome da revolução? Esse é um velho mundo em que nada faz sentido mesmo...

Depois lhe escreverei mais, com mais calma.

Abraços Fraternais,
Maximilian. 

Pesquisas históricas
Essa última carta manuscrita trouxe a primeira grande pista histórica de minhas pesquisas históricas. Segundo consta nos registros policiais o corpo de Anne Dubois foi encontrado numa velha casa no dia 29 de julho de 1794. Ela tinha a cabeça decepada e vários cortes em todo o seu corpo. Pelo tamanho das feridas havia sido atacada por um animal feroz, provavelmente um lobo ou um urso selvagem. Mas quem poderia imaginar um urso andando por Paris? Não havia sentido nisso. Por essa razão o inquérito ficou por anos sem solução até ser arquivado definitivamente cinco anos depois.

Se o que estava escrito era verdade ou não, o autor vampiro revelava tudo. A carta seguinte traria mais detalhes e informações sobre o crime.

Pablo Aluísio. 

domingo, 20 de dezembro de 2009

O Vampiro de Versalhes - Parte 2

A Revolução Francesa
Só que a besta foi solta. E o que era a besta? Era a revolta do povo francês. Durante anos o povo foi esmagado por uma grande crise financeira. Enquanto o povo passava fome, a corte de Versalhes se banhava em festas cada vez mais extravagantes. A Rainha Maria Antonieta desfilava com seus vestidos maravilhosos e seus excêntricos penteados ao estilo Poof. 

Havia uma tensão no ar. O povo sustentava a classe nobre parasita enquanto mal conseguia colocar um prato de comida para seus filhos. Maria Antonieta e os nobres viviam de pura ostentação. O rei Luís XVI logo ganhou uma fama de fraco e impotente pois não conseguia consumar seu casamento para gerar um herdeiro. Havia um clima de panela de pressão prestes a explodir a qualquer momento.

Eu não parecia preocupado. Com 19 anos de idade, estava mais preocupado em levar para a cama as moças da pequena nobreza. Nem é preciso lembrar que a devassidão sexual imperava em Versalhes. Todas as mulheres eram de todos os homens. E alguns homens também eram homens de outros homens. Embora a monarquia passasse a imagem oficial de católica e conservadora, o fato é que a luxúria imperava. 

Mas havia também exageros em publicações anônimas que difamavam a sexualidade da Rainha e do Rei. Eram matérias mentirosas. Maria Antonieta era a mais casta de todas as mulheres da corte e isso posso afirmar com certeza absoluta. Ela pode ter se apaixonada por um militar estrangeiro cujo nome me recuso a escrever nessas linhas, mas dizer que ela era uma pervertida é uma grande mentira. Eram mentirosos todos esses folhetins que circulavam pelas ruas do reino...

Ainda assim, as mentiras prevaleceram. A Rainha Maria Antonieta ganhou fama de devassa, com gravuras pornográficas sendo vendidas em toda Paris. Eu particularmente detestava política, além disso estava em uma fase de vício em sexo, de todas as maneiras, de todas as formas. De uma forma ou outra senti que havia algo de errado no ar. Tudo parecia prestes a explodir em violência e insanidade.

Minha pecadora existência porém estava prestes a chegar ao final. Em pouco tempo a Revolução Francesa bateria à porta da minha tranquila e perfeita vida. O mundo estava prestes à virar de ponta-cabeça.

Quando me lembro daquele jovem Maximilian sinto pena dele, de verdade... Era um jovem inocente vivendo em tempos conturbados, mas que não sabia direito o que estava surgindo em seu horizonte...

Fazia quantos anos que eu havia visitado Versalhes pela última vez? Essa conta não se faz com anos, mas com décadas. Fazia seguramente mais de 70 anos que eu havia atravessado aquelas portas... e agora tudo parecia tão diferente.o havia mais toda aquela elegância das pessoas da nobreza andando por seus corredores. Não havia a pompa e o luxo de Versalhes. Não havia mais nada. As pessoas que agora andavam por aqueles corredores eram turistas com suas roupas de plebeus e má educação no trato social. Gente sem qualquer sofisticação social. Um horror!

Eu decidi voltar para Versalhes para um exercício de nostalgia e também para dar um último adeus. Estava pensando em ir embora da França para sempre, correr o mundo, visitar outros países, outras culturas... O que não me faltavam eram meios e tempo para isso... eu sou eterno! 

Eu deveria estar morto há séculos. Todas as pessoas que conheci em meus tempos de juventude estão mortas e há muito tempo. Eu até me arrisquei a visitar há pouco o túmulo de Maria Antonieta. Pobrezinha. Cortaram sua cabeça, jogaram seu corpo em uma vala comum, jogaram cal por cima de seu rosto lindo. Um fim de vida trágico.

Ao contrário do que disseram aqueles revolucionários imundos, ela foi uma boa pessoa. Quem a conheceu sabe disso. Era uma pequenina mulher de enorme coração. Não merecia em absoluto o destino cruel que teve. Fico até muito triste quando me lembro de tudo isso. Trágico é uma palavra limitada para descrever. 

Agora de volta a Versalhes revi todos os salões, todas as salas, que um dia vivenciaram uma linda história da monarquia francesa. O Palácio com seus inúmeros espelhos realmente representava um desafio a um ser cuja imagem não se refletia neles. Também choro e dou risadas pequenas, internas, quando me lembro de tudo o que vivi. Ficava parado sem passar na frente de um espelho se houvesse muitas pessoas próximas. Não queria que descobrissem meu maior segredo.

E ao adentrar o quarto que um dia pertenceu a Maria Antonieta, chorei. Não apenas pela dor da morte horrível da amiga, chorei pela morte de toda uma era. Chorei pelo fim das grandes festas. Chorei ao saber que nunca mais iria fazer parte de uma corte tão maravilhosa como aquela. 

Pensar que aquele mundo não mais existia, que aquelas pessoas não mais estavam vivas... 

Olhei para o chão, as lágrimas correram pelos meus olhos...

O mundo em que vivo é sem brilho e sem glamour. Os revolucionários franceses envenenaram a alma dos homens. Eu havia vivido toda essa história na pele. Estava na Rússia quando a revolução dos comunistas tomou o poder. Vi a mesma situação se repetir, de forma ainda mais sangrenta.. Testemunhei o sangue escorrendo da montanha mais uma vez... 

E chorei novamente por lembrar de tudo o que aconteceu...

Bastilha
Abrindo qualquer livro de história dos dias atuais vemos que para os historiadores modernos o estopim da revolução foi a tomada da Bastilha pelo povo francês. Essa é uma visão bem reducionista. Como estava em Versalhes posso trazer a percepção daqueles acontecimentos com mais nitidez. Na verdade a tomada dessa prisão foi apenas um evento entre tantos outros que aconteciam praticamente ao mesmo tempo. 

No meu caso e no caso de Maria Antonieta penso que só tomamos consicência de tudo quando uma multidão se formou diante dos portões principais do Palácio. Era um mar de gente. Na minha mente ficou bem claro a imagem daquelas mulheres com foices e facas nas mãos. A maioria delas trabalhava nos mercados de Paris e tinham marchado até Versalhes. Diziam estar famintas, em busca do pão de cada dia...

Inventou-se que Maria Antonieta teria dito que deveriam dar brioches para aquelas mulheres caso não houvesse mais pão. É uma mentira. Ela nunca disse isso. Era inclusive uma velha mentira pois essa frase já era atribuída há muitos anos a rainha de Luís XIV. Tudo mentira dos revolucionários. Eles faziam isso para que povo ficasse ainda mais enfurecido com os monnarcas. E como eles eram jovens e de certo modo despreparados para lidar com aquilo tudo, aconteceu o pior. Foram parar na Guilhotina. 

Olhando para o passado fico pasmo ao constatar que consegui escapar de todo aquele tumulto no dia em que passaram por cima dos guardas e entraram no palácio. Aquelas mulheres dos portões ficaram frente a frente com a Rainha. Não sei como Maria não foi esfaqueada naquele dia tenebroso. 

Eu escapei, penso agora após inúmeras reflexões, por ter sido da chamada baixa nobreza. Eu não era um conde, um visconde e nem um barão. Eu era apenas um jovem que frequentava Versalhes. Provavelmente os nobres da alta nobreza me viam apenas como um rapaz simpático, mas no fundo um pobretão, que olhando para o passado, hoje, percebo ser algo mais próximo da realidade em que eu vivia, muito embora definitivamente não tivesse essa consciência na época. Era quase como se eu fosse o filho do mordomo de Versalhes, vamos colocar nesses termos. 

Pois bem, no dia em que levantaram as lanças com as cabeças de alguns nobres espetadas no alto delas, eu já estava definitivamente misturado no meio da plebe. Eu podia fazer isso, sem problemas. Ninguém nunca me parou pra perguntar quem eu era e se eu era um nobre. Acredito que não tinha essa aparência, nem as roupas que iriam me denunciar. 

E como eu sempre gostei de ler as obras dos iluministas, tinha a bagagem cultural para a conversação ideal com os revolucionários. Como um lobo em pele de cordeiro, me disfarcei e nesse processo também me salvei, me preservei. 

E foi do meio da multidão que compareci ao dia em que Maria Antonieta foi levada até a guilhotina. Estava muito envelhecida precocemente. Tinha passado por todas as infelicidades que uma mulher pode passar. Ela foi colocada numa carruagem simples e passou no meio da multidão. 

Digo, não houve insultos a rainha. Era de um silêncio absoluto quando passou no meio do povo. Ela estava altiva e em minha opinião não tinha perdido em nada sua majestade. Ao subir no lugar de execução pisou sem querer no pé do carrasco e pediu desculpas a ele. Sempre foi uma dama, em todos os sentidos. 

Mesmo em seus últimos momentos a rainha manteve seu jeito de ser. Era fina, elegante, educada e carismática. Sabe, quando penso que ela foi morta por aquelas mulheres vulgares da peixaria, que só sabiam dizer palavrões e ofensas, minha alma fica gelada. 

Existe muita injustiça no mundo e não é aquela que essas pessoas dizem lutar. Elas é que promovem todas essas injustiças. Na minha opinião mataram a rainha por ressentimento, ódio e maldade. Nada disso tem a ver com valores como honra, justiça e honestidade.

Ao longo da minha existência conheci muitos revolucionários, nunca encontrei essas qualidades em nenhum deles. Eram em sua grande maioria oportunistas, gente da chamada raia miúda, que vinham uma oportunidade de subir na vida, mesmo que â custa da morte de outras pessoas, mesmo à custa de muito sangue vermelho manchando as ruas de Paris. 

Quando a lâmina desceu e sua cabeça rolou para dentro do cesto eu não pude realmente acreditar no que via. Estava tudo acabado. O velho mundo havia desaparecido para sempre. E o novo mundo dos revolucionários franceses era simplesmente assustador...

Pablo Aluísio. 

O Vampiro de Versalhes - Parte 1

Maximilian
Esse era o nome. O único que ele assinava em uma série de manuscritos e cartas. Não se sabe até hoje com certeza sobre sua identidade, sua história. As cartas, amareladas e envelhecidas pelo tempo, foram encontradas em uma seção um tanto esquecida da biblioteca nacional em Paris. Algumas mostravam sinas de grande desgaste, outras estavam chamuscadas, como se tivessem sido jogadas em alguma lareira e depois salvas em um último momento. 

De uma maneira ou outra, o que chamou a atenção dos especialistas não foi o estado do material, mas sim seu conteúdo. As cartas traziam diversas datas, algumas com até 200 anos de diferença! Tempo demais para que um ser humano as tenha escrito de próprio punho. A vida humana, como todos sabemos, não dura tanto tempo. 

E aí vai a grande novidade desses textos. Além de terem sido escritos em um período muito longo de tempo, elas também abismaram os historiadores pois quem as escreveu garantia que era uma criatura da noite, um vampiro!

Ora, senhores racionais, homens de pesquisa, vampiros não existem! Então vamos partir para uma nova visão, a de que tudo não passaria de mera literatura. Tudo bem, poderia ser uma resposta viável e racional para tudo o que lemos ali, mas as mais antigas cartas tinham sido escritas muitos anos antes de Drácula, o romance de Bram Stoker. Pior do que isso, testes e perícias feitas nas cartas atestaram que elas eram legítimas e tinham sido escritas exatamente nas datas que traziam em seus cabeçallhos...

Um grande mistério...

As perícias também demonstraram que a caligrafia e o modo de escrever também pertenciam a mesma pessoa. Isso não fazia muito sentido. Como alguém poderia ter escrito as cartas se entre a primeira e a última havia se passado mais de dois séculos?!...

Vai ver esse tal de Maximilian estaria enfim dizendo a pura verdade, mesmo sabendo que essa verdade não seria aceita nos dias racionais que vivemos hoje em dia. 

Para tentar encontrar alguma lógica eu procurei pela pesquisa. Como pesquisador e historiador que sou, decidi correr atrás, pegar as datas que estavam nas cartas e procurar por informações que as comprovassem em jornais de época... Uma grande loucura, mas pensando bem, todos os tipos de historiadores possuem um elemento de loucura...

E através das próximas páginas vou reproduzir aqui o pensamento de Maximilian, suas impressões sobre o mundo, as coisas que vivenciou e viu ao longo de uma, pelo que consta, longa e interessante vida... 

E se possível pretendo finalizar essa longa pesquisa tentando encontrar sua verdadeira identidade. Vampiro ou não, gostaria de saber de uma vez por todas sobre quem teria sido esse misterioso ser que carinhosamente até pensei em chamar de "O Vampiro de Versalhes"...

Tempos de Juventude
Paris, 19 de setembro de 1850
Resolvi escrever essa carta para lembrar, lembrar de um tempo que não mais existe. Antes de mais nada, devo me apresentar. Basta me chamar de Maximilian. Esse não é o meu nome real, mas é o nome pelo qual sou chamado agora. Eu a encontrei há muitos anos e você me conheceu pelo meu nome real, meu nome humano. Penso e acredito que conforme for lhe contando minha história você saberá de quem se trata. E então tudo ficará mais claro em sua mente. Talvez você sinta pena da minha pessoa ou então lamente por não ter vivido todas essas histórias ao meu lado. Não podemos subestimar a mente e o coração de uma mulher apaixonada. 

Faz tanto tempo dessas lembranças que simplesmente penso que foi em uma outra vida, fui uma outra pessoa, um outro ser. Quando olho para o passado simplesmente fico pasmo pelas coisas que consigo me lembrar. A maioria das lembranças se foi pelas areias do tempo, mas outras sobreviveram, ficaram marcadas em minha mente para todo o sempre. Nem parece que vivi tudo aquilo que me lembro agora... 

Maximilian foi um jovem afortunado. Nasceu em uma família nobre, ligado à Casa de Bourbon, a casa real francesa. Foi criado brincando nos jardins de Versalhes com o pequeno Louis. Quem seria esse amigo de infância? Ora, seria o futuro rei Luís XVI, de triste memória, pois o destino quis que ele se tornasse o último monarca da França pré-revolução. O adolescente Maximilian  também foi grande amigo de juventude de Maria Antonieta. 

Quando ela foi para Versalhes, vinda de sua terra natal, a Áustria, a garota tinha apenas 14 anos de idade. Mal sabia falar a língua de seu futuro marido. Na época era comum as casas nobres trocarem casamentos entre seus membros. Era uma forma de selar a paz entre países e nações.

Ela iria se tornar a última Rainha da França, quem diria... Pessoalmente era uma mulher miúda, pequenina mesmo. Cabelos brancos, como era a moda na nobreza. Muito simpática, muito instintiva. Ao contrário de seu futuro marido, que muitas vezes não passava de um tonto bondoso, Maria tinha muita personalidade. Ainda lembro de seus grandes olhos azuis, que inclusive eram míopes como um morcego... Então quando ela parava seu olhar em você não significava que estava lhe paquerando ou algo do tipo, mas apenas que tentava enxergar alguma coisa...

Adorava cavalgar e tinha os melhores cavalos da França. Esse foi o principal elo de ligação da nossa amizade. Eu também, enquanto jovem ser humano cheio de vida, também adorava cavalgar. Maria saía nos bosques do Palácio de Versalhes e ficava horas cavalgando... Esse foi certamente o período mais feliz de toda a sua vida... A liberdade que desfrutou foi maravilhosa. 

O Rei Luís XV adorava Maria Antonieta e de certa maneira a protegia dentro da corte. Ele sabia que o jovem Délfim, herdeiro do trono, era um rapaz um tanto obtuso. Ele tinha esperanças que a futura Rainha tomasse o controle do reino quando ele já não estivesse mais vivo. 

Sua vida humana foi no luxo, na fartura e na festa, isso na corte mais luxuosa e excêntrica da Europa. Memoráveis foram as festas à fantasia promovidas pela amiga Antonieta, onde todos os membros da corte surgiam em fantasias belíssimas, com muita pompa e elegância. Tempos maravilhosos. 

Eu realmente não tinha muitos talentos pessoais, não era particularmente estudioso e tampouco me preocupava em construir o futuro com meus próprios méritos. Isso não existia, em absoluto. Só pelo fato de ser um nobre já me definia como um homem bem sucedido. E o fato de ter sido amigo pessoal do casal que reinaria na França me qualificava para qualquer cargo público que quisesse, onde pretendesse e com o salário que pedisse. Era assim naquele mundo de altos privilégios.

Nesses anos de puro deleite tive algumas experiências inusitadas com a futura Rainha. Numa delas fomos parar em um lugar bem longe do Palácio. Fazia um pouco de frio e paramos um pouco para recuperarmos o fôlego. Maria se aproximou e sentou em meu colo. Confesso que minha vontade era beijá-la, mas isso obviamente seria visto como uma traição à coroa. 

Mas não passou em branco. O jovem Maximilian não perdoaria nenhuma mulher, mesmo que ela fosse a prometida ao futuro rei. Desse momento nasceu um beijo muito terno e carinhoso à beira do lago azul. Foi um momento belo, de dois adolescentes descobrindo o amor. Não havia nada de malicioso ou cruel, mas obviamente a sexualidade veio à flor da pele. 

Vendo que as coisas estavam saindo um pouco do comum e do controle, Maria Antonieta se recompôs. Olhou para o horizonte e desconversou, dizendo que uma tempestade iria chegar e que tínhamos que ir embora logo.  Continuamos amigos nos anos seguintes. Como eu fazia parte da corte sempre a encontrava nos salões de baile ou nos corredores de Versalhes. Sempre que me via abria o sorriso. Sempre parecia realmente feliz em me encontrar e jamais voltou a tocar novamente na lembrança daquele beijo adolescente inocente. 

Respeitei suas decisões. Era uma mulher católica e estava comprometida. Não iria desrespeitar sua posição com alguma fala que de alguma maneira a chocasse. Ficou uma lembrança que apenas a nós pertenceu. Nunca mais falamos naquilo, mas o olhar, a maneira de olhar dentro dos meus olhos, deixava aquela mensagem subliminar de que ela não havia esquecido aquele momento. 

Era o nosso momento. Estava em nossas lembranças e isso era no final o que importava. 

Pablo Aluísio. 

sábado, 19 de dezembro de 2009

O Lobo da Escócia - Parte 7

Tochas, tochas ao vento!
Naquela noite muitas tochas foram acessas! Um grupo de mais ou menos 50 homens se reuniu na praça central do vilarejo. Estavam determinados a caçar o lobo, custe o que custasse! Cada um trouxe sua própria arma de fogo. A maior parte dos caçadores era formada por homens experientes. Todos imigrantes alemães, homens que vieram para a Escócia com o firme propósito de recomeçar suas vidas, lutar por dias melhores. Eles conheciam bem aquela floresta escura. Muitos deles tiravam o sustento de suas família justamente daquele lugar. Ninguém estava receoso ou com medo. Ao contrário disso estavam muito motivados!

Uma exceção naquele grupo era justamente Jack. Era o único homem naquele bando que sabia o que estava acontecendo. Ele havia vendido alguns bens e conseguido forjar mais 3 balas de prata. Era agora ou nunca. Ele tinha que encontrar Mark e colocar um fim em sua vida, caso contrário tudo iria recomeçar, as mortes, a transformção de uma nova vítima, os ataques nas noites de lua cheia. Era o momento de colocar um fim em tudo aquilo. 

O grupo decidiu que os homens iriam entrar na floresta em pares. Dois homens, lado a lado, um apoiando o outro. E as duplas não poderiam ficar muito longe de si. Tinham que estar em uma distância em que um grito ou um tiro poderia ser ouvido pelos demais. Uma tática e uma estratégia de proteção. 

Quem ficou ao lado de Jack foi Ernest, um imigrante alemão na casa dos 40 anos. Homem forte, rude, bom de tiro. Eles entraram na floresta com a firme convicção de que iriam encontrar o lobo selvagem.

E para surpresa deles realmente encontraram pistas ao lado de uma carruagem com dois cavalos negros. O único ocupante, revelava as pegadas no chão, havia deixado aquele lugar há pouco tempo. O mais estranho de tudo é que as pegadas humanas eram substituídas por pegadas de um animal, de um lobo grande! Jack sabia o que isso significava. Mark estava transformado. 

Por um instante se distraiu, mas ao olhar para cima de uma pequena colina avistou o lobo!

- Ali, no alto, vamos! - Gritou Jack para seu companheiro de caçada. 

Eles correram o mais rápido que podiam. O lobo ficou parado, esperando a chegada dos homens. Os dentes rangiam, a baba branca descia por sua boca. Ele fez posição de ataque e correu em direção aos homens...

Ernst parou, fez posição de disparo e atirou... 1, 2, 3 vezes... Ele devia estar vendo coisas pois acreditava que havia acertado o lobo, mas esse não se deteve, continuou a correr em sua direção... de forma rápida e feroz... pura selvageria...

Ao chegar perto o grande lobo ficou de pé na frente de Ernst e só aí ele entendeu que não estava lidando com um animal normal...

O bicho, em pé, tinha mais de dois metros de altura. Braços muito fortes, Olhar de puro ódio insano... Então o monstro fez um gesto rápido, puxou seu braço para trás, para então desferir um golpe certeiro na cabeça de Ernst...

Ela saiu rolando pelo chão... Jack assistiu a tudo e ficou estarrecido com a visão da cabeça do homem sendo arrancada por um golpe do lobo...

Então Mark, em forma de besta, virou-se para Jack. Olhos nos olhos. Um clima de tensão no ar. Jack levantou sua arma, mirou e conseguiu perceber, mesmo nesse momento de grande tensão, que Mark mesmo transformado em fera, conseguia lhe reconhecer... talvez por essa razão não tenha pulado em seu pescoço...

Mas não havia tempo de especular... Jack imediatamente mirou e atirou... a bala prateada saiu com extrema força indo se alojar no braço da besta!

Um uivo assustador foi ouvido ao longe...

Os demais caçadores ouviram os tiros e os barulhos da luta e correram em direção àquele lugar...

Mas chegaram tarde.. pois o grande lobo havia conseguido fugir entre as árvores da floresta...

A noite o ajudou a fugir... Sombras, queridas sombras, salvando as criaturas da noite...

Mausoleum
O corpo de Mark foi encontrado alguns dias depois em um caminho para a cidade de Glasgow. Ele estava no chão, caído ao lado de sua carruagem de dois cavalos negros. O inspetor daquele lugarejo empoeirado e lamaçento havia seguido os passos de Mark nos últimos dias ao lado de dois investigadores. Trazia em mãos seu mandado de prisão. Não houve tempo de cumpri-los. As investigações revelaram que no último dia de sua vida Mark sangrou bastante em seu braço, mas conseguiu se recuperar.  

Comprou uma espingarda de caça a raposa. Depois comprou dois pacotes de munição especial. Eram balas de prata, tiradas das minas de Montana, nos Estados Unidos. Algo caro, que apenas um jovem de família rica como ele conseguiria comprar tão facilmente.

Quem o encontrou foi um senhor, um velho camponês que morava perto. E ele tinha mais a dizer. Disse aos policiais que ouviu o tiro que matou Mark, mas que não foi até o local por puro receio de também sofrer alguma violência. Havia ladrões e bandidos atuando naquela área, principalmente pelas madrugadas. No dia seguinte, ao amanhecer, foi até o caminho e encontrou Mark morto no chão. O inspetor descobriu que Mark havia se matado com um tiro na cabeça. O mais estranho em seu corpo é que um de seus braços estava absurdamente peludo para um ser humano.

A conclusão que o inspetor chegou foi algo que ele guardou apenas para si mesmo. Seria absurdo colocar isso em um relatório policial. Apenas em sua mente ele decifrou os acontecimentos. Era óbvio que Mark havia se matado durante sua jornada. Mas o que aconteceu? Para o inspetor ele começou a sofrer uma transformação. Era sexta-feira, noite de lua cheia. Sim, o inspetor, mesmo que não dissesse isso a ninguém, estava convencido que Mark estava se transformando em um lobisomem naquele momento. Desesperado, já com o braço direito em transformação, ele desceu da carruagem, pegou seu rifle, armou com duas balas de prata e atirou contra sua cabeça. Esse foi o seu fim.

Dentro da carruagem do suicida, o inspetor encontrou um livro chamado "Lendas e maldições do Lobisomem". Estava claro que Mark o estava lendo, pois havia muitas marcações em suas páginas. O inspetor pegou o exemplar e o tirou da cena do crime. Ele iria defender a tese de que Mark sim havia se matado, mas o havia feito em um surto psicótico. Ele estava sofrendo de algum distúrbio mental não diagnosticado. No auge da loucura havia decidido acabar com tudo. Esse seria o teor de seu relatório. Para poupar ainda mais a família e evitar problemas para ele, como servidor público, omitiu do relatório qualquer ligação de Mark com as mortes de mulheres. A família poderia ficar ofendida e destruir sua carreira, caso isso viesse a parar nos jornais.

Mark foi enterrado no cemitério local. Não muito longe dali, na chamada "viela dos pobres", onde pessoas mais humildes eram enterradas, havia sido enterrada sua amada Katja. Eram tão jovens... morreram tão jovens... era algo a se lamentar. A família de Mark ficou arrasada e muito consternada com sua morte. Ele foi sepultado no bonito mausoléu de seu clã. Seu caixão foi depositado ao lado do lugar onde seu avô, um dos homens mais ricos da história da Escócia, há alguns anos jazia.

Curiosamente, com o passar dos séculos, aquele mausoléu ganhou fama de amaldiçoado pelas pessoas que moravam na cidade. Dizia-se que em noites escuras de lua cheia um lobo solitário, todo branco, ai até lá e uivava para a luz do luar. A fera tinha olhos vermelhos de sangue e não parecia ser desse mundo. 

A lenda urbana iria inspirar um jovem escritor a colocar no papel toda a história que era contada nas tavernas da região. Era a história de um jovem rico, estudante de uma das principais universidades escocesas, que nas noites escuras se transformava em uma besta assassina. Quem poderia discordar de algo assim? Absolutamente ninguém... O uivo do lobo nas noites tem seus próprios segredos seculares...

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O Lobo da Escócia - Parte 6

Sexo, fúria e selvageria
Mark se tornou um lobo naquela mesma noite. Era sexta-feira de lua cheia. Impossível resistir ao chamado do lobo. Logo ele começava a suar em profusão, sentindo sua pele se revirar completamente. Era uma dor insana, uma dor da morte. Seus dentes caninos cresciam e forjavam sua caixa craniana. 

Geralmente nesses momentos ele desmaiava da dor insuportável que sentia. Perdia os sentidos. O homem era deixado de lado. A basta fera tomava o controle. E uma vez dominado, não havia mais nenhum pensamento racional em sua mente. Tudo que pensava em satisfazer seus desejos mais primitivos, como fome e sexo.

A fome logo foi saciada no bosque. Um cervo passeava tranquilamente na floresta, pensando estar seguro, coberto das sombras, quando o lobo o atacou. Era Mark transformado. Ele imediatamente atacou a jugular da pobre criatura. o sangue jorrou e lhe trouxe um prazer indescritível. Era insano, era selvagem, era maravilhosamente delicioso. Enquanto o animal morria, vendo sua vida escorrer por suas artérias, Mark se saciava, dando grandes mordidas em seu couro forte e resistente. Quando a pele finalmente rompia ele gritava para a luz do luar. Estava em êxtase completo.

Foi quando ouviu galhos se quebrando. Era uma pessoa. Melhor, era uma mulher. Andando no meio da floresta, no meio da noite, completamente indefesa. Tudo o que o lado bestial de Mark mais queria. Após saciar sua fome era hora de saciar sua lascívia. Não houve tempo de reação. A pobre garota gritou, mas não havia ninguém para ouvir. Mark pulou em cima dela, arrancando suas roupas com os dentes. Logo dois lindos seios rosados foram iluminados pela luz da lua da meia noite. Mark a possuiu com ferocidade, ali mesmo, no meio do mato, na areia do solo da floresta. Seu membro absurdamente aumentado por sua transformação praticamente rasgou a pobre garota em duas! Foi uma cena que o próprio Satã assistiu, tomando doses de vinho milenar e dando gargalhadas no meio da noite.

- Veja, seu desgraçado... Seu bastardo... veja... no que sua "genial criação" se transformou! - Era o anjo caído debochando e desafiando Deus. 

Era óbvio que ele, mais uma vez, queria demonstrar que o ser humano, dito como a maior criação de Deus, era uma piada infame. O seu ser humano, agora transformado em besta, devorava viva uma bela jovem loira de olhos azuis - Tome seu bastardo, tome seu canalha - Gritava Satã entre gritos e risadas diabolicamente ensandecidas.

Mark, ou melhor, a besta, continuou a possuir com ferocidade a jovem garota. Depois em um momento de pura fúria teve um orgasmo absoluto, feroz, incomparável. Ele estava fora de si, transformado em lobo. Lembrou de Katja, sua jovem amada, agora dentro de um caixão. Pensou em ir ao cemitério para tirar ela da sepultura, para fazer amor com seus restos mortais.

Satã, com seu poder de entrar na mente de Mark, deu risadas histéricas daqueles pensamentos. Imagine, depois de um ato de bestialismo, teríamos agora um ato de necrofilia. Esse Mark era realmente um de seus filhos malditos, um de seus ungidos nas escuras cavernas do inferno profundo. Satã dançava entre as árvores da floresta, ria de forma sarcástica, bebia o vinho derramando em seu corpo. Era a personificação do deboche, da blasfêmia, da sagacidade. Poucas vezes ele havia se divertido tanto como naquela noite escura.

Mark, ou melhor dizendo, o Lobo, continuou a correr pela floresta. A percepção de liberdade era absoluta em sua mente. Transformado em fera, Mark corria pelos bosques escuros na noite, se desviando das árvores, atacando qualquer animal e ser vivo que cruzasse em seu caminho...

Seu nível de consciência humana ainda existia, ainda apresentava resquícios, mas esses eram fugazes. Ele via o Diabo correndo ao seu lado. Tinha a figura clássica, chifres, pele vermelha, mas o corpo era de um equino, forte e saudável. Na forma de animal o ser das trevas não fala como Mark diretamente, apenas entrava em sua mente. Ele o sentia e ele o ouvia... 

Provavelmente a mente humana transformada em lobo modificava sua percepção do mundo, causando alucinações ou então revelava o mundo ao redor como ele realmente era de fato! Abria as portas da percepção sobre o mundo espiritual que existe ao nosso redor...

Sua caçada noturna continuou e nada iria parar a besta. Ele queria sangue e carne, carne e sangue. Encontrou algumas ovelhas no pasto, sinal de que havia habitações ali por perto. Com instinto em alta, atacou todos os animais. Foi uma orgia de sangue... Mark, sem ter consciência completa no que havia se transformado, uivava para a Lua com imenso prazer...

Nunca havia sentido tanto prazer da carne... Então, ainda na forma de lobo, avistou uma cabana ao longe. A fumaça saindo da chaminé mostrava que havia moradores por lá. E isso significava carne humana para se devorar... Não tardou e o lobo correu em direção àquela habitação rústica no meio da floresta... o pior estava por vir...
N
aquela cabana morava uma família de imigrantes alemães. Pai, mãe e uma filhinha de pouco mais de cinco anos. Foi ela quem primeiro sentiu a presença do lobo. A fera havia subido no telhado, fazendo barulho, quebrando coisas, telhas, rosnando de fúria. A menininha percebeu tudo e correu em direção á cama do casal...

- Mamãe, papai, tem um bicho mau em cima da casa! - A garotinha havia acertado em cheio sobre o que estava acontecendo. 

Hans, seu pai, um homem vigoroso, com quase dois metros de altura, forte, com músculos criados na dura rotina do campo, logo percebeu que algo estava acontecendo. Em um piscar de olhos foi atrás de sua espingarda, pegou as balas e disse que iria espantar o animal. Ele se virou para a esposa e disse: 

- Proteja nossa filha! Vou matar esse bicho...

Abriu a porta e viu o grande lobo em cima do telhado. Era Mark. Os dois olhos se cruzaram. O alemão não se intimidou em nenhum momento. Colocou as balas e fez mira. Atirou e acertou o lobo...

Só que aquelas não eram balas de prata. Não tinham efeito nenhum sobre o corpo bestial daquela fera. Não demorou nada, Mark pulou em cima do homem. A filhinha gritou... o caos era completo...

O lobo foi direto na jugular. O homem ainda tentou se defender usando sua própria arma como defesa, mas o ataque era forte e preciso. Ele não tinha forças suficientes para enfrentar aquele ser de puro ódio, pura ferocidade no mano a mano...
Em poucos minutos estava rendido e sem forças para continuar lutando... A mãe e a filhinha ficaram desesperadas dentro da cabana. A porta estava aberta, o lobo poderia pular para dentro para terminar sua carnificina, mas...

O lobo ficou parado diante das duas pessoas indefesas, a mãe e sua filhinha. Um mínimo de consciência humana parecia agir ali sobre a sua mente, o instinto feroz daquele monstro. Algo o fez parar, talvez a visão de uma criança indefesa tenha de alguma forma alertado sua mente humana adormecida de que aquela era uma linha que ele não poderia ultrapassar...

Mesmo rosnando, com a boca aberta, dentes à mostra, boca cheia de sangue de sua última vítima, o lobo não atacou! Após dois minutos parados diante da mãe e sua vítima, o feroz animal pareceu se acalmar, olhou para o lado uma vez, depois para o outro lado e... correu em direção à floresta...

A mãe, debruçou-se de joelhos, agradecendo a Deus, pois realmente não teria como se defender caso aquele lobo caso ele resolvesse atacar, era um sinal de que anjos do Senhor tinham descido naquele lugar... E a felicidade se intensificou quando ela descobriu que seu marido estava vivo... estava muito mal, sangrando pela garganta, muito mal, mas estava vivo...

Ela saiu e gritou o mais alto possível....

- Socorro! Socorro! Me Ajudem!

A filha pequena apenas chorava, soluçava de tanto chorar...

Carta a um Amigo...
Quando os inspetores entraram no quarto onde Mark vivia encontraram uma grande bagunça. Roupas rasgadas (e cheias de sangue) pelo chão, mau cheiro, podridão, moscas. Nada parecia lembrar o asseado estudante universitário do passado. A polícia já estava atrás de Mark há alguns dias. 

Ele foi visto saindo, praticamente nu, de uma das cenas de crime. Ali perto, a poucos metros, jazia o corpo de uma jovem que havia sido literalmente estraçalhada por uma selvageria poucas vezes vista. Assim o novo inspetor já sabia por quem procurar. 

Ele começou uma série de investigações e descobriu alguns fatos interessantes. Mark há muito já não frequentava as aulas na universidade. Estava sempre apresentando um comportamento estranho, esquisito. Não falava mais com os velhos amigos, parecia perturbado da mente e do corpo. 

Seu cheiro ruim passou a ser comentado por colegas de classe. Ele não conseguia mais prestar atenção às aulas e fugia das provas. Numa dessas ocasiões chegou a quebrar um lápis bem no silêncio do teste. Aquilo chamou a atenção de todos. Ele apenas se levantou, jogou a prova no chão e se foi, grunhindo algumas palavras que ninguém entendeu.

Parecia estar sempre suado, enervado, colérico. O menor sinal de aborrecimento levava à ira. O menor comentário que ele considerasse ofensivo... partia para cima de quem dissesse tais palavras. De jovem calmo, sereno, amigo, culto, passou a ser visto como um sujeito rude, grosso, ignorante. Estava sempre vermelho, prestes a explodir. Era irascível, brigão... parecia estar sempre em busca de briga. Virou um valentão nos corredores da universidade. Destruiu sua imagem, virou uma paródia de si mesmo. Esse foi o quadro que surgiu de diversas entrevistas com outros estudantes.

Na carta que foi encontrada dentro de seu quarto, o inspetor descobriu mais sinais de que ele poderia ser o assassino selvagem e mordaz que estava há tempos procurando. A carta estava amassada, quase rasgada. Foi encontrada dentro de um balde onde o estudante jogava fora suas anotações. Era algo bem bizarro ter encontrado aquele manuscrito no meio de um monte de outras folhas de estudo. Ele estava com a mente alterada, por isso não devia se esperar por algo lúcido.

A carta tinha o seguinte teor: "Carta a um amigo. Estou muito mal nos últimos dias. Tenho passado por sintomas estranhos. Tenho momentos de delírio e loucura. Alucinações passam pela minha mente. Eu me vejo como um lobo no meio da floresta, correndo entre as árvores, caçamdo pequenos e grandes animais. Sinto uma vontade imensa de consumir carne... humana! Quero matar, quero dilacerar... não sei o que está acontecendo comigo. Acima de tudo quero registrar no papel o que se passa em minha mente nesse momento tormentoso de minha vida!” 

Em um raro momento de lucidez nos últimos dias foi até a biblioteca da universidade em busca de respostas. Nos livros de medicina encontrou algo que poderia ser a resposta para suas muitas perguntas. A palavra que poderia lhe salvar era: licantropia! É isso, decidiu ir atrás de um especialista, atrás de cura... precisava se curar! 

Pablo Aluísio.

O Lobo da Escócia - Parte 5

A Revelação
Jack abriu os olhos. Estava exausto da noite anterior. Cada músculo de seu corpo doía. Não era algo de se admirar. A tensão de enfrentar dois monstros ao mesmo tempo cobrara seu preço. Jack quase não conseguiu se levantar. Ele, após certo esforço, finalmente ficu de pé. Colocou um pouco de água para ferver e tomou seu café da manhã. E saiu da cabana onde morava para fumar um pouco. Ele tinha que fumar pela manhã para começar bem o seu dia. 

Ele estava ansioso. Queria comprar o jornal daquela manhã. Se tudo desse certo, ele leria em primeira mão a notícia da morte do jovem Mark. A polícia teria encontrado seu corpo no meio da floresta. Estaria nu e alvejado por balas. O lobo cinzento também estaria morto nas previsões do velho Jack. Essa pelo menos era a sua esperança. Provavelmente o lobo cinzento era algum vagabundo que rondava aquela região, por isso sua identidade nunca seria descoberta com certeza.

Assim ele esperava acontecer, mas...

Ao abrir o jornal levou um susto e tanto. Um corpo havia sido encontrado na floresta, como ele previra. Só que não era de Mark e nem de um vagabundo.. Nervoso, começou a ler a notícia... era inacreditável... O texto dizia:

Urgente: Corpo do Inspetor Robertson é encontrado no meio da floresta!
A polícia do condado ainda busca provas da morte do inspetor Robertson da chefatura de polícia. Segundo informações preliminares ele foi assassinado com vários tiros. O que intrigou os policiais de sua própria delegacia é que as balas encontradas em seu corpo são todas de um tipo de fabricação diferente! São balas folheadas com prata! Quem teria matado o veterano policial?... são muitos os suspeitos, mas nenhuma prova concreta ainda foi encontrada!"

Jack não podia acreditar naquilo. O Lobo Cinzento era na verdade o inspetor Robertson!!! 

Era chocante, algo que o impressinou muito!

De dia ele defendia a lei, para nas noites de lua cheia se tornar um monstro, uma fera irascível e assassina. 

Só que essa informação era de conhecimento apenas de Jack. Ninguém, nunca, iria saber a verdade. As investigações seriam feitas, mas ninguém iria saber que o antigo inspetor era na realidade um ser amaldiçoado das noites escuras. 

Mas e Mark?... Nada havia sobre um segundo corpo. Jack levantou várias hipóteses em sua mente. Será que ele teria ido para o condado vizinho e lá morrido em alguma ravina inacessível? Será que foi embora para nunca mais voltar?...

O que de fato teria acontecido?

O Uivo do Lobo
Mark não morrera. As balas usadas pelo coveiro não tinham o teor necessário de prata pura para matar o lobo, apenas para suspender por um curto período de tempo sua transformação. O velho coveiro não teria dinheiro mesmo para comprar prata de alto nível de pureza. Mark estava vivo. Ele recobrou sua consciência levando as mãos em seu rosto. Sentiu como se 1 tonelada estivesse pressionando sua cabeça. Era uma dor terrível, mas ele havia retomado a consciência de si mesmo, de onde estava. As roupas rasgadas, sujas, cheias de lama... sangue coagulado em seus braços e mãos. Aquela noite que passou havia sido mesmo uma noite infernal, sob todos os aspectos.

Mark então se levantou. Ele ainda cambaleava, procurando por uma direção. Por sua sorte foi visto por uma jovem colega da universidade de medicina. Ela ficou horrorizada com o que estava vendo. Mark estava em frangalhos, ou melhor dizendo, suas roupas estavam esfarrapadas. Naquele momento parecia o mais imundo escocês do mundo - mais sujo do que os mendingos que andavam pelas ruas da cidade. Sua conhecida (veja bem, não era sua amiga, mas eles se conheciam), correu e usou o grande lençol que estava usando para seu pic-nic para cobrir Mark.

- Meu Deus! O que lhe aconteceu? - Isabel estava em choque. Mark não respondeu. Ele tinha problemas de se manter em pé. Imediatamente entrou na carruagem da amiga que o levou até um pequeno hotel nas vizinhanças. Mark mandou comprar roupas novas e depois de um longo banho estava novamente apresentável. Parecia finalmente um ser humano.

Ele se deitou na cama e ficou pensativo. O que havia acontecido mesmo? Ele tinha lapsos de memórias, apenas momentos breves surgiam em sua mente. Suas lembranças tinham cheiro e gosto. Cheiro e gosto de sangue humano. Lembrava de lutas, suor, fedores, adrenalina destroçando sua mente. Eram lembranças do momento em que se transformava em um monstro, em um lobo.

Como todo rapaz de sua geração ele também conhecia a lenda dos lobisomens. Era algo bem explorado por livros de bolso, publicações sensacionalistas. Era pulp fiction por excelência. Só que Mark também sabia que algo havia lhe acontecido. Verdade ou mentira, lenda ou realidade, ele sabia que algo havia lhe atingido. Sua mente de médico (ou de quase médico, já que ele ainda não havia se formado) se colocou a pensar. 

Ele poderia estar contaminado por algum vírus nunca estudado pela ciência médica. Ele poderia estar passando por alguma doença desconhecida. Virar simplesmente um monstro não era algo que lhe parecia crível. Era algo insano, fora de realidade, coisa de gente ignorante das pequenas vilas de interior. Mark tinha que achar a resposta, antes que fosse tarde demais...

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O Lobo da Escócia - Parte 4

O Monstro
Mark virou-se e saiu, meio tonto pelas ruas molhadas pela chuva. Foi uma imersão traumática para ele, do ponto de vista psicológico. Isso porque ele amava Katja, mas ela agora não passava de um cadáver. Ele queria saber o que tinha acontecido, o velho até estava disposto a lhe dizer, porém não naquele momento. O coveiro iria se inteirar dos acontecimentos. Saber o que havia mesmo acontecido. Caso Mark começasse a apresentar um comportamento estranho, o velho estava disposto a usar seu rifle para dar um tiro em sua cabeça. Mais uma criatura metade lobo, metade homem, seria demais para aquela pequena cidade.

Mark foi se recuperando aos poucos. A cada dia ele ganhava uma dose de normalidade. Começou a beber muito, na maioria das vezes para superar o trauma da morte de Katja. Era algo que ele não conseguia entender. O que havia acontecido naquela noite? Uma fera saindo das sombras, atacando as pessoas em um cemitério, durante uma noite de luar? Não fazia muito sentido. Era algo complicado de entender. Muitas perguntas ficaram sem respostas. Tudo havia ficado pelo caminho.

Numa tarde recebeu a visita do inspetor da cidade. Ele estava investigando a morte de Katja. Queria saber como ela havia morrido. Mark não tinha muito o que esclarecer. Ele mesmo tinha muitas dúvidas sobre tudo. Se alguém estava em busca de respostas era ele mesmo. O velho policial não gostou da atitude de Mark. Achou ele evasivo e fraco em seu depoimento. Desconfiado, colocou Mark na lista de suspeitos. Ele era um jovem rico, estudante de medicina, de uma ótima família tradicional, mas nada disso impedia de quem sabe ser indiciado pelo crime.

Durante a primeira semana após o ataque Mark foi notando algumas diferenças. Ele não conseguia mais se concentrar nas aulas e tinha tonturas e crises de vômitos, todos os dias isso acontecia. Ele estava tão deprimido que ignorou os sinais que seu corpo estava lhe passando. Outro fato também o deixou perplexo. Sua fome aumentou consideravelmente. E não era uma fome como outra qualquer. Era algo voraz. Ele não se satisfazia com o que estava acostumado a comer todos os dias. Agora Mark queria grandes fatias de carne, e se essas fossem sangrentas, muito melhor!

Ele passou a frequentar o restaurante especializado em assados e caças. Ele nunca havia ido muito por lá, mas agora era uma necessidade vital que sentia. Mal as aulas caminhavam para o final e ele já estava nos corredores, correndo em direção à comida. Queria comer, comer, comer, muito carne, sempre, sem intervalos. Virou algo obsessivo e doentio. Seus colegas de faculdade logo notaram isso. E mais de uma vez surgiu na classe com a roupa suja de sangue da carne que havia comido. Logo ele, um verdadeiro dândi no modo de vestir. Agora parecia o porco de um açougueiro... o que estava acontecendo?

Ele também passou a desenvolver uma sexualidade fora do controle, lasciva, absolutamente lasciva. Seu ideal de mulher do ponto de vista sexual era Katja. Ela era uma mulher baixinha, mal chegando aos 1.60 de altura, porém como muitas mulheres desse tipo ela tinha um corpo maravilhoso, muito bem torneado, bem distribuído. Tinha pernas maravilhosas e um bumbum que faria qualquer padre deixar a batina. Mark só penava nela nua em sua cama. Mesmo quando tentava asistir ás aulas sua imagem vinha sempre em sua mente. Por isso passou a se masturbar com uma freqüência absurda!

Também começou a literalmente feder pois sua higiene pessoal começou a desaparecer. Estava sempre mal arrumado, barba por fazer, cabelos despenteados. O rapaz que em um passado muito recente despertava o interesse de suas colegas universitárias agora gerava comentários e fofoquinhas pelo fato de cheirar mal. Definitivamente algo estava acontecendo com ele. 

Na primeira noite de lua cheia após o ataque veio a revelação! Ele começou a passar muito mal no pequeno quarto da faculdade onde residia. Parecia que sua pele queimava por dentro. Mark pensou que estava passando por algum tipo de crise alérgica que desconhecia. Não, era algo bem pior. Ele estava se transformando. Passou a ver pessoas mortas de seu passado como sua avó, há muito falecida! Era atroz, além de estar sentindo problemas físicos poderia perceber que seu psicológico também estava se comprometendo. Ele tinha consciência do que vinha acontecendo, mas uma força poderosa em sua mente também o impedia de procurar por algum tipo de ajuda...

O estudante de medicina Mark estava se transformado em um monstro. Nas noites de lua cheia, ele perdia a consciência humana e se transformava em um lobo feroz, uma fera em busca de carne! A fome era insuportável, assim qualquer coisa que se mexia era atacada ferozmente. O lobo causou pânico e terror por onde passava. A polícia já sabia que algo estava acontecendo. Era raro não aparecer o corpo de algum animal de pequeno ou médio porte ao amanhecer. Algo estava fora de controle e sedento por sangue.

O velho Jack, o coveiro, sabia muito bem o que ocorria. Ele entendia a lenda. Os eruditos se recusavam a acreditar em lobisomens. Isso era coisa de gente ignorante do interior. Mas Jack, um velho experiente, que não se surpreendia com nada, bem sabia o que se escondia por trás das sombras. Ele então decidiu que iria matar o monstro. Lamentava que com isso também iria eliminar Mark, mas isso era algo que não poderia mudar. O ser humano teria que ser sacrificado com a morte da fera. A bestialidade não poderia mais andar à solta nos bosques.

O que ninguém sabia é que Jack já havia tratado com esse tipo de coisa antes. Ele era muito interessado em ocultismo e sabia que forças sobrenaturais agiam no mundo material que conhecemos. Para lobisomens apenas balas de prata eram eficientes. Ele então foi até o amigo que trabalhava com forjamento de metais e pediu que ele fizesse um conjunto de seis balas de prata. Uma vez armada com o tipo ideal de munição se colocou à moita, esperando Jack passar na madrugada. Ele conhecia a rotina do jovem.

Estava pronto para fazer o que tinha que ser feito. Aquele velho já havia sido um jovem em um passado muito distante. Um jovem com muitos sonhos de vida, muitos deles que nunca se realizariam. Esse tipo de frustração pessoal forjou um homem que sabia que havia momentos cruciais na vida. Era momento de ser pragmático, de agir, custe o que custasse. 

Numa noite avistou, muito ao longe, o lobo se alimentando de uma pobre ovelha. A noite era iluminada pela lua cheia e ele conseguiu enxergar naquela silhueta ao luar a figura transformada de Mark. Não havia mais dúvida. Aquele ser bestial tinha que ser eliminado e ele faria isso – estava completamente decidido sobre isso. Nada de policiais, nada de caçadores profissionais. Ele iria resolver aquela questão. 

A Noite
Na noite ideal ele começou a seguir os passos de Mark. Ele parecia meio desorientado quando adentrou o bosque da região. Com as mãos no rosto mal conseguia ficar em pé, então caiu. A transformação iria começar. Em poucos minutos sua feição começou a mudar. Era uma transformação dolorosa e insana. 

O velho Jack se agachou e foi andando devagar em direção a gruta onde Mark eestava se transformando. Ele foi se transformar em um lugar bem próximo do velho cemitério onde Jack trabalhava e isso o deixou completamente surpreso. O que diabos estava acontecendo... Isso lembrou velhas histórias que tinha ouvido no passado, uma delas dizia que os lobos monstros sempre procuravam pelos lugares onde tinham sido atacados, quando eram seres humanos. Pelo visto não era lenda e a história parecia se confirmar...

Para surpresa do velho não havia apenas um Lobo, mas dois! O segundo, o velho lobo cinzento, o original, entrou na gruta e passou a andar lentamente em volta de Mark que se contorcendo no chão, ia aos poucos perdendo suas características humanas. Primeiras mudanças surgiam nas pupilas, agora com tonalidades indo ao amarelo forte. Depois o crescimento voraz de pelos por todo o corpo. 

O velho lobo cinzento apenas observava a transformação, com dentes cerrados, a saliva descendo por sua boca em direção à areia quente... Se não fosse um animal irracional o velho Jack poderia até mesmo afirmar que aquela fera estava sentindo um certo orgulho de sua criação. 

A transformação ocorria em uma velocidade extremamente rápida. Em pouco mais de dez minutos o ser humano Mark já tinha se transformado em algo diferente, em um bicho real, que se levantava do chão e começava a perceber a presença do outro lobo ao redor. Jack poderia pensar que haveria uma briga feroz entre os dois monstros, mas para sua surpresa Mark se abaixou, em sentido de clara subordinação ao lobo que o havia atacado no passado. Agora ele fazia parte da alcateia, tinha que mostrar total submissão ao macho alfa, caso contrário seria atacado e muito provavelmente morto pelo seu agora mestre selvagem.

 Jack entendeu que havia chegado o momento de agir. Não havia mais como esperar, ou então ele seria atacado por aquelas duas bestas ferozes. Ele então se posicionou, colocou as balas no rifle e fez mira.

- Morram, enviados do diabo... morram! - Foram suas únicas palavras.

O estampido do tiro espantou os corvos. O tiro não foi certeiro, atingindo apenas o ombro da fera alfa. Essa deu um pulo de sobressalto, procurando pelo atirador. Os olhos vermelhos de ira denunciavam que o ser humano não existia mais, apenas a besta.

Então o velho Jack mirou com capricho no coração daquela besta cinzenta. Houve um uivo forte que atravessou a madrugada . Jack não esperou pelo pior, apertou o gatilho. A bala acertou em cheio...

Um ruído assustador cortou a madrugada. A fera, sentindo a ferocidade do ataque... se voltou e correu em direção ao bosque. Estava sem dúvida, ferida. E não tinha forças naquele momento para atacar Jack. O lobo cinzento saia em retirada rápida, não queria ficar para ver o que lhe aconteceria. 

Mais um tiro, nas costas. Três balas de prata já cravavam o corpo do monstro.

O animal então desapareceu na escuridão da noite. Estaria abatido ou mortalmente ferido? Naquele momento de tensão, não havia como raciocinar direito, apenas se lutava pela sobrevivência...

O velho Jack então mirou suas atenções para Mark, totalmente transformado, pronto para atacá-lo. Jack deu um tiro e errou... O lobo jovem era muito rápido... puxou o gatilho e deu um novo tiro... outro erro.... finalmente no terceiro conseguiu atingir Mark. 

Foi um tiro forte, dado a curta distância, que abriu um verdadeiro buraco no corpo do lobo. Agora era torcer para que a morte viesse para o monstro, pois não tinha mais balas...  Vendo o perigo, Jack recuou, o lobo parou e olhou em seus olhos. 

O velho sentiu a presença de Mark ali. Pensou que o pior estava por vir, que Mark o atacaria, mas para sua surpresa, isso não aconteceu. Assim como acontecera com o lobo cinzento, Mark também virou as costas e correu em direção ao mato, sangrando, mas não parecendo ter sido atingido de forma fatal. Ainda estava rápido e feroz, com boa disposição. Não demorou e desapareceu pela noite adentro. 

Jack não perdeu tempo e foi embora do lugar. Alguém poderia ter ouvido os tiros. Ele não queria ser acusado de assassinato.

E ali naquela lareira abandonada, iluminada apelas pela luz opaca da Lua, o jovem Mark começou a ressurgir. Ele estava muito ferifo, com as roupas rasgadas, o ombro nu, sangrando... Mas estava vivo... era o que importava...

Pablo Aluísio.

O Lobo da Escócia - Parte 3

Fúria
Naquele mesmo fim de semana, Mark finalmente resolveu que iria até o cemitério, tarde da noite. Queria ver o que se passava. Já meio embriagado, ele partiu ao lado de Katja pelas ruas escuras da cidade.

- Vamos encontrar seu tio – vamos lá! – gritava Mark enquanto caminhava. Ele via as pedras das calçadas brilhando ao luar.

- Fale baixo, cala a boca, vão nos prender por arruaça – devolvia Katja com os braços de Mark em seus ombros.

Ele tinha uma garrafa de whisky numa das mãos e na outra segurava Katja com força. Imaginem o escândalo caso sua nobre família o visse daquele jeito. O tio de Katja estava de plantão naquela madrugada. Era a velha história dos adeptos de ocultismo e paganismo invadindo o cemitério de noite para fazer seus rituais. Havia até mesmo adeptos de uma nova linha religiosa francesa, que havia sido compilado em um livro de sucesso chamado “O Livro dos Espíritos”. O autor? Um professor desconhecido que havia adotado o nome de Allan Kardec.. O velho professor acreditava em toda aquela nova doutrina baseada na existência de espíritos de pessoas falecidas. A consciência que sobreviveria até mesmo à morte física. Era uma nova idéia que intrigava as pessoas daqueles tempos. 

A entrada no cemitério foi tranquila. Os velhos portões enferrujados estavam entreabertos.  Era um velho cemitério decrépito, com suas antigas lápides, encobertas por vegetação rasteira. Aquelas pessoas tinham morrido há muitos anos. Provavelmente seus familiares também estavam mortos. Assim não havia mais quem se importasse com os túmulos. Com o abandono a natureza voltava a tomar conta. Após a morte, o esquecimento é um fato que virá, mais cedo ou mais tarde. É o trágico destino de cada pessoa que viver nesse mundo.

Era aquele clima de abandono e solidão. Aqueles nomes nas pedras já não significavam nada para ninguém. O tempo, senhor de tudo, já havia de certo modo apagado da memória dos vivos a história daquela gente que jazia sete palmos abaixo da terra. Quem foram? Quem eram? Quais eram suas personalidades? O que faziam quando eram vivos? O que pensavam? Tudo havia se perdido nas areias do tempo. Dizem que nenhuma alma se apaga. É uma visão romântica. A maioria das pessoas terá suas memórias apagadas para todo o sempre. As ditas pessoas comuns serão esquecidas. Suas pegadas serão apagadas. Nem seus descendentes vão se lembrar delas após alguns anos. A morte é a morte também da lembrança, da memória.

E no meio desses pensamentos melancólicos Mark e Katja foram adentrando pelas ruelas do velho cemitério decrépito. Ela olhava acima dos ombros em busca de seu tio. Ele, meio bêbado, não estava preocupado. Tinha o calor do corpo de Katja ao seu lado. Era tudo o que ele queria na vida, no final das contas. Foram andando, andando, de vez em quando se lia algum nome de algum morto até que...

Eles ouviram barulhos. Pareciam tambores. Parecia gente cantando uma música estranha. Eram os pagãos, com certeza. Mark colocou o dedo sob a boca, fazendo aquele gesto de “silêncio” que todos conhecemos. Havia uma fogueira, se via pela claridade do fogo no meio da escuridão da noite. Mark e Katja foram em sua direção, se agachando um pouco para que ninguém os visse. Era um misto de aventura, mistério, tudo junto. Embiaguez de sentidos.

Ao subirem o pequeno morro viram então a cena. Eram de cinco a seis mulheres. Elas dançavam ao redor do fogo. Gritavam e cantavam numa língua estranha. Parecia um velho idioma dos druidas. Era obviamente uma cerimônia antiga, uma coisa de invocação de espíritos da natureza. Era o que os antigos costumavam chamar de bruxaria. Se fosse ainda os tempos da santa inquisição aquelas mulheres seriam queimadas na fogueira com toda a certeza.

Elas pareciam invocar o nome de deuses ancestrais. Nomes que Mark desconhecia, mas que soavam um pouco familiares. Eram nomes de deuses caídos, ditas por seguidoras de divindades antigas que a igreja tentou apagar por séculos. O que aquelas mulheres queriam com aquele ritual? Era exótico, estranho, tudo ao mesmo tempo. Claro, havia ali também um prato servido para sociólogos e teólogos em geral. Afinal ver um bando de mulheres nuas dançando em volta de uma fogueira, com instrumentos desconhecidos nas mãos, invocando antigos nomes de deuses, definitivamente não era algo que se via todo dia.

Na realidade aquelas mulheres pagãs cultuavam as forças da natureza. A força das árvores antigas da floresta, do espírito dos animais selvagens, inclusive daqueles que já não existiam mais. O homem, um ser frágil, na realidade, mal conseguia compreender a força que provinha da natureza. Fazia todo o sentido. Tudo era natureza, desde o mais simples organismo, até os grandes astros do universo. Não havia na existência forças maiores do que essas. 

E entre o conhecido e o desconhecido pela ciência, realmente existia uma grande esfera de criaturas ainda não estudadas pelos cientistas. E essas criaturas estranhas pareciam reagir bem àqueles rituais, talvez algo inerente ao seu próprio organismo. Algo herdado de seus ancesttrais mais remotos na história. Antes mesmo do surgimento do homem no continente europeu. 

Até que Mark ouviu um barulho vindo do meio da escuridão das árvores. Parecia uma fera grunhindo de fúria perto de atacar. Era um rosnado aterrorizador, é verdade. Mark colocou as mãos sobre o paletó e percebeu que estava totalmente desarmado. Se aquele bicho resolvesse atacar, ele não teria nem ao menos como se defender... Se havia momento para ter medo, bom, aquele era a hora certa para isso...

O Lobo Cinzento
 Chorem crianças da noite, chorem! - Mark conseguiu ouvir essa ladainha bem no meio da tensão. Uma criatura estranha o enxergava por entre as árvores. Árvores de cemitério. Velhas, longas, sinistras... Um velho lobo cinzento com as marcas de luta por todo o seu corpo! O animal foi se aproximando, mas ainda sem se revelar. Era algo não natural. Parecia um lobo, mas de porte extremamente avantajado. E aqueles olhos vermelhos, bem, aquilo não lhe parecia familiar? Era a ponte entre o mundo natural e o sobrenatural. A fúria e a violência. Nada de paz provinha daquele bicho.

Então ele se colocou por fora das sombras. A luz do luar iluminou a cabeça daquela insana visão. Mark ficou em alerta. Ele não queria fazer um gesto brusco porque isso poderia assustar aquela criatua da noite! E então o animal começou a rosnar, a rosnar, era o prelúdio de um ataque iminente. Mark percebeu que tinha apenas alguns segundos e então... o pulo fatal!

Ele se esquivou, mas não escapou de ser machucado pelas garras da fera. O sangue escorria em seu ombro. Mark então se abaixou e pegou uma pedra enorme, provavelmente pedaços de uma lápide secular. Ele ficou jogando a imensa pedra de mão em mão, olhando a besta nos olhos. Era uma dança corporal que passava a mensagem que haveria reação, que caso fosse atacado ele iria revidar. Besta dos infernos ou não, cão de Satã ou não, haveria luta. Mark, cerebral, agiu como se tivesse pronto para a guerra com seu opositor.

O animal deu uma segunda investida e cravou os dentes no ombro de Mark. Ele caiu ao chão, viu de perto os dentes da fera pingando com seu sangue. Com adrenalina a mil, nem pensou duas vezes e bateu a pedra na cabeça do bicho. Deu certo. A pancada surtiu efeito e o monstro saiu em retirada. A violência e a força do ataque acabaram chamando a atenção de todas as pessoas que estavam no cemitério, até mesmo das garotas pagãs que se vestiram e saíram correndo em direção a Mark para prestar socorro.

Ele caído no chão, com a roupa rasgada e o sangue escorrendo pela camisa.  

- O que aconteceu? O que aconteceu? - gritavam as aprendizes de bruxas pagãs. 

- Fui atacado por um lobo! - Respondeu Mark, ainda desnorteado pelos acontecimentos. Apoiado nas meninas, ele se levantou. Sacudiu para tirar a areia. Areia de cemitério. A mesma que era jogada em cima dos caixões putrefatos dos corpos sem vida. Então as garotas o levaram até o portão. Só que havia um problema;. Mark parou, olhou para trás e gritou: 

- Katja, onde você está? – E não houve qualquer resposta...

Depois disso a perda de sangue cobrou seu preço. Mark se apoiou em uma velha lápide do cemitério. Não parecia ter mais forças nas pernas e nas mãos. O sangue escorria por seu corpo. Aos poucos foi perdendo a consciência... O mundo ia ficando escuro... a visão embaçada... Por fim a escuridão completa... o vazio, o vão sem fundo...

Mark acordou no hospital. Ele estava mal. O animal que o atacou gravou os dentes em seu ombro. O ferimento foi feio. Rasgou a pele e danificou várias veias e músculos. O quadro não era bom. Ele ardia em febre. Seu pai ficou espantado ao saber das circunstâncias do ataque. O que diabos Mark estava fazendo em um cemitério? Que bicho o atacou? Por que ele não avisou sua família? Eram questões que todos se perguntavam.

Mark ficou doente e febril por três dias seguidos. Coisa grave. Só que para espanto dos médicos, após o terceiro dia ele teve uma melhora espantosa. O ferimento deixou de inchar e um risco de infecção foi descartado. No quarto dia ele parecia muito bem. Sentou na cama, andou pelo quarto, falou alegremente com os familiares. Parecia ter se recuperado bravamente! Até o corpo médico que o atendeu ficou surpreso! Era caso de entrar nos estudos da medicina.

No sexto dia Mark pegou sua camisa, seu casaco e saiu do hospital. Os médicos não lhe deram alta. Ele se deu alta. Acordou, lavou o cabelo, escovou os dentes e se foi. Sua primeira parada não foi na casa dos pais, mas na de Katja. Ele estava preocupado com ela. O que aconteceu com a garota pela qual ele tinha tantos sentimentos? Ele estava muito preocupado, porque em suas lembranças difusas, ele a viu sendo brutalmente atacada pelo bicho. Aquilo havia acontecido mesmo ou era fruto de uma mente em delírios, após a grande febre que teve no hospital?

 A notícia não foi nada boa. Jack, o velho coveiro, tio de Katja, lhe deu a terrível verdade.

- Katja está morta! - O velho era duro, sua profissão lidava com a morte, mas agora ele estava realmente entristecido.

- Meu Deus! Eu não acredito! - Mark, com lágrimas nos olhos, não conseguia acreditar. Ele se abaixou e ficou ema posição que mostrava sua vulnerabilidade emocional.

- O lobo a matou. Ele não resistiu aos ferimentos... Filho, lamento... lamento... - O tom do velho Jack era estarrecedor.

- Não, não... não... - Mark não conseguia acreditar no que estava ouvindo...

O  velho coveiro então percebeu que Mark tinha pedaços de curativos saindo por seu casaco. Ele percebeu que Mark tinha sido ferido também pela criatura. Isso não era um bom sinal, pelo contrário, era um péssimo indicativo. O velho acreditava em velhas lendas... como a de homens que viravam feras em noites de lua cheia. Para ele o ataque do "lobo" nada mais era do que o ataque de um "lobisomem" e como tal isso condenaria a vida de Mark para sempre. Se em algum momento, durante o ataque, seu sangue teve contato com o sangue do monstro feroz, então ele também estava condenado.

Pablo Aluísio.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O Lobo da Escócia - Parte 2

A Universidade de Medicina
Mark retornou para a universidade pela segunda de manhã. Era a volta à velha rotina estudantil. De fato o curso de medicina era extremamente puxado, um choque de realidades envolvendo a esbórnia dos fins de semana e as aulas intermináveis da semana. Para aliviar um pouco o stress de passar o dia correndo pelos corredores, indo de uma sala de aula a outra ele se reunia com seus amigos na parte da noite na área externa do campus. Ali eles bebiam um pouco, conversavam sobre o mundo, recitavam poesias. Gostavam de se ver como um clube de literatura. Membros da fina flor intelectual escocesa, era natural que levassem aquele estilo de vida dândi. Todos adoravam Lord Byton e conversavam sobre sua história pessoal fora dos padrões. Era o ídolo dos jovens da época. 

Ao lado de Mark estavam sempre seus bons amigos, John Robinson e William Clark. Todos jovens como ele, ali na faixa dos vinte e poucos anos. Tinham a vida toda pela frente. Robbie e Bill (seus apelidos dentro do grupo de amigos) sempre ficavam intrigados e interessados nos relatos de Mark. O que ele teria aprontado no fim de semana? Nesse dia em particular Mark tinha mesmo muito o que contar. Ele havia conhecido o velho tio da garçonete pela qual ele era apaixonado. Um senhor que trabalhava como... o coveiro da cidade! Estranho, muito estranho.

Porém a ideia ali era mesmo relaxar, contar algumas piadas, ouvir histórias bizarras, tudo para passar o tempo. Mark lhes contou que o velho havia flagrado pessoas andando pelo cemitério na madrugada, fazendo rituais de velhas seitas pagãs. Robbie, assim como havia ficado Mark, simplesmente não acreditou que ainda havia paganismo na Escócia! Era surreal. Aliás, eles como estudantes de medicina, estavam obviamente mergulhados em pura ciência. Sentimentos religiosos eram encarados como crendices populares, uma herança distante de um tempo que para esses jovens que se sentiam imortais não trazia mais nenhum sentido. Talvez apenas uma curiosidade sociológica. Nada mais do que isso.

Robbie provocou. Quem sabe eles não poderiam por pura farra ir para o cemitério à noite para ver com os próprios olhos esses "medievais". Seria divertido, engraçado, bizarro, tudo ao mesmo tempo. Além disso, ia trazer uma anedota para que eles pudessem contar pelo resto de suas vidas. A ideia empolgou os dois amigos, mas Mark ficou com um pé atrás. Afinal o velho coveiro era o tio da garota pelo qual ele estava caidinho. Valia a pena se queimar assim? Só pela farra de seus colegas de universidade? Era muito arriscado, mas nessa idade quem pensa com seriedade? É um jogo divertido de cartas meu caro.

A semana transcorreu sem maiores problemas. Havia muitas aulas e naquele semestre em particular Mark estava prestando praticamente todas as matérias sobre anatomia. O corpo humano o fascinava. Ele tinha aquela máquina da natureza como um conjunto perfeito o que em sua opinião exigia a presença de um criador. Anos antes do advento da inteligência de design, Mark já ficava pensativo sobre tudo o que aprendia. Desde a menor célula, até o mais bem organizado e complexo membro ou órgão, tudo tinha sua função. Não havia espaço para o inútil dentro do nosso corpo. Era fabuloso. Para Mark havia uma inteligência por trás de tudo aquilo. Não poderia ser mero acaso, definitivamente não haveria como!

Durante a semana Mark se comportava como um estudante de medicina exemplar. Ele tinha boas notas, era considerado um aluno inteligente pelos professores e se revelava uma pessoa bem sociável entre os colegas de universidade. E freqüentar uma universidade naquela época era mais do que um privilégio. Era um verdadeiro sinal de que assim que formado haveria empregos, bons salários e um futuro promissor pela frente. E para isso não era necessário ser o mais inteligente dos homens. Se o jovem médico optasse por morar no interior, em pequenas cidades, ele também teria uma vida de privilégios, pois os médicos eram ao mais bem pagos por onde passavam. Era uma vida cheia de promessas no futuro, um sensação de sucesso enchia a todos de orgulho.

Claro, naquele meio também existiam os patifes, os pequenos canalhas e os assumidamente escroques. Todos eram, em maior ou menor grau, filhos da elite escocesa, pois o curso exigia vários anos de estudo e era necessário para isso uma família abastada e rica por trás. Os livros custavam pequenas fortunas e manter um estudante de medicina naquele tempo custava caro. Só as famílias mais ricas podiam dispor desse privilégio.

E no plano de futuro brilhante também havia a expectativa que o jovem médico escolhesse uma bela dama para se casar. Uma moça de família de sobrenome, a mulher que seria a ideal para um jovem médico em começo de carreira.

Era justamente isso que Mark mais temia. Ele era apaixonado por Katja, a garçonete sobrinha de um coveiro. Impensável para sua mãe ter uma nora assim. Ele podia inclusive ouvir a voz de sua mãe berrando em sua mente numa hipotética situação dela um dia vir a descobrir tudo. Era enervante. A mãe dominadora provavelmente teria um colapso nervoso caso viesse a saber que Mark, seu filho motivo de orgulho, era apaixonado por uma mulher como aquela. E o que dizer de seus excessos na bebida?

Conforme a semana ia chegando ao fim Mark começava a salivar, a sentir um enorme desejo de tomar uma bebedeira. Ele sabia que isso era sintoma de que provavelmente ele iria desenvolver nos próximos anos um alcoolismo crônico. Porém é a tal coisa, quando se é jovem e se tem o futuro pela frente, tudo é possível, nada parece ser trágico, cinza ou negro em seu futuro. Tudo parece brilhar, é claro. Só que contra fatos não há argumentos. Mark sentia a abstinência. Assim quando mal acabavam as aulas na sexta-feira pela tarde, ele corria, subia em uma carruagem e ia para o interior, freqüentar as piores e mais esfumaçadas tabernas. Ele queria se esbaldar, com muito álcool, sexo pago e aquele clima de vida boêmia decadente e depravada que ele tanto amava.

E sim, havia ainda Katja, seu amor proibido. Mark não via a hora de se deitar com ela, ficar enrolado em seus braços, sentir aquele cheiro de perfume barato que tanto o excitava. Era um paradoxo. Quanto mais Katja parecia vulgar e dissoluta, mais ele parecia se apaixonar por ela. Quanto mais ela quebrava convenções, mais ele se derretia. Psicologicamente era um portão de liberdade. Liberdade de se ver preso a semana inteira na imagem de jovem impecável, de jovem promissor. Ele queria a esbórnia, queria a embriaguez. Viver uma vida como Lord Byron, seu maior exemplo!

O Cenário do Crime
 Naquela manhã o pequeno diário da cidade estampava em sua página principal uma notícia bem perturbadora.  O corpo de uma jovem havia sido encontrada nos bosques, bem ao lado da propriedade rural do velho senhor McBride. O inspetor Robertson estava intrigado. Em mais de 40 anos de serviço policial ele não havia visto nada igual. Ela estava virada de bruços, havia sido atacada de forma avassaladora. Suas roupas estavam rasgadas e o cenário não era bonito de se ver. 
 
Sua mandíbula estava arrancada. O rosto ainda traia expressões de dor, de desespero. O velho policial chegou até perto do corpo, acendeu seu charuto e olhou ao redor. O ataque havia sido premeditado, feito de surpresa. O agressor ou o animal pulou em cima da vítima em questão de segundos. Não havia como se defender. O velho policial viu o lugar de onde o assassino surgiu pois as folhas estavam quebradas no meio da mata. E ali havia uma pequena trilha, pequena demais para um homem robusto, ideal para um lobo. 

Não demorou muito e reconheceu as pegadas da fera. Eram bem maiores dos que os camponeses estavam acostumados a ver. Se era mesmo um lobo então era de uma nova espécie desconhecida, ou então era de algum animal exótico que havia sido trazido ilegalmente para aquela região e havia fugido de seu cativeiro. Então a situação se colocou em seu ponto de vista. Era, pelo menos naquele momento, o ataque de um lobo selvagem, desconhecido da fauna comum que existia naqueles bosques. 

Ao perceber que um jornalista havia chegado ao lugar, o velho inspetor determinou que seus policiais agissem rápido, que levassem o corpo da mulher morta para o departamento de polícia. Mesmo com a pressa, não escapou de ser interrogado pelo repórter que queria novidades. 

- Inspetor o que aconteceu aqui, alguma informação para os leitores de nosso jornal? – Foi logo indagando o velho policial cansado da vida. 

O policial parou, acendeu o fogo de seu charuto e respondeu ao jornalista

- Eu vejo aqui um cenário de crime, talvez, de uma jovem mulher assassinada. Penso, em uma visão preliminar, que se trata de um ataque de um animal selvagem. Um animal com porte físico bem maior do que o normal. Não temos maiores informações do que isso. Só o tempo e as investigações vão revelar mais sobre esse caso – Finalizou o veterano, agora envolto nas nuvens de seu charuto. Então deu as costas e voltou para sua delegacia. Era um caso novo e muito complicado de se resolver, disso ele tinha plena consciência. 

Pablo Aluísio.

O Lobo da Escócia - Parte 1

Prólogo - Nos Tempos Romanos
Sempre existiram lendas e mitos nas terras altas escocesas. O clima frio e hostil e aquelas terras onde ninguém morava dava mesmo margem para o aparecimento desse tipo de história. Já nos tempos em que as ilhas britânicas estavam sob dominação romana, se dizia que nenhum legionário do império deveria subir muito ao Norte pois a morte o encontraria de forma certeira. Isso impressionou os comandantes romanos que apesar de formar uma casta de homens bravos, não se encorajavam a ponto de enfrentar forças sobrenaturais que eles não conheciam. 

Nessa época remota surgiu a história de Lupus, um monstro, meio homem, meio lobo. Dizia-se entre os romanos que certa vez uma patrulha foi muito ao Norte e acabou se perdendo naquelas terras sem fim. Com a chegada da noite, eles precisaram levantar acampamento para no dia seguinte tentar voltar para sua legião. Entretanto isso não iria acontecer. 

Não se trataria de um lobo selvagem comum, nada disso. Estava mais para um ser sobrenatural. Os romanos já tinham se deparado com esse tipo de lenda quando entraram nas florestas geladas da Germânia. Os povos bárbaros que lá habitavam diziam que existia uma entidade meio homem e meio lobo que vivia dentro das florestas mais escuras e que nenhum ser humano deveria adentrar seu território pois isso iria contra a vontade dos deuses. 

A velha lenda era interessante. Quatro soldados romanos acabaram em uma região aberta, perto de um lago de águas cristalinas. O lugar era bonito, afastado e selvagem. Não havia alma viva por perto, em quilômetros de distância. As altas montanhas ao redor deixavam claro que aquele era um penhasco de muitos ventos. Vento frio, de gelar a alma de qualque mortal. E os romanos não estavam definitivamente prontos e nem vestidos adequadamente para aquele tipo de clima feroz. Sem dúvida era necessária uma roupa melhor, com muitas peles, para agüentar aquele frio intenso. 

Apesar da situação nada calorosa, os romanos finalmente escolheram um lugar que acharam o mais adequado. Grupo pequeno, que precisava ficar atento. Um deles ficou de guarda pela madrugada. Não adiantou muito. Lá pelas três da manhã se ouviram os primeiros uivos. Aqueles soldados sabiam muito bem como soava um lobo na noite. Só que aquilo parecia diferente, uma mistura do som natural do lobo, com crianças chorando e nítidas sonoridades de um grito humano. Era de arrepiar. 

Não tardou muito para o pior. Eles foram violentamente atacados durante a madrugada. Uma besta caiu sobre eles de forma avassaladora. Muito se comentou sobre as forças que atuaram naquele ataque formidável. Dois legionários tiveram suas cabeças arrancadas, seus elmos destruídos. Um outro ainda tentou fugir em disparada, mas parou ao sentir que longas garras entravam em suas costas, arrancando seu coração. Um barbarismo como nunca se viu!

Nem o fato de estarem portando armas mortais, como espadas, lanças e escudos, ,serviu para que pudessem se defender. O ataque foi tão violento e rápido que mal conseguiram perceber o que estava acontecendo com eles! Parecia uma força vinda diretamente das entranhas do inferno. Aquele monstro não era natural, da natureza. Era algo pior, mais sujo, mais violento. De seus grandes dentes escorria uma baba pegajosa, muito mal cheirosa. Os romanos conheciam a Raiva, uma doença que atingia cães e lobos, mas aquilo era diferente. Era algo mais nocivo, mais putrefato, era o bafo da morte, o cheiro das profundezas do Hades. 

O ataque durou poucos minutos. Em questão de momentos, todos os legionários estavam mortos. Os corpos caídos ao chão foram dilacerados. Suas entranhas foram comidas com ferocidade. Aquele animal certamente estava com muita fome e não distinguia entre uma ovelha ou um ser humano. Tudo era comida e a fome era enorme. Havia também elementos de crueldade extrema, como amputações de pernas e braços dos militares. As armas ficaram para trás, no chão, sem serventia. Certamente aquele monstro era irracional. Se fosse o ataque de inimigos certamente as armas teriam sido levadas. E os romanos sabiam que havia tribos bárbaras naquela região, mas não era esse o caso.

Os romanos que chegaram no acampamento duas semanas depois ficaram chocados com o que encontraram. Restos de braços, pernas e equipamento militar espalhados por todas as áreas. A fera que os atacou não apenas tirou suas vidas, mas comeu parte de suas carnes. Canibais! Os romanos já tinham enfrentado todos os tipos de bárbaros ao longo de sua história, mas nunca tinham se deparado com nada parecido com aquilo. O comandante do grupo de resgate ficou chocado e amaldiçou o homem ou o animal que fez aquilo! Por Júpiter, nunca se vira algo assim antes!

Relatórios militares logo foram escritos e levados para a cidade eterna. Em Roma não se falava em outra coisa. Pelos becos da capital do império todos estavam comentando sobre monstros vivendo na ilha da Bretanha. Aquele lugar escuro, onde sempre parecia chover, realmente não era uma terra das mais amistosas. As lendas envolvendo monstros sempre fizeram parte da cultura romana. Dizia-se que os mares eram infestados de monstros marinhos. Só não se sabia até aquele momento que em terra também havia esse tipo de fera feroz!

Depois disso os romanos resolveram parar os avanços para o Norte. O imperador Adriano ficou particularmente chocado e mandou trazer os sábios do império para discutir sobre o assunto com ele. Estava intrigado com o que ouvira. Os sábios lhe disseram que essa história já havia sido contada antes quando legiões foram para a Germânia. Provavelmente seria o mesmo tipo de besta. 

O imperador Adriano ainda ouviu os sacerdotes dos templos de Júpiter. Eles relembraram de antigos mitos gregos como o Minotauro. O imperador tinha uma grande curiosidade sobre tudo o que dizia respeito à cultura grega. Por isso ouviu tudo de forma muito atenta. Certamente poderia ser um caminho a seguir. Provavelmente como o Minotauro aquela besta seria um castigo dos deuses contra alguma subversão dos homens que ali viviam, Os romanos apenas não tinham tido o conhecimnto de tudo o que havia acontecido. 

Finalmente depois de dias debatendo o tema com sábios e religiosos, Adriano finalmente se dirigiu ao Senado romano. Uma decisão política deveria ser tomada sobre o tema. E para isso ele precisava ouvir seus senadores. Deveria enviar mais tropas para o Norte ou recuar, decidindo que nenhum romano deveria mais colocar os pés naquelas terras amaldiçoadas, essa era uma dúvida válida naquele momento .

Adriano então sentou no centro do senado e ouviu seus senadores. Ouviu e ouviu de novo tudo o que cada um deles tinha a dizer. E levou em consideração todas as opiniões. Então ele tomou sua decisão e mandou erguer um muro para o qual nenhum romano deveria passar além. As muralhas de Adriano ainda se erguem em grande parte do Norte da Bretanha, no local basicamente onde está a fronteira entre a Inglaterra e a Escócia de nossos tempos. 

Foi uma forma de proteger seus soldados, seus exércitos. A Roma imperial estava pronta para enfrentar qualquer inimigo, de qualquer lugar remoto do mundo, mas o imperador não estava disposto a perder seus homens para feras desconhecidas, que pareciam ter uma grossa pele que resistia até mesmo a ataques de espadas e lanças. Ele não queria ir tão longe. Em se tratando da ilha da Bretanha, os romanos estavam satisfeitos com o que tinham tomado. Não era necessário ir tão ao longe daquele lugar frio, escuro e assustador. Então Adriano tomou sua decisão e editou seu decreto. Dois novos generais foram enviados até lá para a construção do muro. E ele ficou satisfeito com a decisão que havia tomado. 

E a lenda sobreviveu, pois antigos textos romanos foram encontrados contando justamente essa história. Relatórios militares que foram enviados para o Imperador em Roma. A lenda de um homem lobo que atacava e matava todos os que ousavam ultrapassar seu território. Ninguém poderia sobreviver após aqueles terríveis acontecimentos...

E o monstro seria conhecido nos séculos que viriam. Toda uma mitologia então foi criada pela literatura de terror, algumas dessas baseadas em ataques reais que aconteceram ao longo dos séculos. Ao lado de outros monstros clássicos, como vampiros e criaturas dos mais diferentes tipos, a lenda dessa fera atravessou séculos, entrou para a cultura e folclore de povos tão diversos como os do leste europeu ou da América Latina. Até mesmo povos orientais cultuaram seus monstros híbridos de lobos e homens. Pelo visto algo aconteceu no passado, sedimentando todas essas histórias que se contavam. E a seguir passaremos a contar uma delas, das mais assustadoras que se tem notícia pois foi bem documentada pelos cronistas da época vitoriana. 

O Coveiro
Estamos no século XIX. Para ser mais exato em 1873. Jack Boyd é um homem que para muitas pessoas não passa de um sujeito asqueroso. Ele trabalha como coveiro na cidade de Newtown. Lugarejo que parece nunca ter saído da estagnação, embora fosse relativamente perto da capital. Ali muitos estudantes de medicina, da classe alta, iam em busca de passar algumas noites nos bares e prostíbulos do lugar. As mulheres tinham fama de serem bonitas. Afinal mulheres bonitas que serviam nas tavernas se tornavam alvo fácil para gaviões endinheirados da capital escocesa.

Entre eles estava Mark MacAlister III, filho de uma família tradicional. Jovem de apenas 20 anos, fazendo o primeiro ano do curso de medicina. Ele não sabia, mas seu destino iria cruzar, pelas vias tortas do acaso, com o coveiro Jack. Para completar o trio de pessoas importantes naquela noite havia Katja Boyd, a jovem de aparência russa que trabalhava na taverna Devil In The Heart. Mark era louco por ela, já a tinha levado para a cama algumas vezes, mas sempre com um tipo de impessoalidade que o incomodava.

Ele sabia que aquela garçonete de corpo maravilhoso era também disponível, pronta para fazer companhia noite adentro a quem pagasse bem. Um relacionamento do jovem futuro médico com uma mulher considerada de classe inferior era algo impensável para a tradicional família MacAlister. Nem em sonho isso iria acontecer. porém Mark estava literalmente caído por Katja. Algumas vezes viajava toda a noite de carruagem apenas para vê-la. E aqui temos o primeiro elo de ligação entre o promissor estudante de medicina e o coveiro asqueroso da cidade. Katja era sobrinha de Jack.

No começo Jack passava pela madrugada para pegar a sobrinha e levá-la em segurança pelas ruas escuras da cidade. Numa dessas ocasiões conheceu o acadêmico em medicina que estava apaixonado por ela. 

- "Bem rapaz, você então vai ser médico?" - Jack perguntou acendendo seu cigarro de palha, enquanto olhava Mark com os olhos semicerrados - "Eu conheço alguns médicos da faculdade de Edimburgo" -o sorriso irônico não escondia a acidez de seu comentário. Era como se ele dissesse "Eu conheço aquela gente, aqueles porcos de jalecos brancos!". No passado Jack havia vendido corpos humanos para professores e médicos da universidade. Claro, era um crime abominável, ele vendia cadaveres frescos de pessoas pobres e indigentes para os doutores. Era uma forma de estudarem a anatomia humana com mais precisão.

A revelação obviamente chocou em um primeiro momento o jovem Mark. Era algo sinistro, porém isso numa visão das pessoas comuns, do homem médio. Ele iria ser um homem da ciência, um médico, por isso embaixo do rosto espantado havia também um pensamento racional do tipo "Eu entendo esse tipo de coisa, eu posso aceitar essa situação que para muita gente é sinistra e nebulosa". Ora, ora, Mark e Jack então decidiram tomar uma bebida. Tudo pago pelo jovem. Afinal ele queria conquistar também o tio, pensando em levar mais uma vez para cama sua sobrinha, Katja, mulher de seus sonhos mais inconfessáveis. Então ele olhou diretamente nos olhos do velho coveiro e lhe disse com convicção: 

- "Eu posso conviver com isso! Eu entendo meus colegas! Eles fizeram tal coisa pela ciência". – Sim, o jovem estudante parecia firme em seu ponto de vista. 

A noite de bebedeiras continuou até o dia seguinte. Lado a lado a fina flor da sociedade escocesa, um estudante de medicina jovem, o melhor que se poderia esperar de um rapaz. Do outro lado um coveiro, considerado um dos tipos de trabalho mais brutais e rudes que se poderiam imaginar, isso claro, sob um ponto de vista da elite burguesa e intelectual. Porém por mais diferentes que fossem acabaram se aproximando, se tornando, pelo menos naquela noite, bons amigos.

Mark gostava de beber. Embora tivesse que estar na universidade pela segunda de manhã, ele passava os fins de semana nas tavernas mais obscuras daquele lugar. Entre uma poesia e outra ele enchia copos e mais copos de whisky. Entre devaneios puxava conversas envolvendo lutas, sexo e até sobre o sobrenatural. Tudo o que ele não falava entre as elegantes e elitistas salas de aula da universidade. Afinal o ambiente universitário não abria margens para esse tipo de conversação, considerada de baixo nível, de péssimo gosto.

O coveiro Jack lhe contou algo curioso. O cemitério tinha sua própria "fauna" noturna, pessoas envolvidas com religiões e rituais pagãos de magia negra. Com a igreja pressionando os adeptos desses cultos de ocultismo só sobravam mesmo as ruelas entre os túmulos onde eles podiam fazer seus rituais macabros, durante as madrugadas escuras. Mark ficou surpreso em saber da existência desse submundo. Ele pensava até aquele momento que o cristianismo havia varrido da Europa esse tipo de ocultismo. Porém havia muito mais sobre as sombras que ele nem poderia imaginar. O velho paganismo de um passado remoto ainda existia entre a população daquela região.

Jack se referia a todos eles como "as criaturas da noite" ou "as crianças da noite", um pequeno feudo de pessoas que flertavam perigosamente com as forças do outro lado. Não as forças das luz, mas sim as forças das sombras. Jack, ás vezes, assistia tudo de longe, escondido em alguma penumbra. Havia muitas invocações, bebidas estranhas eram tomadas pelos participantes e de vez em quando alguma presença maligna chegava a ser sentida. Seus superiores tinham dado ordem para ele expulsar todos que encontrassem para fora do cemitério, mas Jack era um homem prático. Enquanto não houvesse aberturas de túmulos ou violações de corpos, ele tolerava aquela presença. Afinal, se havia alguém culpado em profanar túmulos naquele lugar era o próprio Jack, como ele já havia confessado.

Pablo Aluísio.