Começa a maratona de filmes na carreira de Elvis. Em pouco tempo ele estaria deixando de lado completamente a gravação de discos convencionais de estúdio, independentes de Hollywood, para se concentrar única e exclusivamente em trilhas sonoras de suas produções para o cinema. Assim em julho de 1961 Elvis entrava no RCA Studio B em Nashville, Tennessee, para a gravação de mais músicas para seu filme que seria rodado na Flórida com o título de "Follow That Dream" (Em Cada Sonho um Amor, no Brasil). A produção musical seria de Hans Salter, uma vez que Elvis estaria trabalhando para um novo estúdio, a United Artists.
O interessante é que Elvis conseguiu terminar a gravação das músicas de maneira muito rápida, mostrando mais uma vez como era eficiente em suas sessões de gravação. O sistema continuava o mesmo. Elvis ouvia a música algumas vezes em uma versão pré-gravada em fitas de demonstração (fitas demo). Após memorizar a faixa os equipamentos eram ligados e Elvis corria atrás do take master. Ele não tinha mudado em nada seu método de trabalho mesmo após todos aqueles anos.
A RCA Victor aproveitou apenas parte das músicas gravadas. A gravadora decidiu que não iria lançar um álbum completo, um LP, como havia acontecido com trilhas anteriores como "GI Blues" (Saudade de um Pracinha) ou "Blue Hawaii" (Feitiço Havaiano). Ao contrário disso os executivos da gravadora de Nova Iorque decidiram que o lançamento de um EP (compacto duplo) já estava de bom tamanho. O preço de um EP geralmente era o dobro de um Single (compacto simples, com apenas 2 canções). Então o formato ideal escolhido foi justamente esse.
Quatro músicas foram escolhidas para fazer parte do EP. Elas foram selecionadas e colocadas na seguinte ordem: no lado A a RCA colocou as faixas "Follow That Dream" (Fred Wise / Ben Weisman) e "Angel" (Roy C. Bennett / Sid Tepper). No lado B o EP apresentava as canções "What a Wonderful Life" (Sid Wayne / Jerry Livingston) e "I'm Not the Marrying Kind" (Sherman Edwards / Mack David). A música "A Whistling Tune" ficou de fora, sendo arquivada. A boa "Sound Advice" também teve o mesmo destino e só seria lançada anos depois no álbum "Elvis For Everyone".
"Follow That Dream" foi a música tema do filme. Uma canção de certa forma até agradável de se ouvir em sua divertida melodia, mas pouco relevante se formos comparar com temas de filmes de Elvis do passado. Nem vou aqui colocar músicas como "Jailhouse Rock", "King Creole" ou "Love Me Tender" porque seria covardia. Mesmo em comparação com "GI Blues" ou "Blue Hawaii", dois temas dos anos 60, ela se mostrava bem fraquinha. Na verdade mostrava bem que as trilhas sonoras de Elvis iriam por um lado bem mais inofensivo, seguindo uma linha pop romântica sem maiores pretensões. No geral ainda vale pela boa performance do grupo The Jordanaires, aqui mostrando sua importância dentro da musicalidade de Elvis nessa fase.
A boa notícia para Elvis e banda na gravação dessa canção foi que sua finalização foi relativamente simples e sem problemas. Após apenas seis takes eles chegaram na versão definitiva, no take ideal. De maneira em geral essa faixa tema seria uma prévia do que seria o conjunto de músicas desse filme. Nada muito marcante, nada muito relevante. Apenas boas músicas inseridas ali dentro de um pop romântico jovem. Desde o começo dos anos 60 esse tipo de som dominava as paradas musicais da época. Elvis apenas foi na onda.
"Angel" segue nesse mesmo caminho. De certa forma essa música era uma faixa igualmente muito pueril e açucarada além do ponto, até mesmo para os padrões da primeira metade dos anos 60, recriando de forma bastante clara os arranjos de discos de cantores adolescentes ao estilo Frankie Avalon ou até mesmo Sandra Dee. E pensar que em seu livro Priscilla havia sugerido a Elvis usar o corte de cabelo de Ricky Nelson, outro ídolo teen dessa safra. A coisa pegou mal e Elvis viu a sugestão quase como uma ofensa, já que ele considerava todos esses artistas como meros imitadores de seu próprio estilo pessoal.
De uma maneira ou outra até que "Angel" apresentava uma vocalização bonita, fruto de sua melodia romântica juvenil. Entretanto devo dizer também que sempre tive a impressão de que algo deu errado dentro do estúdio, no momento de registrar a música em tape. O fato é que esse possível erro acabou deixando a master com um som abafado demais. Certa vez li uma observação que achei coerente. Dizia que parecia que Elvis estava cantando dentro de um poço muito fundo! Mesmo assim a RCA resolveu aproveitar e ela entrou no EP (compacto duplo) com o resto da trilha sonora do filme.
"What a Wonderful Life" e "I'm Not the Marrying Kind" seguiam o mesmo padrão das demais canções da trilha, ou seja, um pop alegre, com arranjos bem executados e letras inofensivas. "I'm Not the Marrying Kind" foi escrita porque fazia poucos meses que Elvis havia sido eleito o "Solteiro mais cobiçado da América" pela revista People. Jovem, rico e bem sucedido ele realmente passava a imagem de um sujeito que queria distância de casamentos. Eu acho a música até interessante, mas a letra a força a ir por um caminho na melodia que em algumas partes soa até esquisito. O excesso da palavra "What" na letra também nunca me pareceu uma boa opção. De qualquer forma o recado foi dado, ele não era o tipo de cara para se casar.
Elvis Presley tinha uma intuição musical maravilhosa e sabia bem o que tinha ou não qualidade, o que poderia virar um sucesso ou não. Infelizmente no que diz respeito às suas trilhas sonoras o pacote vinha realmente fechado, sem possibilidade de Elvis escolher as canções que gravaria. Assim estava determinado em seu contrato e assim ele tinha que dar o melhor de si, mesmo quando as canções eram tolinhas e as letras beirando a infantilidade.
"What a Wonderful Life" poderia também soar como algo meio estranho. Afinal o personagem de Elvis era membro de uma família caipira errante, que adotando um estilo de vida nômade procurava um lugar para viver. Eram pobres, frutos da grande depressão, viajando em um velho calhambeque caindo aos pedaços. Seria essa a tal vida maravilhosa citada na letra? Calma, que nem tudo na vida é dinheiro. A mensagem era que mesmo as pessoas mais pobres poderiam ser também as mais felizes. Afinal o espírito humano é bem mais complexo do que meras notas de papel representando valores.
Para finalizar Elvis gravou a simpática, mas igualmente simplória "Sound Advice". Seira uma música em forma de conselho ou um conselho em forma de música? Pois é, nada poderia ser mais fora do ritmo do que uma baladinha basicamente tocada ao violão que tentava passar um conselho ao ouvinte. A RCA não pareceu também gostar da canção e a cortou do EP, do compacto duplo original com a trilha sonora do filme. Assim ela seria arquivada pela gravadora por alguns anos, só chegando ao mercado no álbum "colcha de retalhos" intitulado "Elvis For Everyone". Mesmo nesse álbum, que celebrava a parceria entre Elvis e a RCA Victor, ela ainda passaria praticamente despercebida do grande público.
Para finalizar essa análise das músicas que fizeram parte da trilha sonora do filme "Em Cada Sonho um Amor" vou tecer alguns breves comentários sobre o que ficou de fora. Hoje em dia existem colecionadores que querem tudo o que Elvis gravou. E quando escrevo a palavra "tudo" não é em vão. É tudo mesmo. Até mesmo as músicas rejeitadas, tanto pela gravadora como pelo próprio Elvis, como qualquer outra curiosidade que faça parte de sua longa e variada discografia. Afinal o que não faltam são takes, faixas arquivadas, demos e tudo o mais. O colecionador mais empenhado faz a festa com esse tipo de coisa.
A música "A Whistling Tune" ficou arquivada por décadas! Após ser gravada o produtor da RCA Victor a deixou de fora dos discos de Elvis. Qual foi a razão? Eu sinceramente não vejo nada de errada nessa faixa. Penso até que poderia ter entrado no EP (compacto duplo) numa boa, sem problemas, mas ela foi considerada tão inexpressiva pela gravadora que o engenheiro de som Bill Porter nem se deu ao trabalho de escrever seu nome no relatório de gravação da sessão. Ficaria perdida, pegando poeira por anos.
Obviamente a sessão foi realizada para a gravação de canções que seriam cantadas por Elvis no filme e a RCA mesmo emprestando seus estúdios tinha pouco (ou quase nenhum) controle sobre a qualidade do material. Afinal a United Artists é que comandou e determinou a seleção das músicas. Assim a gravadora ficou em um impasse pois achou todo o material muito fraco e sem potencial de brigar pelos primeiros lugares da parada Billboard.
A RCA resolveu então incluir as músicas no lançamento de um EP exclusivo do filme. As vendas foram desanimadoras e alguns críticos apontaram como culpa a própria RCA Victor que não se empenhou em nada para divulgar o lançamento. Será que a culpa foi mesmo da gravadora ou do material que não tinha muita relevância? Lançado em abril de 1962 a trilha de "Follow That Dream" só conseguiu mesmo chegar no máximo na décima quinta posição entre os mais vendidos e mesmo assim por apenas uma semana. Um material de canções inéditas de Elvis Presley não chegando nem ao Top 10 era de fato algo a se chamar a atenção. As coisas infelizmente só iriam piorar dali em diante.
Pablo Aluísio.
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