domingo, 16 de março de 2025

Ainda Estou Aqui

Ainda Estou Aqui
Daqui muitos anos ainda se falará de "Ainda Estou Aqui". Não é para menos. Esse filme trouxe o primeiro Oscar do cinema brasileiro! Um grande marco em nossa cultura. E a boa notícia é que realmente se trata de uma obra cinematográfica das mais requintadas. De certa maneira esse filme é um retrato de seu próprio diretor. Walter Salles sempre foi um cineasta muito elegante, requintado, mesmo quando seus filmes tratavam de temas viscerais. É justamente o que temos aqui. A despeito da grotesca e assassina Ditadura Militar brasileira, o diretor fez um filme sóbrio, elegante, quase tímido. Nesse jogo de elegância ganhou o espectador. Salles surge empenhado em contar a história de uma família brasileira sendo arrasada por um regime político assassino, mentiroso e hipócrita. Justamente os tais que se diziam os donos da ética, do patriotismo, defensores da família. Tudo mentira! Não eram nada disso. Eram criminosos de farda! Enganadores, destruidores da própria alma de seu país. Bandidos de verde oliva! 

E apesar do filme tratar desse tema espinhoso, Salles jamais cai no sensacionalismo. É um filme sobre crimes praticados pelo Estado, torturas, mas nada disso se vê explicitamente na narrativa. Apenas vemos uma mulher que perde seu marido, que precisa cuidar de seus filhos, que sente a necessidade de recomeçar tudo em sua vida. Eunice Paiva foi uma grande mulher brasileira que foi à luta, se formou em Direito, se tornou advogada, defensora dos direitos humanos, isso em uma época de brutalidade do próprio regime político que mandava no país. Não é pouca coisa. Essa sim foi uma heroína do mundo real. Defendeu a si, sua família e as causas certas de uma maneira que só podemos admirar. E Fernanda Torrer (que merecia também seu Oscar) está perfeita em seu papel. Na discrição dos olhares, nos diálogos precisos. É uma grande atriz, tal como sua mãe, Fernanda Montenegro, que também está no filme, interpretando Eunice na velhice, mergulhada em si mesma por causa do Mal de Alzheimer.

A história do Brasil é acima de tudo uma história em que vilões e criminosos se disfarçam de mocinhos, pessoas do bem. A Ditadura Militar foi bem isso. O momento em que esse filme foi lançado foi simplesmente perfeito pois o Brasil sofreu recentemente uma tentativa de Golpe Militar. Os mesmos militares usando dos mesmos disfarces. Gente odiosa, gente ruim, gente que não presta! Esse filme assim tem grande relevância social, política e cultural em nosso país. 

A surpresa veio do fato de que outras nações também se identificarem com o filme, em especial os Estados Unidos. Um filme brasileiro, falado em português, legendado, acabou fazendo grande sucesso de bilheteria por lá! O público americano politicamente consciente se identificou, até porque atualmente os EUA vive um caos político, com um homem insano sentado na cadeira de presidente da Casa Branca. Um sujeito asqueroso que sequer consegue esconder suas reais intenções. Então a parte democrata do povo americano logo entendeu o que está de fato enfrentando, em uma situação política mais do que delicada. Não me admira que esse filme tenha causado tanto impacto na outrora terra da liberdade. 

Então é isso. "Ainda Estou Aqui" não é apenas um filme, é um acontecimento. No Brasil ainda lembraremos muito desse filme. O Oscar veio apenas coroar uma obra cinematográfica que capturou como poucas vezes foi vista o Zeitgeist, o espírito do nosso tempo! Espero que o cinema brasileiro siga nesse mesmo caminho para que novas premiações venham pelo mundo afora. O Brasil, como nação e como democracia, agradece de braços abertos. 

Ainda Estou Aqui (Brasil, 2024) Direção: Walter Salles / Roteiro: Murilo Hauser, Heitor Lorega, baseados na obra de Marcelo Rubens Paiva / Elenco: Fernanda Torres, Fernanda Montenegro, Selton Mello / Sinopse: Filme baseado em fatos reais que conta a história de Eunice Paiva e sua família. Durante a ditadura militar brasileira seu marido é levado por agentes da repressão. Depois que desaparece, ao ser morto pelo Regime, ela precisa recomeçar sua vida, criar seus filhos e lutar por seus direitos violados pela Ditadura. Filme vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional. Filme premiado com o Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz (Fernanda Torres). 

Pablo Aluísio.

3 comentários: