sábado, 8 de janeiro de 2005
Elvis Presley - G.I. Blues (1960) - Texto II
Tonight Is So Right For Love (S. Wayne / A. Silver) - Como já tinha escrito antes essa faixa "Tonight Is So Right For Love" ganhou duas versões bem diferentes, tudo por causa de direitos autorais. Dependendo do país a versão que foi mostrada no filme acabou não saindo na trilha sonora original, o que causou uma certa confusão nos fãs de Elvis na época. Essa versão "diferente, mas parecendo igual", bem light, tem boa estrutura e agrada aos ouvidos, só que a versão europeia tem muito mais personalidade. Ela é apresentada em cena quando Elvis canta para Juliet Prowse em uma cantina tipicamente italiana. Tanto a cena como a música em si são ótimas. Nada a reclamar.
What's She Really Like (Sid Wayne / Silver Joe Lilly) - "What's She Really Like" tem uma melodia agradável e trouxe muito para o álbum de uma forma em geral. Mal foi utilizada no filme, tampouco foi promovida de alguma maneira pela RCA Victor. Acabou sendo um bom Lado B para "G.I. Blues". O ponto central aqui é elogiar a boa performance de Elvis nos microfones. Ele parece ter gostado da composição, se esforçando para dar o melhor de si. No estúdio tudo ficou muito bom, diria até acima da média. Uma pena que a canção não tenha tido mais espaço em sua discografia. Nos palcos nem é preciso falar nada. Elvis se afastaria de apresentações ao vivo por um longo período.
Frankfort Special (Sid Wayne / Sherman Edwards) - "Frankfort Special" tem o ritmo de um trem em movimento. Isso aconteceu porque os roteiristas escreveram uma cena em que Elvis, ao lado de seus companheiros de farda, tocava e cantava em um vagão de trem rumo à cidade de Frankfurt. Essa faixa sempre foi uma das minhas preferidas do disco. É aquele tipo de som que se destaca e consegue ser apreciada mesmo fora do conjunto da trilha. A RCA Victor poderia ter trabalhado melhor nessa gravação, talvez a lançando em um single antes do disco chegar nas lojas, mas preferiu que ela ficasse apenas incorporada ao disco, trazendo qualidade para o repertório de uma forma em geral. Nisso a faixa também funcionou muito bem.
Wooden Heart (Kaempfert / Wise / Weisman) - O maior hit saído desse disco foi a bela e terna "Wooden Heart", O curioso é que Elvis jamais cantou qualquer canção dessa trilha sonora em shows ao vivo, mas abriu uma pequena e breve exceção justamente para essa baladinha. Na Alemanha e países vizinhos como a Áustria ela é certamente uma das mais conhecidas da discografia de Elvis. Foi uma das poucas que beberam da cultura alemã dentro do repertório desse álbum. A cena do filme também era puro carisma, com Elvis contracenando com uma marionete em um show infantil típico da Alemanha. Com um pequeno trecho cantado na língua germânica, a canção acabou caindo nas graças daquela região europeia.
G.I. Blues (Sid Tepper / Roy C.Bennett) - O resto do material da trilha sonora passeia entre adaptações de marchas militares e canções românticas ao velho estilo. Nos dois tipos Elvis se sai bem. Ele estava em um período vocal muito bom. O interessante é que ele de certa maneira deixou a suavidade mais característica desse período de sua carreira para adotar, em certas faixas, um aspecto mais forte em sua voz. Exigências de um material que contava com esse fator, digamos, militar do tema. A própria canção tema, "G.I. Blues" ia por esse lado. A letra não era muito boa, mas seu estilo parada militar foi muito bem adaptada. Não deixa de ser curioso também como os Jordanaires, grupo gospel em sua origem, também conseguiu se adequar ao novo estilo.
Pocketfull Of Rainbows (Wise / Weisman) - Bem, se você teve o vinil original dessa trilha sonora de Elvis Presley vai se lembrar que a bela balada "Pocketfull Of Rainbows" abria o Lado B do álbum. No filme Elvis fazia um dueto com a atriz Juliet Prowse. Enquanto ele cantava ela fazia a harmonia em sua voz. Até que ficou bonita a participação da atriz e dançarina, só que no disco tanto a RCA Victor como o Coronel Parker acharam que sua voz não deveria estar na gravação. Por isso a versão que saiu no disco foi a com a pura voz de Elvis, sem acompanhamento de Prowse. Considero uma das melhores músicas românticas da fase de Elvis em Hollywood. A cena no teleférico no filme também ficou muito boa. Assim a canção funcionou muito bem, tanto no disco como no filme.
Shoppin' Around (Tepper / Bennet / Schroeder) - "Shoppin' Around" trazia algumas características que iriam se repetir em futuras trilhas sonoras do cantor nos anos 60. Tinha um excelente ritmo, uma boa gravação em estúdio, mas... uma letra fraquíssima. Os compositores que faziam as músicas de Elvis nesse período pareciam se inspirar nos grandes musicais da Broadway de Nova Iorque, mas obviamente criando canções bem mais simples. Funcionava no filme, na cena, mas no disco parecia sem muita qualidade. Não deixa de ser um bom momento do álbum, mas novamente deixo claro que a letra realmente ficou muito abaixo do esperado.
Big Boots (Wayne / Edwards) - "Big Boots" teve duas versões em estúdio. Uma em ritmo de canção de ninar, usada no filme na cena em que Elvis contracena com um trio de bebezinhos. Outra versão rápida, bem estilo rock, foi gravada também. A RCA pensou em usar essa versão em um single, que nunca foi lançado. Uma pena, teria sido muito interessante para o fã de Elvis nos anos 60 ter acesso a duas versões diferentes, uma lançada no álbum e no filme (a versão canção de ninar) e outra em compacto, puro rock, para tocar nas rádios. Infelizmente as noções de marketing da época eram bem diferentes das de hoje. Assim a Big Boots rock ´n´roll acabou sendo arquivada por décadas e décadas, só chegando ao mercado após muitos anos depois da morte de Elvis. Lamentável.
Didja Ever (Wayne / Edwards) - "Didja Ever" era basicamente uma marcha militar. Aqui os compositores se esforçaram bem para trazer o clima de quartel general para o disco. Elvis não gostou muito. Na verdade ele não curtia muito o repertório dessa trilha sonora e nem o roteiro do filme. Segundo Priscilla ele tentou cortar várias das canções, sem sucesso. Também não ficava à vontade pelo fato do roteiro explorar de forma fantasiosa seu serviço militar na Alemanha. Era algo que soava a oportunismo em sua mente. Talvez nesse ponto Elvis estava sendo crítico demais. De maneira em geral gosto do trabalho musical desse disco, muito embora nem sempre venha a considerar todas as canções como obras acima da crítica.
Blue Suede Shoes (Carl Perkins) - Um dos aspectos mais curiosos dessa trilha sonora de Elvis Presley foi o fato dele ter gravado uma nova versão de "Blue Suede Shoes". A criação de Carl Perkins foi gravada para seu primeiro disco na RCA, lá em 1956. Depois em 1960 Elvis voltou para registrar mais uma gravação da canção. Muitos críticos não gostaram do resultado, o que discordo com veemência. A nova Blue Suede Shoes ficou ótima, com um arranjo primoroso! Deveria inclusive ter sido lançada em single na Europa, mas novamente a RCA errou e decidiu que a nova versão só faria parte da trilha sonora e nada mais. Erro de estratégia de vendas ao meu ver.
Doin' The Best I Can (Pomus/Schuman) - "Doin' The Best I Can" fechava o disco orignal, LP, de "Saudades de um Pracinha". É uma bela e terna música romântica, muito bem cantada por Mr. Presley. No filme ela aparecia timidamente, quando o personagem de Elvis, o soldado Tulsa, reunia sua banda de amigos de farda para dar uma canja musical em um daqueles bares típicos da Alemanha. Na cena do filme sempre notei uma certa indiferença por parte de Elvis, porém no estúdio, gravando a faixa, ele foi tecnicamente perfeito. Vinha bem de encontro com o estilo vocal que ele passava a adotar por essa época de sua carreira, cantando de forma mais terna, mas cadenciada. Dando maior importância na dicção das frases, uma dica deixada por Frank Sinatra quando eles se apresentaram juntos no programa de TV da rede ABC.
Elvis Presley - G.I. Blues (1960): Elvis Presley (vocal) / Scotty Moore (guitarra) / Bob Moore (baixo) / D.J.Fontana (bateria) / Frank Bode (bateria) / Ray Siegel (contrabaixo) / Dudley Brooks (piano) / Jimmie Haskell (acordeon) / Tiny Timbrell (guitarra) / Hoyt Hawkess (guitarra) / Neil Mathews (tamborim) / The Jordanaires (vocal) / Produzido por Joseph Lilley e Hall WallisRCA Studios - Hollywood / Data de Gravação: 27, 28 de abril e 06 de maio de 1960 / Data de Lançamento: outubro de 1960 / Melhor posição nas charts: #1 (EUA) e #1 (UK).
Pablo Aluísio.
sexta-feira, 7 de janeiro de 2005
Elvis Presley - G.I. Blues (1960)
Uma das curiosidades desse novo lote de músicas que ele teria que gravar é que Elvis teria que fazer uma nova versão de seu próprio clássico 'Blue Suede Shoes" de 1956. Lançada inicialmente em seu primeiro disco na RCA Victor, ele precisou voltar aos microfones para cantar esse novo arranjo, bem mais acústico e menos cru do que a versão original. Eu particularmente gostei da sonoridade dessa nova versão. É bem melhor produzida, não há como negar, embora com menos energia do que a primeira gravação, quando Elvis, aos 21 anos, estava no pique da sua fase roqueira. E se formos parar para pensar bem foi até bem desnecessária a produção dessa nova versão. Ela é usada numa cena do filme quando um soldado resolve interromper Elvis, que está cantando no palco de um night club. O pracinha liga o jukebox e dele sai justamente a nova "Blue Suede Shoes". Momento ideal para uma briga de Elvis e seu opositor. Praticamente todo filme de Elvis tinha uma cena de briga. Era padrão em seus filmes. Os roteiristas usavam uma determinada fórmula em seus roteiros. O público já chegava no cinema sabendo que haveria uma cena assim.
"What's She Really Like" foi composta pela dupla Abner Silver e Sid Wayne e gravada no dia 28 de abril de 1960. Considerada uma boa balada do disco, diria até que é uma das melhores faixas da trilha sonora, com uma sonoridade agradável e relaxante aos ouvidos. A letra é interessante, onde um amigo conta ao outro sobre sua nova namorada. Só elogios, dizendo que ela é maravilhosa em todos os sentidos, que tem lábios excitantes! E vem também o orgulho em dizer ao amigo que "ela é minha". Pois é, orgulho de namorado em romance recente. "Big Boots" foi um caso curioso dessa trilha sonora. Foram gravadas duas versões diferentes da música. A primeira e a principal, que acabou entrando no disco e sendo usada numa cena do filme, veio em ritmo de canção de ninar. Muito terna, muita doçura e fofura. A outra versão que foi arquivada vinha em ritmo de rock, ou melhor dizendo, em ritmo pop aceleradinho. Ficou ótima essa versão B, mas infelizmente os produtores da época acharam que não havia espaço nela no disco oficial. Coloque mais esse na longa lista de erros da RCA Victor.
"Didja' Ever" é uma marcha militar. Sim, uma marcha militar, mas com claro sabor pop music. Nada tão surpreendente assim, uma vez que o personagem de Elvis era um soldado americano na Alemanha, servindo por lá no pós-guerra, sendo um bom patriota e tudo mais. No filme a música ganhou certo destaque. A força aérea dos Estados Unidos até colaborou, cedendo um de seus caças para fazer parte do cenário. Afinal tanto o filme como o disco poderiam ser usados como propaganda para as forças armadas americanas. Algo meio trágico pois em pouco tempo os Estados Unidos iriam se envolver na Guerra do Vietnã e toda aquela tragédia humana e militar que foi aquela intervenção. Não há como ignora a bela melodia da balada "Doin' the Best I Can". A letra é de resignação e também de decepção. O enamorado personagem canta em primeira pessoa a decepção de se fazer tudo pela amada e não ter reconhecimento nenhum por isso. Ele faz tudo por ela, mas não parece ser suficiente. Uma carta de sonhos não realizados, afinal quando elas agem dessa maneira, uma coisa parece certa, o romance está prestes a desmoronar. Boa faixa, sendo que em minha opinião não foi bem usada no filme, aparecendo muito timidamente.
O maior sucesso dessa trilha sonora de Elvis foi a canção "Wooden Heart". É a bela música que foi apresentada no filme quando Elvis contracenou com uma marionete, no show para crianças. Cena muito legal do filme. Dois aspectos curiosos rondam essa música. A primeira é que foi a única música gravada por Elvis com palavras da língua alemã, o que era natural acontecer pois a versão aqui que ouvimos é uma adaptação de uma antiga música do folclore da Baviera. Como Elvis havia servido na Alemanha e como o seu personagem também servia na Alemanha na história do filme era impossível ignorar a cultura alemã na seleção musical do disco. Os produtores do disco então se apressaram em providenciar algo nesse sentido. O resultado ficou muito bom, acima do esperado. E Elvis caprichou em sua performance. O segundo aspecto digno de nota é que essa foi a única música dessa trilha sonora que Elvis cantou ao vivo, em um palco, durante a década de 1970. Claro que foi apenas uma pequena versão, muito limitada, de poucos minutos, algo que Elvis sempre fazia em se tratando de suas antigas gravações, mas mesmo assim ela foi cantada. Nenhuma outra ganhou esse privilégio. Sucesso na Alemanha e nos demais países ali vizinhos, como Holanda e Suíça, "Wooden Heart", apesar de sua singeleza, segue sendo um dos maiores hits europeus do cantor.
"Pocketful of Rainbows" ganhou uma cena bem romântica entre Elvis e sua parceira Juliet Prowse. É a cena do teleférico. Essa cena foi rodada em estúdio, em Hollywood. As cenas das montanhas que aparecem nas costas do casal é apenas o velho método de black projection (alguns chamam de back projection) onde os atores atuavam na frente de uma grande tela de cinema, com cenas filmadas por uma segunda unidade de direção da Paramount que foi até a Alemanha para gravar as cenas que seriam usadas nos cenários do filme. Já no estúdio da gravadora RCA Victor Elvis precisou gravar duas versões diferentes da música. A primeira foi utilizada pela RCA na trilha sonora oficial do filme. Apenas Elvis cantando, em solo. A segunda foi gravada alguns dias depois quando a atriz Juliet Prowse apareceu nos estúdios para gravar um dueto ao lado de Elvis. Embora a voz de Prowse fosse bonita sempre preferi a versão que contava apenas com a vocalização de Elvis. Muito mais perfeita do ponto de vista técnico. Outro aspecto digno de nota é que essa canção deu muito trabalho para Elvis, resultando em incríveis 28 takes! Em se tratando de Elvis isso era um verdadeiro absurdo!
"Frankfort Special" é a música que Elvis canta em um trem, no filme. Gosto bastante dessa canção, embora Elvis não tenha apreciado tanto assim. Ele inclusive pediu que mais da metade das músicas fossem retiradas do filme. Aquela velha coisa de querer ser um ator sério ao estilo Marlon Brando e James Dean. O produtor Hall Wallis recusou todos os seus pedidos. Experiente em Hollywood sabia muito bem o que os fãs de Elvis queriam ver em seus filmes. Queriam ver ele cantando, nada muito além disso. Assim as músicas ficaram no filme. A música título do filme "G.I. Blues" divide opiniões. Tem que aprecie e tem quem não goste. Minha opinião é de que o ritmo é bom, um pop em ritmo de marcha militar. O que estraga um pouco é a letra, mais parecendo uma paródia dos anos em que Elvis viveu no serviço militar. De certa maneira desmerece quem serviu o exército americano naquele período, em tempos de paz. Acho que a melodia merecia uma letra melhor, menos metida a engraçadinha.
Caso semelhante ocorre com "Shoppin' Around". Excelente ritmo, letra fraquinha. Aqui Elvis foi creditado como instrumentista na ficha técnica da sessão de gravação. Ele teria tocado o violão. E como é uma faixa com forte vocação acústica essa teria sido, no final das contas, uma das melhores participações dele como músico nesse período de sua carreira. Ficou perfeito sua performance ao violão. Coisa rara de acontecer naqueles tempos. "Tonight Is So Right for Love" é uma bela balada, mas trouxe problemas de direitos autorais para os produtores do disco e para a gravadora RCA Victor. Acontece que não havia os direitos para lançar essa música na Europa, então Elvis teve que gravar uma outra canção, no estilo "bem parecida, quase idêntica". O curioso é que esse mesmo problema aconteceu também no Brasil. Por isso a edição nacional do disco era semelhante ao europeu e não ao americano. Depois da morte de Elvis outras edições do álbum foram lançadas, já com a presença das duas faixas, agora sem problemas legais.
Pablo Aluísio.
Elvis Presley - Elvis is Back! (1960)
"Make Me Know It" abria o disco, era a música de entrada, faixa 1 do lado A do vinil original. Mais uma excelente criação do compositor Otis Blackwell que já tinha muita estrada ao lado de Elvis em um passado não tão remoto, apesar de que os anos no exército pareciam ter durado uma eternidade. A letra nem é o mais importante pois apesar de bem escrita apenas expressava os sentimentos de um jovem que pedia para sua namorada mostrar a ele como ela também estava apaixonada. "Mostre-me como é". Versos de caderno escolar de um rapaz um tanto inocente. Pois é, o ponto alto não é mesmo a letra, mas sim o ritmo, esse saboroso de se ouvir. Elvis tocou muito "Soldier Boy" ao piano quando estava na Alemanha. Ele recebia amigos e convidados à noite em sua modesta residência e na sala de estar havia um piano onde Elvis se aventurava a tirar algumas notas musicais. E essa canção estava sempre presente nessas apresentações amadoras. Escrita pela dupla de compositores David Jones e Theodore Williams, Jr, essa canção contou com uma ótima performance vocal de Elvis. Ele soltou o vozeirão, algo que poderia ser encarado até mesmo como uma premissa do que estava por vir. "It´s Now or Never" estava chegando.
A música "Dirty, Dirty Feeling" foi escrita pela dupla Leiber e Stoller. Eles, é sempre bom lembrar, escreveram algumas das melhores canções gravadas por Elvis Presley ao longo de sua carreira. Basta lembrar de "Jailhouse Rock" para bem perceber isso. Conforme os anos foram passando eles começaram a cobrar mais por seus direitos autorais. Algo natural, afinal o que escreviam geralmente fazia sucesso. O Coronel Tom Parker não gostou disso. As coisas foram ficando mais tensas e aos poucos as músicas de Leiber e Stoller foram desaparecendo dos álbuns do cantor. "Dirty, Dirty Feeling" não é dos melhores momentos da dupla, mas mantém um certo nível de qualidade. Curiosamente essa faixa seria reaproveitada anos depois na trilha sonora do filme "O Cavaleiro Romântico" (Tickle-Me). Sempre pensando em gastar o menos possível o Coronel Parker chegou na péssima conclusão de que nem seria preciso gastar para gravar uma nova trilha sonora para esse filme. Bastava apenas pegar algumas músicas antigas e usar. Picaretagem pouca é bobagem!
"The Girl Of My Best Friend" tem uma bela melodia, uma das melhores desse disco. O título em português significa "A garota do meu melhor amigo", ou seja, a letra vai nessa direção. Imagine se apaixonar pela namorada de seu melhor amigo, situação delicada não é mesmo? Hoje em dia, com o afrouxamento dos valores morais, pode-se dizer que muitos nem pensariam duas vezes. Nos anos 60 porém ainda havia mais romantismo no ar e essa questão virava uma grande dúvida como se pode perceber ao ouvir essa bela balada romântica. O forte de "I Will Be Home Again" é a linda vocalização, em dueto de Elvis com Charlie Hodge. Elvis o conheceu na Alemanha, no exército. Eles se tornaram amigos e Charlie acabou virando uma espécie de valete na vida de Elvis, o acompanhando até sua morte em 1977. Eles costumavam cantar essa música na Alemanha, pois a letra era saudosista e se adequava bem a um pracinha vivendo na Europa, cantando sobre um dia voltar para sua casa, seu lar. Como viviam cantando essa canção em seus tempos de exército, nem foi precisar se esforçar muito dentro do estúdio. Não foi preciso ensaiar. A questão foi rápida e simples, apenas caprichando na versão definitva.
"Fever" sempre foi uma das músicas mais lembradas desse álbum. E não é para menos pois Elvis realmente teve uma performance vocal digna de todos os aplausos. A sensualidade da música era óbvia e Elvis sabia bem disso, potencializando cada sílaba, cada palavra. Essa música foi composta na verdade por Otis Blackwell. Porém ao se ler os créditos no disco você encontrará outro nome, John Davenport. Era apenas um pseudônimo usado por Otis. Muitos compositores negros usavam desse artifício para contornar contratos de exclusividade que tinham assinado. Com Otis Blackwell não foi diferente. A primeira vez que "Fever" foi lançada, ela chegou no mercado através de um single em 1956. Quem cantou a primeira versão, a versão original, foi Little Willie John. Depois disso surgiram inúmeras versões. As mais conhecidas foram de Peggy Lee, Ella Fitzgerald, James Brown, Ann-Margret e, claro, não poderíamos deixar de citar, Madonna.
Outro grande destaque desse álbum é "Such a Night". Curiosamente em 1960 nenhum single foi extraído do disco para ajudar em sua promoção, porém se isso tivesse acontecido certamente a música com maior potencial para sucesso na parada de singles da Billboard seria justamente essa. Com o marketing correto, com o cuidado necessário por parte da RCA Victor e com algumas apresentações de Elvis na TV, tenho certeza que essa gravação chegaria ao topo das paradas. Só que infelizmente isso não aconteceu. Ficou tudo apenas na categoria do "... e se...". "The Thrill Of Your Love" é uma bela balada romântica, muito bonita em letra e música. Esse tipo de gravação era uma amostra do trabalho que Elvis iria abraçar cada vez mais nessa nova fase de sua carreira, nos anos 60. E os estúdios de Hollywood estavam ouvindo tudo atentamente, tanto que muitas canções nessa linha musical iriam fazer parte de suas futuras trilhas sonoras. Era o pacote perfeito. O disco ajudava a promover o filme e o filme, claro, ajudava a vender o disco. Para o Coronel Parker era essa a fórmula do sucesso.
"The Girl Next Door Went A'walking" tem um ritmo esquisito. Não sei se muitas pessoas concordam com minha opinião ou não, porém sempre achei essa canção um tanto estranha em seu ritmo. Passa uma ansiedade, uma coisa meio apressada, que sempre me deixou meio surpreso com sua estrutura. A vocalização de Elvis mais uma vez está ótima, mas seguramente foge dos padrões. Essa expressão "Girl Next Door" é muito usada em língua inglesa. Significa aquela garota comum, que poderia ser inclusive a sua vizinha da casa ao lado. Pelo visto o autor da música ficou abalado ao ver sua bela vizinha caminhando pela rua...Até onde pesquisei essa faixa foi uma original da discografia de Elvis Presley. O que exatamente significava isso? Basicamente que Elvis havia gravado a canção pela primeira vez. Nenhum outro cantor a tinha gravado. Isso era importante porque aumentava o potencial da música em se tornar um hit. Músicas que já tinham feito sucesso na voz de outros artistas raramente se tornavam sucessos nas paradas. Só que a RCA Victor não fez questão de promover a música como se devia. Assim passou em brancas nuvens.
A música "It Feels So Right" pode ser considerada um blues. Muitos analistas citam apenas "Like a Baby" e "Reconsider Baby" como exemplos de blues presentes nesse álbum. Uma visão superficial da questão. Essa faixa "It Feels So Right" tem todos os elementos que um bom cantor de blues precisaria encontrar em uma composição para gravar em algum selo de Memphis, Atlanta ou Detroit. Afinal o blues é um estilo musical bem característico, da cultura negra, valorizando o sofrimento e mostrando as derrotas da vida. O blues nasceu nas grandes plantações de algodão do sul. Os escravos eram levados para essas grandes fazendas onde trabalhavam de sol a sol, praticamente sem parar. O próprio nome dado ao estilo musical Blues tem essa conotação. A palavra Blue na língua inglesa não significa apenas "Azul" como muitos pensam. Significa também um estado de espírito triste, melancólico e até mesmo depressivo. Daí sua grande carga emocional, sempre presente na composição desses grandes artistas negros americanos da história. Um prato cheio de ritmo e emoção.
Certa vez o cantor e compositor de blues Howlin' Wolf disse que Elvis era um cantor de blues. Apenas isso, um cantor de blues. Não importava qual gênero musical ele gravasse, fosse rock, gospel ou country. Elvis tinha o timbre de um cantor de blues. Bom, se ele estava certo ou não, essa é uma questão hoje em dia meramente secundária. O que podemos dizer com certeza é que Elvis se saía excepcionalmente bem gravando blues. O exemplo mais cabal disso se pode encontrar nesse álbum "Elvis is Back!" de 1960. Para esse disco Elvis gravou duas grandes músicas de blues. A primeira foi "Like a Baby". Essa canção foi gravada pela primeira vez em 1957, no mesmo ano que Elvis estrelou seu filme "O Prisioneiro do Rock" (Jailhouse Rock). Chegou ao mercado em um single obscuro gravado por Vikki Nelson, por seu próprio selo musical, a Vik Records. Não causou grande repercussão no mercado. Quem se saiu melhor foi James Brown, com uma versão envenenada da música.
A versão de Elvis, como já foi dito, foi gravada em 1960, justamente para fazer parte do repertório do "Elvis is Back!", seu disco de retorno após passar alguns anos servindo o exército americano na Alemanha. A versão de Elvis, ao meu ver, tem muito mais estilo do que as demais. Elvis optou por desacelerar um pouco a velocidade da música, resultando tudo em mais sofisticação e elegância. Do meu ponto de vista ficou bem melhor. Agora em se tratando de blues todos só lembram mesmo da versão de Elvis para "Reconsider Baby". Lowell Fulson a compôs e foi o primeiro a gravá-la, em single, no ano de 1954, quando Elvis dava seus primeiros passos na Sun Records. Ao contrário de "Like a Baby" esse blues já nasceu como um clássico do gênero. Na versão de Elvis ele decidiu abrir um grande espaço para o solo de sax do instrumentista Boots Randolph. É o mais longo solo instrumental da discografia de Elvis, só rivalizando talvez com "Girls, Girls, Girls", a música título do filme. Um bem-vindo espaço para um grande saxofonista. Desnecessário dizer que a gravação ficou primorosa, uma verdadeira obra-prima.
Pablo Aluísio.
quinta-feira, 6 de janeiro de 2005
Elvis Presley - 50,000,000 Elvis Fans Can't Be Wrong - Elvis Gold Records Vol. 2
Só que do ponto de vista de quem estava gravando (no caso o próprio Elvis) isso não fazia muito sentido porque as canções foram gravadas juntas, como ele fazia em todo e qualquer disco que era lançado depois. Aliás para o colecionador da época teria sido muito melhor que tudo fosse lançado junto mesmo. Seria o disco de despedida de Elvis após ele vestir a farda verde do exército americano. Porém o Coronel Parker tinha uma filosofia comercial de "vender sempre a mesma gravação duas vezes" e por essa razão as canções chegaram aos fãs do jeito que foram lançadas. Primeiro no formato de single. Depois dentro de uma falsa coletânea que poderia ser considerado um disco próprio de Elvis.
E a qualidade dessas dez canções é inegável. Só clássico do rock americano da época. Um verdadeiro deleite para os fãs do Elvis roqueiro em sua primeira fase na carreira. É interessante relembrar que pouco depois da gravação dessas faixas o rock iria entrar numa maré de azar. Vários ídolos do surgimento do gênero musical nos Estados Unidos, em sua geração pioneira, iriam cair em desgraça e isso no intervalo de poucos meses.
Os cantores Buddy Holly, Ritchie Valens e The Big Bopper morreriam no mesmo acidente de avião quando sobrevoavam Clear Lake, no estado americano do Iowa. Tiveram mortes terríveis. Chuck Berry foi preso acusado de envolvimento em crimes sexuais. O radialista Alan Freed, o homem que deu nome ao Rock, também foi para a cadeia, acusado de cobrar propina de produtores e gravadoras para tocar músicas em seu programa. Little Richard teve uma crise de fé e decidiu que iria deixar de cantar rock para se dedicar totalmente para a religião cristã. Até a ótima dupla The Everly Brothers decidiu se separar. E com Elvis no exterior, longe da carreira, os fãs de rock perceberam que praticamente não havia sobrado mais nenhum artista de seu estilo musical preferido. Os roqueiros da primeira geração pareciam desaparecer de forma assustadora. E foi dentro desse contexto que esse álbum de Elvis foi gravado.
As sessões de gravações da maioria das músicas que fizeram parte desse álbum são curiosas porque Elvis compareceu ao estúdio com a farda do exército americano. Pois é, isso nem seria necessário pois ele estava ali em um compromisso profissional de sua esfera privada, que nada tinha a ver com o serviço militar, mas mesmo assim Elvis surgiu no estúdio da RCA Victor devidamente fardado, o que deixou seus músicos, a banda, completamente surpresos. Além disso assim que chegou Elvis foi logo pegando uma guitarra para tirar alguns acordes, algo que ele não estava acostumado a fazer.
E esse disco de fato era muito bom. Uma bela mistura de canções mais agitadas, puro rock, com baladas românticas. O curioso é que o romantismo dos discos de Elvis por essa época tinham um sentimento mais juvenil, de namoro de mãos dadas mesmo, nada parecido com as baladas dos anos 1970, que viriam repletas de mensagens de amargura, desilusão, até mesmo raiva pela traição feita por aquela mulher que ele achava ser o grande amor de sua vida (se você associou Priscilla com isso, acertou em cheio!). Porém nesse disco o amor era aquele de colégio, mais simples e pueril.
E nessa categoria temos duas belas baladas. A primeira a se elogiar é a terna "Don´t". Os fãs brasileiros, por exemplo, mal conheciam a canção. Nos Estados Unidos ela havia sido lançada em um single que até fez bastante sucesso nas rádios. Porém no Brasil essa bela música passou em brancas nuvens. Curiosamente Priscilla Presley iria escolher pessoalmente essa faixa para servir de tema do seriado baseado em suas memórias, "Elvis e Eu", que foi exibido no Brasil, durante a década de 1980, no canal aberto SBT. É até fácil entender essa escolha. Foi justamente nessa época, em que a baladinha era lançada, que Elvis e Priscilla começaram a namorar. Certamente marcou para ela.
Outra canção romântica classe A do disco era "A Fool Such As I", Nessa gravação se sobressaíram muito bem o solo tocado por Scotty Moore e o vocal de apoio do grupo The Jordanaires. Outro fato curioso digno de nota é que os Jordanaires eram os únicos creditados nos discos de Elvis na época. Como naqueles tempos distantes havia pouca (ou quase nenhuma) informação sobre o grupo, muitos pensavam que eles tocavam todos os instrumentos. Na verdade era apenas o grupo vocal que acompanhava Elvis nas gravações. Os verdadeiros instrumentistas como Scotty Moore, Bill Black e demais membros da banda não tinham seus nomes creditados nas capas dos discos, ficando praticamente desconhecidos do grande público. Esse anonimato não deixava de ser uma injustiça para esses talentosos músicos.
Elvis entrou para o serviço militar, cortou seus famosos cabelos, foi para um breve período de treinamento no Texas e depois foi enviado para a Alemanha Ocidental. Era época de guerra fria. Do outro lado do muro de Berlim o comunismo dominava toda a Europa oriental. Os jornais do partido soviético diziam que a presença de um artista como Elvis na fronteira era "propaganda barata do ocidente". Realmente, ter um cantor de rock ali por perto, não passava mesmo de um certa provocação ideológica. Elvis representava para os jovens certos valores, entre eles a liberdade.
Enquanto o urso russo e a águia americana brigavam por corações e mentes mundo afora, usando todos os tipos de armas possíveis, a RCA Victor tentava manter o nome de Elvis em voga. Quando foi para a Alemanha Elvis confidenciou a pessoas próximas que acreditava que seria esquecido. Cantores eram descartáveis, em sua opinião. E quem não era visto, não era lembrado. A RCA então soltou o single de "A Big Hunk O'Love" nas lojas. Era uma música inédita de Elvis, gravada antes dele partir para a Europa. Para surpresa de muita gente o compacto fez muito sucesso, chegando nos primeiros lugares das paradas, entre os mais vendidos. Parecia que os fãs não tinham esquecido Elvis Presley afinal.
No Brasil as coisas vinham com atraso. Talvez por isso a música anterior não tenha feito qualquer sucesso por aqui. Porém o mesmo não poderia se dizer de "I Need Your Love Tonight". Essa caiu nas graças do público nacional (e americano também). Tanto que muitos anos depois foi incluída no famoso disco "Elvis - Disco de Ouro" que foi lançado em 1977 em nosso país e se tornou um dos LPs mais vendidos da carreira de Elvis Presley no Brasil. Não se pode negar que essa música tinha excelente ritmo e havia sido gravada numa sessão muito produtiva por parte de Elvis e banda. Eles estavam bem entrosados. É um pop / rock de excelente qualidade.
Outra que marcou e fez sucesso foi "One Night". Você gosta de blues? Acha que Elvis tinha talento e estilo para ser reconhecido como um grande blueseiro? Pois então essa é sua faixa. Na verdade pode-se dizer que foi o maior sucesso comercial de Elvis nesse gênero musical. Claro, ele gravou outras músicas de blues, mas nenhuma, mesmo as que tinham mais méritos, conseguiram maior espaço no hit parade. E Elvis parecia muito à vontade com esse tema, que para variar, foi considerado indecente pelos conservadores americanos na época. Imagine, um cantor como Elvis, que naqueles tempos tinha fama de rebelde e até mesmo de delinquente juvenil, cantando uma letra sensual e maliciosa como essa. Era mesmo para os membros do partido republicano se morderem de raiva e ódio!
Quando Elvis Presley foi para o exército, ele acabou se convencendo de que muito provavelmente havia chegado no fim de sua carreira. Em sua forma de ver as coisas, ele seria substituído por qualquer outro cantor jovem que surgisse durante sua ausência. Fabian, Rick Nelson ou até mesmo Frankie Avalon. Todos eles tinham o potencial para roubar seu trono de Rei do Rock, isso claro, sob o seu próprio ponto de vista, por mais incrível que isso possa parecer nos dias de hoje. No exército Elvis não faria mais shows, nem filmes e nem muito menos gravaria material inédito. Então ele imaginava esse tipo de coisa, baseado na velha máxima de que "Quem não é visto, não é lembrado".
O Coronel Parker sabia que a situação realmente não era muito boa e em conversação com a RCA planejou uma forma de manter o nome de Elvis sempre em evidência no mundo musical. O plano era relativamente simples. Lançar regulamente singles inéditos no mercado - geralmente a cada 4, 5 meses – para que Elvis não fosse completamente esquecido. Todo o material já havia sido gravado antes de Elvis ir para o serviço militar. Devidamente arquivado, seria lançado no mercado aos poucos, de forma gradual. Assim as canções certamente iriam se tornar sucesso, tocando nas rádios e criando uma falsa impressão nos fãs de que Elvis ainda estava na ativa, produzindo.
O primeiro single a seguir essa nova estratégia foi “Wear My Ring Around Your Neck / Doncha Think It's Time”. O lado A com o rock "Wear My Ring Around Your Neck" era a grande aposta da RCA Victor em colocar Elvis novamente no primeiro lugar entre os compactos mais vendidos. A música tinha ótimo ritmo, muita vibração e energia, em uma bela e inspirada performance de Elvis. Curiosamente embora fosse um rock com potencial de sucesso, a gravação não conseguiu se destacar nas paradas. O máximo que conseguiu foi alcançar um suado terceiro lugar por uma semana apenas, muito pouco em se tratando de single inédito de Elvis Presley na década de 1950. Para alguns analistas a culpa seria da letra considerada pouco significativa, fraca mesmo. Para outros o que pesou mesmo foi a falta da presença de Elvis na promoção da música em shows e apresentações na TV.
O lado B com "Doncha Think It's Time" não era menos interessante, Essa música tinha um ritmo próprio, sui generis, com uma vocalização muito singular por parte de Elvis. O ritmo soava nervoso, pausado, com explosões vocais em momentos chaves da canção! Infelizmente também não conseguiu chamar a atenção e foi solenemente ignorada na época. De forma injusta acabou virando um “Lado B obscuro”, pouco conhecido e nada mais dentro da discografia do cantor. Aliás o próprio Elvis parece ter esquecido dessas músicas nos anos seguintes, pois jamais as cantou ao vivo e nem as utilizou em qualquer outro projeto de sua carreira.
São duas faixas, que embora sejam muito boas, realmente foram para esquecimento dentro da discografia. A RCA Victor se esforçou bastante na divulgação do compacto, mas os resultados foram desanimadores, sendo o primeiro single de Elvis desde março de 1957 a não chegar ao topo da parada. O resultado comercial morno já indicava os problemas pelos quais a gravadora iria enfrentar, afinal vender canções inéditas de um soldado servindo à pátria na distante Alemanha não era algo fácil, nem mesmo para Elvis Presley!
O blues está na alma do povo americano e também estava na alma do jovem Elvis Presley. Como teve infância humilde, ele conviveu bastante ao longo de sua vida com a cultura negra. Não é de se admirar assim que o gênero tenha estado tão presente em sua carreira. E isso ficou bem claro no segundo single de canções inéditas lançadas pela RCA enquanto o cantor estava na Alemanha servindo o exército de seu país.
A faixa principal era um Rhythm & Blues que curiosamente sofreu auto censura pela própria gravadora, a RCA, que queria algo menos incisivo. Estamos falando da música "One Night". Inicialmente a canção se chamava “One Night of Sin”, título pela qual ficou conhecida dentro da cultura negra na voz do cantor Smiley Lewis (1913 - 1966). Natural de New Orleans, o músico havia destacado a canção nas paradas tanto que conseguiu chegar com ela no cobiçado primeiro lugar da parada R&B da Billboard.
O problema é que qualquer citação na letra a pecado e coisas afins, soava como uma má idéia por parte dos executivos da RCA, principalmente em relação a Elvis que tanta controvérsia já havia causado. Presley chegou a gravar um Take envenenado, sem qualquer tipo de suavização, mas a gravadora realmente queria algo mais soft, leve, menos provocativo. E foi essa versão que chegou aos seus fãs na década de 1950.
No lado B do compacto a RCA escolheu colocar a faixa "I Got Stung", outra inédita composta pela dupla Schroeder e Hill que havia caído nas graças de Elvis no estúdio, pois os 1compositores a criaram pensando justamente no estilo vocal característico de Elvis naquela fase de sua carreira, algo como se estivesse mastigando as palavras ou como resumiu um irônico crítico musical do New York Times: “Elvis ao cantar parece estar também mascando chicletes”.
O single chegou nas lojas americanas e tal como o anterior também não conseguiu alcançar o topo da parada Billboard, chegando no máximo ao quarto lugar entre os mais vendidos, o que não o impediu de ser premiado com um disco de ouro. Com Elvis distante, sem condições de apresentar a música em filmes e nem em programas de TV, a situação ficava mais complicada pois a máquina publicitária da RCA tinha que trabalhar apenas com as emissoras de rádio, o que nem sempre era muito fácil ou barato. De fato as performances ao vivo de Elvis Presley eram vitais para os sucessos de suas gravações no mercado como bem foi provado por essa época.
Já na Inglaterra o single se saiu melhor finalmente atingindo o topo da parada daquele país. Infelizmente a RCA optou pelo caminho mais fácil nos Estados Unidos e fez uma promoção preguiçosa do single, não se dando nem ao trabalho de confeccionar uma capa decente pois o material foi retirado das fotos promocionais do álbum “Elvis Christmas Album”. De qualquer modo o que transparece é que apesar do certo descaso de sua gravadora, Elvis parece ter realmente acreditado na música tanto que a resgatou dez anos depois em seu especial de TV no canal NBC. Um reconhecimento tardio mas que trouxe o devido tratamento a uma de suas canções mais marcantes antes de ir para o exército.
O lado A do compacto vinha com a conhecida “A Fool Such As I”. A música havia sido lançada originalmente em 1952 pelo popular cantor Hank Snow (1914 – 1999) um dos maiores nomes da história do country americano, com mais de 50 anos de carreira e 140 discos lançados em sua vasta discografia. Elvis cuja formação musical se deu principalmente devido ao rádio, conhecia muito bem o artista desde a década de 1940. Era uma cria do Grand Ole Opry, um dos programas mais ouvidos no sul. A versão de Elvis é maravilhosa. O cantor colocou em seu vocal anos e anos de aprendizado radiofônico. Aqui se nota muito bem seu espírito country, uma característica que nunca o abandonou, em nenhuma fase de sua carreira. Country music certamente sempre foi um dos pilares da trajetória de Elvis e aqui, em plena fase roqueira de sua discografia, ele ressurgia cantando um clássico country de Hank Snow. Depois do sucesso da versão de Elvis outros artistas a gravaram também, em especial Petula Clark, Mickey Gilley, Rodney Crowell e Baillie & the Boys
E talvez para não deixar seus fãs roqueiros confusos, o lado B trazia o excelente rock “I Need Your Love Tonight”. Essa canção ficou muito conhecida no Brasil porque fez parte do popular “Elvis – Disco de Ouro” de 1977, o vinil mais vendido do cantor em nosso país. Já nos EUA ela mantém seu status de boa gravação, mas ainda assim um Lado B. Elvis a registrou na última sessão antes de ir embora para a Alemanha. Havia muita pressa em deixar músicas inéditas arquivadas, mas isso em nada impediu o excelente nível técnico da gravação. Particularmente considero esse um dos melhores arranjos da década de 1950.
A banda, muito entrosada, não perdeu o pique. Além disso Elvis se mostrou comprometido em realizar uma boa versão. O single chegou nas lojas americanas em março de 1959 alcançando o quarto lugar da parada Billboard e sendo, assim como o single anterior, premiado com um disco de ouro. Isso apesar de nunca ter chegado ao número 1, que era o desejo da RCA. As noticias sobre sua volta já começavam a surgir na imprensa, trazendo seu nome de volta aos holofotes o que de certa forma ajudou na promoção do compacto. De qualquer modo não há como negar a ótima qualidade desse material. Os fãs certamente gostaram muito dessas boas músicas.
Finalizando os comentários sobre esse álbum de Elvis Presley, vamos falar sobre as últimas músicas referentes a esse disco. "I Beg Of You" seguiu a linha básica das canções que fizeram parte desse repertório. Ela foi gravada antes de Elvis ir para a Alemanha, em uma de suas últimas sessões de gravação antes de partir para o serviço militar. É uma boa canção, diria até que um bom momento roqueiro da carreira de Elvis, mas que nunca chegou a se tornar um hit. Tanto que foi deixada de lado. Com os anos Elvis nunca se lembrou dela para usar em shows, etc. Um bom momento que a despeito disso ficou inteiramente no passado de sua carreira.
O curioso é que as dez músicas que fizeram parte do disco original de vinil lançado em 1959 não foram as únicas que Elvis gravou naquela ocasião. Ele registrou outras músicas, mas a RCA Victor resolveu arquivá-las, só as lançando na década seguinte, nos anos 60, quando a música jovem americana já havia trilhado por outros caminhos. Foi uma falha da gravadora no meu ponto de vista. Elas deveriam ter chegado no mercado ainda nos vibrantes anos 50, nos chamados anos dourados do rock americano.
Uma dessas músicas foi "Your Cheatin' Heart" do lendário cantor country Hank Williams. Considerado um dos pais do country and western dos Estados Unidos, ele teve presença marcante em diversas ocasiões dentro da discografia de Elvis Presley. A influência de Williams certamente era enorme na época, sendo que Elvis simplesmente não poderia ignorar o seu legado musical. Essa boa gravação foi para os arquivos da RCA, só chegando ao mercado como música de abertura do disco "Elvis For Everyone" em 1965. Um erro, mas que ao menos foi corrigido, mais de cinco anos depois de ter sido produzida. Como diz o ditado "Antes tarde do que nunca".
Pior aconteceu com "Ain’t That Loving You Baby". Grande música com enorme potencial de se tornar um hit. Só que aqui a RCA Victor errou duas vezes. Primeiro por não lançar a música durante os anos 50, já que ela só chegou ao mercado de forma equivocada em um single obscuro e sem qualquer divulgação nos anos 60. Segundo, por ter escolhido o Take errado. Ora, basta ouvir a versão que foi lançado no disco "Reconsider Baby" de 1985, para entender que aquela era a versão certa para lançamento, não a que foi escolhida para o single, que tinha um ritmo muito estranho e fora do compasso. Enfim, erros e mais erros da gravadora de Elvis. Hoje em dia só podemos lamentar mesmo.
Pablo Aluísio
quarta-feira, 5 de janeiro de 2005
Elvis Presley - A Date With Elvis (1959)
Uma das belas canções que foram usadas nesse álbum foi a bonita balada "Is It So Strange". Aqui eu costumo dizer que temos um arranjo bem simbólico daquela primeira fase do rock americano. Percebam bem o estilo de tocar guitarra de Scotty Moore. Esse tipo de arranjo era algo muito característico nas músicas românticas dessa época. Como diria George Harrison anos depois a guitarra"chorava" em cada nota produzida pelo músico. Algo muito bonito, bem nostálgico daqueles tempos mais românticos e mais sentimentais. Gravada em 19 de janeiro de 1957, composta por Faron Young, essa linda música nunca ganhou o espaço merecido dentro da discografia de Elvis Presley.
Arthur Neal Gunter foi um músico negro americano que desde os primeiros passos na carreira no estado da Georgia onde nasceu, tentou fazer sucesso com sua música. Porém nunca alcançou os picos da glória. Ele circulou por uma série de pequenas gravadoras do sul dos Estados Unidos até ir parar em Nashville. Só que Gunter não era um artista country, mas sim de blues e gospel. Ele inclusive vinha de um grupo vocal chamado Gunter Brothers Quartet, onde ao lado de seus irmãos e primos tentava chamar alguma atenção das gravadoras da época.
Em novembro de 1954 ele assinou com o selo fonográfico Excello para a gravação de um pequeno compacto (single). No lado A desse disquinho gravou a sua música "Baby Let's Play House". O sucesso foi mediano, mas satisfatório, chegando até mesmo a se destacar dentro da parada Billboard. E não demorou muito a chamar a atenção de um jovem chamado Elvis Presley que decidiu gravar sua versão da música. Claro, Elvis erotizou bastante a letra e o jeito de interpretar a canção, ao ponto inclusive de ser taxado de perversão pelos reacionários de plantão. Não importa, na voz de Elvis essa música realmente se tornou imortal. Curiosamente alguns meses antes de morrer em 1976 Arthur Gunter disse em uma entrevista para uma revista americana de música que "nunca teve a oportunidade de conhecer Elvis pessoalmente, nem de apertar sua mão". Infelizmente eles nunca se conheceram pessoalmente. Teria sido um encontro muito interessante, sem dúvida.
Esse álbum, como já frisei, foi lançado enquanto Elvis estava servindo o exército na Alemanha Ocidental. Era a época da guerra fria, da cortina de ferro. Os socialistas da Alemanha Oriental consideravam a presença de Elvis naquela região como uma provocação, uma propaganda política do lado capitalista decadente. Coisas da época. Pois bem, uma das músicas desse disco havia sido lançada originalmente no primeiro single de Elvis na Sun Records. Era a baladinha country "Blue Moon of Kentucky". Gravada em julho de 1954, havia sido composta por Bill Monroe.
Eu fico imaginando os fãs da época, roqueiros e tudo mais, colocando o novo disco de Elvis para tocar e se deparando com um country ingênuo desses. Afinal poucos tinham tido acesso aos compactos originais da Sun. Para a imensa maioria dos fãs aquela faixa, mesmo antiga como era, soava como novidade. E de repente o Rei do Rock surgia cantando uma balada country de montanha. Deve ter sido algo bem estranho para aqueles jovens roqueiros, cheios de brilhantina no cabelo, posando de Teddy boys. Não era o tipo de som que essa juventude estava acostumada a ouvir. Não era mesmo.
E mais estranho ainda deve ter sido ouvir a canção "Milkcow Blues Boogie". Essa aqui ainda era mais provinciana e radical do que "Blue Moon of Kentucky". Também havia sido gravada por Elvis na Sun Records para um público muito específico do sul. Era um tipo de som para fazendeiros, pessoas que viviam no meio rural. Uma sonoridade de nicho. Imaginem novamente esse tipo de country de raiz surgindo aos ouvidos de quem morava nos grandes centros urbanos, como Nova Iorque ou Los Angeles. Mais esquisita ainda deve ter soada para o público internacional. No Brasil, por exemplo. Pouca gente por aqui tinha familiaridade com o Boogie rural do sul dos Estados Unidos. A gravação também era abafada, causando mais estranheza ainda aos ouvidos de quem não era daquelas bandas. Era a música da vaca leiteira, enfim.
Mais familair para a moçada de lambreta era "(You're So Square) Baby I Don't Care". Essa havia sido tirada da trilha sonora do filme "Jailhouse Rock". Já era o Elvis roqueiro que todo mundo conhecia. O astro jovem de Hollywood, o ícone do rock em seus primórdios. Mais uma pequena obra-prima composta pela dupla Jerry Leiber e Mike Stoller. Dessa faixa sempre é lembrado o fato de que Elvis tocou baixo nela. Bill Black se enrolou no solo da canção, se aborreceu e saiu do estúdio. Ele era assim, temperamental e cabeça quente. Elvis então viu ali uma oportunidade de mostrar seus dotes de instrumentista. Ele estudou baixo por anos e anos. E se saiu muito bem. Como raramente Elvis tocava em suas gravações, a música trazendo o "Elvis baixista" ficou marcada para sempre. Uma curiosidade para os fãs do cantor.
A música"Young And Beautiful" foi escrita pela dupla de compositores Aaron Schroeder e Abner Silver. Gravada por Elvis em 30 de abril de 1957, fez parte da trilha sonora do filme "Jailhouse Rock". Sempre foi uma bela balada subestimada, nunca usada adequadamente fora do contexto do filme. Curiosamente durante a década de 1970, em ensaios, Elvis esboçou uma tentativa de levar a música para os palcos, porém só ficou na intenção mesmo. Há uma boa versão dessa época, lá por volta de 1972, onde Elvis ensaia a canção com seu grupo em estúdio. Ficou bonita, apesar de ser uma versão bem despretensiosa.
E a RCA Victor encaixou outras faixas de filmes de Elvis nessa coletânea. Uma delas foi "We're Gonna Move". Oficialmente ela veio creditada como sendo composta por Vera Matson e Elvis Presley. Na verdade hoje sabemos que todo o material do filme "Love Me Tender" foi composto pelo maestro da Fox Ken Darby. Ele apenas não quis assinar essas criações, por motivos diversos, colocando as músicas como sendo feitas por sua esposa Vera e por Elvis, para agradar ao Coronel Parker que estava de olho nos direitos autorais das músicas gravadas por Elvis. Nada pessoal, uma questão puramente de negócios.
Eu adoro a dupla Jerry Leiber e Mike Stoller. Em minha opinião as melhores músicas gravadas por Elvis nessa fase roqueira dos anos 1950 foram compostas por eles. Só que, apesar dessa admiração, devo dizer que "I Want To Be Free" se torna bem enjoativa depois de algumas audições. Gravada em abril de 1957, dentro do pacote de "Jailhouse Rock", essa música é certamente uma das mais fracas dessa celebrada trilha sonora. O que poderia ser pior do que isso? Basicamente temos alguns grandes clássicos nesse filme, mas essa aqui pode ser chamada de "musiquinha" sem medo de soar como uma injustiça. Enjoativa e banal, nem parece uma música com a assinatura dos geniais Leiber e Stoller.
Um fato curioso sobre esse álbum é que em sua edição original norte-americana, havia uma bonita direção de arte. Dentro de uma capa que abria - tal como se fosse um álbum duplo - havia muitas fotos de Elvis no exército, além de um enorme calendário do ano de 1960, que seria aquele em que Elvis retornaria aos Estados Unidos após cumprir serviço militar. Na década de 1980, para ser mais específico, em 1982, saiu a última edição desse disco em vinil no Brasil. Fazia parte da série "Pure Gold". Pena que toda a bonita direção de arte da edição original foi deixada de lado. Em uma edição pobre trazia capa e contracapa iguais, sem nenhum luxo. Uma versão bem decepcionante para os colecionadores da época.
Para finalizar essa sessão de gravação mais do que produtiva Elvis encerrou os trabalhos com chave de ouro ao gravar o clássico "Good Rockin' Tonight" de Roy Brown. Para o dono da Sun Records, o produtor Sam Phillips, esse foi certamente um dos pontos altos de Elvis na gravadora de Memphis. Havia apenas três músicos dentro do estúdio naquele dia. Elvis cantando e fazendo acompanhamento em seu violão. Scotty Moore na guitarra e Bill black em seu enorme contrabaixo. Não houve baterista. Não havia mais ninguém. É de se impressionar ao ouvir a faixa nos dias de hoje e perceber que apenas três músicos conseguiram um efeito tão bom. Naquele mesmo mês de setembro a gravadora se apressou para lançar o single Sun 210, o segundo de Elvis pelo pequeno selo de Memphis. Não havia tempo a perder.
Outra música dos tempos da Sun Records que a RCA Victor aproveitou para eolocar nesse álbum "A Date With Elvis" foi "I Forgot to Remember to Forget". Escrita pela dupla Stan Kesler e Charlie Feathers. É uma baladinha country que tem um título curioso, que em português significaria algo como "Eu esqueci de lembrar de me esquecer". Um trocadilho até divertido de palavras. Os Beatles, que eram grandes fãs de Elvis nesse período da Sun Records, gravariam a música em seu programa na BBC de Londres. O registro sobreviveu ao tempo e foi lançado anos depois no excelente box "The Beatles - Live at the BBC".
Finalizando essa análise do álbum "The Date With Elvis" aqui vão algumas informações adicionais. O disco foi lançado no mercado americano em agosto de 1959 com o código fonográfico LPM 2011. Foi o oitavo LP de Elvis a chegar ao mercado pela RCA Victor. Não foi um grande sucesso de vendas, chegando apenas ao trigésimo segundo lugar entre os mais vendidos. Curiosamente o disco foi lançado um mês antes na Inglaterra, onde vendeu muito bem, chegando ao quarto lugar das paradas inglesas. Elvis era adorado pelos fãs das ilhas britânicas. No Brasil o disco só chegaria ao mercado quase um ano depois, numa edição bem simples, sem todo o capricho gráfico da edição americana.
Pablo Aluísio.
Elvis Presley - For LP Fans Only (1959)
Assim a gravadora começou o lançamento de uma série de coletâneas. Usando fotos novas do artista, criava-se uma ilusão de que era um álbum novinho em folha do Rei do Rock. Só que na verdade todas as faixas eram meras rerises. Algumas até bem-vindas, pois só tinham sido lançadas antes pela Sun Records. E como se sabe a pequena gravadora de Memphis não tinha alcance nacional e nem muito menos internacional. Seus compactos foram vendidos em números limitados de cópias. Dar ao fã de Elvis na época a chance de ouvir as primeiras gravações do cantor, ainda no comecinho da carreira, não era ruim, pelo contrário, era um deleite para os colecionadores. Nasceu assim esse LP feito somente para fãs.
E foi através desse disco que muita gente ouviu pela primeira vez a música "That's All Right" que foi a primeira música gravada por Elvis Presley a ser lançada comercialmente. Chegou ao mercado pela primeira vez em um pequeno single da Sun Records. Foi gravada em julho de 1954, com um Elvis de apenas 19 anos de idade. Na época ele era motorista de caminhão da companhia de energia elétrica de Memphis. Composta originalmente por um artista negro chamado Arthur Crudup, o "Big Boy", essa música foi virada pelo avesso por Elvis. No estúdio ele deu seu toque pessoal para a baladinha country e acabou mudando a história da música mundial.
"Poor Boy" fez parte da trilha sonora do filme "Love Me Tender" (Ama-me com Ternura, no Brasil). Oficialmente a música teria sido escrita por Vera Matson e Elvis Presley, porém na verdade nem ele e nem ela criaram a canção e sim Ken Darby, o diretor musical dos estúdios Fox, marido de Vera. O Coronel Parker exigiu que Elvis figurasse como um dos autores por causa do valor dos direitos autorais. Depois que o próprio Elvis confessou que não fazia músicas, o velho empresário deixou isso de lado. Financeiramente era bom para ele e Elvis, mas do ponto de vista da verdade dos fatos não se sustentava. Elvis realmente não escrevia músicas, no máximo dava alguma ideia, mas sem escrever versos ou harmonias. Deixando isso de lado sempre gostei dessa música. É simples, com letra até juvenil, mas seu ritmo country mais leve e divertido a salva do lugar comum. A cena no filme também ficou muito boa, embora em minha opinião tenha tido uma edição ruim, que não valorizou a performance que Elvis tentava mostrar na tela.
"I Was The One" foi escrita pelo time de compositores formado por Aaron Schroeder, Claude Demetrius, Hal Blair e Bill Peppers. Por que ela foi tão trabalhada? Acontece que essa balada romântica fez parte das primeiras sessões de Elvis na RCA Victor. Era janeiro de 1956 e o estúdio estava nervoso, tentando recuperar rapidamente o dinheiro investido em sua contratação. As músicas que Elvis gravou nesse período foram bem estudadas, escritas pelos produtores, em especial Steve Sholes, que estava bem preocupado com seu emprego. Caso Elvis não se tornasse um sucesso de vendas ele certamente seria demitido.
Assim a música, que seria lançada como lado B do single "Heartbreak Hotel" foi lapidada mesmo, com todo mundo dando sugestão. O resultado ao meu ver ficou excelente. Como foi lançada em compacto, não fez parte da seleção musical do primeiro álbum de Elvis na RCA, o que sempre achei um grande erro de mercado. Aliás nem mesmo "Heartbreak Hotel", o grande clássico, entrou no disco original. Enfim, essas eram regras não escritas dentro da indústria musical da época. Os Beatles, alguns anos depois, iriam seguir por esse mesmo caminho. Só depois é que todos iriam perceber que era um erro.
"My Baby Left Me" foi escrita pelo compositor negro Arthur "Big Boy" Crudup. Ele foi muito importante dentro da carreira de Elvis porque sua primeira gravação profissional na Sun Records foi justamente feita em cima de uma de suas criações. Infelizmente Grudup morreu pobre e esquecido, destino de muitos artistas negros que viviam no sul dos Estados Unidos. No final da vida uma de suas únicas fontes de renda vinha justamente dos direitos autorais provenientes das gravações de Elvis. O próprio cantor lhe fez uma pequena homenagem lhe mandando uma placa em bronze com palavras de agradecimento. A versão que ouvimos aqui nesse disco foi gravada no dia 30 de janeiro de 1956, nos estúdios da RCA Victor.
O rock "Shake, Rattle and Roll" se notabilizou e fez sucesso na voz de Bill Haley e seus Cometas. Ele foi uma espécie de pai cinquentão do Rock em seu surgimento, pois quando começou a fazer sucesso já tinha passado da idade de ser considerado um rockstar, tal como Elvis. Isso porém não o impediu de fazer muito sucesso, principalmente com seu clássico absoluto "Rock Around The Clock", considerado o primeiro grande sucesso de Rock´n´Roll nos Estados Unidos.
Elvis gravou pouco do material inesquecível e marcante de Bill Halley, mas o admirava bastante, tendo inclusive se encontrado pessoalmente com ele. É famosa a foto de Elvis, já devidamente fardado para o exército, ao lado de Halley. De qualquer maneira essa versão de Elvis não faria muito sucesso em sua voz pois seu potencial comercial já tinha se esgotado com o lançamento do single de Bill Haley.
A baladinha country "I'm Left, You're Right, She's Gone" foi gravada por Elvis Presley na Sun Records na data de 5 de março de 1955. É interessante notar que quando a Sun vendeu o passe de Elvis para a RCA Victor havia uma cláusula nesse contrato que dava para a nova gravadora direito a toda e qualquer gravação feita por Elvis no estúdio de Sam Phillips. Era o que se costumava chamar na época de "cláusula universal de direitos autorais".
Isso se referia a tudo, desde uma música completa gravada por Elvis na Sun, até pequenos takes, ensaios, restos de gravação, qualquer coisa, qualquer registro em áudio. E quando Elvis foi para a RCA também foram os tapes que ele havia gravado em Memphis. Alguns deles perfeitos e bem gravados, que não foram negligenciados pela gravadora de Nova Iorque. Assim essa música não deixou também de ter seu espaço nesse álbum com o selo da multinacional. E esse country foi até bem comercializado pela gravadora pois disquinhos de jukebox foram enviados para a região sul, principalmente ali perto do Arkansas, onde acabou fazendo bastante sucesso.
"Playing for Keeps" foi gravada no dia 1º de setembro de 1956. Essa balada inicialmente deveria ter entrado no álbum "Elvis" nesse mesmo ano, só que isso nunca aconteceu. A RCA Victor decidiu que iria lançar a canção como single, mas depois de sucessivos adiamentos se perdeu o tempo certo de colocá-la no mercado. Acabou indo parar como lado B do single "Too Much" em janeiro de 1957. Com isso a música foi um tanto desperdiçada do ponto de vista comercial. Acredito que se tivesse sido lançada da forma certa em 1956 teria se tornado um dos grandes sucesso de Elvis naquela época.
Essa canção foi composta por Stan Kesler. Ele foi um artista da Sun Records e seu caminho crusou com o de todos os cantores da pequena gravadora de Sam Phillips. Era amigo de Jerry Lee Lewis e Johnny Cash. De sua autoria Elvis gravaria diversas músicas, como por exemplo "I'm Left, You're Right, She's Gone" e "I Forgot to Remember to Forget", Além disso tocava sempre nas gravações de Carl Perkins. Enfim, foi um membro menos conhecido dessa geração pioneira de roqueiros surgidos nos anos 1950 pelo selo amarelo da Sun, em Memphis. Uma figura importante, mas hoje em dia pouco conhecida.
E por falar em Sun Records, esse álbum também trazia uma antiga faixa gravada por Elvis nesse pequeno estúdio de Memphis. Era "You're a Heartbreaker". Ela foi gravada por um Elvis Presley ainda muito jovem, quase amador, em dezembro de 1954. Segundo fontes mais seguras essa foi uma das primeiras sessões na Sun, contando apenas com Elvis, tocando violão, Scotty Moore em sua guitarra e Bill Black com aquele grande contrabaixo que hoje em dia pertence a Paul McCartney.
Dentro da discografia de Elvis essa baladinha country foi lançada originalmente em janeiro de 1955 como lado B do single "Milkcow Blues Boogie". Outra boa gravação que foi desperdiçada? Em termos. Não podemos ignorar o fato de que naquele tempo ninguém sabia se Elvis iria dar certo como cantor profissional, por isso a inclusão da gravação em um compacto da Sun Records, por mais simples que fosse, para todos os envolvidos já era um sinal de que eles tinham mesmo gostado do resultado final. Eram outros tempos, outras prioridades na vida do jovem Elvis Presley.
A faixa "Lawdy Miss Clawdy" foi gravada no dia 3 de fevereiro de 1956. Nessa época Elvis já era um cantor profissional contratado pela grande multinacional RCA Victor. Os dias de quase amadorismo, da Sun Records, tinham ficado para trás. Agora ele viajava bastante, não apenas para fazer shows, mas também para gravar nos melhores estúdios de gravação, fossem localizados em Nova Iorque, Nashville ou Los Angeles. Elvis estava sempre ocupado, cumprindo seus compromissos de agenda. Relembrando o passado, conferindo a carga de trabalho a que era submetido, realmente apenas um jovem de sua idade iria conseguir manter aquele pique. E o mais incrível é que Elvis conseguia produzir muito, com qualidade artística.
Essa canção "Lawdy Miss Clawdy" havia sido composta pelo talentoso Lloyd Price. Era uma das preferidas de Elvis, tanto que assim que ele colocou os olhos na set list enviada pela RCA, com a lista das músicas sugeridas para gravação, ele a escolheu rapidamente, sem pensar duas vezes. Inicialmente a RCA pensou em colocar a faixa no primeiro disco de Elvis, mas essa ideia inicial não foi para a frente. Depois ela foi escolhida para fazer parte do segundo álbum do cantor na gravadora, mas igualmente foi deixada de lado. Entender porque uma canção tão boa foi sucessivamente cancelada nesses discos é uma questão sem resposta. É complicado entender o que se passava na cabeça desses executivos e produtores que montavam o repertório dos álbuns de Elvis nessa época distante.
Já "Mystery Train" vinha do repertório do acervo herdado da Sun Records pela RCA. Quando Elvis foi contratado pela grande gravadora de Nova Iorque ficou estipulado em seu contrato que a RCA também teria direito a todas as gravações que ele havia feito na gravadora de Sam Phillips. E essas canções foram sendo lançadas (ou relançadas) aos poucos. Em discos como esse "For LP Fans Only" surgia mais uma boa oportunidade de colocar essas gravações antigas no mercado novamente. Essa aqui foi gravada em julho de 1955, em um tempo em que Elvis ainda estava decidindo se iria virar cantor profissional mesmo ou fazer um curso de eletricidade para trabalhar na companhia de energia de Memphis. Nesses tempos ele apenas dirigia o caminhão da firma.
Em relação aos valores artísticos de "Mystery Train" devemos relembrar que para muitos críticos essa foi uma das maiores e melhores gravações de Elvis em sua carreira. Para Sam Phillips, por exemplo, não havia a menor dúvida que tinha sido o melhor que Elvis havia produzido em sua pequena gravadora. E de fato chega a ser incrível como aqueles jovens músicos conseguiram chegar em um take tão perfeito, com tão poucos recursos disponíveis. A tecnologia de gravação da época era rudimentar. Fazer edições era praticamente impossível. Assim era mesmo uma questão de se chegar em um momento especial para capturar o talento dos artistas. No caso de Elvis, Scotty e Bill, isso aconteceu justamente aqui. Foi mesmo algo fantástico por parte deles. Algo que aliás nunca mais se repetiria ao longo de sua persmanência na Sun de Memphis.
Pablo Aluísio.
terça-feira, 4 de janeiro de 2005
Elvis Presley - King Creole (1958)
Só que ficou mesmo complicado tecer a lenha nesse filme, principalmente quando se tinha Michael Curtiz como diretor. Ele era um símbolo da era de ouro do cinema americano. Dirigiu dezenas de grandes filmes, entre eles "Casablanca", considerada uma obra-prima absoluta das telas. Arrasar com "King Creole" significava arrasar também com Michael Curtiz e isso definitivamente estava fora de cogitação entre os críticos e entre os cinéfilos. Assim eles todos tiveram que reconhecer os méritos do filme, mesmo que para isso precisassem engolir Elvis Presley no elenco.
E a trilha sonora do filme? Outra surpresa maravilhosa. O puro Rock foi deixado um pouco de lado, ou melhor dizendo, as faixas fortes ainda estariam presentes no disco, mas com outra sonoridade. Não havia mais como a banda tradicional de Elvis dar conta dos arranjos, por isso um grupo enorme de músicos foi contratado pela RCA Victor. A maioria deles eram músicos de jazz, de New Orleans. Justamente o tipo de artista que essas músicas pediam. De fato essa sessão de gravação foi a mais peculirar e ímpar da carreira de Elvis até aquele momento. Um tipo de som que ele nunca havia feito antes em sua vida.
E apesar de ser uma espécie de novato nesse tipo de sonoridade, Elvis se deu bem. Ele apenas entendeu que deveria continuar a ser o mesmo cantor de antes. Os arranjos de metais ao seu lado seriam apenas um bônus. E não deixava de ser curioso também que não fazia muito tempo Elvis havia criticado sutilmente o jazz numa entrevista. O jornalista perguntara a ele se gostava de jazz. Elvis respondeu que não. Não iria falar mal do estilo musical, mas que na verdade não ouvia jazz, não gostava e não o entendia muito bem. É de se estranhar que de todos os ritmos musicais Elvis tenha implicado logo com o jazz. Em Memphis esse tipo de música era até bem comum. Só que Elvis parecia bem mais à vontade cantando gospel, blues ou country. O jazz definitivamente não fazia a cabeça daquele jovem de vinte e poucos anos. Porém lá estava ele nos estúdios da RCA Victor, gravando o seu disco mais jazzístico de sua carreira.
Essa trilha sonora do filme "King Creole" (Balada Sangrenta, no Brasil) é realmente muito boa. Os compositores e arranjadores tinham a complicada missão de unir o som de New Orleans e seu cenário musical mais do que rico, com a sonoridade do novo gênero musical que estava nascendo, o Rock. Não era algo fácil de fazer, mas ouvindo esse disco nos dias atuais chegamos facilmente na conclusão de que todos os envolvidos, criadores e músicos, conseguiram o que estavam procurando, com enorme êxito.
Basta colocar o disco para tocar e ouvir as primeiras notas da música tema, "King Creole", para perceber que vinha coisa muito boa por aí. Essa canção foi encomendada especialmente para a dupla Leiber e Stoller. Eles já tinham uma parceria de enorme sucesso ao lado de Elvis. Basta lembrar da trilha sonora anterior, "Jailhouse Rock" para bem entender que essa união de talentos tinha dado mais do que certo. Essa é uma faixa forte, com arranjos marcantes e letra relevante. Nada de bobagens, apenas um recado duro e visceral. Interessante é que a interpretação de Elvis da música no filme é um tanto convencional, dentro dos padrões. Para uma música tão marcante o diretor Curtiz deveria ter pensado em algo mais forte, contundente.
E as semelhanças de fórmula com outras trilhas sonoras continuavam. Afinal o que era "Lover Doll" a não ser uma nova tentativa de repetir o êxito de Teddy Bear. Só que havia um diferencial por aqui. O personagem de Elvis no filme era um sujeito que vivia em uma linha divisória bem clara, entre ser um bom rapaz ou cair na marginalidade. Na cena do filme ele canta e encanta com essa canção de tema tão pueril enquanto seus comparsas de quadrilha roubam a loja. Pois é meus caros, penso que esse personagem Danny Fisher foi o papel mais forte e marcante de Elvis no mundo do cinema. Falavam muito em James Dean, mas o Danny de Elvis estava mais para um jovem James Cagney, o ator que mais interpretou gângsters famosos nas telas de cinema.
E apesar de Danny ser um cara forjado nas ruas, vivendo em espeluncas administradas pela máfia, ele tentava vencer na vida com os estudos. A família dele acreditava que apenas a formação educacional iria salvar ele do mundo do crime, o que era uma visão certa do mundo naquela fase histórica. Só que ele tinha dois lados. Em uma cena poderia representar o bom moço, para em outra se envolver com pequenos crimes, furtos e coisas do tipo. Para representar o lado bom de Danny, a trilha sonora trazia a canção "Steadfast, Loyal and True", algo como uma espécie de hino escolar, muito tradicional nos Estados Unidos. Os jovens aprendiam a música da escola e depois que se formavam esses temas musicais funcionavam como boas lembravas, como símbolo de nostalgia dos tempos colegiais. Elvis cantou a música praticamente sozinho, com o mínimo de acompanhamento. Um bom momento do disco para curtir apenas sua voz, sem banda e grupo de apoio. Ficou bem bonito.
A gravação da música "Crawfish" trouxe uma novidade dentro da discografia de Elvis. Era a primeira vez que o cantor dividia os microfones com uma cantora. Acontece que o Coronel Parker era completamente contrário a Elvis realizar duetos em seus discos. Na visão do empresário isso diminuía Elvis, o seu prestígio como artista. Elvis deveria vender discos apenas com seu talento, sem precisar de ninguém. Era um tipo de orgulho sem sentido que o Coronel trazia dos seus dias de homem de circo, de gerenciador de artistas de parques de diversões. Uma coisa até mesmo bizarra se formos analisar bem.
Só que no caso dessa canção não havia outra alternativa. Elvis cantava a bela música em uma sacada em New Orleans enquanto uma senhora negra passava pela rua vendendo lagostim. Ela anunciava seus produtos à venda cantando, ao qual o personagem de Elvis respondia, também cantando. Uma bela cena, evocativa do dia a dia daquela cidade, de seus vendedores ambulantes e dos hábitos culinários da região. Quando foi a hora de decidir se a música traria ou não a participação da cantora Kitty White no álbum, o Coronel tentou tirar a participação dela da trilha sonora. Só que isso iria deixar a música sem sentido. Assim a RCA e a Paramount Pictures decidiram que ela estaria sim no disco e como eles mandavam por questões contratuais, a decisão foi mantida. Sabiamente ninguém deu ouvidos aos absurdos do Coronel. Até porque isso também poderia ser interpretado como uma questão de racismo, o que iria pegar muito mal perante os fãs de Elvis.
De todas as músicas de "King Creole" a única que Elvis levou em frente na sua carreira foi "Trouble". Ela inclusive iria ter uma importância incrível dentro do NBC TV Special em 1968. De fato é uma canção com vida própria, que poderia ser mesmo aproveitada dentro da carreira de Elvis dissociada desse filme e do contexto onde ela era apresentada no cinema. A letra também era ideal para o personagem de Elvis em "Balada Sangrenta", uma vez que ele tinha seu lado sombrio, vinculado ao submundo do crime em New Orleans. Aliás os únicos personagens de Elvis no cinema que tinham esse lado mais perigoso e criminal eram justamente o Danny de "King Creole" e o Vince de "Jailhouse Rock", não por acaso seus papéis mais fortes na sétima arte.
"As Long As I Have You" é uma boa balada do disco. Não teve muito uso fora da trilha sonora do filme. Todos os filmes de Elvis tinham sua dose de canções românticas. Fazia parte do pacote, afinal naqueles tempos os filmes de Elvis poderiam ser considerados como romances musicais (em alguns casos, comédias musicais), onde seus personagens invariavelmente tinham que cortejar a mocinha do filme, namorar com ela, tudo para encantar seu público feminino na época que no caso era formado nessa fase de sua carreira por uma imensa maioria de adolescentes. Fazia parte dos roteiros ter sempre uma ou mais cenas românticas onde essas baladas se encaixavam perfeitamente bem.
Colocar Elvis para cantar temas de jazz, ao estilo da Louisiana, não foi algo simples na época. Para quem não sabe esse estado americano tem uma das culturas mais singulares dos Estados Unidos. Nada se compara com a riqueza cultural (logo, musical também) dessa região. Muitos tinham receios de que Elvis iria ser massacrado pela onda de críticas que viria quando o disco chegasse nas lojas. Afinal aquela sonoridade não tinha nada a ver com os discos anteriores que Elvis havia gravado. Era algo novo, pantanoso para ele naquele momento da carreira. Elvis poderia passear facilmente pelo country, pelo gospel, pelo blues e pelo rock. Afinal nesses ritmos ele estaria em casa. Mas uma trilha sonora com elementos de jazz? Era outra história.
Felizmente os compositores, arranjadores e produtores desse álbum tiveram o bom senso de mesclar o estilo de Elvis com o estilo da Louisiana. E não é que deu certo mesmo! Basta ouvir a canção "New Orleans" para entender bem isso. Os arranjos de metais estão todos lá, mas também há o estilo único de Elvis cantar, os Jordanaires e parte de sua banda original. É uma mistura que parecia ser impossível, mas que no final deu certo. Mesmo que os jovens fãs de Elvis viessem a estranhar certos aspectos dessa trilha sonora, eles não iriam detestar o que iriam ouvir. Conseguiram chegar em um bom equilíbrio, algo que muitos achavam que não iria dar certo.
E para suavizar ainda mais tudo, havia o lote de músicas românticas cantadas por Elvis, faixas como "Don't Ask Me Why". Imagine para uma fã adolescente de Elvis nos anos 1950, apaixonada platonicamente por seu ídolo, ouvindo versos como "Eu vou continuar lhe amando / Não me pergunte o porquê / você é tudo o que estou desejando / Não diga adeus / Eu preciso de você mais e mais...". Claro, as jovens iam nas nuvens, sonhando com o "namorado perfeito" que era o próprio Elvis. Isso iria superar qualquer estranhamento que elas viessem a ter com os arranjos fora do padrão desse álbum "King Creole".
Também me chama a atenção que uma parte das canções dessa trilha sonora eram bem mais convencionais do que as chamadas típicas de New Orleans. Essas poderiam estar em qualquer outro disco ou álbum normal de Elvis, sem problemas. Algumas vezes havia um mix, como em "Young Dreams". Aqui havia uma letra bem mais mediana, com pequenos, leves toques e nuances, para lembrar só um pouquinho do jazz do sul. Essa faixa aqui sempre me lembrou muito de "Young and Beautiful" pois as duas falam de romances juvenis, de amores de adolescentes. A juventude é louvada, aclamada, colocada em um pedestal. Elvis canta que tem jovens lábios para beijar, jovens braços para abraçar sua amada. E convida sua namorada para viverem juntos jovens sonhos de amor ao seu lado. Nada como um amor adolescente, na flor da idade, meus caros. As fãs de Elvis da época, nem preciso dizer, suspiravam ao ouvirem esses versos...
Então chegamos na faixa "Dixieland Rock". Antes de qualquer coisa cabe a pergunta: O que é Dixieland? Dixieland é um lugar que não existe no mundo real. É como Avalon. É um símbolo, uma imagem, uma localidade no imaginário de todo norte-americano nascido no sul dos Estados Unidos. Dixieland é um lugar nenhum e ao mesmo tempo são todos os lugares. Todas as cidades do sul são Dixieland, embora nenhuma delas seja de fato Dixieland. Dixieland é o sentimento de regionalidade, de pertencer ao sul. Quando um sulista nascido nos Estados Unidos diz que nasceu em Dixieland, todos entendem. Ele nasceu no sul, não importando qual estado e cidade ele efetivamente nasceu.
New Orleans é no sul. New Orleans então está em Dixieland. Agora o interessante é que a cultura de New Orleans é tão própria que podemos dizer que se existe uma cidade sulista que seja bem diferente do resto do sul, essa seguramente é New Orleans. Aqui há forte herança da cultura negra, dos escravos que chegaram no novo mundo nas caravelas dos escravocratas das fazendas de algodão do sul. Nesse novo mundo os negros mantiveram seus costumes, sua cultura e sua música. Ao mesmo tempo eles trouxeram para si parte também da cultura francesa, pois a Louisiana pertenceu por muitos anos à coroa francesa, daí vem seu nome, a terra de Louis, rei da França.
"Dixieland Rock" é uma boa gravação de King Creole, o álbum, mas também temos que convir que com todo esse peso cultural que caiu sobre ela, as coisas se tornaram um pouco turvas. É um bom momento do disco, um momento cheio de vibração e energia, com Elvis em pleno pique. Só não vale tentar comparar com a herança cultural que o nome Dixieland evoca, até porque aí seria realmente até mesmo uma covardia. Séculos e séculos de cultura esmagariam esse música pop / rock da nascente cultura roqueira da década de 1950.
E sobre "Hard Headed Woman", que já tive oportunidade de escrever, não vejo muita salvação. O ritmo é muito bom, muito positivo, pra frente, go, go, go... Só que convenhamos... a letra é realmente péssima. A própria expressão que dá título à música soaria de mau gosto nos dias de hoje. Soaria vulgar, de cultura rasteira. Aqui foi desperdiçado o bom trabalho vocal de Elvis e sua banda, além dos instrumentistas da orquestra de metais que o acompanhou. Tudo isso para chamar uma jovem senhorista de "mulher cabeça-dura"? Não, não me soa interessante. Um momento anacrônico de uma trilha sonora muito boa. Essa música porém merece ser esquecida por trazer uma letra de quinta série.
Pablo Aluísio.