James Stewart brilhou nos filmes de Frank Capra mas foi muito mais do que isso. Realizou vários faroestes, dramas e filmes de guerra. Além disso teve a chance de realizar clássicos sob a direção de Alfred Hitchcock (como "Janela Indiscreta" e "O Homem Que Sabia Demais"). De formação interiorana, filho de dono de mercearia no interior do meio oeste americano, conseguiu um feito e tanto: se tornar estrela mesmo sendo em essência uma pessoa simples, comum. Segue comentários sobre filmes desse lendário ator.
Flechas de Fogo
Cowboy (James Stewart) encontra jovem índio agonizando no meio do deserto após ser atacado por tropas americanas. O socorre e acaba se tornando amigo da nação Apache liderada pelo chefe Cochise (Jeff Chandler). O problema é que o mesmo grupo está em guerra contra o exército americano pela posse do selvagem território do Arizona. Ciente da situação o personagem de James Stewart se coloca a disposição para servir de intermediário em um tratado de paz entre as nações indígenas e o governo dos Estados Unidos sob a presidência do general Grant. Muito curioso esse western que décadas antes de "Dança com Lobos" tratou a questão indígena de forma muito correta e realista. Há uma preocupação do roteiro em mostrar aspectos da cultura dos Apaches, suas danças, festejos. O filme chega ao ponto de mostrar um homem branco se apaixonando por uma jovem índia, algo bem ousado para os anos 50. James Steward apresenta sua personagem habitual: homem virtuoso, honesto, de boa índole. O único problema mais visível de Flechas de Fogo é a escalação de Jeff Chandler como o chefe da nação Apache. Chandler tinha traços bem americanos e nem a maquiagem forte ameniza esse aspecto. Curiosamente tirando ele e a jovem índia que se apaixona por Stewart nenhum dos demais indígenas do filme apresentam traços de homem branco - são índios ou descendentes mesmo, puro sangue. O filme foi dirigido pelo veterano cineasta Delmer Daves que faria pelo menos mais dois clássicos de western nos anos seguintes: "A Lei do Bravo" (outro western respeitoso com a causa do nativo americano) e "A Última Carroça". Seu maior sucesso comercial viria como roteirista ainda na década de 50 com o famoso "Tarde Demais Para Esquecer". Enfim, "Flechas de Fogo" (cujo título original é flecha quebrada - símbolo de paz entre os Apaches) vale a pena por ser socialmente consciente e à frente de seu tempo
Winchester 73
Roteiro e argumento: Uma das melhores coisas de Winchester 73. Sem exagero posso dizer que o roteiro desse filme lembra muito os roteiros de Robert Altman. Várias histórias vão sendo mostradas e aos poucos todas convergem para o mesmo local. O roteiro na verdade segue o rifle Winchester 73 que vai passando de mão em mão ao longo do filme. Ganha por James Stewart em um concurso em Dodge City (onde até Wyatt Earp aparece como coadjuvante) o rifle acaba sendo roubado indo parar nas mãos de um grupo Sioux, da cavalaria, de um covarde etc. Tudo muito bem escrito, me deixou surpreso. / Produção: A Universal era conhecida por realizar vários faroestes B mas aqui caprichou um pouco mais na produção. Isso porque contava com o astro James Stewart como estrela do filme (ele tinha rompido com seu estúdio anterior e tinha virado ator free lancer). Assim tendo em vista o potencial das bilheterias com sua presença a Universal investiu bem mais resultando numa produção caprichada. / Direção: Anthony Mann foi para James Stewart o que John Ford foi para John Wayne, ou seja, uma bela parceria se firmou entre ambos ao longo dos anos. Aqui a sintonia da dupla funciona novamente. Mann, com mão firme, não deixa o filme em nenhum momento cair na banalidade. Excelente trabalho de direção. / Elenco: James Stewart repete seu tradicional papel de homem íntegro e honesto. Para falar a verdade ele não precisava de muito mais do que isso. Sempre carismático e correto, Stewart lidera um elenco acima da média. O mais curioso aqui é a presença de dois jovens atores que iriam virar grandes astros nos anos que viriam: Rock Hudson e Tony Curtis. O primeiro está quase irreconhecível como um chefe Sioux (de peruca e pintado quase não reconheci Rock). Já Curtis, muito muito jovem faz um soldado da cavalaria no meio de um cerco indígena. Muito legal ver esses atores novatos tentando um lugar ao sol.
A História do FBI
O roteiro de "The FBI Story" não conta apenas uma história mas várias. Além disso mistura fatos reais com mera ficção. Ao longo de sua extensa duração (duas horas e meia) vamos acompanhando a vida pessoal e profissional do agente 'Chip' Hardesty (James Stewart). Esse personagem é fictício mas os casos que ele desvenda no filme não! Isso é interessante porque os roteiristas foram pragmáticos. Ao invés de focalizarem inúmeros agentes que resolveram todos esses famosos casos criminais eles resolveram juntar tudo em apenas um só personagem. Assim vamos acompanhando Chip resolvendo crimes que envolvem a KKK no sul racista, a morte de Dillinger, de Ma Barker, de agentes nazistas, de comunistas infiltrados em Nova Iorque etc. Como se trata de James Stewart obviamente Chip é um homem honesto, virtuoso, bom pai de família e cidadão exemplar. Já que estamos prestes a assistir a J. Edgar com Leonardo Di Caprio nada mais interessante do que ver antes esse "The FBI Story", isso porque o próprio J. Edgar Hoover está no filme, de carne e osso, em participação especial. Aliás o tom ufanista do filme o coloca numa posição de herói americano. Hoover é citado inúmeras vezes e o roteiro faz questão de mostrar o FBI antes de Hoover (uma bagunça) e depois de Hoover (uma super agência de investigação). Como era de se esperar o Bureau ajudou intensamente os produtores, abrindo seus centros de treinamento, mostrando agentes reais em cena e tudo o mais que seria possível. Com tanta ajuda oficial não é de se admirar que o resultado final seja bem chapa branca. Embora pareça mais uma propaganda de J Edgar Hoover (muito poderoso e influente na época em que o filme foi realizado), "The FBI Story" tem seus méritos próprios, pois consegue divertir no final das contas sendo bom entretenimento. Vale a pena assistir.
Um Certo Capitão Lockhart
Última parceria entre James Stewart e o diretor Anthony Mann, "The Man From Laramie" é um faroeste dos bons. O filme é uma adaptação do conto do escritor Thomas T. Flint que publicou originalmente seu texto nas páginas do Saturday Evening Post. Nos anos 50 era comum a publicação de textos com estórias do velho oeste nos grandes jornais americanos. O sucesso foi tão bom que eles depois começaram a publicar esses textos em forma de livros de bolso (até aqui no Brasil os livrinhos de faroeste de bolso foram extremamente populares). O roteiro também aproveita para se inspirar levemente na peça Rei Lear - o que fica evidente nas relações familiares em torno da família do rico fazendeiro Alec Waggoman (Donald Crisp). Idoso, extremamente rico e ficando cego, ele se preocupa sobre sua sucessão pois seu filho, Dave, é um mimado irresponsável que não sabe lidar com o poder que tem. James Stewart novamente nos brinda com uma excelente interpretação. Seus personagens em faroestes sempre foram cowboys menos viris do que os interpretados pelo Duke (John Wayne) mas não eram menos éticos e virtuosos. Aqui ele faz um ex capitão do exército americano que acaba se envolvendo em um conflito contra Dave, o herdeiro do clã Waggoman. O curioso é que o roteiro, muito bem trabalhado, traz inúmeras reviravoltas e uma sub trama muito interessante envolvendo contrabando de rifles automáticos para a tribo Apache. O filme é bem cadenciado, com preocupação de se desenvolver todos os personagens e o resultado final é muito eficiente, o que surpreende pois a duração é curta, pouco mais de 90 minutos, o que demonstra que para se contar uma boa estória não é necessário encher a paciência do espectador com filmes longos demais.
A Águia Solitária
O filme enfoca a travessia do oceano Atlântico por Charles Lindberg em 1927. Para quem andou cabulando as aulas de história esse foi um evento e tanto e o piloto virou automaticamente herói americano, sendo recebido por incríveis 4 milhões de pessoas quando retornou a Nova Iorque de sua famosa aventura! Em vista de todo esse clima, digamos, ufanista, não é de se admirar que o filme adote uma postura de reverência com o personagem principal. Para interpretar uma pessoa com toda essa reputação nada mais natural que chamar James Stewart, que naquele momento de sua carreira estava totalmente consagrado, não apenas por seus filmes ao lado de Frank Capra mas também por uma invejável lista de sucessos que vinha colecionando. Além disso interpretar heróis ou virtuosos era com ele mesmo! O roteiro pode ser chamado de burocrático pois não toma nenhuma grande liberdade com o fato histórico. Vamos acompanhando a travessia e como o filme não poderia se concentrar apenas no que acontecia dentro da pequenina cabine do Spirit St Louis durante duas horas de duração, os roteiristas resolveram intercalar momentos em flashback da vida de Lindberg enquanto ele vai atravessando o oceano. Funciona muito bem uma vez que evita que o espectador fique entediado. O diretor aqui é o consagrado Billy Wilder, famoso por sua fina ironia e cinismo que usava em seus filmes. Porém aqui em "Águia Solitária" nada disso acontece. Claro que ele coloca pequenos momentos de humor aqui ou acolá mas em relação a Lindberg ele não arrisca e adota uma postura de respeito e consagração. Interessante é que anos depois a figura desse "herói" foi seriamente arranhada pois alguns historiadores afirmaram que ele tinha uma simpatia nada disfarçada pelo regime nazista! Claro que nada disso é mostrado no filme, pois foi algo que surgiu depois e mesmo que não fosse duvido muito que alguém fosse mexer em um vespeiro desses. Enfim, apesar dos pesares, da longa duração, do ufanismo e da falta de leveza, "Águia Solitária" é um bom entretenimento - e serve também como aula de história para os que achavam a escola um tédio!
The Cheyenne Social Club
The Cheyenne Social Club é um western diferente, mais leve e com muito bom humor. Só o fato de reunir esses dois mitos, James Stewart e Henry Fonda, já o tornaria obrigatório a qualquer fã de cinema mas ainda tem mais, outro grande nome na direção: Gene Kelly! Muitos podem torcer o nariz para o fato do filme ter sido dirigido por um ator e dançarino especialista em musicais mas podem ficar tranquilos, o resultado é muito satisfatório. Obviamente que a ação fica em segundo plano, revelando-se o roteiro uma fina comédia de humor de costumes, mas isso não é um empecilho. O filme foi lançado em 1970, quando o gênero faroeste já estava saindo de moda, mas vamos convir que tudo aqui se encaixa perfeitamente, até mesmo na idade mais avançada dos atores, que interpretam cowboys velhos de guerra que são surpreendidos por uma "herança" no mínimo inusitada. Imagine herdar um bordel numa cidade do velho oeste! É justamente em cima dessa situação curiosa e cômica que o roteiro se desenvolve. James Stewart novamente faz o papel de um personagem com grande virtude e valores morais. Embora inicialmente isso não fique muito claro logo o roteiro toma rumos para reafirmar essa característica que de uma forma ou outra sempre marcou todos os seus personagens de sua carreira. Já Henry Fonda está ótimo. Fazendo um cowboy casca grossa o ator está mais carismático do que nunca. Realmente adorei sua caracterização ao estilo interiorano esperto. Na trama ele funciona como escada para o amigo James Stewart mas isso em nenhum momento é um problema pois ambos sempre trabalharam excepcionalmente bem juntos. A dupla está perfeita em todas as cenas, demonstrando mesmo como eram bons atores, na verdade eram grandes amigos na vida real e isso passa para a tela. Enfim é isso, embora não seja tão conhecido "The Cheyenne Social Club" é no final das contas uma excelente diversão, com tudo o que o estilo western pede: bom humor, cenas de duelo, tiroteios e grandes atores em cena. Quem precisa de mais do que isso?
O Último Tiro
No mesmo ano em que Henry Fonda estrelou o clássico “Era uma Vez no Oeste” ele realizou ao lado do amigo James Stewart esse “Firecreek” um de seus melhores westerns. Infelizmente não é de seus trabalhos mais conhecidos hoje em dia, o que é uma injustiça. Muito subestimada a fita tem um excelente roteiro, um argumento excepcional e é muito bem produzida. Na estória acompanhamos a chegada do bando de Bob Larkin (Henry Fonda) na pequenina cidadela de Firecreek. Essa é uma comunidade extremamente pacífica cuja população é formada basicamente por humildes comerciantes e pequenos proprietários rurais, entre eles Johnny Cobb (James Stewart) cuja esposa está em trabalho de parto em seu rancho. Ao visitar a cidade para comprar mantimentos acaba encontrando Larkin e seus facínoras no local. O problema maior para Cobb é que apesar de não ter treinamento e nem experiência responde pela segurança da cidade, servindo no posto de Xerife interino enquanto não é nomeado um oficial da lei pelo Estado. Obviamente Larkin e sua quadrilha não deixarão os moradores em paz após descobrir que o homem responsável pela lei no lugar não é páreo para eles, pistoleiros profissionais. Assim são colocados em lados extremos o pistoleiro rápido no gatilho, com várias mortes nas costas e um simples e pacato cidadão que apenas quer que a lei e a ordem continue reinando em Firecreek. É a antiga metáfora do cordeiro contra o lobo, que se sacrificará se for necessário para proteger os que lhe são queridos e caros. Assistir Fonda e Stewart no mesmo filme já é um prazer, agora imaginem ver esses dois grandes astros duelando pelo que é certo e justo numa cidade perdida do velho oeste americano! Não existe melhor representatividade da mitologia do velho oeste do que essa. Henry Fonda era um ator extremamente expressivo que conseguia transmitir tudo apenas com um olhar. Seu Bob Larkin é um envelhecido pistoleiro tentando manter a autoridade entre seu grupo de bandidos. Já James Stewart explora muito bem sua imagem de homem trabalhador, ético, honesto, devotado à sua família e íntegro (algo que aliás era parte de sua personalidade real e não apenas um jogo de imagem ou marketing pois ele era exatamente assim). Esse é o melhor filme do diretor Vincent McEveety um veterano da TV que dirigiu entre outros os grandes ícones televisivos Jornada nas Estrelas, Os Intocáveis e Columbo. Sua direção aqui é segura e centrada, tudo resultando em um faroeste realmente excepcional, bem acima da média. Em conclusão podemos classificar “Firecreek” como um belo momento, resultado de mais uma feliz união profissional entre Stewart e Fonda em um faroeste puro sangue que agradará em cheio os fãs e puristas do gênero.
Meu Amigo Harvey
Elwood P. Dowd (James Stewart) é um beberrão simpático e agradável que afirma conviver e conversar com um coelho gigante de 1.90m de altura chamado Harvey. Alarmadas sua irmã e sua sobrinha decidem internar Dowd em uma instituição psiquiátrica o que dará origem a inúmeras confusões envolvendo todos. “Meu Amigo Harvey” é um dos mais divertidos filmes da carreira de James Stewart. O argumento inusitado e ímpar foi baseado numa famosa peça teatral americana escrita por Mary Chase. Muito popular na época a peça chegou a ganhar o Pullitzer, um dos mais importantes prêmios da literatura norte-americana. Curiosamente o texto brinca com a existência ou não de Harvey. Em certos momentos o pobre Dowd parece apenas um biruta qualquer mas logo após vários traços da existência real de Harvey surgem em cena, brincando com a tênue linha que separa insanos de sóbrios. O fato do ser imaginário Harvey ser um coelho gigante também atrai muito a criançada e o filme leve e divertido certamente vai agradar a todas as faixas de idade. James Stewart está maravilhoso no papel do lunático Dowd. Sua caracterização chega a ter um tom muito poético e delicado e a verdade sobre Harvey vai sendo desvendada aos poucos ao longo do filme. Até que ponto a realidade é mais interessante do que a fantasia? E qual é o problema de um adulto afirmar que tem um amigo imaginário em forma de coelho gigante se ele não faz mal a ninguém, pelo contrário, ajuda ao próximo sempre que é preciso? O roteiro levanta muitas questões interessantes além dessas e no final ficamos com um sorriso simpático no rosto, tal a leveza do desenrolar da trama do filme. “Meu Amigo Harvey” foi dirigido pelo cineasta alemão radicado nos Estados Unidos Henry Koster. Seu olhar europeu contribuiu muito para o resultado final transformando Harvey em um dos personagens mais simpáticos do cinema americano e isso mesmo nunca aparecendo em cena. Para os que gostam de lirismo e diversão o filme é mais do que recomendado.
O Homem Que Matou o Facínora
“Quando a lenda se torna mais interessante do que o fato que se publique a lenda”. Essa frase colocada na boca de um dos personagens de “O Homem que Matou o Facínora” resume muito bem esse maravilhoso western, um dos grandes clássicos da história do cinema americano. John Ford, um mestre em extrair grandes lições de estórias aparentemente simples, aqui tem um dos momentos mais inspirados de toda a sua carreira. Na tela acompanhamos a chegada do senador Ransom Stoddard (James Stewart) na pequenina cidade onde começou sua carreira política muitos anos antes. Ele vem para o enterro de um velho conhecido, Tom Doniphon (John Wayne). Mas quem seria Tom Doniphon na realidade? Através de flashback somos apresentados aos acontecimentos do passado onde Tom e Ranson tomaram parte em eventos que ficariam na história da região – e que em consequência levaria Ranson a ter uma extremamente bem sucedida carreira política nos anos que viriam. John Ford trabalha maravilhosamente bem o roteiro, com vários leituras sublimares que apenas um texto seria insuficiente para demonstrar. Um dessas mensagens nas entrelinhas é o papel desempenhado pelo próprio personagem de John Wayne. Embora tenha sido creditado como o ator principal do filme (fruto de seu status de grande astro na época) o fato é que seu personagem é coadjuvante na trama, mesmo que não seja um papel secundário qualquer. Na realidade esse filme é uma parábola da capacidade de se doar pela felicidade de quem se ama. Tom é um rústico cowboy do interior mas sua paixão pela jovem Hallie (Vera Miles) é tão profunda e sincera que ele deixa de lado até mesmo seus interesses pessoais para proteger Ranson (Stewart) pois é óbvio que Hallie o tem em grande consideração. Embora durão no exterior, Tom (Wayne) é na verdade uma pessoa extremamente altruísta, solidária e leal a ponto de ficar em segundo plano, abrindo mão de seus próprios sonhos pela felicidade da mulher que ama. Falar mais sobre a trama seria tirar parte de seu impacto. Outro ponto excelente da produção é seu elenco excepcional. Como se não bastasse termos dois mitos em cena (James Stewart e John Wayne) o filme tem um elenco de apoio de respeito a começar pelos bandidos do filme. Liberty Valance (o facínora do título nacional) é interpretado com brilhantismo por Lee Marvin, um ícone dos filmes de western. Ao seu lado formando o bando de criminosos está o famoso Lee Van Cleef que estrelaria uma longa série de faroestes nos anos seguintes. Em suma, "O Homem Que Matou o Facínora" é um desses faroestes que podemos qualificar sem medo de exageros como "monumental". Um grande momento nas carreiras de Wayne, Stewart e Ford. Impecável em todos os sentidos.
Raça Brava
Martha Price (Maureen O'Hara) é uma viúva que ao lado de sua filha, Hilary (Juliet Mills), e do cowboy Sam Burnett (James Stewart) resolve partir para o distante Texas com o objetivo de implantar a criação de gado da raça Hereford na região. A iniciativa dela esbarra na mentalidade dos fazendeiros texanos que acham o animal inapropriado para criação por causa do clima hostil e inóspito."Raça Brava" é um "Western de pecuária", ou seja, um faroeste diferente que lida com um tema pouco comum no gênero - a implantação do gado Hereford nas fazendas do oeste. A raça Hereford é natural da Inglaterra e só chegou nos EUA no século XIX. Forte e resistente hoje domina as fazendas americanas, o que não deixa de ser irônico pois quando chegou na América encontrou grande resistência no mercado pecuarista. Embora baseado em fatos reais o filme toma várias liberdades, preferindo deixar o tom mais sério de lado para abraçar um desenvolvimento mais soft, leve, de pura diversão. Há cenas cômicas (como a luta inicial dentro de um curral) e uma abordagem mais romântica na fase final da produção mas no saldo final, mesmo não sendo um produto historicamente fiel aos fatos, vale como diversão familiar descompromissada. O elenco é liderado por James Stewart. Aqui ele prefere uma caracterização bem mais caricata pois seu personagem, um cowboy caipira, fala com forte sotaque. Stewart parece seguir o tom mais cômico do roteiro. A grande surpresa no elenco feminino vem com a dama Maureen O´Hara de tantos filmes clássicos. Preferida de grandes diretores como John Ford, Henry King e Alfred Hitchcock aqui ela tenta se adaptar a um tipo de produção diferente. A elegante atriz empresta muito glamour à sua personagem, uma britânica viúva que tenta a sorte no velho oeste. Na direção temos o também britânico Andrew V. McLaglen que iria nos anos seguintes iniciar uma produtiva parceria ao lado de um de seus atores preferidos, John Wayne. Em suma, “The Rare Breed” é um faroeste bucólico, levemente bem humorado, com muitas paisagens de cartão postal e um elenco carismático. Uma produção bonita e bem fotografada que vai interessar em especial os criadores de gado da raça Hereford.
A Conquista do Oeste
Quando a Metro anunciou "A Conquista do Oeste" o estúdio deixou claro suas intenções: realizar o filme definitivo sobre a expansão da civilização norte-americana em direção ao oeste selvagem. Para isso não mediu esforços colocando à disposição do filme tudo o que estúdio tinha de mais importante na época. Atores, diretores, roteiristas, tudo do bom e do melhor foi direcionado para esse projeto. Além do capital humano a Metro resolveu investir em um novo formato de exibição onde três telas enormes projetavam cenas do filme. A técnica conhecida como Cinerama visava proporcionar ao espectador uma sensação única de imersão dentro do filme. Para isso há uso de longas tomadas abertas, tudo para dar a sensação ao público de que realmente está lá, no velho oeste. Era claramente uma tentativa da Metro em barrar o avanço da televisão que naquele ano havia tirado uma grande parte da bilheteria dos filmes. Assim "A Conquista do Oeste" chegava para marcar a história do cinema, pelo menos essa era a intenção. Realmente é uma produção de encher os olhos, com três diretores e um elenco fenomenal. O resultado de tanto pretensão porém ficou pelo meio do caminho. "A Conquista do Oeste" passa longe de ser o filme definitivo do western americano. Na realidade é uma produção muito megalomaníaca que a despeito dos grandes nomes envolvidos não passa de uma fita convencional, pouco memorável. O problema é definitivamente de seu roteiro. São várias estórias com linhas narrativas que as ligam numa unidade mas nenhuma delas é bem desenvolvida. Tudo soa bem superficial. O grande elenco também é outro problema. Apesar dos mitos envolvidos nenhum deles tem oportunidade de disponibilizar um bom trabalho, realmente marcante. John Wayne, por exemplo, só tem praticamente duas cenas sem maior importância. Ele interpreta o famoso general Sherman mas isso faz pouca diferença pois tão rápido como aparece, desaparece do filme, deixando desolados seus fãs que esperavam por algo mais substancioso. James Stewart tem um papel um pouquinho melhor, de um pioneiro que vive nas montanhas mas é outro grande nome que também é desperdiçado. A única que faz parte de todos os segmentos é a personagem de Debbie Reynolds mas ela não é uma figura de ponta no mundo do faroeste. Quem não gosta dela certamente torcerá o nariz. Assim em conclusão podemos definir "A Conquista do Oeste" como um filme grande mas não um grande filme. Faltou um texto melhor escrito, certamente.
O Preço de Um Covarde
Dee Bishop (Dean Martin) é líder de um bando de assaltantes de bancos no velho oeste. Após uma tentativa frustrada de assalto todos são presos pelo xerife July Johnson (George Kennedy). Julgados e condenados à forca não parece mais haver esperanças para os criminosos até o dia em que chega na cidade o carrasco que vai executar o enforcamento. Homem educado, de gestos gentis ele logo ganha a simpatia de todos. O único problema é que ele na realidade não é quem afirma ser. Na verdade se trata de Mace Bishop (James Stewart) que tentará de todas as formas evitar que seu querido irmão seja enforcado na cidade. Excelente western com um elenco maravilhoso, além de James Stewart e Dean Martin a ótima produção conta com as presenças da linda Raquel Welch e Andrew Prine. A primeira coisa que chama a atenção é o próprio personagem de James Stewart. Ele é um ladrão, tal como seu irmão, assalta bancos e mente o tempo todo mas mesmo assim não deixa de ser charmoso e fascinante para os moradores da região. James Stewart geralmente interpretava papéis de homens virtuosos, íntegros, éticos e esse Mace Bishop é uma exceção nessa linha. Sua atuação é mais uma vez muito digna e marcante. Ao seu lado em cena o cantor Dean Martin mais uma vez não compromete. É curioso porque muitos decretaram o final de sua carreira no cinema após se separar de Jerry Lewis. Ledo engano. Martin conseguiu superar essa separação e ao longo dos anos construiu uma sólida filmografia com alguns filmes realmente maravilhosos. Aqui ele interpreta o irmão caçula Bishop. No fundo tudo o que deseja é escapar das garras da lei para ter um novo recomeço em algum lugar onde possa finalmente ter paz e tranquilidade. O termo “bandolero” do título original se refere a um vasto território hostil localizado além do Rio Grande (marco geográfico que separa o México dos EUA) que é na realidade uma terra de ninguém, dominado por saqueadores e ladrões mexicanos. É justamente nesse local onde se passará os eventos mais dramáticos de todo o filme. Em conclusão “O Preço de um Covarde” é mais um momento marcante na rica carreira do saudoso James Stewart, um ator diferenciado que aqui surge em cena em um papel incomum. Simplesmente imperdível.
Pablo Aluísio.
quinta-feira, 10 de maio de 2007
quarta-feira, 9 de maio de 2007
Filmografia Comentada: Paul Newman
Paul Newman surgiu no rastro deixado por James Dean. Seu primeiro grande filme foi justamente aquele que deveria ser o próximo de Dean, "Marcado Pela Sarjeta". Infelizmente não houve tempo para o ator estrelar pois morreu pouco antes do começo das filmagens e assim Newman herdou o papel. A partir daí Paul Newman se tornou um ícone em Hollywood, não apenas no aspecto relativo à fama mas também por seu grande humanismo. Dedicou grande parte de lucros que obteve com uma bem sucedida marca de produtos alimentícios para a caridade. Também apoiou e defendeu causas de direitos humanos ao longo de sua vida. Sua filmografia é extensa e importante. Segue aqui alguns comentários sobre alguns de seus filmes.
O Doce Pássaro da Juventude
Mais uma brilhante adaptação de um texto de Tennessee Williams. Aqui somos apresentados ao casal formado por Chance Wayne (Paul Newman) e Alexandra Del Lago (Geraldine Page). Eles chegam numa pequena cidade chamada St Cloud e se hospedam num hotel barato. Ela está totalmente embriagada e ele a trata publicamente como uma princesa estrangeira. No decorrer do filme vamos entendendo aos poucos quem realmente são e porque estão ali. A trama é tecida gradativamente, em camadas, com uso extremamente inteligente de flashbacks contando todo o passado deles - que serve para situar o espectador. Nem é preciso dizer que o roteiro tem excelentes diálogos e é excepcionalmente bem interpretado por Newman (em grande forma) e Page (maravilhosa em cena, conseguindo imprimir em sua personagem doses exatas de sensibilidade, humanidade e crueldade psicológica). Na realidade o texto tem um tema central: A extrema dificuldade que certas pessoas possuem em lidar com o fim da juventude e de encarar os fracassos pessoais. Alexandra Del Lago (Page) retrata muito bem isso. Uma antiga diva do cinema que vê seu mundo desmoronar após perder o encanto e a jovialidade. Já Chance (Newman) é muito mais interessante. Correndo atrás de um sonho que jamais se realizará ele vê seus anos (e sua juventude) passarem em branco, sem conseguir tornar realidade os objetivos que ele próprio determinou a si mesmo. O texto é um dos melhores de Williams, embora não seja tão pesado como o que vimos em outras obras dele como "Gata em Teto de Zinco Quente". Além disso "O Doce Pássaro da Juventude" tem mais clima de cinema, deixando o aspecto teatral da obra original em segundo plano. Enfim, gostei muito e recomendo bastante. Obra prima.
As Quatro Confissões
Versão americana do clássico "Rashomon" de Akira Kurosawa (inclusive ele está creditado como um dos roteiristas). Eu gostei bastante do resultado final embora realmente não se possa comparar com o original. O filme bebe bastante da fonte não do filme de Kurosawa mas sim da peça japonesa original. Isso é bem notado durante a projeção, uma vez que o estilo realmente é bem teatral, fortemente baseado no talento dos atores em cena. Dentre eles obviamente se destaca Paul Newman. Numa das caracterizações mais incomuns de sua carreira o ator se sai excepcionalmente bem como "Carrasco", bandoleiro, ladrão, pistoleiro e estuprador mexicano. Como o filme é baseado no que relembram as testemunhas sobre a morte de um ex Coronel, e como esses depoimentos são diferentes entre si, nos deparamos no filme com quatro caracterizações diferentes de cada personagem. Carrasco, por exemplo, surge como valente, herói, covarde, mentiroso ou estuprador - de acordo com cada testemunha. Agora imaginem ter que interpretar tantas nuances diferentes assim! Pois Newman, e o elenco de apoio, conseguem passar por esse teste de fogo. A atriz Claire Bloom também está excelente - pois seu personagem rapidamente passa de jovem donzela em perigo a vagabunda de plantão. O mais interessante em "Quatro Confissões" é que ao final do filme, após todos darem seu testemunho sobre o que teria acontecido entre o bandido Carrasco e o casal, saímos sem saber exatamente o que aconteceu! Isso mesmo, o filme é totalmente livre na interpretação do espectador que assim vai escolher (ou tentar escolher) em qual versão irá acreditar. O diretor Martin Ritt (parceiro de Paul Newman em várias produções) conseguiu algo muito valioso: fazer um filme ágil com roteiro bem elaborado, de bastante conteúdo. Tanto que recomendo que se assista mais de uma vez para destrinchar todos os detalhes que ocorrem durante o filme. Recomendo sem receios - inclusive para estudantes de direito pois é muito curioso acompanhar como uma mesma história pode ter tantas versões diferentes entre si, dependendo de quem as conta.
Paris Vive à Noite
"Paris Vive à Noite" foi feito especialmente para o casal sensação dos anos 60, Paul Newman e Joanne Woodward. Produzido pela cia de Marlon Brando o filme foi rodado em locações na famosa cidade francesa. O roteiro é simples, dois casais se conhecem lá e ficam em um dilema pois as garotas, meras turistas, terão que voltar logo aos EUA enquanto os rapazes (Paul Newman e Sidney Poitier) tem planos de continuar na capital francesa para despontarem para a carreira artística (são músicos de jazz). Para falar a verdade o grande atrativo desse filme é sua música. A trilha sonora foi escrita por Duke Ellington e no filme somos brindados com uma ótima participação especial de Louis Armstrong. Para os fãs do Jazz americano não poderia haver nada melhor do que isso. Já para os fãs de cinema o filme se resume a interpretações corretas e nada mais. O roteiro não desenvolve nenhuma grande situação dramática e assim tudo se resume a ver os pombinhos andando de mãos dadas pelos pontos mais famosos de Paris. Obviamente que a fotografia em preto e branco é muito bonita e o clima de romance no ar vai agradar as mulheres sonhadoras com romances de cartão postal. Para os cuecas vale a pena conferir a beleza discreta e elegante de Joanne Woodward. O diretor Martin Ritt já havia trabalhado ao lado de Paul Newman em "O Mercador de Almas", um filme bem superior a esse. A parceria continuaria depois com filmes como "O Indomado" e "Hombre". Enfim, "Paris Vive á Noite" é um romance ao velho estilo com muita música de qualidade e paisagens famosas, se faz seu estilo não deixe de conferir.
Harper, O Caçador de Aventuras
Sabe aqueles filmes de detetives dos anos 40? Com todas aquelas mulheres fatais, personagens dúbios e tramas de rocambole? Pois bem, Harper é um filme desses. A diferença é que ele foi rodado nos anos 60 mas em essência é aquilo mesmo. Paul Newman interpreta um detetive particular cínico que é contratado pela esposa de um milionário desaparecido para encontrá-lo. Como sempre acontecia nos antigos roteiros da década de 40 aqui também temos muitas reviravoltas, muitas surpresas. Nenhum personagem é totalmente bom ou mal. Todos tem algo a esconder e a solução final desvenda todos os mistérios. Paul Newman está muito à vontade no papel de Harper. Mascando um chiclete atrás do outro ele se mostra bem cool e parece se divertir no papel. O elenco de apoio é todo bom. Lauren Bacall que interpreta a esposa do milionário desaparecido está especialmente cínica e mordaz. A personificação que me causou mais surpresa foi a de Shelley Winters. Antigo sex symbol da década de 40 e 50 aqui ela aparece como atriz decadente e gorda, cujos tempos de fama há muito foram deixados para trás. Enfim, Harper é bem interessante e bem desenvolvido. É um tipo de filme onde a ação é mais intelectual (fica-se o tempo todo tentando descobrir o paradeiro do desaparecido) mas que vale a pena assistir, principalmente para quem gosta de desvendar charadas nesse tipo de filme.
O Cálice Sagrado
Esse é o primeiro filme da carreira de Paul Newman. Isso por si só já basta para atiçar a curiosidade de qualquer cinéfilo. Além de Newman há no elenco atores e atrizes que de uma forma ou outra entraram na história do cinema como Jack Palance (como Simão, o Mago) e Pier Angeli (a namoradinha e grande amor da vida de James Dean). Pois bem, a primeira coisa que chama a atenção de quem assiste "O Cálice Sagrado" é sua estranha direção de arte. Tudo soa estilizado no filme, principalmente os cenários que são pouco realistas, parecendo até mesmo ambientações para peças de teatro. Cheguei a pensar que se tratava de uma produção pobre mesmo mas depois em uma cena de crucificação coletiva entendi finalmente a intenção do diretor. Não é que o filme seja mal feito mas se trata realmente de uma opção artística do cineasta Victor Saville (um veterano da época do cinema mudo). O roteiro mistura ficção com realidade histórica (pelo menos para os que aceitam o conteúdo bíblico como fato histórico). Personagens que na Bíblia são secundários aqui ganham bastante atenção como José de Arimatéia e Simão, o Mago. Esse último é citado no novo testamento como um mágico que desafiou Pedro publicamente. Ofereceu dinheiro pelo poder de realizar milagres e foi repelido pelo principal apóstolo de Cristo. A cena final com Simão tentando provar ao imperador Nero que poderia voar (algo que nem Jesus conseguiu em vida) é muito divertida mesmo. Enfim, apesar de Newman ter odiado sua atuação aqui (chegou a publicar um pedido de desculpas em um jornal americano por sua fraca atuação) não posso dizer que o resultado final seja ruim. "O Cálice Sagrado" é um épico diferente, estranho até em certas passagens, mas que tenta ser inteligente e instigante. Isso já justifica sua existência.
O Mercador de Almas
Em "O Mercador de Almas" temos várias características que fizeram o cinema americano se tornar o melhor do mundo durante a década de 1950 . O elenco é fenomenal. Além de Paul Newman em ótima forma (tanto do ponto de vista de talento como de presença) temos um personagem à prova de falhas interpretado pelo, ora vejam só, mito do cinema Orson Welles. Nem precisa dizer que ele é realmente a alma de todo o filme. Gorducho, malvado, esbanjando rabugice em cada cena, Welles toma conta de tudo, literalmente. Com filmes como esse percebemos que além de grande cineasta ele também era um ator fantástico. Sua voz de trovão ecoa em cada cena, fazendo os atores que contracenaram com ele sumirem lentamente. Em termos de roteiro e argumento o filme se parece bastante com outro clássico da filmografia de Newman, "Gata em Teto de Zinco Quente". Esse, assim como aquele, também é ambientado numa típica fazenda do Sul dos EUA. O enredo também gira em torno dos filhos de um rico fazendeiro, seus problemas familiares e as complicações cotidianas dessas famílias. Para completar o "Mercador de Almas" também é inspirado na obra de um grande autor, a novela "The Hamlet" de William Faulkner. A única diferença mais nítida é que "Gata em Teto de Zinco Quente" é bem mais teatral do que esse, mas fora isso são extremamente parecidos. De qualquer forma uma coisa é certa: Ambos os filmes são fundados em excelentes diálogos e interpretações inspiradas. Por essa época Paul Newman havia se tornado um dos grandes atores do cinema, mostrando de forma excepcional que passava muito longe do rótulo vazio de galã, muito pelo contrário, Newman estava sempre se arriscando em personagens com muita profundidade psicológica, complexos, muitas vezes anti-heróis, crápulas, sem o menor remorso moral. Nesse "Mercador de Almas" ele novamente encontra um papel à sua altura. Uma obra cinematográfica do mais alto nível que merece ser redescoberta.
O Veredito
O Veredito é um dos filmes mais humanos que já assisti. Isso porque ele não é apenas um filme sobre um julgamento que coloca de um lado uma pessoa vitima de negligência médica e do outro instituições ricas e poderosas. Ele é muito mais. O argumento toca em valores como dignidade e respeito ao próximo, mostrando toda a hipocrisia existente em certos setores que deveriam lutar por eles e não combatê-los como a "Santa" Igreja Católica. A dignidade do advogado vivido brilhantemente por Paul Newman é um dos destaques do roteiro. Todos o rebaixam, todos o humilham, tudo porque ele é um profissional em um momento complicado de sua vida, sem clientes e com problemas de alcoolismo. A postura dele lutando contra tudo e contra todos (mesmo mostrando sua própria fraqueza como ser humano) é uma das coisas mais dignas que já vi no cinema. Por fim temos a direção de Sidney Lumet, que é maravilhosa. O diretor não apenas mostra mas sugere, insinua. Um exemplo é mostrada numa cena em plena rua onde Newman vem a saber de um fato perturbador através de seu amigo e assistente. Veja que o diálogo não é mostrado na tela, a cena é captada por uma visão do alto, que mostra como somos pequenos diante de situações limites como essa, que afinal podem acontecer com qualquer um de nós. Simplesmente brilhante. Eu sinto falta de filmes assim, que foquem em temas sérios e consistentes e que não vivem de escapismos bobos. Nesse aspecto "O Veredito" é simplesmente uma grande obra prima da história do cinema.
Gata em Teto de Zinco Quente
Produção: Elegante, acima de tudo. O enredo se passa todo dentro de uma grande casarão que é sede de uma fazendo de algodão no sul dos EUA. Embora isso possa parecer tedioso, não é. Hoje a MGM está à beira da falência mas naquela época não economizava no bom gosto, como bem podemos comprovar aqui. / Direção: Eu considero o Richard Brooks, que dirigiu esse filme, muito mais um roteirista do que um diretor propriamente dito. Sua carreira como diretor é um pouco irregular, onde se mesclam filmes bons e ruins na mesma proporção. Mas aqui seu talento de bom escritor foi conveniente pois ele não força a barra em cima do texto de Tennessee Williams, que transmite sem problemas tudo que o dramaturgo queria para o público. No fundo o Brooks não complicou e isso já é um mérito e tanto. / Elenco: Ótimo. Elizabeth Taylor, linda e talentosa, mostra serviço e esbanja naturalidade e carisma. Paul Newman, que passa o tempo todo de muletas e engessado, mostra muito talento no papel de Brick Pollitt, talvez o único personagem que vale alguma coisa dentro daquela casa. Do elenco de apoio tenho que destacar primeiramente Burl Ives (Big Daddy, ótimo em sua caracterização de um homem que não conseguiu passar afeto aos seus familiares) e Madeleine Sherwood (que faz a insuportável Mae Pollitt). Dentre as cenas a que destaco como a melhor na minha opinião é aquela que se passa entre Newman e Ives no porão quando em tom de nostalgia Big Daddy se recorda de seu falecido pai, um mero vagabundo. Ótimo momento do filme. / Roteiro e argumento: O filme foi roteirizado pelo diretor Richard Brooks. Como eu disse antes, ele era mais roteirista do que diretor. Pois bem, embora o Tennessee tenha reclamado temos que convir que o roteiro em si é muito bem escrito e trabalhado, deixando o filme com ótimo ritmo. Penso que os textos do Tennessee Williams eram perigosos pois poderiam deixar qualquer filme pesado ou meloso demais. Em "Gata em Teto de Zinco Quente" isso definitivamente não acontece.
Roy Bean - O Homem da Lei
Roy Bean (Paul Newman) é um pistoleiro e ladrão que chega numa região remota do Texas. Na ausência de qualquer lei ou autoridade judicial no local o bandoleiro resolve se auto intitular "juiz" e começa a impor aos moradores locais sua inusitada versão da lei e da ordem. A história do filme foi baseada na vida real do juiz Roy Bean, um fora da lei que chegou numa região inóspita do Texas, depois do Rio Pacos (considerado a fronteira entre o mundo civilizado e a terra sem lei) e lá se auto proclamou "juiz" mandando os foras da lei para a forca, sem nem pensar duas vezes. De posse de um velho livro empoeirado de direito ele tentou trazer sua visão muito particular de justiça a todos os que cruzassem seu caminho. John Huston mais uma vez se mostra genial na direção, isso porque ao longo de todo o filme ele imprime um tom de fino humor e ironia que cai muito bem na bizarra história. Paul Newman, mais uma vez, dá show ao interpretar o personagem principal. Seguro de si, cínico, o ator domina todas as cenas, mesmo quando contracena com o ótimo elenco de apoio (com direito a participação especial do próprio John Huston, interpretando um caçador de ursos que chega na distante localidade). Depois que vi o filme ficou a curiosidade de saber mais sobre o verdadeiro Roy Bean. Para minha surpresa descobri que seu saloon tribunal ainda existe no Texas e virou ponto turístico. Seu nome é bem reverenciado naquele Estado e ele goza de uma reputação de fazer inveja a outros grandes nomes do western como Billy The Kid e Jesse James. Talvez por representar a famosa "justiça pelas próprias mãos", Roy Bean acabou virando um símbolo de uma era há muito perdida. Se você gosta da história do faroeste americano, então o filme é obrigatório.
Exodus
O filme Exodus, lançado em 1960, trata da delicada questão da criação do Estado de Israel. É uma obra cinematográfica de fôlego com três horas e trinta minutos de duração, dividida em três atos distintos que tentam no fundo dar um rosto (ou rostos) ao povo judeu no momento de nascimento de sua nação. No primeiro ato somos apresentados a um campo de refugiados (na realidade prisioneiros) administrado pelos britânicos na ilha de Chipre. O local era utilizado pelos ingleses para abrigar temporariamente grupos de judeus que tentavam chegar até a Palestina de navio. Nesse primeiro ato logo somos apresentados ao personagem Ari Ben Canaan (interpretado por Paul Newman), cuja principal função na ilha é retirar uma parcela desses judeus em cativeiro para levá-los até a Palestina, para que com isso crie pressão sobre a ONU na aprovação da criação de Israel. O segundo ato já se desenvolve nos assentamentos judeus na Palestina e tenta mostrar o cotidiano dessas famílias empenhadas em ficar no país e assim começar uma nova nação. Finalmente no terceiro ato temos a criação de Israel e as reações (algumas vezes violentas) que esse fato gerou, principalmente por parte da população palestina, que naquela altura sentiu que simplesmente estavam tomando sua nação e seu país e a entregando aos recém chegados judeus. O tema é melindroso e até hoje repercute. O filme, é claro, toma partido ao lado do povo judeu e sua causa, até porque não seria diferente haja visto que os grandes estúdios de Hollywood são administrados e comandados por judeus. E justamente por isso talvez Exodus não seja uma obra completa. O ponto de vista é unilateral, focado apenas na visão judia da questão. Tirando um único personagem (um palestino que nutre amizade e simpatia por um personagem judeu) nada mais nos é mostrado sobre o outro lado da questão, sobre a forma de agir e pensar do povo palestino naquele momento. O roteiro não esconde e nem tenta disfarçar de que lado realmente está. Como a questão Israel - Palestina é muito mais complexa do que isso ficamos com a sensação pouco confortável de estarmos assistindo na realidade um grande e pomposo manifesto político em prol de Israel. Já sobre o filme em si, tecnicamente falando, a produção apresenta alguns problemas. O maior deles talvez seja a duração excessiva. O filme em alguns momentos se arrasta, cenas sem grande importância ganham um destaque desproporcional. O filme poderia sem problemas ter duas horas de duração sem perda de conteúdo. A direção de Otto Preminger por sua vez comete alguns erros primários (em certos momentos podemos perceber a sombra da câmera e do cameraman se projetando sobre os atores). São coisas menores, mas que em certos momentos incomodam. Já a trilha sonora, ainda hoje lembrada, é um destaque. O compositor Ernest Gold foi inclusive premiado com o Oscar por seu trabalho. Enfim, Exodus é um bom filme e só peca pela tentativa de fazer propaganda política sem dar chance à outra parte de se manifestar, fora isso é um bom passatempo, isso claro se você tiver disposição de assistir uma película com uma duração tão excessiva como essa.
Buffalo Bill e o Oeste Selvagem
Buffalo Bill and the Indians (no brasil, O Oeste Selvagem) é um inteligentissimo filme do aclamado diretor Robert Altman que aqui prova mais uma vez seu grande talento como cineasta. O roteiro conta a histórica verídica do grande mito do western americano Buffalo Bill. O personagem por si só já era extremamente rico em detalhes e nuances e caiu como uma luva nessa película que brinca com o imaginário popular ianque. Para quem não sabe Buffalo Bill (nome artistico de William Cody) foi um verdadeiro Barão de Munchausen da história dos Estados Unidos. Pródigo em contar lorotas e inventar histórias sobre si mesmo que nunca aconteceram na vida real, Bill criou toda uma mitologia em torno de si. Um dia teve a brilhante idéia de criar todo um show em cima de suas fantasias e acabou criando um espetáculo com alto teor circense composto por cowboys falsos, índios de araque e bandidos de mentirinha. Era denominado Oeste Selvagem e foi uma mina de ouro para seu criador, o tornando extremamente rico e bem sucedido. Embora fosse um mentiroso contumaz Bill acabou criando, sem querer, todos os clichês que até hoje conhecemos da mitologia do western. Os filmes mudos, surgidos no nascimento do cinema, eram claramente inspirados nas encenações do espetáculo de Buffalo, que também teve sua mitológica figura explorada por vários filmes do gênero nos anos seguintes à sua morte. Em Buffalo Bill and the Indians, somos levados a conhecer um período bem interessante da vida de Bill, quando ele contratou um mito de verdade do velho oeste para estrelar seu show, o cacique Touro Sentado, famoso por seus feitos contra o exército americano. As cenas em que ambos contracenam mostram verdadeiros duelos entre o personagem de ficção auto inventado e o homem que realmente vivenciou toda a luta pela conquista do oeste selvagem (Touro Sentado). O farsante e o real em lados opostos. Enquanto um vive de contar mentiras sobre si mesmo o outro tenta apenas sobreviver com o pouco de dignidade que ainda lhe resta e de quebra tenta ajudar seu povo, nessa altura da história completamente subjugado pelos brancos. O choque entre a dura realidade e a mais pura fantasia escapista é o grande mérito dessa brilhante e ácida crítica em cima da construção de mitos irreais, que é bem típica da sociedade consumista e vazia dos norte-americanos. Paul Newman na pele do deslumbrado ídolo está perfeito, numa daquelas atuações que dificilmente esquecemos. A própria surrealidade do cotidiano de Bill (que gostava de namorar cantoras de óperas fracassadas), reforça e torna ainda mais forte sua caracterização. Por fim temos uma participação extremamente inspiradora do grande mito Burt Lancaster. Fazendo o papel de uma pessoa do passado de Bill (que obviamente conhece todas as suas invencionices), Lancaster empresta uma dignidade ímpar a essa película. Sem dúvida Buffalo Bill and the Indians é um excelente filme que nos leva a pensar em vários temas relevantes, como a própria destruição da cultura indígena e a dignidade desse povo que foi massacrado impiedosamente pelos colonos americanos. Um libero que merece ser conhecido por todos.
500 Milhas
Esse filme estrelado por Paul Newman é bem curioso. Passa longe de ser um de seus mais conhecidos trabalhos no cinema mas também tem curiosidades que o fazem único. A primeira delas é o fato do tema do filme ser uma das grandes paixões do ator em sua vida pessoal: o automobilismo. Apaixonado por carros de corrida, Newman nunca mais abandonou as pistas depois das filmagens desse longa, tanto que anos depois acabou fundando sua própria equipe, a Newman / Racing, que acabou se tornando uma das principais escuderias da Formula Indy. De fato, ao se assistir 500 milhas percebemos bem que estamos na presença de um astro que bancou uma produção complicada apenas para homenagear sua grande paixão. O filme até tenta colocar uma certa profundidade em seu roteiro. O personagem de Newman, por exemplo, se envolve com uma mulher divorciada (interpretada por sua esposa na vida real, Joanne Woodward) mas esse lado do filme logo naufraga. Mesmo tentando o ator não consegue convencer nas cenas dramáticas. Newman aparece apático e sem empolgação nesses momentos, algo completamente diverso do que ocorre nas cenas em que corre nas pistas. No volante de um carro possante Newman se transforma completamente e aí entendemos a razão de ser da produção, pois no fundo tudo se resume ao fato do ator se divertir no circo da Indy. As próprias locações refletem isso. Não satisfeito em filmar no templo de Indianapolis, Paul Newman faz um verdadeiro tour pelas principais pistas e categorias da época. Obviamente para quem gosta do esporte certamente é um prato cheio. O grande destaque fica mesmo nas cenas de corrida. Nesse ponto o diretor demonstra que as tomadas e os ângulos de câmera que foram produzidas justificaram plenamente a existência do filme. Realmente as cenas de competição estão entre as melhores já mostradas nas telas de cinema. São empolgantes e bem documentadas. O interessante é que além de extremamente bem fotografadas dentro dos circuitos, o filme mostra ainda um panorama bem abrangente de toda a movimentação que cercava todos esses grandes prêmios. Enfim, Winning jamais será mais lembrado que os grandes clássicos da carreira de Newman, mas certamente mostra um dos aspectos mais curiosos e interessantes da personalidade do ator. Não vai mudar sua vida mas também não será nada penoso se divertir por duas horas no volante ao lado de Paul Newman.
Desafio à Corrupção
"Desafio à Corrupção" é uma crônica sobre o fracasso pessoal. O personagem principal, Eddie Felson (Paul Newman), é em essência um pequeno golpista que leva sua vida em espeluncas de sinuca onde engana os desavisados. Ele se faz passar por um idiota que não sabe jogar, perdendo algumas partidas fáceis. Seu papel de "pato" atrai outros jogadores que aceitam apostar quantias vultuosas pensando ganhar um dinheiro fácil. Uma vez apostado somas altas Eddie finalmente se revela mostrando toda sua grande habilidade no jogo. Sem emprego, casa ou destino, Eddie vai levando sua vida partida após partida, até enfrentar um grande jogador como ele, Minnesota Fats (Jackie Gleason) . O destino desse confronto vai mudar os rumos de sua vida. Eddie pretende vencer o grande mestre para provar a si mesmo que é um vencedor e não um fracassado como foi definido por Bert Gordon (George C. Scott), um agenciador de apostas e escroque local. É impressionante a quantidade de grandes filmes na carreira de Paul Newman. Aqui ele realiza uma de suas atuações mais brilhantes, tanto que foi indicado ao Oscar de Melhor ator. Injustamente não venceu o prêmio mas a justiça se faria anos depois quando Newman retornaria ao mesmo personagem em "A Cor do Dinheiro" ao lado de Tom Cruise. Após tanto tempo Paul Newman finalmente sairia vencedor na categoria. Justiça tardia mas bem-vinda certamente. Outro atrativo do elenco é a presença de Jackie Gleason como Minnesota Fats. O comediante se revela um ator dramático de mão cheia. "Desafio à Corrupção" foi indicado a vários prêmios, inclusive Melhor Filme, mostrando sua imensa qualidade cinematográfica. O roteiro, muito bem escrito, disseca a tênue linha existente entre a vitória e a derrota. A vida é representada pela mesa de bilhar, onde destinos parecem fluir ao sabor das tacadas, resultado numa excelente metáfora sobre a vida e morte dos personagens. "The Hustler" é uma obra prima do cinema. Simplesmente obrigatório.
Pablo Aluísio.
O Doce Pássaro da Juventude
Mais uma brilhante adaptação de um texto de Tennessee Williams. Aqui somos apresentados ao casal formado por Chance Wayne (Paul Newman) e Alexandra Del Lago (Geraldine Page). Eles chegam numa pequena cidade chamada St Cloud e se hospedam num hotel barato. Ela está totalmente embriagada e ele a trata publicamente como uma princesa estrangeira. No decorrer do filme vamos entendendo aos poucos quem realmente são e porque estão ali. A trama é tecida gradativamente, em camadas, com uso extremamente inteligente de flashbacks contando todo o passado deles - que serve para situar o espectador. Nem é preciso dizer que o roteiro tem excelentes diálogos e é excepcionalmente bem interpretado por Newman (em grande forma) e Page (maravilhosa em cena, conseguindo imprimir em sua personagem doses exatas de sensibilidade, humanidade e crueldade psicológica). Na realidade o texto tem um tema central: A extrema dificuldade que certas pessoas possuem em lidar com o fim da juventude e de encarar os fracassos pessoais. Alexandra Del Lago (Page) retrata muito bem isso. Uma antiga diva do cinema que vê seu mundo desmoronar após perder o encanto e a jovialidade. Já Chance (Newman) é muito mais interessante. Correndo atrás de um sonho que jamais se realizará ele vê seus anos (e sua juventude) passarem em branco, sem conseguir tornar realidade os objetivos que ele próprio determinou a si mesmo. O texto é um dos melhores de Williams, embora não seja tão pesado como o que vimos em outras obras dele como "Gata em Teto de Zinco Quente". Além disso "O Doce Pássaro da Juventude" tem mais clima de cinema, deixando o aspecto teatral da obra original em segundo plano. Enfim, gostei muito e recomendo bastante. Obra prima.
As Quatro Confissões
Versão americana do clássico "Rashomon" de Akira Kurosawa (inclusive ele está creditado como um dos roteiristas). Eu gostei bastante do resultado final embora realmente não se possa comparar com o original. O filme bebe bastante da fonte não do filme de Kurosawa mas sim da peça japonesa original. Isso é bem notado durante a projeção, uma vez que o estilo realmente é bem teatral, fortemente baseado no talento dos atores em cena. Dentre eles obviamente se destaca Paul Newman. Numa das caracterizações mais incomuns de sua carreira o ator se sai excepcionalmente bem como "Carrasco", bandoleiro, ladrão, pistoleiro e estuprador mexicano. Como o filme é baseado no que relembram as testemunhas sobre a morte de um ex Coronel, e como esses depoimentos são diferentes entre si, nos deparamos no filme com quatro caracterizações diferentes de cada personagem. Carrasco, por exemplo, surge como valente, herói, covarde, mentiroso ou estuprador - de acordo com cada testemunha. Agora imaginem ter que interpretar tantas nuances diferentes assim! Pois Newman, e o elenco de apoio, conseguem passar por esse teste de fogo. A atriz Claire Bloom também está excelente - pois seu personagem rapidamente passa de jovem donzela em perigo a vagabunda de plantão. O mais interessante em "Quatro Confissões" é que ao final do filme, após todos darem seu testemunho sobre o que teria acontecido entre o bandido Carrasco e o casal, saímos sem saber exatamente o que aconteceu! Isso mesmo, o filme é totalmente livre na interpretação do espectador que assim vai escolher (ou tentar escolher) em qual versão irá acreditar. O diretor Martin Ritt (parceiro de Paul Newman em várias produções) conseguiu algo muito valioso: fazer um filme ágil com roteiro bem elaborado, de bastante conteúdo. Tanto que recomendo que se assista mais de uma vez para destrinchar todos os detalhes que ocorrem durante o filme. Recomendo sem receios - inclusive para estudantes de direito pois é muito curioso acompanhar como uma mesma história pode ter tantas versões diferentes entre si, dependendo de quem as conta.
Paris Vive à Noite
"Paris Vive à Noite" foi feito especialmente para o casal sensação dos anos 60, Paul Newman e Joanne Woodward. Produzido pela cia de Marlon Brando o filme foi rodado em locações na famosa cidade francesa. O roteiro é simples, dois casais se conhecem lá e ficam em um dilema pois as garotas, meras turistas, terão que voltar logo aos EUA enquanto os rapazes (Paul Newman e Sidney Poitier) tem planos de continuar na capital francesa para despontarem para a carreira artística (são músicos de jazz). Para falar a verdade o grande atrativo desse filme é sua música. A trilha sonora foi escrita por Duke Ellington e no filme somos brindados com uma ótima participação especial de Louis Armstrong. Para os fãs do Jazz americano não poderia haver nada melhor do que isso. Já para os fãs de cinema o filme se resume a interpretações corretas e nada mais. O roteiro não desenvolve nenhuma grande situação dramática e assim tudo se resume a ver os pombinhos andando de mãos dadas pelos pontos mais famosos de Paris. Obviamente que a fotografia em preto e branco é muito bonita e o clima de romance no ar vai agradar as mulheres sonhadoras com romances de cartão postal. Para os cuecas vale a pena conferir a beleza discreta e elegante de Joanne Woodward. O diretor Martin Ritt já havia trabalhado ao lado de Paul Newman em "O Mercador de Almas", um filme bem superior a esse. A parceria continuaria depois com filmes como "O Indomado" e "Hombre". Enfim, "Paris Vive á Noite" é um romance ao velho estilo com muita música de qualidade e paisagens famosas, se faz seu estilo não deixe de conferir.
Harper, O Caçador de Aventuras
Sabe aqueles filmes de detetives dos anos 40? Com todas aquelas mulheres fatais, personagens dúbios e tramas de rocambole? Pois bem, Harper é um filme desses. A diferença é que ele foi rodado nos anos 60 mas em essência é aquilo mesmo. Paul Newman interpreta um detetive particular cínico que é contratado pela esposa de um milionário desaparecido para encontrá-lo. Como sempre acontecia nos antigos roteiros da década de 40 aqui também temos muitas reviravoltas, muitas surpresas. Nenhum personagem é totalmente bom ou mal. Todos tem algo a esconder e a solução final desvenda todos os mistérios. Paul Newman está muito à vontade no papel de Harper. Mascando um chiclete atrás do outro ele se mostra bem cool e parece se divertir no papel. O elenco de apoio é todo bom. Lauren Bacall que interpreta a esposa do milionário desaparecido está especialmente cínica e mordaz. A personificação que me causou mais surpresa foi a de Shelley Winters. Antigo sex symbol da década de 40 e 50 aqui ela aparece como atriz decadente e gorda, cujos tempos de fama há muito foram deixados para trás. Enfim, Harper é bem interessante e bem desenvolvido. É um tipo de filme onde a ação é mais intelectual (fica-se o tempo todo tentando descobrir o paradeiro do desaparecido) mas que vale a pena assistir, principalmente para quem gosta de desvendar charadas nesse tipo de filme.
O Cálice Sagrado
Esse é o primeiro filme da carreira de Paul Newman. Isso por si só já basta para atiçar a curiosidade de qualquer cinéfilo. Além de Newman há no elenco atores e atrizes que de uma forma ou outra entraram na história do cinema como Jack Palance (como Simão, o Mago) e Pier Angeli (a namoradinha e grande amor da vida de James Dean). Pois bem, a primeira coisa que chama a atenção de quem assiste "O Cálice Sagrado" é sua estranha direção de arte. Tudo soa estilizado no filme, principalmente os cenários que são pouco realistas, parecendo até mesmo ambientações para peças de teatro. Cheguei a pensar que se tratava de uma produção pobre mesmo mas depois em uma cena de crucificação coletiva entendi finalmente a intenção do diretor. Não é que o filme seja mal feito mas se trata realmente de uma opção artística do cineasta Victor Saville (um veterano da época do cinema mudo). O roteiro mistura ficção com realidade histórica (pelo menos para os que aceitam o conteúdo bíblico como fato histórico). Personagens que na Bíblia são secundários aqui ganham bastante atenção como José de Arimatéia e Simão, o Mago. Esse último é citado no novo testamento como um mágico que desafiou Pedro publicamente. Ofereceu dinheiro pelo poder de realizar milagres e foi repelido pelo principal apóstolo de Cristo. A cena final com Simão tentando provar ao imperador Nero que poderia voar (algo que nem Jesus conseguiu em vida) é muito divertida mesmo. Enfim, apesar de Newman ter odiado sua atuação aqui (chegou a publicar um pedido de desculpas em um jornal americano por sua fraca atuação) não posso dizer que o resultado final seja ruim. "O Cálice Sagrado" é um épico diferente, estranho até em certas passagens, mas que tenta ser inteligente e instigante. Isso já justifica sua existência.
O Mercador de Almas
Em "O Mercador de Almas" temos várias características que fizeram o cinema americano se tornar o melhor do mundo durante a década de 1950 . O elenco é fenomenal. Além de Paul Newman em ótima forma (tanto do ponto de vista de talento como de presença) temos um personagem à prova de falhas interpretado pelo, ora vejam só, mito do cinema Orson Welles. Nem precisa dizer que ele é realmente a alma de todo o filme. Gorducho, malvado, esbanjando rabugice em cada cena, Welles toma conta de tudo, literalmente. Com filmes como esse percebemos que além de grande cineasta ele também era um ator fantástico. Sua voz de trovão ecoa em cada cena, fazendo os atores que contracenaram com ele sumirem lentamente. Em termos de roteiro e argumento o filme se parece bastante com outro clássico da filmografia de Newman, "Gata em Teto de Zinco Quente". Esse, assim como aquele, também é ambientado numa típica fazenda do Sul dos EUA. O enredo também gira em torno dos filhos de um rico fazendeiro, seus problemas familiares e as complicações cotidianas dessas famílias. Para completar o "Mercador de Almas" também é inspirado na obra de um grande autor, a novela "The Hamlet" de William Faulkner. A única diferença mais nítida é que "Gata em Teto de Zinco Quente" é bem mais teatral do que esse, mas fora isso são extremamente parecidos. De qualquer forma uma coisa é certa: Ambos os filmes são fundados em excelentes diálogos e interpretações inspiradas. Por essa época Paul Newman havia se tornado um dos grandes atores do cinema, mostrando de forma excepcional que passava muito longe do rótulo vazio de galã, muito pelo contrário, Newman estava sempre se arriscando em personagens com muita profundidade psicológica, complexos, muitas vezes anti-heróis, crápulas, sem o menor remorso moral. Nesse "Mercador de Almas" ele novamente encontra um papel à sua altura. Uma obra cinematográfica do mais alto nível que merece ser redescoberta.
O Veredito
O Veredito é um dos filmes mais humanos que já assisti. Isso porque ele não é apenas um filme sobre um julgamento que coloca de um lado uma pessoa vitima de negligência médica e do outro instituições ricas e poderosas. Ele é muito mais. O argumento toca em valores como dignidade e respeito ao próximo, mostrando toda a hipocrisia existente em certos setores que deveriam lutar por eles e não combatê-los como a "Santa" Igreja Católica. A dignidade do advogado vivido brilhantemente por Paul Newman é um dos destaques do roteiro. Todos o rebaixam, todos o humilham, tudo porque ele é um profissional em um momento complicado de sua vida, sem clientes e com problemas de alcoolismo. A postura dele lutando contra tudo e contra todos (mesmo mostrando sua própria fraqueza como ser humano) é uma das coisas mais dignas que já vi no cinema. Por fim temos a direção de Sidney Lumet, que é maravilhosa. O diretor não apenas mostra mas sugere, insinua. Um exemplo é mostrada numa cena em plena rua onde Newman vem a saber de um fato perturbador através de seu amigo e assistente. Veja que o diálogo não é mostrado na tela, a cena é captada por uma visão do alto, que mostra como somos pequenos diante de situações limites como essa, que afinal podem acontecer com qualquer um de nós. Simplesmente brilhante. Eu sinto falta de filmes assim, que foquem em temas sérios e consistentes e que não vivem de escapismos bobos. Nesse aspecto "O Veredito" é simplesmente uma grande obra prima da história do cinema.
Gata em Teto de Zinco Quente
Produção: Elegante, acima de tudo. O enredo se passa todo dentro de uma grande casarão que é sede de uma fazendo de algodão no sul dos EUA. Embora isso possa parecer tedioso, não é. Hoje a MGM está à beira da falência mas naquela época não economizava no bom gosto, como bem podemos comprovar aqui. / Direção: Eu considero o Richard Brooks, que dirigiu esse filme, muito mais um roteirista do que um diretor propriamente dito. Sua carreira como diretor é um pouco irregular, onde se mesclam filmes bons e ruins na mesma proporção. Mas aqui seu talento de bom escritor foi conveniente pois ele não força a barra em cima do texto de Tennessee Williams, que transmite sem problemas tudo que o dramaturgo queria para o público. No fundo o Brooks não complicou e isso já é um mérito e tanto. / Elenco: Ótimo. Elizabeth Taylor, linda e talentosa, mostra serviço e esbanja naturalidade e carisma. Paul Newman, que passa o tempo todo de muletas e engessado, mostra muito talento no papel de Brick Pollitt, talvez o único personagem que vale alguma coisa dentro daquela casa. Do elenco de apoio tenho que destacar primeiramente Burl Ives (Big Daddy, ótimo em sua caracterização de um homem que não conseguiu passar afeto aos seus familiares) e Madeleine Sherwood (que faz a insuportável Mae Pollitt). Dentre as cenas a que destaco como a melhor na minha opinião é aquela que se passa entre Newman e Ives no porão quando em tom de nostalgia Big Daddy se recorda de seu falecido pai, um mero vagabundo. Ótimo momento do filme. / Roteiro e argumento: O filme foi roteirizado pelo diretor Richard Brooks. Como eu disse antes, ele era mais roteirista do que diretor. Pois bem, embora o Tennessee tenha reclamado temos que convir que o roteiro em si é muito bem escrito e trabalhado, deixando o filme com ótimo ritmo. Penso que os textos do Tennessee Williams eram perigosos pois poderiam deixar qualquer filme pesado ou meloso demais. Em "Gata em Teto de Zinco Quente" isso definitivamente não acontece.
Roy Bean - O Homem da Lei
Roy Bean (Paul Newman) é um pistoleiro e ladrão que chega numa região remota do Texas. Na ausência de qualquer lei ou autoridade judicial no local o bandoleiro resolve se auto intitular "juiz" e começa a impor aos moradores locais sua inusitada versão da lei e da ordem. A história do filme foi baseada na vida real do juiz Roy Bean, um fora da lei que chegou numa região inóspita do Texas, depois do Rio Pacos (considerado a fronteira entre o mundo civilizado e a terra sem lei) e lá se auto proclamou "juiz" mandando os foras da lei para a forca, sem nem pensar duas vezes. De posse de um velho livro empoeirado de direito ele tentou trazer sua visão muito particular de justiça a todos os que cruzassem seu caminho. John Huston mais uma vez se mostra genial na direção, isso porque ao longo de todo o filme ele imprime um tom de fino humor e ironia que cai muito bem na bizarra história. Paul Newman, mais uma vez, dá show ao interpretar o personagem principal. Seguro de si, cínico, o ator domina todas as cenas, mesmo quando contracena com o ótimo elenco de apoio (com direito a participação especial do próprio John Huston, interpretando um caçador de ursos que chega na distante localidade). Depois que vi o filme ficou a curiosidade de saber mais sobre o verdadeiro Roy Bean. Para minha surpresa descobri que seu saloon tribunal ainda existe no Texas e virou ponto turístico. Seu nome é bem reverenciado naquele Estado e ele goza de uma reputação de fazer inveja a outros grandes nomes do western como Billy The Kid e Jesse James. Talvez por representar a famosa "justiça pelas próprias mãos", Roy Bean acabou virando um símbolo de uma era há muito perdida. Se você gosta da história do faroeste americano, então o filme é obrigatório.
Exodus
O filme Exodus, lançado em 1960, trata da delicada questão da criação do Estado de Israel. É uma obra cinematográfica de fôlego com três horas e trinta minutos de duração, dividida em três atos distintos que tentam no fundo dar um rosto (ou rostos) ao povo judeu no momento de nascimento de sua nação. No primeiro ato somos apresentados a um campo de refugiados (na realidade prisioneiros) administrado pelos britânicos na ilha de Chipre. O local era utilizado pelos ingleses para abrigar temporariamente grupos de judeus que tentavam chegar até a Palestina de navio. Nesse primeiro ato logo somos apresentados ao personagem Ari Ben Canaan (interpretado por Paul Newman), cuja principal função na ilha é retirar uma parcela desses judeus em cativeiro para levá-los até a Palestina, para que com isso crie pressão sobre a ONU na aprovação da criação de Israel. O segundo ato já se desenvolve nos assentamentos judeus na Palestina e tenta mostrar o cotidiano dessas famílias empenhadas em ficar no país e assim começar uma nova nação. Finalmente no terceiro ato temos a criação de Israel e as reações (algumas vezes violentas) que esse fato gerou, principalmente por parte da população palestina, que naquela altura sentiu que simplesmente estavam tomando sua nação e seu país e a entregando aos recém chegados judeus. O tema é melindroso e até hoje repercute. O filme, é claro, toma partido ao lado do povo judeu e sua causa, até porque não seria diferente haja visto que os grandes estúdios de Hollywood são administrados e comandados por judeus. E justamente por isso talvez Exodus não seja uma obra completa. O ponto de vista é unilateral, focado apenas na visão judia da questão. Tirando um único personagem (um palestino que nutre amizade e simpatia por um personagem judeu) nada mais nos é mostrado sobre o outro lado da questão, sobre a forma de agir e pensar do povo palestino naquele momento. O roteiro não esconde e nem tenta disfarçar de que lado realmente está. Como a questão Israel - Palestina é muito mais complexa do que isso ficamos com a sensação pouco confortável de estarmos assistindo na realidade um grande e pomposo manifesto político em prol de Israel. Já sobre o filme em si, tecnicamente falando, a produção apresenta alguns problemas. O maior deles talvez seja a duração excessiva. O filme em alguns momentos se arrasta, cenas sem grande importância ganham um destaque desproporcional. O filme poderia sem problemas ter duas horas de duração sem perda de conteúdo. A direção de Otto Preminger por sua vez comete alguns erros primários (em certos momentos podemos perceber a sombra da câmera e do cameraman se projetando sobre os atores). São coisas menores, mas que em certos momentos incomodam. Já a trilha sonora, ainda hoje lembrada, é um destaque. O compositor Ernest Gold foi inclusive premiado com o Oscar por seu trabalho. Enfim, Exodus é um bom filme e só peca pela tentativa de fazer propaganda política sem dar chance à outra parte de se manifestar, fora isso é um bom passatempo, isso claro se você tiver disposição de assistir uma película com uma duração tão excessiva como essa.
Buffalo Bill e o Oeste Selvagem
Buffalo Bill and the Indians (no brasil, O Oeste Selvagem) é um inteligentissimo filme do aclamado diretor Robert Altman que aqui prova mais uma vez seu grande talento como cineasta. O roteiro conta a histórica verídica do grande mito do western americano Buffalo Bill. O personagem por si só já era extremamente rico em detalhes e nuances e caiu como uma luva nessa película que brinca com o imaginário popular ianque. Para quem não sabe Buffalo Bill (nome artistico de William Cody) foi um verdadeiro Barão de Munchausen da história dos Estados Unidos. Pródigo em contar lorotas e inventar histórias sobre si mesmo que nunca aconteceram na vida real, Bill criou toda uma mitologia em torno de si. Um dia teve a brilhante idéia de criar todo um show em cima de suas fantasias e acabou criando um espetáculo com alto teor circense composto por cowboys falsos, índios de araque e bandidos de mentirinha. Era denominado Oeste Selvagem e foi uma mina de ouro para seu criador, o tornando extremamente rico e bem sucedido. Embora fosse um mentiroso contumaz Bill acabou criando, sem querer, todos os clichês que até hoje conhecemos da mitologia do western. Os filmes mudos, surgidos no nascimento do cinema, eram claramente inspirados nas encenações do espetáculo de Buffalo, que também teve sua mitológica figura explorada por vários filmes do gênero nos anos seguintes à sua morte. Em Buffalo Bill and the Indians, somos levados a conhecer um período bem interessante da vida de Bill, quando ele contratou um mito de verdade do velho oeste para estrelar seu show, o cacique Touro Sentado, famoso por seus feitos contra o exército americano. As cenas em que ambos contracenam mostram verdadeiros duelos entre o personagem de ficção auto inventado e o homem que realmente vivenciou toda a luta pela conquista do oeste selvagem (Touro Sentado). O farsante e o real em lados opostos. Enquanto um vive de contar mentiras sobre si mesmo o outro tenta apenas sobreviver com o pouco de dignidade que ainda lhe resta e de quebra tenta ajudar seu povo, nessa altura da história completamente subjugado pelos brancos. O choque entre a dura realidade e a mais pura fantasia escapista é o grande mérito dessa brilhante e ácida crítica em cima da construção de mitos irreais, que é bem típica da sociedade consumista e vazia dos norte-americanos. Paul Newman na pele do deslumbrado ídolo está perfeito, numa daquelas atuações que dificilmente esquecemos. A própria surrealidade do cotidiano de Bill (que gostava de namorar cantoras de óperas fracassadas), reforça e torna ainda mais forte sua caracterização. Por fim temos uma participação extremamente inspiradora do grande mito Burt Lancaster. Fazendo o papel de uma pessoa do passado de Bill (que obviamente conhece todas as suas invencionices), Lancaster empresta uma dignidade ímpar a essa película. Sem dúvida Buffalo Bill and the Indians é um excelente filme que nos leva a pensar em vários temas relevantes, como a própria destruição da cultura indígena e a dignidade desse povo que foi massacrado impiedosamente pelos colonos americanos. Um libero que merece ser conhecido por todos.
500 Milhas
Esse filme estrelado por Paul Newman é bem curioso. Passa longe de ser um de seus mais conhecidos trabalhos no cinema mas também tem curiosidades que o fazem único. A primeira delas é o fato do tema do filme ser uma das grandes paixões do ator em sua vida pessoal: o automobilismo. Apaixonado por carros de corrida, Newman nunca mais abandonou as pistas depois das filmagens desse longa, tanto que anos depois acabou fundando sua própria equipe, a Newman / Racing, que acabou se tornando uma das principais escuderias da Formula Indy. De fato, ao se assistir 500 milhas percebemos bem que estamos na presença de um astro que bancou uma produção complicada apenas para homenagear sua grande paixão. O filme até tenta colocar uma certa profundidade em seu roteiro. O personagem de Newman, por exemplo, se envolve com uma mulher divorciada (interpretada por sua esposa na vida real, Joanne Woodward) mas esse lado do filme logo naufraga. Mesmo tentando o ator não consegue convencer nas cenas dramáticas. Newman aparece apático e sem empolgação nesses momentos, algo completamente diverso do que ocorre nas cenas em que corre nas pistas. No volante de um carro possante Newman se transforma completamente e aí entendemos a razão de ser da produção, pois no fundo tudo se resume ao fato do ator se divertir no circo da Indy. As próprias locações refletem isso. Não satisfeito em filmar no templo de Indianapolis, Paul Newman faz um verdadeiro tour pelas principais pistas e categorias da época. Obviamente para quem gosta do esporte certamente é um prato cheio. O grande destaque fica mesmo nas cenas de corrida. Nesse ponto o diretor demonstra que as tomadas e os ângulos de câmera que foram produzidas justificaram plenamente a existência do filme. Realmente as cenas de competição estão entre as melhores já mostradas nas telas de cinema. São empolgantes e bem documentadas. O interessante é que além de extremamente bem fotografadas dentro dos circuitos, o filme mostra ainda um panorama bem abrangente de toda a movimentação que cercava todos esses grandes prêmios. Enfim, Winning jamais será mais lembrado que os grandes clássicos da carreira de Newman, mas certamente mostra um dos aspectos mais curiosos e interessantes da personalidade do ator. Não vai mudar sua vida mas também não será nada penoso se divertir por duas horas no volante ao lado de Paul Newman.
Desafio à Corrupção
"Desafio à Corrupção" é uma crônica sobre o fracasso pessoal. O personagem principal, Eddie Felson (Paul Newman), é em essência um pequeno golpista que leva sua vida em espeluncas de sinuca onde engana os desavisados. Ele se faz passar por um idiota que não sabe jogar, perdendo algumas partidas fáceis. Seu papel de "pato" atrai outros jogadores que aceitam apostar quantias vultuosas pensando ganhar um dinheiro fácil. Uma vez apostado somas altas Eddie finalmente se revela mostrando toda sua grande habilidade no jogo. Sem emprego, casa ou destino, Eddie vai levando sua vida partida após partida, até enfrentar um grande jogador como ele, Minnesota Fats (Jackie Gleason) . O destino desse confronto vai mudar os rumos de sua vida. Eddie pretende vencer o grande mestre para provar a si mesmo que é um vencedor e não um fracassado como foi definido por Bert Gordon (George C. Scott), um agenciador de apostas e escroque local. É impressionante a quantidade de grandes filmes na carreira de Paul Newman. Aqui ele realiza uma de suas atuações mais brilhantes, tanto que foi indicado ao Oscar de Melhor ator. Injustamente não venceu o prêmio mas a justiça se faria anos depois quando Newman retornaria ao mesmo personagem em "A Cor do Dinheiro" ao lado de Tom Cruise. Após tanto tempo Paul Newman finalmente sairia vencedor na categoria. Justiça tardia mas bem-vinda certamente. Outro atrativo do elenco é a presença de Jackie Gleason como Minnesota Fats. O comediante se revela um ator dramático de mão cheia. "Desafio à Corrupção" foi indicado a vários prêmios, inclusive Melhor Filme, mostrando sua imensa qualidade cinematográfica. O roteiro, muito bem escrito, disseca a tênue linha existente entre a vitória e a derrota. A vida é representada pela mesa de bilhar, onde destinos parecem fluir ao sabor das tacadas, resultado numa excelente metáfora sobre a vida e morte dos personagens. "The Hustler" é uma obra prima do cinema. Simplesmente obrigatório.
Pablo Aluísio.
Filmografia Comentada: Elizabeth Taylor
Sua fama na história do cinema só pode ser rivalizada com Marilyn Monroe, outro mito absoluto. Ao longo de uma vida longa e produtiva Elizabeth Taylor colecionou sucessos, fama, maridos e joias, não necessariamente nessa ordem. Defensora de causas em prol de pesquisas à AIDS, grande amiga de outros mitos de Hollywood como Montgomery Clift, Rock Hudson e James Dean, Liz Taylor, falecida recentemente, dispensa maiores apresentações. Segue comentários de alguns de seus principais filmes.
Quem Tem Medo de Virgina Woolf?
Casal de meia idade decide receber um casal amigo em sua casa. A esposa interpretada por Elizabeth Taylor (em ótima caracterização) logo se excede na bebida. Em pouco tempo começa a ofender e destruir a imagem e auto estima de seu marido (Richard Burton, soberbo) o qualificando como um miserável, um derrotado e fracassado na vida. Logo a briga matrimonial foge totalmente do controle. O que posso dizer? Belo filme. Aqui o que importa mesmo é atuação do grande casal Elizabeth Taylor e Richard Burton. Basicamente tudo se passa em apenas uma noite, sendo explorada apenas uma situação. O problema básico é que os personagens em cena estão completamente embriagados e como sabemos quando a bebida sobe à cabeça as amarras sociais descem ladeira abaixo. Assim o que parecia ser apenas um tedioso encontro social vira uma verdadeira carnificina psicológica entre os presentes. Tudo é passado a limpo, desde segredos reveladoras a frustrações pessoais e profissionais. O argumento forte capta o momento de falência de um casamento quando a esposa transforma o marido em mero saco de pancadas, jogando todas as suas raivas reprimidas em cima dele de uma só vez. Do elenco o destaque absoluto é mesmo Elizabeth Taylor como Martha. Muita gente não dá o devido valor a Liz Taylor e geralmente usa seu estigma de estrela de Hollywood para rebaixar seu talento. Sempre fui contra essa visão preconceituosa em relação a ela, pois a considero uma das melhores atrizes da história do cinema americano (sendo estrela ou não). Aqui nesse filme provavelmente ela entrega sua melhor interpretação ao lado do maridão Burton (que vira quase uma escada para ela mas é salvo por outra brilhante atuação). Liz é intensa, visceral e não mede consequências. Engordou e se enfeiou propositalmente para tornar sua personagem (uma dona de casa frustrada) mais verossímil. Richard Burton também se despiu de sua vaidade natural e imagem de galã viril para encarnar um pobre diabo que não consegue mais lidar com o inferno que sua vida se tornou. O mais curioso é que o casal real também se envolvia em bebedeiras homéricas e brigas públicas, o que provavelmente facilitou e muito em cena. Mas isso não tira seus méritos. Virginia Woolf é isso, excessivo, pesado, com cara de teatro filmado, mas que no final das contas se revela um filme simplesmente brilhante. Para quem gosta de grandes atuações é um prato cheio! Sirva-se à vontade.
O Homem Que Veio de Longe
Ótima produção do casal Taylor / Burton que para minha surpresa segue pouco conhecida. O roteiro é de Tennessee Williams baseado em sua própria peça "The Milk Train Doesn't Stop Here Anymore", o que por si só já é garantia de ótimos diálogos e cenas extremamente bem escritas. Obviamente o filme em nenhum momento nega sua origem teatral mas isso é compensado pelo uso de uma locação simplesmente maravilhosa: uma mansão em cima de um penhasco rochoso numa paradisíaca ilha no litoral italiano (localizada em Capo Caccia na Sardenha). É nesse cenário deslumbrante que Liz Taylor e Richard Burton duelam em cena, o que me lembrou muito em sua estrutura outro filme famoso do casal, "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?". Ela inclusive aqui está muito mais diva do que no famoso filme que a consagrou. A produção foi um projeto pessoal de Liz Taylor. Ela inclusive escalou o desconhecido diretor Joseph Losey para comandar as filmagens que pelas locações distantes tiveram um maior grau de dificuldade em relação aos filmes rodados em estúdio. Liz vinha de um filme complicado, "The Comedians", ao lado de Burton que não havia sido muito bem recebido nem pela crítica e nem pelo público. Produção muito cara (só Burton recebeu um milhão de dólares de cachê pelo filme) não trouxe bom retorno de bilheteria quando lançado. Para recuperar o fôlega Elizabeth então resolveu voltar para os textos de Tennessee Williams e exigiu que o mesmo fosse o próprio roteirista do filme. Era uma tentativa de voltar aos anos de glória de sua carreira. O personagem de Elizabeth Taylor é uma viúva milionária (foi casada com seis magnatas) que há muito passou seu apogeu. Vivendo solitária em sua mansão ela é servida dia e noite por um grupo de lacaios prontos a atender qualquer que seja seu desejo. Isso porém não a impede de ser desbocada, despudorada e abusiva com todos à sua volta. Ditando sua biografia para uma secretária servil ela se surpreende quando um dia chega um desconhecido em sua casa (Burton) que aos poucos vai colocando em xeque o modo de agir da milionária. Há um curioso subtexto no roteiro sobre a real identidade do desconhecido, inclusive a de que ele na realidade seria um anjo da morte, tal como vimos em outra produção mais recente, "Meet Joe Black" com Anthony Hopkins e Brad Pitt. Mas será mesmo? Enfim, altamente recomendado para quem quiser conhecer mais a filmografia do mito Elizabeth Taylor.
De Repente no Último Verão
Catherine Holly (Elizabeth Taylor) é uma jovem sofrendo de problemas mentais. Em busca de tratamento ela é atendida e acompanhada pelo Dr Cukrowicz (Montgomery Clift). um especialista na área, que atua sob as ordens da dama da sociedade Violet Venable (Katherine Hepburn) que teme que Catherine divulgue um segredo sórdido envolvendo o passado de sua família. O filme começa logo impactando. As duas primeiras cenas juntas duram mais de 50 minutos (praticamente mais da metade do filme). Nelas temos dois grandes "duelos" em cena: Katherine Hepburn e Montgomery Clift e logo em sequência esse ao lado de Liz Taylor. Curioso é que em ambas Clift apenas serve de escada para que as atrizes possam declamar longos textos sobre Sebastian (o personagem cujo rosto nunca aparece mas que é citado em praticamente todos os diálogos do roteiro). Esse começo arrebatador sintetiza tudo: é um filme de diálogos e interpretação, nada mais. Sua gênese teatral não é disfarçada e nem amenizada até porque estamos tratando de Tennessee Williams, um dos grandes dramaturgos da cultura americana. Achei Elizabeth Taylor extremamente bonita e talentosa no filme. Ela já estava entrando nos seus 30 anos mas ainda continuava belíssima. Mostra talento em cada cena mas não fica à altura de Hepburn (essa realmente foi uma das maiores atrizes da história). Já Montgomery Clift deixa transparecer as cicatrizes e deformações de seu rosto, após o grave acidente que sofreu ao sair de uma festa na casa da amiga Liz Taylor. Ele está contido no papel mas consegue dar conta muito bem do recado mesmo com as várias dores que sofria (atuou praticamente sedado durante todo o filme). O texto é rico e claramente trata da questão homossexual do personagem Sebastian. E foi justamente por essa razão que foi censurado nas telas. A censura partiu do próprio estúdio. A razão foi tentar conseguir uma classificação etária melhor, além de evitar maiores polêmicas com os chamados setores da "boa decência" da sociedade americana, bem atuantes na época de lançamento do filme. A questão da homossexualidade do personagem Sebastian inclusive ficou tão truncada no roteiro final (do aclamado Gore Vidal) que muitos nem se darão conta disso. Por isso recomenda-se conhecer melhor a peça no qual o filme foi adaptado para entender melhor a motivação dos personagens. Os textos de Tennessee Williams eram considerados fortes demais para os padrões morais da época e geralmente chegavam no cinema atenuados ou suavizados. De qualquer forma o resultado não pode ser classificado como menos do que grandioso. Todos brilham em cena – na realidade se trata de uma rara oportunidade de ver tantos talentos juntos em um só filme, o que torna a produção simplesmente imperdível para qualquer cinéfilo que se preze.
Disque Butterfield 8
Esse filme é uma grata surpresa por vários motivos. Primeiro por seu tema. O roteiro enfoca a vida de uma call girl (expressão antiga para designar aquilo que você está pensando mesmo), Pensar que um filme assim foi realizado no começo dos anos 60 já é um feito e tanto. É preciso entender que a primeira metade dos anos 60 foi a época em que comédias românticas bobinhas com Doris Day estavam na moda e nada é mais longe daquela ingenuidade do que esse Butterfield com Elizabeth Taylor. Seu personagem mora com a mãe, que finge não saber o que ela faz. Ao se envolver com um homem casado Gloria (Liz Taylor) tenta reabilitar sua vida que está fora dos eixos desde a morte precoce do pai. O filme não tem a profundidade daqueles que foram baseados em Tennessee Williams e nem é tão bem escrito como "Gata em Teto de Zinco Quente" mas compensa isso com diálogos inteligentes recheados de duplo sentido. Aliás o cinismo do filme é um dos atrativos do roteiro. Gloria sabe o que é e brinca com o fato. A cena inicial do filme, um longo plano sequência com ela se levantando após uma noite de aventuras com um homem casado é um primor de naturalismo no cinema. Eu acredito que Liz realizou esse filme em resposta ao escândalo de seu envolvimento com o marido de Debbie Reynolds, o Eddie Fisher (que está no filme). Como ela foi xingada bastante de vagabunda por isso então resolveu interpretar uma no cinema! O resultado é ótimo e ela levou seu primeiro Oscar (que dizem ter sido de consolação). Mas isso é o de menos. Assista Butterfield 8 e entenda porque ela foi uma das grandes divas da história do cinema americano.
Gata Em Teto de Zinco Quente
Produção: Elegante, acima de tudo. O enredo se passa todo dentro de um grande casarão que é sede de uma fazendo de algodão no sul dos EUA. Embora isso possa parecer tedioso, não é. Hoje a MGM está à beira da falência mas naquela época não economizava no bom gosto, como bem podemos comprovar aqui. A fazenda tipicamente sulista, o bonito figurino (especialmente de Liz Taylor) e a fotografia inspirada confirmam a elegância da película. / Direção: Eu considero o cineasta Richard Brooks, que dirigiu esse filme, muito mais um roteirista do que um diretor propriamente dito. Sua carreira como diretor é um pouco irregular, onde se mesclam filmes bons e ruins na mesma proporção. Mas aqui seu talento de bom escritor foi conveniente pois ele não promove alterações substanciais no texto de Tennessee Williams e consegue transmitir sem problemas tudo que o dramaturgo queria passar ao público. No fundo o Brooks não complicou e isso já é um mérito e tanto. / Elenco: Ótimo. Elizabeth Taylor, linda e talentosa, mostra serviço e esbanja naturalidade e carisma. Paul Newman, que passa o tempo todo de muletas e engessado, mostra muito talento no papel de Brick Pollitt, talvez o único personagem que valha realmente alguma coisa dentro daquela casa. O curioso é que mesmo atores com escolas diferentes (Newman do teatro e Liz basicamente uma atriz de cinema) conseguem se entender extremamente bem em cena. Sua química salta aos olhos, mesmo Paul Newman interpretando um marido que diante de tantos problemas negligencia sua bela e jovem esposa. Do elenco de apoio tenho que destacar primeiramente Burl Ives (Big Daddy, ótimo em sua caracterização de um homem que não conseguiu passar afeto aos seus familiares) e Madeleine Sherwood (que faz a insuportável Mae Pollitt). Dentre as cenas a que destaco como a melhor na minha opinião é aquela que se passa entre Newman e Ives no porão quando em tom de nostalgia Big Daddy se recorda de seu falecido pai, um mero vagabundo. Ótimo momento no quesito atuação. / Roteiro e argumento: O filme foi roteirizado pelo diretor Richard Brooks. Como eu disse antes, ele era mais roteirista do que diretor. Pois bem, embora Tennessee Williams tenha reclamado de algumas mudanças em seu texto original, temos que convir que o roteiro em si é muito bem escrito e trabalhado, deixando o filme com ótimo ritmo, fugindo da armadilha de o deixar teatral demais.. Penso que os textos de autoria do grande Tennessee Williams eram perigosos ao serem adaptados ao cinema, pois poderiam deixar qualquer filme pesado ou com aspecto de teatro filmado, o que não seria adequado pois artes diferenciadas exigem também adaptações diferentes. Nem sempre o que é adequado ao teatro consegue ser satisfatório na tela. Em "Gata em Teto de Zinco Quente" isso definitivamente não acontece e o espectador ao final da exibição terá a certeza de que assistiu a um grande filme, cinema puro.
O Pecado de Todos Nós
"O Pecado de Todos Nós" definitivamente não é uma obra para todos os públicos que vá agradar a todos os setores, pelo contrário, o diretor John Huston não fez nenhuma concessão e entregou uma obra crua, visceral, sem nenhum tipo de amenização. Marlon Brando, como sempre, se destaca. Acho esse um de seus personagens mais corajosos. O ator joga a imagem de galã fora e encara um papel extremamente complexo e polêmico. Aqui ele interpreta um Major do exército americano com o casamento em crise, em frangalhos. Sua esposa, interpretada por Elizabeth Taylor em mais uma de seus excelentes caracterizações, é uma fútil dona de casa que passa os dias em longas cavalgadas ao lado de seu amante (um oficial que mora vizinho ao casal na vila militar onde residem). Isso já bastaria para caracterizar esse casamento como disfuncional mas isso não é tudo. O problema básico do Major feito por Brando é que ele não tem mais nenhum desejo sexual pela esposa pois na realidade é um homossexual enrustido que não consegue exteriorizar e vivenciar sua verdadeira orientação sexual. Após ver um soldado cavalgando nu pelo bosque o Major acaba ficando obcecado por ele. Tudo caminha então para um clímax ao melhor estilo do diretor Huston, com muitas nuances psicológicas e tensão entre os principais personagens. A hipocrisia do núcleo familiar considerado ideal pela moralista sociedade norte-americana também é exposta sem receios. O argumento soa na realidade como uma provocação por parte de John Huston para com toda a sociedade norte-americana. A família tradicional e o sistema militar são obviamente seus principais alvos. Na porta de entrada dos EUA na guerra do Vietnã ele ousou colocar um tema tabu em cena: o homossexualismo dentro das casernas militares. Mais explosivo do que isso impossível. Além disso expõe os problemas que existiam por baixo da imagem impecável das famílias conservadoras daquele país. O marido que posa de cidadão exemplar na verdade despreza sua esposa e esconde seus desejos sexuais mais inconfessáveis. A esposa é infiel, sem conteúdo, rasa, materialista e tola. Um retrato demolidor de um modelo que nos anos 1960 vinha abaixo. "Reflections in a Golden Eye" foi baseado na obra do escritor Carson McCullers, um autor que não tinha receio de tocar nas feridas mais profundas da América. Aqui ao lado de Huston, Liz Taylor e Marlon Brando ele finalmente encontrou a transposição perfeita para as telas. Em suma, "O Pecado de Todos Nós" é uma produção nada confortável e nem amenizadora. No fundo é um retrato controvertido que coloca na berlinda alguns dos pilares mais prezados pelos americanos. Não deixe de conhecer.
Um Lugar Ao Sol
George Eastman (Montgomery Clift) é o jovem sobrinho de um rico industrial do mercado de roupas femininas. Seu tio logo o emprega em uma das fábricas como empacotador. Lá conhece a operária Alice (Shelley Winters) e logo se enamora dela. Ao mesmo tempo em que corteja Alice acaba se envolvendo também com Angela Vickers (Elizabeth Taylor) uma rica garota da alta sociedade. O triângulo amoroso trará consequências trágicas para todos os envolvidos. "Um Lugar Ao Sol" é um dos grandes clássicos da carreira de Montgomery Clift e Elizabeth Taylor. O filme mescla muito bem romance, suspense e drama. Vivendo em dois mundos completamente distintos o personagem de Montgomery Clift, um pobre rapaz que anseia subir na vida algum dia, acaba perdendo o controle dos acontecimentos em sua vida emocional, o que o levará a pagar um alto preço por se envolver com duas garotas ao mesmo tempo. George Stevens foi um dos grandes diretores do cinema americano. Austero e detalhista ele filmava muitas tomadas diferentes, de ângulos diversos para só depois montar o filme ao seu bel prazer. Assistindo "Um Lugar ao Sol" é fácil perceber que ele estava literalmente obcecado pelo belo rosto juvenil de Elizabeth Taylor. O cineasta usa e abusa de vários closes do rosto de sua atriz, o que não é nada mal uma vez que Liz estava no auge de sua beleza. Com traços delicados e lindos olhos azuis (que infelizmente não foram captados pois o filme foi rodado em preto e branco) a estrela poucas vezes esteve tão bonita como aqui. O roteiro foi baseado no livro "An American Tragedy" de Patrick Kearney. Embora ficcional a estória foi inspirada em fatos reais acontecidos em Chicago na década de 20. A situação toda é bastante sórdida e demonstra que não existem muitos limites para a maldade da alma humana, embora no filme o personagem Geroge Eastman seja de certa forma amenizado. É fácil compreender a razão. Não haveria como rodar toda uma produção como essa em cima de um mero assassino. Assim tudo foi cuidadosamente suavizado para não chocar muito o público americano dos anos 50. O resultado de tanto capricho veio depois nas bilheterias e nas ótimas críticas que o filme conseguiu. Shelley Winters e Montgomery Clift foram indicados ao Oscar. Embora não tenham sido premiados o filme em si conseguiu vencer em seis categorias (inclusive direção e roteiro), se consagrando naquele ano. Até o gênio Charles Chaplin se rendeu ao filme declarando que havia sido o "melhor filme que já tinha assistido em sua vida". Além disso os bastidores da produção deram origem a muitas histórias saborosas envolvendo Clift e Taylor, que se tornariam amigos até o fim de suas vidas. Depois disso não há muito mais o que escrever. Para os cinéfilos "Um Lugar ao Sol" é mais do que obrigatório. Um filme essencial.
Pablo Aluísio.
Quem Tem Medo de Virgina Woolf?
Casal de meia idade decide receber um casal amigo em sua casa. A esposa interpretada por Elizabeth Taylor (em ótima caracterização) logo se excede na bebida. Em pouco tempo começa a ofender e destruir a imagem e auto estima de seu marido (Richard Burton, soberbo) o qualificando como um miserável, um derrotado e fracassado na vida. Logo a briga matrimonial foge totalmente do controle. O que posso dizer? Belo filme. Aqui o que importa mesmo é atuação do grande casal Elizabeth Taylor e Richard Burton. Basicamente tudo se passa em apenas uma noite, sendo explorada apenas uma situação. O problema básico é que os personagens em cena estão completamente embriagados e como sabemos quando a bebida sobe à cabeça as amarras sociais descem ladeira abaixo. Assim o que parecia ser apenas um tedioso encontro social vira uma verdadeira carnificina psicológica entre os presentes. Tudo é passado a limpo, desde segredos reveladoras a frustrações pessoais e profissionais. O argumento forte capta o momento de falência de um casamento quando a esposa transforma o marido em mero saco de pancadas, jogando todas as suas raivas reprimidas em cima dele de uma só vez. Do elenco o destaque absoluto é mesmo Elizabeth Taylor como Martha. Muita gente não dá o devido valor a Liz Taylor e geralmente usa seu estigma de estrela de Hollywood para rebaixar seu talento. Sempre fui contra essa visão preconceituosa em relação a ela, pois a considero uma das melhores atrizes da história do cinema americano (sendo estrela ou não). Aqui nesse filme provavelmente ela entrega sua melhor interpretação ao lado do maridão Burton (que vira quase uma escada para ela mas é salvo por outra brilhante atuação). Liz é intensa, visceral e não mede consequências. Engordou e se enfeiou propositalmente para tornar sua personagem (uma dona de casa frustrada) mais verossímil. Richard Burton também se despiu de sua vaidade natural e imagem de galã viril para encarnar um pobre diabo que não consegue mais lidar com o inferno que sua vida se tornou. O mais curioso é que o casal real também se envolvia em bebedeiras homéricas e brigas públicas, o que provavelmente facilitou e muito em cena. Mas isso não tira seus méritos. Virginia Woolf é isso, excessivo, pesado, com cara de teatro filmado, mas que no final das contas se revela um filme simplesmente brilhante. Para quem gosta de grandes atuações é um prato cheio! Sirva-se à vontade.
O Homem Que Veio de Longe
Ótima produção do casal Taylor / Burton que para minha surpresa segue pouco conhecida. O roteiro é de Tennessee Williams baseado em sua própria peça "The Milk Train Doesn't Stop Here Anymore", o que por si só já é garantia de ótimos diálogos e cenas extremamente bem escritas. Obviamente o filme em nenhum momento nega sua origem teatral mas isso é compensado pelo uso de uma locação simplesmente maravilhosa: uma mansão em cima de um penhasco rochoso numa paradisíaca ilha no litoral italiano (localizada em Capo Caccia na Sardenha). É nesse cenário deslumbrante que Liz Taylor e Richard Burton duelam em cena, o que me lembrou muito em sua estrutura outro filme famoso do casal, "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?". Ela inclusive aqui está muito mais diva do que no famoso filme que a consagrou. A produção foi um projeto pessoal de Liz Taylor. Ela inclusive escalou o desconhecido diretor Joseph Losey para comandar as filmagens que pelas locações distantes tiveram um maior grau de dificuldade em relação aos filmes rodados em estúdio. Liz vinha de um filme complicado, "The Comedians", ao lado de Burton que não havia sido muito bem recebido nem pela crítica e nem pelo público. Produção muito cara (só Burton recebeu um milhão de dólares de cachê pelo filme) não trouxe bom retorno de bilheteria quando lançado. Para recuperar o fôlega Elizabeth então resolveu voltar para os textos de Tennessee Williams e exigiu que o mesmo fosse o próprio roteirista do filme. Era uma tentativa de voltar aos anos de glória de sua carreira. O personagem de Elizabeth Taylor é uma viúva milionária (foi casada com seis magnatas) que há muito passou seu apogeu. Vivendo solitária em sua mansão ela é servida dia e noite por um grupo de lacaios prontos a atender qualquer que seja seu desejo. Isso porém não a impede de ser desbocada, despudorada e abusiva com todos à sua volta. Ditando sua biografia para uma secretária servil ela se surpreende quando um dia chega um desconhecido em sua casa (Burton) que aos poucos vai colocando em xeque o modo de agir da milionária. Há um curioso subtexto no roteiro sobre a real identidade do desconhecido, inclusive a de que ele na realidade seria um anjo da morte, tal como vimos em outra produção mais recente, "Meet Joe Black" com Anthony Hopkins e Brad Pitt. Mas será mesmo? Enfim, altamente recomendado para quem quiser conhecer mais a filmografia do mito Elizabeth Taylor.
De Repente no Último Verão
Catherine Holly (Elizabeth Taylor) é uma jovem sofrendo de problemas mentais. Em busca de tratamento ela é atendida e acompanhada pelo Dr Cukrowicz (Montgomery Clift). um especialista na área, que atua sob as ordens da dama da sociedade Violet Venable (Katherine Hepburn) que teme que Catherine divulgue um segredo sórdido envolvendo o passado de sua família. O filme começa logo impactando. As duas primeiras cenas juntas duram mais de 50 minutos (praticamente mais da metade do filme). Nelas temos dois grandes "duelos" em cena: Katherine Hepburn e Montgomery Clift e logo em sequência esse ao lado de Liz Taylor. Curioso é que em ambas Clift apenas serve de escada para que as atrizes possam declamar longos textos sobre Sebastian (o personagem cujo rosto nunca aparece mas que é citado em praticamente todos os diálogos do roteiro). Esse começo arrebatador sintetiza tudo: é um filme de diálogos e interpretação, nada mais. Sua gênese teatral não é disfarçada e nem amenizada até porque estamos tratando de Tennessee Williams, um dos grandes dramaturgos da cultura americana. Achei Elizabeth Taylor extremamente bonita e talentosa no filme. Ela já estava entrando nos seus 30 anos mas ainda continuava belíssima. Mostra talento em cada cena mas não fica à altura de Hepburn (essa realmente foi uma das maiores atrizes da história). Já Montgomery Clift deixa transparecer as cicatrizes e deformações de seu rosto, após o grave acidente que sofreu ao sair de uma festa na casa da amiga Liz Taylor. Ele está contido no papel mas consegue dar conta muito bem do recado mesmo com as várias dores que sofria (atuou praticamente sedado durante todo o filme). O texto é rico e claramente trata da questão homossexual do personagem Sebastian. E foi justamente por essa razão que foi censurado nas telas. A censura partiu do próprio estúdio. A razão foi tentar conseguir uma classificação etária melhor, além de evitar maiores polêmicas com os chamados setores da "boa decência" da sociedade americana, bem atuantes na época de lançamento do filme. A questão da homossexualidade do personagem Sebastian inclusive ficou tão truncada no roteiro final (do aclamado Gore Vidal) que muitos nem se darão conta disso. Por isso recomenda-se conhecer melhor a peça no qual o filme foi adaptado para entender melhor a motivação dos personagens. Os textos de Tennessee Williams eram considerados fortes demais para os padrões morais da época e geralmente chegavam no cinema atenuados ou suavizados. De qualquer forma o resultado não pode ser classificado como menos do que grandioso. Todos brilham em cena – na realidade se trata de uma rara oportunidade de ver tantos talentos juntos em um só filme, o que torna a produção simplesmente imperdível para qualquer cinéfilo que se preze.
Disque Butterfield 8
Esse filme é uma grata surpresa por vários motivos. Primeiro por seu tema. O roteiro enfoca a vida de uma call girl (expressão antiga para designar aquilo que você está pensando mesmo), Pensar que um filme assim foi realizado no começo dos anos 60 já é um feito e tanto. É preciso entender que a primeira metade dos anos 60 foi a época em que comédias românticas bobinhas com Doris Day estavam na moda e nada é mais longe daquela ingenuidade do que esse Butterfield com Elizabeth Taylor. Seu personagem mora com a mãe, que finge não saber o que ela faz. Ao se envolver com um homem casado Gloria (Liz Taylor) tenta reabilitar sua vida que está fora dos eixos desde a morte precoce do pai. O filme não tem a profundidade daqueles que foram baseados em Tennessee Williams e nem é tão bem escrito como "Gata em Teto de Zinco Quente" mas compensa isso com diálogos inteligentes recheados de duplo sentido. Aliás o cinismo do filme é um dos atrativos do roteiro. Gloria sabe o que é e brinca com o fato. A cena inicial do filme, um longo plano sequência com ela se levantando após uma noite de aventuras com um homem casado é um primor de naturalismo no cinema. Eu acredito que Liz realizou esse filme em resposta ao escândalo de seu envolvimento com o marido de Debbie Reynolds, o Eddie Fisher (que está no filme). Como ela foi xingada bastante de vagabunda por isso então resolveu interpretar uma no cinema! O resultado é ótimo e ela levou seu primeiro Oscar (que dizem ter sido de consolação). Mas isso é o de menos. Assista Butterfield 8 e entenda porque ela foi uma das grandes divas da história do cinema americano.
Gata Em Teto de Zinco Quente
Produção: Elegante, acima de tudo. O enredo se passa todo dentro de um grande casarão que é sede de uma fazendo de algodão no sul dos EUA. Embora isso possa parecer tedioso, não é. Hoje a MGM está à beira da falência mas naquela época não economizava no bom gosto, como bem podemos comprovar aqui. A fazenda tipicamente sulista, o bonito figurino (especialmente de Liz Taylor) e a fotografia inspirada confirmam a elegância da película. / Direção: Eu considero o cineasta Richard Brooks, que dirigiu esse filme, muito mais um roteirista do que um diretor propriamente dito. Sua carreira como diretor é um pouco irregular, onde se mesclam filmes bons e ruins na mesma proporção. Mas aqui seu talento de bom escritor foi conveniente pois ele não promove alterações substanciais no texto de Tennessee Williams e consegue transmitir sem problemas tudo que o dramaturgo queria passar ao público. No fundo o Brooks não complicou e isso já é um mérito e tanto. / Elenco: Ótimo. Elizabeth Taylor, linda e talentosa, mostra serviço e esbanja naturalidade e carisma. Paul Newman, que passa o tempo todo de muletas e engessado, mostra muito talento no papel de Brick Pollitt, talvez o único personagem que valha realmente alguma coisa dentro daquela casa. O curioso é que mesmo atores com escolas diferentes (Newman do teatro e Liz basicamente uma atriz de cinema) conseguem se entender extremamente bem em cena. Sua química salta aos olhos, mesmo Paul Newman interpretando um marido que diante de tantos problemas negligencia sua bela e jovem esposa. Do elenco de apoio tenho que destacar primeiramente Burl Ives (Big Daddy, ótimo em sua caracterização de um homem que não conseguiu passar afeto aos seus familiares) e Madeleine Sherwood (que faz a insuportável Mae Pollitt). Dentre as cenas a que destaco como a melhor na minha opinião é aquela que se passa entre Newman e Ives no porão quando em tom de nostalgia Big Daddy se recorda de seu falecido pai, um mero vagabundo. Ótimo momento no quesito atuação. / Roteiro e argumento: O filme foi roteirizado pelo diretor Richard Brooks. Como eu disse antes, ele era mais roteirista do que diretor. Pois bem, embora Tennessee Williams tenha reclamado de algumas mudanças em seu texto original, temos que convir que o roteiro em si é muito bem escrito e trabalhado, deixando o filme com ótimo ritmo, fugindo da armadilha de o deixar teatral demais.. Penso que os textos de autoria do grande Tennessee Williams eram perigosos ao serem adaptados ao cinema, pois poderiam deixar qualquer filme pesado ou com aspecto de teatro filmado, o que não seria adequado pois artes diferenciadas exigem também adaptações diferentes. Nem sempre o que é adequado ao teatro consegue ser satisfatório na tela. Em "Gata em Teto de Zinco Quente" isso definitivamente não acontece e o espectador ao final da exibição terá a certeza de que assistiu a um grande filme, cinema puro.
O Pecado de Todos Nós
"O Pecado de Todos Nós" definitivamente não é uma obra para todos os públicos que vá agradar a todos os setores, pelo contrário, o diretor John Huston não fez nenhuma concessão e entregou uma obra crua, visceral, sem nenhum tipo de amenização. Marlon Brando, como sempre, se destaca. Acho esse um de seus personagens mais corajosos. O ator joga a imagem de galã fora e encara um papel extremamente complexo e polêmico. Aqui ele interpreta um Major do exército americano com o casamento em crise, em frangalhos. Sua esposa, interpretada por Elizabeth Taylor em mais uma de seus excelentes caracterizações, é uma fútil dona de casa que passa os dias em longas cavalgadas ao lado de seu amante (um oficial que mora vizinho ao casal na vila militar onde residem). Isso já bastaria para caracterizar esse casamento como disfuncional mas isso não é tudo. O problema básico do Major feito por Brando é que ele não tem mais nenhum desejo sexual pela esposa pois na realidade é um homossexual enrustido que não consegue exteriorizar e vivenciar sua verdadeira orientação sexual. Após ver um soldado cavalgando nu pelo bosque o Major acaba ficando obcecado por ele. Tudo caminha então para um clímax ao melhor estilo do diretor Huston, com muitas nuances psicológicas e tensão entre os principais personagens. A hipocrisia do núcleo familiar considerado ideal pela moralista sociedade norte-americana também é exposta sem receios. O argumento soa na realidade como uma provocação por parte de John Huston para com toda a sociedade norte-americana. A família tradicional e o sistema militar são obviamente seus principais alvos. Na porta de entrada dos EUA na guerra do Vietnã ele ousou colocar um tema tabu em cena: o homossexualismo dentro das casernas militares. Mais explosivo do que isso impossível. Além disso expõe os problemas que existiam por baixo da imagem impecável das famílias conservadoras daquele país. O marido que posa de cidadão exemplar na verdade despreza sua esposa e esconde seus desejos sexuais mais inconfessáveis. A esposa é infiel, sem conteúdo, rasa, materialista e tola. Um retrato demolidor de um modelo que nos anos 1960 vinha abaixo. "Reflections in a Golden Eye" foi baseado na obra do escritor Carson McCullers, um autor que não tinha receio de tocar nas feridas mais profundas da América. Aqui ao lado de Huston, Liz Taylor e Marlon Brando ele finalmente encontrou a transposição perfeita para as telas. Em suma, "O Pecado de Todos Nós" é uma produção nada confortável e nem amenizadora. No fundo é um retrato controvertido que coloca na berlinda alguns dos pilares mais prezados pelos americanos. Não deixe de conhecer.
Um Lugar Ao Sol
George Eastman (Montgomery Clift) é o jovem sobrinho de um rico industrial do mercado de roupas femininas. Seu tio logo o emprega em uma das fábricas como empacotador. Lá conhece a operária Alice (Shelley Winters) e logo se enamora dela. Ao mesmo tempo em que corteja Alice acaba se envolvendo também com Angela Vickers (Elizabeth Taylor) uma rica garota da alta sociedade. O triângulo amoroso trará consequências trágicas para todos os envolvidos. "Um Lugar Ao Sol" é um dos grandes clássicos da carreira de Montgomery Clift e Elizabeth Taylor. O filme mescla muito bem romance, suspense e drama. Vivendo em dois mundos completamente distintos o personagem de Montgomery Clift, um pobre rapaz que anseia subir na vida algum dia, acaba perdendo o controle dos acontecimentos em sua vida emocional, o que o levará a pagar um alto preço por se envolver com duas garotas ao mesmo tempo. George Stevens foi um dos grandes diretores do cinema americano. Austero e detalhista ele filmava muitas tomadas diferentes, de ângulos diversos para só depois montar o filme ao seu bel prazer. Assistindo "Um Lugar ao Sol" é fácil perceber que ele estava literalmente obcecado pelo belo rosto juvenil de Elizabeth Taylor. O cineasta usa e abusa de vários closes do rosto de sua atriz, o que não é nada mal uma vez que Liz estava no auge de sua beleza. Com traços delicados e lindos olhos azuis (que infelizmente não foram captados pois o filme foi rodado em preto e branco) a estrela poucas vezes esteve tão bonita como aqui. O roteiro foi baseado no livro "An American Tragedy" de Patrick Kearney. Embora ficcional a estória foi inspirada em fatos reais acontecidos em Chicago na década de 20. A situação toda é bastante sórdida e demonstra que não existem muitos limites para a maldade da alma humana, embora no filme o personagem Geroge Eastman seja de certa forma amenizado. É fácil compreender a razão. Não haveria como rodar toda uma produção como essa em cima de um mero assassino. Assim tudo foi cuidadosamente suavizado para não chocar muito o público americano dos anos 50. O resultado de tanto capricho veio depois nas bilheterias e nas ótimas críticas que o filme conseguiu. Shelley Winters e Montgomery Clift foram indicados ao Oscar. Embora não tenham sido premiados o filme em si conseguiu vencer em seis categorias (inclusive direção e roteiro), se consagrando naquele ano. Até o gênio Charles Chaplin se rendeu ao filme declarando que havia sido o "melhor filme que já tinha assistido em sua vida". Além disso os bastidores da produção deram origem a muitas histórias saborosas envolvendo Clift e Taylor, que se tornariam amigos até o fim de suas vidas. Depois disso não há muito mais o que escrever. Para os cinéfilos "Um Lugar ao Sol" é mais do que obrigatório. Um filme essencial.
Pablo Aluísio.
terça-feira, 8 de maio de 2007
Filmografia Comentada: Marlon Brando
Marlon Brando. Louco, gênio ou farsante? Brando já foi chamado de muitas coisas durante sua carreira. A maioria do que foi dito sobre ele soa irrelevante hoje em dia. No fundo o que fica é a sua obra que intercala momentos de pura genialidade com a mais profunda negligência. Não importa. Brando não deve ser entendido mesmo. Segue abaixo alguns momentos desse ícone do cinema do século XX.
Júlio César
Em sua autobiografia Marlon Brando tirou duas conclusões sobre o filme “Júlio César”. A primeira foi que ele era ainda muito jovem e inexperiente para assumir um papel tão complexo em um texto tão rico (e muito fiel ao original escrito por William Shakespeare). O ator ficou inseguro durante as filmagens, também pudera, rodeado de monstros da arte de interpretação, Brando teve que se esforçar muito mais do que o habitual para não só decorar o rebuscado texto como também compreender o que ele significava. A segunda conclusão que Brando chegou é a de que filmes assim não encontram muita recepção e ressonância entre a cultura americana que em essência é a cultura do chiclete e da Coca-Cola, uma cultura que nem chega perto da milenar cultura europeia do qual provém essa maravilhosa peça. Durante a exibição do filme fiquei pensando na opinião do ator e cheguei na conclusão pessoal de que ele estava certo apenas em termos. Realmente o ator está muito jovem, até inexperiente, para recitar Shakespeare. Atores ingleses obviamente se saem melhor nesse aspecto. Porém é impossível não reconhecer seu talento em duas grandes cenas do filme. A primeira ocorre quando Marco Antônio (Brando) encontra o corpo esfaqueado de César no senado. Se nos primeiros minutos de filme ele está em segundo plano aqui nesse momento assume posição de destaque no desenrolar dos acontecimentos. A segunda grande cena do ator no filme surge depois quando ele discursa para a multidão. Levando o corpo de César nos braços ele joga com as palavras de forma maravilhosa. Essa segunda cena é seguramente um dos maiores momentos de Brando no cinema. Esqueça seus famosos resmungos, aqui ele surge com uma dicção perfeita e uma oratória ímpar (mostrando que sua passagem pelo Actors Studio não foi em vão). Com pleno domínio ele instiga o povo contra os senadores que mataram César. Brando está perfeito no discurso, em um momento realmente de arrepiar. Sobre o segundo aspecto realmente devo dar razão à opinião do ator. O público americano provavelmente estranhou a forma do filme. A cultura americana (e a nossa, diga-se de passagem) não abre muitas brechas para um texto tão bem escrito e profundo como esse. Os diálogos são declamados com grande eloquência, por maravilhosos atores. O texto obviamente é riquíssimo em todos os sentidos e ao final de cada grande diálogo o espectador mais atento certamente ficará impressionado pela grandeza que a palavra escrita alcançava nas mãos de Shakespeare. Por se tratar de tão culto autor o filme exige uma certa erudição do público. O espectador deve entender principalmente o contexto histórico do que se passa na tela (o fim da República Romana e o surgimento do Império). Deve também entender que Brutus (brilhantemente interpretado por James Mason) não é um vilão em cena mas sim um cidadão romano que acreditava no sistema político de então. Aliás é bom frisar que o tempo acabaria de certa forma dando razão a ele e aos senadores que mataram César. Os ideais republicanos de Roma tiveram muito mais influência nos séculos seguintes do que o arcaico e corrupto sistema que foi implantado pelos imperadores que iriam suceder César no poder. O legado do Império acabou mas as fundações do republicanismo que tanto foram defendidas por Brutus seguem firme até os dias de hoje. Enfim, Júlio César é um excelente filme, uma aula de cultura em todos os aspectos. Brando não está menos do que magnífico, apesar de ter ficado inseguro no resultado final. Em tempos de sub-cultura que vivemos “Júlio César” é não menos do que obrigatório
Sayonara
Major da Força Aérea Americana (Marlon Brando) se apaixona por jovem japonesa e tem que enfrentar a dura disciplina militar que explicitamente proíbe tal relacionamento durante a estadia de militares americanos no Japão. Basta ler a sinopse para entender porque o ator Marlon Brando se interessou pelo papel. Sempre envolvido em causas sociais (principalmente as que envolviam preconceito racial) Brando achou que seria bastante interessante tocar em um tema polêmico ao indagar até que ponto o código de ética militar das forças armadas americanas era moralmente aceitável. Que direito tinha de determinar quem poderia ou não se envolver com os soldados e oficiais americanos? Não seria uma invasão da vida pessoal dessas pessoas? O fato é que mesmo com a proibição muitos militares acabavam se apaixonando pelas mulheres nativas e sofriam sanções por isso. Brando adorou o roteiro desde a primeira vez que o leu mas recusou fazer o filme até que aceitassem reescrever o trágico final original. Aceitos os seus termos o ator fez as malas e junto da equipe viajou ao distante Japão para as filmagens, que não foram fáceis. O problema é que foram na época errada do ano, uma estação muito chuvosa que atrasou absurdamente o cronograma do filme. Em suas memórias Brando relembrou que havia semanas em que não conseguiam filmar nem ao menos uma tomada sequer. Pressionado e criticado pelo estúdio o diretor Joshua Logan entrou em depressão deixando o filme totalmente à deriva nas ilhas nipônicas. Isso se refletiu no resultado final. O filme tem um corte ruim, com mais de duas horas e meia de duração. Marlon acabou atribuindo isso à falta de controle do diretor Logan que se perdeu dentro do projeto. Apesar de todos os problemas não considero "Sayonara" um filme ruim, pelo contrário. Ele pode ser levemente disperso e com várias cenas desnecessárias mas nunca se torna banal. Há certos deslizes na produção, é verdade, como a maquiagem nada convincente de Ricardo Montalban (fazendo um personagem japonês ora vejam só!) mas isso é de certo modo apenas pontual. A atriz que faz o par romântico de Brando também nada acrescenta, pois tem o talento dramático muito limitado (de fato não seguiu carreira depois). Outro problema é que inexiste química entre ela e Brando, o que para um filme pretensamente romântico é quase um desastre completo. Enfim, para fãs de Brando o filme é obrigatório, até mesmo para vê-lo em um papel de certa forma diferenciado em sua carreira (bancando o herói romântico) mas fica a observação pois o filme poderia ser bem melhor do que realmente é.
Casa de Chá do Luar de Agosto
Esse filme é bem interessante. Primeiro é uma comédia leve e divertida estrelada por dois atores, Marlon Brando e Glenn Ford, que nunca foram tecnicamente comediantes. Segundo por trazer uma das caracterizações mais esquisitas da história do cinema: Brando interpretando um japonês chamado Sakini. Confesso que foi até complicado se acostumar com a pesada maquiagem do ator no filme, além de sua atuação, um tanto quanto estereotipada. De qualquer forma conforme o filme avança essa estranheza vai cedendo lugar à pura diversão, pois se o filme não chega a ser hilariante pelo menos tem cenas realmente divertidas e bem escritas. Glenn Ford está muito à vontade no papel, fazendo sem problemas várias cenas que beiram o cinema pastelão. Ele e Marlon inclusive tiveram alguns atritos de ego nas filmagens mas isso não passou ao filme pois tudo soa despretensiosamente leve e bom astral. De uma maneira em geral o filme foi bem melhor do que eu esperava. Brando fala tão mal do filme em sua autobiografia que pensei que seria uma bomba completa. Não é. O diretor Daniel Mann procura ser bem sutil, até porque a cultura japonesa que mostra no filme já é conhecida por sua sutileza. O roteiro obviamente explora o choque cultural existente entre os moradores de uma pequena vila japonesa em Okinawa e os militares que a ocupam logo após a II Guerra. Os americanos tentam impor sua visão de progresso, com o plano de construir uma escola que ensine democracia no local enquanto os japoneses sonham com a construção de uma casa de chá onde possam se confraternizar e ver o pôr do sol. Desse confronto todo o argumento é construído, com momentos ora divertidos, ora banais, mas nunca chatos. Enfim, o filme nada mais é do que um bom passatempo, leve e ligeiro, e se for encarado dessa forma pode ser uma grata surpresa ao espectador.
O Selvagem
Se James Dean representava o jovem encucado e confuso em seus filmes, Marlon Brando em "O Selvagem" representou o outro lado da moeda, a do jovem que não se intimidava e junto aos amigos formava uma gangue de motocicletas para aterrorizar as pequenas cidades do meio oeste americano. O personagem dele nesse filme acabou gerando uma repercussão tão grande entre os jovens que espantou não só Brando como os próprios produtores do filme. Embora esse tipo de grupo fosse bastante comum em poucos lugares da Califórnia, após o filme ser exibido as gangues proliferaram por todo o país em um ritmo assombroso. A influência chegou até no Brasil quando também foram formados grupos como o do filme. De repente andar de moto em couro preto virou moda da noite para o dia. Algumas alterações de última hora acabaram irritando o ator, inclusive a inserção de um tedioso aviso advertindo aos jovens dos perigos de se envolver com tais grupos. Na realidade os produtores sofreram pressão por grupos conservadores e no meio do clima paranóico que existia na década de 1950 resolveram colocar a advertência fora de propósito. Marlon achou aquilo de uma caretice sem tamanho. Ele adorava motos e desde seus primeiros dias em Nova Iorque adotou o veículo como o seu preferido, conhecia vários motoqueiros e achava o cúmulo da moralidade e estupidez associar motos imediatamente à deliquência juvenil. Isso não adiantou muito. Assim que o filme foi lançado Brando logo foi acusado de incentivador da delinquência juvenil, de servir de mal exemplo para os jovens americanos. Em sua autobiografia o ator dedicou alguns capítulos ao filme. Na realidade ele nem mesmo achou o filme grande coisa, o considerou curto demais, violento e sem muito propósito, mas se confessava totalmente surpreso com toda a repercussão que "O Selvagem" alcançou dentro da cultura pop nos anos seguintes. O fato é que sua imagem de "motoqueiro de jaqueta negra" invadiu o inconsciente coletivo e ainda hoje é marca registrada de qualquer jovem "rebelde" que se preze. Até mesmo o jovem aspirante a ator, James Dean, apareceu na frente de Brando completamente vestido de seu personagem nesse filme. Marlon obviamente ficou espantado pois compreendeu que Dean realmente associava o personagem do motoqueiro com o próprio estilo de vida dele, o que era uma grande bobagem pois Marlon nunca fez parte de gangue nenhuma durante toda a sua vida. Dean queria encontrar uma forma de identificação com seu maior ídolo e por isso se vestiu de Johnny, o motoqueiro, ao se encontrar com Marlon. Brando não gostou muito e o dispensou discretamente. Ao longo dos anos Brando se veria perseguido por essa imagem, jamais conseguindo se livrar dela. Ele deveria ter entendido que algumas imagens ganham vida própria e sobrevivem a tudo, até mesmo ao tempo. Brando em sua moto aterrorizando uma cidadezinha qualquer perdida dos EUA é uma dessas imagens que ficaram cravadas para sempre na mente dos cinéfilos. "O Selvagem" é realmente um filme apenas mediano mas como produto pop jamais poderá ser subestimado. É um marco absoluto dos chamados "anos dourados". Simplesmente definitivo.
Viva Zapata!
Hoje eu decidi rever "Viva Zapata". Na realidade me lembrava de pouca coisa por isso foi muito instrutivo conferir de novo. O filme é muito bom e resistiu bem ao tempo, isso apesar de cometer alguns clichês em seu roteiro (fato que se pode perdoar porque afinal estamos falando de um filme que foi feito há quase 60 anos). O Zapata de Marlon Brando é bem romantizado por isso, embora a caracterização do ator seja muito boa, mostrando um personagem bem verossímil e que ficou bem próximo da realidade: um homem de pouca cultura (era analfabeto), brutalizado e de poucas palavras mas muita ação. A atriz Jean Paters era fraca (só entrou no filme por influência de Howard Hughes que literalmente a escalou no filme). Nas cenas mais dramáticas ao lado de Brando a situação fica um tanto constrangedora para o lado dela (que afinal só era uma starlet, bonita e nada mais). O filme quase não saiu do papel. Zanuck não queria Brando para o papel e entrou com confronto direto com Kazan que não abria mão do ator. Além disso o filme não pôde ser rodado no México por expressa proibição do governo daquele país que achou o roteiro "inaceitável".Além da direção de nível por parte de Kazan o filme acabou ganhando muito também com a presença de Anthony Quinn no papel do irmão de Zapata. Enfim é um dos mais interessantes filmes da carreira de Brando e Kazan, o que não é pouca coisa.
Desirée, o Amor de Napoleão
Brando fez esse filme com literalmente uma espada sobre sua cabeça. Acontece que ele abandonou o set de "O Egípcio" depois de discutir com o produtor e sair falando aos quatro ventos que o filme "era uma tremenda porcaria com péssimo roteiro, um dos piores que já tinha visto na vida". O estúdio então o processou em algumas centenas milhares de dólares. Na audiência inaugural perante o juiz Marlon acabou entrando no seguinte acordo: ele filmaria Desirée do mesmo estúdio e se livraria do processo em que estava envolvido. Apesar de ter feito o filme por acordo judicial Brando resolveu causar o maior número de problemas possíveis no set de Desirée. Errava as cenas de propósito e fazia sotaques inadequados ao imperador francês, como um inglês arcaico ou um caipira do sul dos EUA; Claro que tudo resultou em muita dor de cabeça para a produção, sempre refilmando as cenas em que Brando propositalmente destruía. O auge de sua rebeldia foi ter levado uma mangueira de bombeiro para o luxuoso set e inundar todo o cenário, estragando inclusive as luxuosas roupas da produção. Ele estava se vingando do processo que sofreu. Apesar das confusões o filme foi terminado e se tornou um grande sucesso da carreira de Brando que depois disse em tom irônico: "O público americano não é dos mais inteligentes que existem do mundo".
Os Que Chegam Com a Noite
Terminei de conferir esse "The Nightcomers", um filme com Marlon Brando que ainda não tinha assistido. Certamente eu já tinha propensão a gostar desse estilo de filme por dois motivos: gosto de tramas passadas na Inglaterra rural (sou fã de cineastas como James Ivory) e tenho a tendência de sempre gostar das atuações de Marlon Brando, mesmo quando ele não está particularmente inspirado. Aqui o ator se apresenta de forma natural, sem exageros à la Actors Studio. O personagem simplista, um trabalhador comum chamado Peter Quint, caiu como uma luva para a personalidade do ator. Cabelos grandes e despenteados Brando dá um tom selvagem e indomado ao criado da bela mansão do filme e mais uma vez rouba as atenções para si. Também gostei do clima bucólico que reina em praticamente todo o filme. Seu tom mais ameno combinou muito bem com o seu final marcante que deve ter surpreendido muita gente. A produção é muito boa, tem estilo e mostra que foi caprichada. Algumas nuances narrativas estão datadas mas não tiram o brilho do filme que é bem interessante. No saldo final gostei do filme. Talvez quem tenha assistido "Os Inocentes" não vá gostar muito, mas como não assisti tudo soou mesmo como uma grata surpresa. Recomendo.
Sangue em Sonora
Filmado em locações no Estado americano de Utah em 1966 o filme Sangue em Sonora trazia um Marlon Brando estrelando um western de estrutura tradicional, o que de certa forma era um surpresa já que o ator era conhecido não só por seu talento mas também por sempre procurar trabalhar em projetos mais ousados e polêmicos. O que teria acontecido então para Brando embarcar em um projeto tão, digamos assim, comum? Conforme explicou em sua própria autobiografia "Canções que minha mãe me ensinou" o que o levou a filmes como esse foi a simples necessidade de ganhar muito dinheiro para bancar os problemas financeiros que enfrentou. Nos anos 60 Brando teve que enfrentar uma incrível série de contratempos. Suas ex-esposas o processaram, a guarda de seus filhos exigia que o ator desembolsasse somas cada vez maiores para pagar os advogados e sua querida ilha Tetiroa só lhe trazia prejuízos. Mal conseguia construir seu hotel um furacão vinha e destruía com tudo (o ator pretendia transformar o local em ponto turístico ambiental mas jamais concretizou seus planos por causa da irascível natureza da região). Assim, atolado em dívidas, Marlon Brando se dispôs a se deslocar para uma locação de difícil acesso para as tomadas de cena. Em seu livro Brando recorda que ficou surpreso ao chegar lá e saber que tinha sido o mesmo local onde Wayne havia filmado um conhecido western na era de ouro do cinema. O problema era que o local ficava muito próximo de uma base americana de testes nucleares. Para Brando muito provavelmente foi nesse local que John Wayne teria sido contaminado por depósitos de lixo nuclear (urânio), o que teria sido decisivo para o desenvolvimento do câncer que vitimaria Wayne anos depois. Brando afirmaria depois: "Não deixava de ser uma ironia o fato do grande defensor da indústria armamentista nuclear norte-americana ter sido morto justamente por ter sido contaminado por seu lixo deixado no local". Não era novidade para ninguém que ambos os atores se detestavam na vida pessoal, pois Brando era um típico liberal enquanto John Wayne era um defensor reacionário dos ideais do partido Republicano. Deixando de lado todos esses problemas de egos tão comuns nos grandes atores de cinema, vamos ao filme em si. Como afirmei antes o filme tem uma estrutura comum e simples. O diretor Sidney J Furie não quis arriscar muito, até porque na época não passava de um novato com poucos filmes significantes no currículo. Trabalhar com Brando também não era nada fácil, pois o ator tinha um histórico de problemas com diretores nos sets de filmagens. A sorte de Furie foi que na ocasião Brando estava envolvido em tantos problemas que simplesmente não quis infernizar ainda mais sua vida com confusões de bastidores. Assim as filmagens transcorreram sem grandes incidentes, tudo resultando em um filme que é um bom western, embora muito longe do que se esperaria de um gênio da atuação como Brando. Na realidade só existem dois bons momentos para Brando em toda a (curta) duração do filme. A cena inicial do filme, por exemplo, com Brando na Igreja, gera bons momentos ao roteiro, porém a melhor parte acontece depois quando Brando enfrenta o vilão Chuy Medina (interpretado por um irreconhecível John Saxon) na taberna. A queda de braço com escorpiões realmente foi uma excelente ideia, que casou muito bem com a proposta do filme que no fundo não passa de um Western de rotina com altas doses de Tequila. Sangue em Sonora não é nem de longe o mais brilhante momento do mito Brando nas telas da década de 60 mas mantém o interesse e diverte, o que no final é o que realmente importa.
Os Deuses Vencidos
Eu considero esse filme simplesmente obrigatório para todos os cinéfilos. O elenco é estrelar e o roteiro muito bem desenvolvido, e resultando numa produção memorável. “Os Deuses Vencidos” foi baseado no famoso livro de autoria de Irwin Shaw. A proposta é mostrar aspectos da II Guerra Mundial sob o ponto de vista de alguns combatentes, tanto do lado dos aliados como também dos soldados do Eixo. Tudo mostrado sem cair nos clichês típicos dos filmes de guerra, que sempre procuraram mostrar os soldados americanos como heróis virtuosos e os alemães como monstros assassinos e sanguinários. A intenção é realmente construir um mosaico mais próximo da realidade, mostrando que em ambos os lados lutaram pessoas comuns, com sonhos e objetivos que foram interrompidos de forma brutal pela guerra. Olhando sob esse ponto de vista realmente não existia grande diferença entre um militar americano ou alemão. Todos queriam voltar para casa o mais rapidamente possível, sobreviver aos combates e retornar para a vida que tinham antes da guerra começar. O filme tem longa duração, com quase três horas de duração, e é fácil entender o porquê. São duas estórias paralelas que se desenvolvem ao mesmo tempo. Na primeira somos apresentados ao tenente alemão Christian Diestl (Marlon Brando) na França ocupada. Essa parte é bem interessante pois o ator na época fez questão de mostrar o oficial nazista como um ser humano comum e não como o vilão caricato dos filmes de guerra que conhecemos. Nem é preciso dizer que Marlon se saiu muito bem em mais uma atuação marcante de sua filmografia. Na outra estória, passada no lado dos militares aliados, acompanhamos dois soldados americanos (Dean Martin e Montgomery Clift) que são convocados e mandados para a Normandia. Essa parte do roteiro foca bastante na vida dos que participaram da maior batalha da guerra, no evento que ficaria conhecido pela história como “Dia D”. Dean Martin repete seu papel contumaz de "Mr Cool". Aqui ele interpreta um cantor da Broadway que faz de tudo para escapar da guerra e do front mas que não consegue escapar de ir para o campo de batalha. Já Montgomery Clift apresenta uma grande interpretação como um soldado judeu que sofre nas mãos de seus colegas de farda durante seu treinamento. Seu papel me lembrou muito o que ele representou em "A Um Passo da Eternidade". Seu aspecto não é nada bom em cena. Os sinais físicos do alcoolismo já são nítidos e Clift aparece muito magro e abatido, com aspecto doentio. Mesmo assim está fabuloso em suas cenas. Ponto para Marlon Brando que fez de tudo para que o colega fosse escalado para o filme pois sabia que isso iria lhe ajudar a superar a crise pessoal pelo qual vinha passando. A direção foi entregue ao veterano das telas Edward Dmytryk; Com experiência em filmes de guerra como “A Nave da Revolta” o diretor sabia que estava trabalhando com dois atores muito sensíveis e carismáticas proveniente do Actor´s Studio. Assim procurou abrir uma linha de diálogo com ambos. Ele já tinha trabalhado com Clift em seu filme anterior, “A Árvore da Vida” e por isso sentiu-se tranquilo em relação a ele. Já com Brando procurou manter uma relação no nível profissional. Sabia que Marlon Brando poderia ser tanto um ator maravilhoso no set como um terror para os cineastas que trabalhavam com ele. No final se deram bem e tudo correu sem maiores problemas. O resultado de tantos talentos juntos se vê na tela pois “Os Deuses Vencidos” é hoje em dia considerado um filme essencial dentro do gênero. Um verdadeiro clássico.
Vidas em Fuga
Valentine 'Snakeskin' Xavier (Marlon Brando) é um músico errante de New Orleans que chega numa pequena cidade do sul dos EUA em busca de trabalho. Ele havia sido expulso da última localidade por onde passou acusado de roubo, desordem e vadiagem. Ao procurar por emprego acaba parando numa pequena loja de roupas local. Lá conhece Lady (Anna Magnani) esposa do proprietário, um homem com problemas de saúde. Sozinha, carente e frustrada ela acaba se aproximando de "Snakeskin" cada vez mais. "Vidas em Fuga" foi baseado na peça "Orpheus Descending" que nada mais é do que uma releitura de Tennessee Williams para o famoso clássico Orfeu e Eurídice. Toda a estrutura da peça original está lá. A mulher reprimida e infeliz, o marido desprezível e o amante sedutor, mas perigoso. Williams transporta a trama para o sul racista americano, onde novamente a hipocrisia da sociedade é colocada em evidência. Embaixo de uma superfície de moralidade há uma sordidez latente, bem ao estilo do que realmente imperava nessas pequenas cidades. O elenco está brilhante. Brando curiosamente está contido. Seu Val "Snakeskin" Xavier é em essência um espectador privilegiado dos acontecimentos. Sua presença sensual e provocadora logo desperta o que há de pior entre os moradores da cidade. Irresistível para as mulheres e odiado pelos homens, sua persona parece ter sido levemente inspirada em michês que passaram pela vida de Tennessee Williams. É o típico caso do sujeito sem profissão definida, que viaja de cidade em cidade em busca de uma melhor sorte. Para tanto usa de sua beleza para alcançar dinheiro e posição, muitas vezes praticando pequenos delitos no caminho. Já Anna Magnani, com forte sotaque italiano, também esbanja boa atuação. Não deixa de ser curioso o fato dela ter perseguido Brando no set de filmagem em busca de um envolvimento amoroso. Como relatado em sua autobiografia, Marlon descreveu o assédio de Anna como uma busca pela juventude perdida. Com a idade chegando a atriz procurava se envolver cada vez mais com jovens, numa triste metáfora com sua própria personagem no filme. Após várias tentativas frustradas Brando a dispensou discretamente. Ele não tinha qualquer interesse nela, exceto em nível puramente profissional. Os problemas entre os atores nos bastidores porém não prejudicou o resultado final do filme. Brando e Magnani estão perfeitos em seus respectivos papéis. Outro destaque digno de nota é a boa atuação de Joanne Woodward. Na pele de uma personagem complicada que facilmente poderia desandar para a caricatura, Joanne se mostra adequada e talentosa na medida certa. Enfim, nada melhor do que conferir mais uma produção que une Tennessee Williams e Marlon Brando. Não chega a ser tão marcante como "Um Bonde Chamado Desejo" mas mantém o alto nível. O resultado final é excelente.
O Pecado de Todos Nós
"O Pecado de Todos Nós" definitivamente não é uma obra para todos os públicos que vá agradar a todos os setores, pelo contrário, o diretor John Huston não fez nenhuma concessão e entregou uma obra crua, visceral, sem nenhum tipo de amenização. Marlon Brando, como sempre, se destaca. Acho esse um de seus personagens mais corajosos. O ator joga a imagem de galã fora e encara um papel extremamente complexo e polêmico. Aqui ele interpreta um Major do exército americano com o casamento em crise, em frangalhos. Sua esposa, interpretada por Elizabeth Taylor em mais uma de seus excelentes caracterizações, é uma fútil dona de casa que passa os dias em longas cavalgadas ao lado de seu amante (um oficial que mora vizinho ao casal na vila militar onde residem). Isso já bastaria para caracterizar esse casamento como disfuncional mas isso não é tudo. O problema básico do Major feito por Brando é que ele não tem mais nenhum desejo sexual pela esposa pois na realidade é um homossexual enrustido que não consegue exteriorizar e vivenciar sua verdadeira orientação sexual. Após ver um soldado cavalgando nu pelo bosque o Major acaba ficando obcecado por ele. Tudo caminha então para um clímax ao melhor estilo do diretor Huston, com muitas nuances psicológicas e tensão entre os principais personagens. A hipocrisia do núcleo familiar considerado ideal pela moralista sociedade norte-americana também é exposta sem receios. O argumento soa na realidade como uma provocação por parte de John Huston para com toda a sociedade norte-americana. A família tradicional e o sistema militar são obviamente seus principais alvos. Na porta de entrada dos EUA na guerra do Vietnã ele ousou colocar um tema tabu em cena: o homossexualismo dentro das casernas militares. Mais explosivo do que isso impossível. Além disso expõe os problemas que existiam por baixo da imagem impecável das famílias conservadoras daquele país. O marido que posa de cidadão exemplar na verdade despreza sua esposa e esconde seus desejos sexuais mais inconfessáveis. A esposa é infiel, sem conteúdo, rasa, materialista e tola. Um retrato demolidor de um modelo que nos anos 1960 vinha abaixo. "Reflections in a Golden Eye" foi baseado na obra do escritor Carson McCullers, um autor que não tinha receio de tocar nas feridas mais profundas da América. Aqui ao lado de Huston, Liz Taylor e Marlon Brando ele finalmente encontrou a transposição perfeita para as telas. Em suma, "O Pecado de Todos Nós" é uma produção nada confortável e nem amenizadora. No fundo é um retrato controvertido que coloca na berlinda alguns dos pilares mais prezados pelos americanos. Não deixe de conhecer.
O Poderoso Chefão
Nesse ano "O Poderoso Chefão" completa 40 anos. Um dos grandes clássicos da história do cinema americano o filme segue inspirando cineastas e conquistando novas gerações. Baseado na obra imortal do escritor Mario Puzo o filme resistiu muito bem ao tempo mesmo revendo nos dias atuais sob uma ótica mais contemporânea. E pensar que o projeto quase foi arquivado pela Paramount por achá-lo fora de moda e sem chances de trazer grande retorno de bilheteria. Apenas a persistência pessoal do produtor Robert Evans salvou o filme, pois insistiu muito na ideia de trazer do papel para a tela a saga da família Corleone. Até a escalação do elenco gerou brigas internas dentro do estúdio. A simples menção do nome de Marlon Brando já causava arrepios na direção da Paramount. O ator era considerado naquele momento um astro decadente que havia arruinado sua carreira com brigas e confusões nos sets de filmagens pelos quais passou. Além de seu temperamento imprevisível Brando já não era mais visto como sinônimo de bilheteria há muito tempo pois suas últimas produções tinham se tornado grandes fracassos de público e crítica. A Paramount definitivamente não queria nem ouvir falar no nome do ator. Foi Evans que comprou a briga e apostou em Brando novamente. Ele inclusive teve que se passar por uma verdadeira humilhação para um nome de seu porte: fazer um teste de câmera para o papel, algo só destinado para novatos e inexperientes atores em começo de carreira. Como estava desesperado para voltar ao primeiro time Brando topou a situação, encheu as bochechas de algodão e mostrou sua visão pessoal de Vito Corleone para os chefões do estúdio. O resultado veio logo após quando todos ficaram maravilhados com o resultado. Certamente não havia mais dúvida e Brando foi contratado. Visto hoje em dia o filme se mostra muito atual e resistente ao tempo. Um de seus trunfos vem justamente da brilhante interpretação de Brando. Como conta em seu livro o ator não interpretou Corleone como um facínora e criminoso mas apenas como um pai de família que fez o que tinha que ser feito para proteger seus filhos. Brando inclusive chega a afirmar que Corleone seria mais ético e honesto do que muito executivo de multinacional que coloca os interesses de sua empresa acima do bem comum de todos. Sua postura de respeito com o personagem se mostrou muito acertada. No final todos ficaram gratificados. "O Poderoso Chefão" que foi realizado ao custo de meros seis milhões de dólares rendeu mais de trezentos milhões em bilheteria. Além disso foi premiado com os Oscars de Melhor Ator (Marlon Brando), Melhor Filme e Roteiro Adaptado e foi indicado aos de Ator Coadjuvante (James Caan, Robert Duvall e Al Pacino), Figurino, Direção, Edição, Trilha Sonora e Som. Um êxito sem precedentes. O Oscar de melhor ator para Marlon Brando aliás foi recusado por ele por causa do tratamento indigno que o cinema americano dava aos povos indígenas. O ator mandou uma atriz interpretar uma jovem índia na noite de entrega do prêmio, fato que causou muitas reações, inclusive de membros da Academia como John Wayne que quis entrar no palco para acabar com aquilo que em sua visão era uma "verdadeira palhaçada"! Quem pode entender os gênios como Brando afinal? Enfim escrever sobre "The Godfather" é secundário. O mais importante mesmo é assistir a essa grande obra prima de nosso tempo.
Superman
Na iminência da destruição de seu planeta Kripton, Jor-El (Marlon Brando) decide enviar seu filho recém nascido para um planeta distante chamado Terra nos confins do universo. Assim começa a aventura de Superman, um dos super-heróis mais populares e influentes da cultura pop. Para aquele que é considerado o primeiro grande personagem do universo de quadrinhos a Warner resolveu caprichar na realização desse filme. A publicidade de Superman garantia que o espectador iria acreditar que o homem poderia voar. Depois do lançamento ninguém mais tinha dúvidas sobre isso. Superman é até hoje uma das melhores adaptações já feitas de quadrinhos para o cinema. A produção classe A acerta em praticamente todos os aspectos: elenco, direção, efeitos especiais e roteiro. Poucas vezes na história do cinema se viu um filme em que tantos elementos se encaixavam tão perfeitamente. Os efeitos especiais certamente envelheceram pois foram feitos em uma época em que não havia ainda efeitos digitais. Mesmo assim visto atualmente temos que admitir que se tornaram bem charmosos, além de dar um status cult para a produção em si. As cenas em que Superman voa pela primeira vez, por exemplo, não perderam impacto mesmo nos dias de hoje. Além de visualmente deslumbrante Superman ainda contava com uma trilha sonora imortal que até hoje emociona. A música tema composta por John Williams ainda soa poderosa e evocativa, mesmo após tantos anos. O elenco de Superman é formidável a começar pela escolha de Christopher Reeve para interpretar o personagem título. Eu costumo dizer que não basta ter apenas a estampa, o porte físico de Superman para se sair bem nesse papel. Tem que ser bom ator e a razão é simples: para interpretar Clark Kent o ator tem que ser versátil. Por isso tantos fracassaram. Nessa questão Christopher Reeve foi brilhante pois atuou maravilhosamente bem tanto na pela do super-herói quanto na pele de seu alter ego, o jornalista tímido e atrapalhado Clark Kent. Outro destaque sempre lembrado desse filme é a presença do mito Marlon Brando. Fazendo o papel do pai de Superman ele rouba a parte inicial do filme. Curiosamente Brando quase não embarca nessa aventura pelo cachê absurdo que cobrou. Após analisar bem o estúdio entendeu que ter Marlon Brando no elenco não tinha preço pois ele certamente traria muito prestígio para o filme como um todo. Foi contratado e mais uma vez arrasou em cena. Como se não bastasse a presença desses dois maravilhosos profissionais o filme ainda contava com um elenco de apoio simplesmente incrível: Gene Hackman e o veterano Glenn Ford (na pele do pai terrestre de Kent). Em breve teremos mais uma adaptação do personagem para as telas, novamente pelos estúdios Warner e novamente contando com uma produção milionária. Será que vai conseguir superar esse filme definitivo sobre o homem de aço? Eu duvido muito. Algumas produções são simplesmente definitivas como essa. Nota 10 com louvor.
Pablo Aluísio.
Júlio César
Em sua autobiografia Marlon Brando tirou duas conclusões sobre o filme “Júlio César”. A primeira foi que ele era ainda muito jovem e inexperiente para assumir um papel tão complexo em um texto tão rico (e muito fiel ao original escrito por William Shakespeare). O ator ficou inseguro durante as filmagens, também pudera, rodeado de monstros da arte de interpretação, Brando teve que se esforçar muito mais do que o habitual para não só decorar o rebuscado texto como também compreender o que ele significava. A segunda conclusão que Brando chegou é a de que filmes assim não encontram muita recepção e ressonância entre a cultura americana que em essência é a cultura do chiclete e da Coca-Cola, uma cultura que nem chega perto da milenar cultura europeia do qual provém essa maravilhosa peça. Durante a exibição do filme fiquei pensando na opinião do ator e cheguei na conclusão pessoal de que ele estava certo apenas em termos. Realmente o ator está muito jovem, até inexperiente, para recitar Shakespeare. Atores ingleses obviamente se saem melhor nesse aspecto. Porém é impossível não reconhecer seu talento em duas grandes cenas do filme. A primeira ocorre quando Marco Antônio (Brando) encontra o corpo esfaqueado de César no senado. Se nos primeiros minutos de filme ele está em segundo plano aqui nesse momento assume posição de destaque no desenrolar dos acontecimentos. A segunda grande cena do ator no filme surge depois quando ele discursa para a multidão. Levando o corpo de César nos braços ele joga com as palavras de forma maravilhosa. Essa segunda cena é seguramente um dos maiores momentos de Brando no cinema. Esqueça seus famosos resmungos, aqui ele surge com uma dicção perfeita e uma oratória ímpar (mostrando que sua passagem pelo Actors Studio não foi em vão). Com pleno domínio ele instiga o povo contra os senadores que mataram César. Brando está perfeito no discurso, em um momento realmente de arrepiar. Sobre o segundo aspecto realmente devo dar razão à opinião do ator. O público americano provavelmente estranhou a forma do filme. A cultura americana (e a nossa, diga-se de passagem) não abre muitas brechas para um texto tão bem escrito e profundo como esse. Os diálogos são declamados com grande eloquência, por maravilhosos atores. O texto obviamente é riquíssimo em todos os sentidos e ao final de cada grande diálogo o espectador mais atento certamente ficará impressionado pela grandeza que a palavra escrita alcançava nas mãos de Shakespeare. Por se tratar de tão culto autor o filme exige uma certa erudição do público. O espectador deve entender principalmente o contexto histórico do que se passa na tela (o fim da República Romana e o surgimento do Império). Deve também entender que Brutus (brilhantemente interpretado por James Mason) não é um vilão em cena mas sim um cidadão romano que acreditava no sistema político de então. Aliás é bom frisar que o tempo acabaria de certa forma dando razão a ele e aos senadores que mataram César. Os ideais republicanos de Roma tiveram muito mais influência nos séculos seguintes do que o arcaico e corrupto sistema que foi implantado pelos imperadores que iriam suceder César no poder. O legado do Império acabou mas as fundações do republicanismo que tanto foram defendidas por Brutus seguem firme até os dias de hoje. Enfim, Júlio César é um excelente filme, uma aula de cultura em todos os aspectos. Brando não está menos do que magnífico, apesar de ter ficado inseguro no resultado final. Em tempos de sub-cultura que vivemos “Júlio César” é não menos do que obrigatório
Sayonara
Major da Força Aérea Americana (Marlon Brando) se apaixona por jovem japonesa e tem que enfrentar a dura disciplina militar que explicitamente proíbe tal relacionamento durante a estadia de militares americanos no Japão. Basta ler a sinopse para entender porque o ator Marlon Brando se interessou pelo papel. Sempre envolvido em causas sociais (principalmente as que envolviam preconceito racial) Brando achou que seria bastante interessante tocar em um tema polêmico ao indagar até que ponto o código de ética militar das forças armadas americanas era moralmente aceitável. Que direito tinha de determinar quem poderia ou não se envolver com os soldados e oficiais americanos? Não seria uma invasão da vida pessoal dessas pessoas? O fato é que mesmo com a proibição muitos militares acabavam se apaixonando pelas mulheres nativas e sofriam sanções por isso. Brando adorou o roteiro desde a primeira vez que o leu mas recusou fazer o filme até que aceitassem reescrever o trágico final original. Aceitos os seus termos o ator fez as malas e junto da equipe viajou ao distante Japão para as filmagens, que não foram fáceis. O problema é que foram na época errada do ano, uma estação muito chuvosa que atrasou absurdamente o cronograma do filme. Em suas memórias Brando relembrou que havia semanas em que não conseguiam filmar nem ao menos uma tomada sequer. Pressionado e criticado pelo estúdio o diretor Joshua Logan entrou em depressão deixando o filme totalmente à deriva nas ilhas nipônicas. Isso se refletiu no resultado final. O filme tem um corte ruim, com mais de duas horas e meia de duração. Marlon acabou atribuindo isso à falta de controle do diretor Logan que se perdeu dentro do projeto. Apesar de todos os problemas não considero "Sayonara" um filme ruim, pelo contrário. Ele pode ser levemente disperso e com várias cenas desnecessárias mas nunca se torna banal. Há certos deslizes na produção, é verdade, como a maquiagem nada convincente de Ricardo Montalban (fazendo um personagem japonês ora vejam só!) mas isso é de certo modo apenas pontual. A atriz que faz o par romântico de Brando também nada acrescenta, pois tem o talento dramático muito limitado (de fato não seguiu carreira depois). Outro problema é que inexiste química entre ela e Brando, o que para um filme pretensamente romântico é quase um desastre completo. Enfim, para fãs de Brando o filme é obrigatório, até mesmo para vê-lo em um papel de certa forma diferenciado em sua carreira (bancando o herói romântico) mas fica a observação pois o filme poderia ser bem melhor do que realmente é.
Casa de Chá do Luar de Agosto
Esse filme é bem interessante. Primeiro é uma comédia leve e divertida estrelada por dois atores, Marlon Brando e Glenn Ford, que nunca foram tecnicamente comediantes. Segundo por trazer uma das caracterizações mais esquisitas da história do cinema: Brando interpretando um japonês chamado Sakini. Confesso que foi até complicado se acostumar com a pesada maquiagem do ator no filme, além de sua atuação, um tanto quanto estereotipada. De qualquer forma conforme o filme avança essa estranheza vai cedendo lugar à pura diversão, pois se o filme não chega a ser hilariante pelo menos tem cenas realmente divertidas e bem escritas. Glenn Ford está muito à vontade no papel, fazendo sem problemas várias cenas que beiram o cinema pastelão. Ele e Marlon inclusive tiveram alguns atritos de ego nas filmagens mas isso não passou ao filme pois tudo soa despretensiosamente leve e bom astral. De uma maneira em geral o filme foi bem melhor do que eu esperava. Brando fala tão mal do filme em sua autobiografia que pensei que seria uma bomba completa. Não é. O diretor Daniel Mann procura ser bem sutil, até porque a cultura japonesa que mostra no filme já é conhecida por sua sutileza. O roteiro obviamente explora o choque cultural existente entre os moradores de uma pequena vila japonesa em Okinawa e os militares que a ocupam logo após a II Guerra. Os americanos tentam impor sua visão de progresso, com o plano de construir uma escola que ensine democracia no local enquanto os japoneses sonham com a construção de uma casa de chá onde possam se confraternizar e ver o pôr do sol. Desse confronto todo o argumento é construído, com momentos ora divertidos, ora banais, mas nunca chatos. Enfim, o filme nada mais é do que um bom passatempo, leve e ligeiro, e se for encarado dessa forma pode ser uma grata surpresa ao espectador.
O Selvagem
Se James Dean representava o jovem encucado e confuso em seus filmes, Marlon Brando em "O Selvagem" representou o outro lado da moeda, a do jovem que não se intimidava e junto aos amigos formava uma gangue de motocicletas para aterrorizar as pequenas cidades do meio oeste americano. O personagem dele nesse filme acabou gerando uma repercussão tão grande entre os jovens que espantou não só Brando como os próprios produtores do filme. Embora esse tipo de grupo fosse bastante comum em poucos lugares da Califórnia, após o filme ser exibido as gangues proliferaram por todo o país em um ritmo assombroso. A influência chegou até no Brasil quando também foram formados grupos como o do filme. De repente andar de moto em couro preto virou moda da noite para o dia. Algumas alterações de última hora acabaram irritando o ator, inclusive a inserção de um tedioso aviso advertindo aos jovens dos perigos de se envolver com tais grupos. Na realidade os produtores sofreram pressão por grupos conservadores e no meio do clima paranóico que existia na década de 1950 resolveram colocar a advertência fora de propósito. Marlon achou aquilo de uma caretice sem tamanho. Ele adorava motos e desde seus primeiros dias em Nova Iorque adotou o veículo como o seu preferido, conhecia vários motoqueiros e achava o cúmulo da moralidade e estupidez associar motos imediatamente à deliquência juvenil. Isso não adiantou muito. Assim que o filme foi lançado Brando logo foi acusado de incentivador da delinquência juvenil, de servir de mal exemplo para os jovens americanos. Em sua autobiografia o ator dedicou alguns capítulos ao filme. Na realidade ele nem mesmo achou o filme grande coisa, o considerou curto demais, violento e sem muito propósito, mas se confessava totalmente surpreso com toda a repercussão que "O Selvagem" alcançou dentro da cultura pop nos anos seguintes. O fato é que sua imagem de "motoqueiro de jaqueta negra" invadiu o inconsciente coletivo e ainda hoje é marca registrada de qualquer jovem "rebelde" que se preze. Até mesmo o jovem aspirante a ator, James Dean, apareceu na frente de Brando completamente vestido de seu personagem nesse filme. Marlon obviamente ficou espantado pois compreendeu que Dean realmente associava o personagem do motoqueiro com o próprio estilo de vida dele, o que era uma grande bobagem pois Marlon nunca fez parte de gangue nenhuma durante toda a sua vida. Dean queria encontrar uma forma de identificação com seu maior ídolo e por isso se vestiu de Johnny, o motoqueiro, ao se encontrar com Marlon. Brando não gostou muito e o dispensou discretamente. Ao longo dos anos Brando se veria perseguido por essa imagem, jamais conseguindo se livrar dela. Ele deveria ter entendido que algumas imagens ganham vida própria e sobrevivem a tudo, até mesmo ao tempo. Brando em sua moto aterrorizando uma cidadezinha qualquer perdida dos EUA é uma dessas imagens que ficaram cravadas para sempre na mente dos cinéfilos. "O Selvagem" é realmente um filme apenas mediano mas como produto pop jamais poderá ser subestimado. É um marco absoluto dos chamados "anos dourados". Simplesmente definitivo.
Viva Zapata!
Hoje eu decidi rever "Viva Zapata". Na realidade me lembrava de pouca coisa por isso foi muito instrutivo conferir de novo. O filme é muito bom e resistiu bem ao tempo, isso apesar de cometer alguns clichês em seu roteiro (fato que se pode perdoar porque afinal estamos falando de um filme que foi feito há quase 60 anos). O Zapata de Marlon Brando é bem romantizado por isso, embora a caracterização do ator seja muito boa, mostrando um personagem bem verossímil e que ficou bem próximo da realidade: um homem de pouca cultura (era analfabeto), brutalizado e de poucas palavras mas muita ação. A atriz Jean Paters era fraca (só entrou no filme por influência de Howard Hughes que literalmente a escalou no filme). Nas cenas mais dramáticas ao lado de Brando a situação fica um tanto constrangedora para o lado dela (que afinal só era uma starlet, bonita e nada mais). O filme quase não saiu do papel. Zanuck não queria Brando para o papel e entrou com confronto direto com Kazan que não abria mão do ator. Além disso o filme não pôde ser rodado no México por expressa proibição do governo daquele país que achou o roteiro "inaceitável".Além da direção de nível por parte de Kazan o filme acabou ganhando muito também com a presença de Anthony Quinn no papel do irmão de Zapata. Enfim é um dos mais interessantes filmes da carreira de Brando e Kazan, o que não é pouca coisa.
Desirée, o Amor de Napoleão
Brando fez esse filme com literalmente uma espada sobre sua cabeça. Acontece que ele abandonou o set de "O Egípcio" depois de discutir com o produtor e sair falando aos quatro ventos que o filme "era uma tremenda porcaria com péssimo roteiro, um dos piores que já tinha visto na vida". O estúdio então o processou em algumas centenas milhares de dólares. Na audiência inaugural perante o juiz Marlon acabou entrando no seguinte acordo: ele filmaria Desirée do mesmo estúdio e se livraria do processo em que estava envolvido. Apesar de ter feito o filme por acordo judicial Brando resolveu causar o maior número de problemas possíveis no set de Desirée. Errava as cenas de propósito e fazia sotaques inadequados ao imperador francês, como um inglês arcaico ou um caipira do sul dos EUA; Claro que tudo resultou em muita dor de cabeça para a produção, sempre refilmando as cenas em que Brando propositalmente destruía. O auge de sua rebeldia foi ter levado uma mangueira de bombeiro para o luxuoso set e inundar todo o cenário, estragando inclusive as luxuosas roupas da produção. Ele estava se vingando do processo que sofreu. Apesar das confusões o filme foi terminado e se tornou um grande sucesso da carreira de Brando que depois disse em tom irônico: "O público americano não é dos mais inteligentes que existem do mundo".
Os Que Chegam Com a Noite
Terminei de conferir esse "The Nightcomers", um filme com Marlon Brando que ainda não tinha assistido. Certamente eu já tinha propensão a gostar desse estilo de filme por dois motivos: gosto de tramas passadas na Inglaterra rural (sou fã de cineastas como James Ivory) e tenho a tendência de sempre gostar das atuações de Marlon Brando, mesmo quando ele não está particularmente inspirado. Aqui o ator se apresenta de forma natural, sem exageros à la Actors Studio. O personagem simplista, um trabalhador comum chamado Peter Quint, caiu como uma luva para a personalidade do ator. Cabelos grandes e despenteados Brando dá um tom selvagem e indomado ao criado da bela mansão do filme e mais uma vez rouba as atenções para si. Também gostei do clima bucólico que reina em praticamente todo o filme. Seu tom mais ameno combinou muito bem com o seu final marcante que deve ter surpreendido muita gente. A produção é muito boa, tem estilo e mostra que foi caprichada. Algumas nuances narrativas estão datadas mas não tiram o brilho do filme que é bem interessante. No saldo final gostei do filme. Talvez quem tenha assistido "Os Inocentes" não vá gostar muito, mas como não assisti tudo soou mesmo como uma grata surpresa. Recomendo.
Sangue em Sonora
Filmado em locações no Estado americano de Utah em 1966 o filme Sangue em Sonora trazia um Marlon Brando estrelando um western de estrutura tradicional, o que de certa forma era um surpresa já que o ator era conhecido não só por seu talento mas também por sempre procurar trabalhar em projetos mais ousados e polêmicos. O que teria acontecido então para Brando embarcar em um projeto tão, digamos assim, comum? Conforme explicou em sua própria autobiografia "Canções que minha mãe me ensinou" o que o levou a filmes como esse foi a simples necessidade de ganhar muito dinheiro para bancar os problemas financeiros que enfrentou. Nos anos 60 Brando teve que enfrentar uma incrível série de contratempos. Suas ex-esposas o processaram, a guarda de seus filhos exigia que o ator desembolsasse somas cada vez maiores para pagar os advogados e sua querida ilha Tetiroa só lhe trazia prejuízos. Mal conseguia construir seu hotel um furacão vinha e destruía com tudo (o ator pretendia transformar o local em ponto turístico ambiental mas jamais concretizou seus planos por causa da irascível natureza da região). Assim, atolado em dívidas, Marlon Brando se dispôs a se deslocar para uma locação de difícil acesso para as tomadas de cena. Em seu livro Brando recorda que ficou surpreso ao chegar lá e saber que tinha sido o mesmo local onde Wayne havia filmado um conhecido western na era de ouro do cinema. O problema era que o local ficava muito próximo de uma base americana de testes nucleares. Para Brando muito provavelmente foi nesse local que John Wayne teria sido contaminado por depósitos de lixo nuclear (urânio), o que teria sido decisivo para o desenvolvimento do câncer que vitimaria Wayne anos depois. Brando afirmaria depois: "Não deixava de ser uma ironia o fato do grande defensor da indústria armamentista nuclear norte-americana ter sido morto justamente por ter sido contaminado por seu lixo deixado no local". Não era novidade para ninguém que ambos os atores se detestavam na vida pessoal, pois Brando era um típico liberal enquanto John Wayne era um defensor reacionário dos ideais do partido Republicano. Deixando de lado todos esses problemas de egos tão comuns nos grandes atores de cinema, vamos ao filme em si. Como afirmei antes o filme tem uma estrutura comum e simples. O diretor Sidney J Furie não quis arriscar muito, até porque na época não passava de um novato com poucos filmes significantes no currículo. Trabalhar com Brando também não era nada fácil, pois o ator tinha um histórico de problemas com diretores nos sets de filmagens. A sorte de Furie foi que na ocasião Brando estava envolvido em tantos problemas que simplesmente não quis infernizar ainda mais sua vida com confusões de bastidores. Assim as filmagens transcorreram sem grandes incidentes, tudo resultando em um filme que é um bom western, embora muito longe do que se esperaria de um gênio da atuação como Brando. Na realidade só existem dois bons momentos para Brando em toda a (curta) duração do filme. A cena inicial do filme, por exemplo, com Brando na Igreja, gera bons momentos ao roteiro, porém a melhor parte acontece depois quando Brando enfrenta o vilão Chuy Medina (interpretado por um irreconhecível John Saxon) na taberna. A queda de braço com escorpiões realmente foi uma excelente ideia, que casou muito bem com a proposta do filme que no fundo não passa de um Western de rotina com altas doses de Tequila. Sangue em Sonora não é nem de longe o mais brilhante momento do mito Brando nas telas da década de 60 mas mantém o interesse e diverte, o que no final é o que realmente importa.
Os Deuses Vencidos
Eu considero esse filme simplesmente obrigatório para todos os cinéfilos. O elenco é estrelar e o roteiro muito bem desenvolvido, e resultando numa produção memorável. “Os Deuses Vencidos” foi baseado no famoso livro de autoria de Irwin Shaw. A proposta é mostrar aspectos da II Guerra Mundial sob o ponto de vista de alguns combatentes, tanto do lado dos aliados como também dos soldados do Eixo. Tudo mostrado sem cair nos clichês típicos dos filmes de guerra, que sempre procuraram mostrar os soldados americanos como heróis virtuosos e os alemães como monstros assassinos e sanguinários. A intenção é realmente construir um mosaico mais próximo da realidade, mostrando que em ambos os lados lutaram pessoas comuns, com sonhos e objetivos que foram interrompidos de forma brutal pela guerra. Olhando sob esse ponto de vista realmente não existia grande diferença entre um militar americano ou alemão. Todos queriam voltar para casa o mais rapidamente possível, sobreviver aos combates e retornar para a vida que tinham antes da guerra começar. O filme tem longa duração, com quase três horas de duração, e é fácil entender o porquê. São duas estórias paralelas que se desenvolvem ao mesmo tempo. Na primeira somos apresentados ao tenente alemão Christian Diestl (Marlon Brando) na França ocupada. Essa parte é bem interessante pois o ator na época fez questão de mostrar o oficial nazista como um ser humano comum e não como o vilão caricato dos filmes de guerra que conhecemos. Nem é preciso dizer que Marlon se saiu muito bem em mais uma atuação marcante de sua filmografia. Na outra estória, passada no lado dos militares aliados, acompanhamos dois soldados americanos (Dean Martin e Montgomery Clift) que são convocados e mandados para a Normandia. Essa parte do roteiro foca bastante na vida dos que participaram da maior batalha da guerra, no evento que ficaria conhecido pela história como “Dia D”. Dean Martin repete seu papel contumaz de "Mr Cool". Aqui ele interpreta um cantor da Broadway que faz de tudo para escapar da guerra e do front mas que não consegue escapar de ir para o campo de batalha. Já Montgomery Clift apresenta uma grande interpretação como um soldado judeu que sofre nas mãos de seus colegas de farda durante seu treinamento. Seu papel me lembrou muito o que ele representou em "A Um Passo da Eternidade". Seu aspecto não é nada bom em cena. Os sinais físicos do alcoolismo já são nítidos e Clift aparece muito magro e abatido, com aspecto doentio. Mesmo assim está fabuloso em suas cenas. Ponto para Marlon Brando que fez de tudo para que o colega fosse escalado para o filme pois sabia que isso iria lhe ajudar a superar a crise pessoal pelo qual vinha passando. A direção foi entregue ao veterano das telas Edward Dmytryk; Com experiência em filmes de guerra como “A Nave da Revolta” o diretor sabia que estava trabalhando com dois atores muito sensíveis e carismáticas proveniente do Actor´s Studio. Assim procurou abrir uma linha de diálogo com ambos. Ele já tinha trabalhado com Clift em seu filme anterior, “A Árvore da Vida” e por isso sentiu-se tranquilo em relação a ele. Já com Brando procurou manter uma relação no nível profissional. Sabia que Marlon Brando poderia ser tanto um ator maravilhoso no set como um terror para os cineastas que trabalhavam com ele. No final se deram bem e tudo correu sem maiores problemas. O resultado de tantos talentos juntos se vê na tela pois “Os Deuses Vencidos” é hoje em dia considerado um filme essencial dentro do gênero. Um verdadeiro clássico.
Vidas em Fuga
Valentine 'Snakeskin' Xavier (Marlon Brando) é um músico errante de New Orleans que chega numa pequena cidade do sul dos EUA em busca de trabalho. Ele havia sido expulso da última localidade por onde passou acusado de roubo, desordem e vadiagem. Ao procurar por emprego acaba parando numa pequena loja de roupas local. Lá conhece Lady (Anna Magnani) esposa do proprietário, um homem com problemas de saúde. Sozinha, carente e frustrada ela acaba se aproximando de "Snakeskin" cada vez mais. "Vidas em Fuga" foi baseado na peça "Orpheus Descending" que nada mais é do que uma releitura de Tennessee Williams para o famoso clássico Orfeu e Eurídice. Toda a estrutura da peça original está lá. A mulher reprimida e infeliz, o marido desprezível e o amante sedutor, mas perigoso. Williams transporta a trama para o sul racista americano, onde novamente a hipocrisia da sociedade é colocada em evidência. Embaixo de uma superfície de moralidade há uma sordidez latente, bem ao estilo do que realmente imperava nessas pequenas cidades. O elenco está brilhante. Brando curiosamente está contido. Seu Val "Snakeskin" Xavier é em essência um espectador privilegiado dos acontecimentos. Sua presença sensual e provocadora logo desperta o que há de pior entre os moradores da cidade. Irresistível para as mulheres e odiado pelos homens, sua persona parece ter sido levemente inspirada em michês que passaram pela vida de Tennessee Williams. É o típico caso do sujeito sem profissão definida, que viaja de cidade em cidade em busca de uma melhor sorte. Para tanto usa de sua beleza para alcançar dinheiro e posição, muitas vezes praticando pequenos delitos no caminho. Já Anna Magnani, com forte sotaque italiano, também esbanja boa atuação. Não deixa de ser curioso o fato dela ter perseguido Brando no set de filmagem em busca de um envolvimento amoroso. Como relatado em sua autobiografia, Marlon descreveu o assédio de Anna como uma busca pela juventude perdida. Com a idade chegando a atriz procurava se envolver cada vez mais com jovens, numa triste metáfora com sua própria personagem no filme. Após várias tentativas frustradas Brando a dispensou discretamente. Ele não tinha qualquer interesse nela, exceto em nível puramente profissional. Os problemas entre os atores nos bastidores porém não prejudicou o resultado final do filme. Brando e Magnani estão perfeitos em seus respectivos papéis. Outro destaque digno de nota é a boa atuação de Joanne Woodward. Na pele de uma personagem complicada que facilmente poderia desandar para a caricatura, Joanne se mostra adequada e talentosa na medida certa. Enfim, nada melhor do que conferir mais uma produção que une Tennessee Williams e Marlon Brando. Não chega a ser tão marcante como "Um Bonde Chamado Desejo" mas mantém o alto nível. O resultado final é excelente.
O Pecado de Todos Nós
"O Pecado de Todos Nós" definitivamente não é uma obra para todos os públicos que vá agradar a todos os setores, pelo contrário, o diretor John Huston não fez nenhuma concessão e entregou uma obra crua, visceral, sem nenhum tipo de amenização. Marlon Brando, como sempre, se destaca. Acho esse um de seus personagens mais corajosos. O ator joga a imagem de galã fora e encara um papel extremamente complexo e polêmico. Aqui ele interpreta um Major do exército americano com o casamento em crise, em frangalhos. Sua esposa, interpretada por Elizabeth Taylor em mais uma de seus excelentes caracterizações, é uma fútil dona de casa que passa os dias em longas cavalgadas ao lado de seu amante (um oficial que mora vizinho ao casal na vila militar onde residem). Isso já bastaria para caracterizar esse casamento como disfuncional mas isso não é tudo. O problema básico do Major feito por Brando é que ele não tem mais nenhum desejo sexual pela esposa pois na realidade é um homossexual enrustido que não consegue exteriorizar e vivenciar sua verdadeira orientação sexual. Após ver um soldado cavalgando nu pelo bosque o Major acaba ficando obcecado por ele. Tudo caminha então para um clímax ao melhor estilo do diretor Huston, com muitas nuances psicológicas e tensão entre os principais personagens. A hipocrisia do núcleo familiar considerado ideal pela moralista sociedade norte-americana também é exposta sem receios. O argumento soa na realidade como uma provocação por parte de John Huston para com toda a sociedade norte-americana. A família tradicional e o sistema militar são obviamente seus principais alvos. Na porta de entrada dos EUA na guerra do Vietnã ele ousou colocar um tema tabu em cena: o homossexualismo dentro das casernas militares. Mais explosivo do que isso impossível. Além disso expõe os problemas que existiam por baixo da imagem impecável das famílias conservadoras daquele país. O marido que posa de cidadão exemplar na verdade despreza sua esposa e esconde seus desejos sexuais mais inconfessáveis. A esposa é infiel, sem conteúdo, rasa, materialista e tola. Um retrato demolidor de um modelo que nos anos 1960 vinha abaixo. "Reflections in a Golden Eye" foi baseado na obra do escritor Carson McCullers, um autor que não tinha receio de tocar nas feridas mais profundas da América. Aqui ao lado de Huston, Liz Taylor e Marlon Brando ele finalmente encontrou a transposição perfeita para as telas. Em suma, "O Pecado de Todos Nós" é uma produção nada confortável e nem amenizadora. No fundo é um retrato controvertido que coloca na berlinda alguns dos pilares mais prezados pelos americanos. Não deixe de conhecer.
O Poderoso Chefão
Nesse ano "O Poderoso Chefão" completa 40 anos. Um dos grandes clássicos da história do cinema americano o filme segue inspirando cineastas e conquistando novas gerações. Baseado na obra imortal do escritor Mario Puzo o filme resistiu muito bem ao tempo mesmo revendo nos dias atuais sob uma ótica mais contemporânea. E pensar que o projeto quase foi arquivado pela Paramount por achá-lo fora de moda e sem chances de trazer grande retorno de bilheteria. Apenas a persistência pessoal do produtor Robert Evans salvou o filme, pois insistiu muito na ideia de trazer do papel para a tela a saga da família Corleone. Até a escalação do elenco gerou brigas internas dentro do estúdio. A simples menção do nome de Marlon Brando já causava arrepios na direção da Paramount. O ator era considerado naquele momento um astro decadente que havia arruinado sua carreira com brigas e confusões nos sets de filmagens pelos quais passou. Além de seu temperamento imprevisível Brando já não era mais visto como sinônimo de bilheteria há muito tempo pois suas últimas produções tinham se tornado grandes fracassos de público e crítica. A Paramount definitivamente não queria nem ouvir falar no nome do ator. Foi Evans que comprou a briga e apostou em Brando novamente. Ele inclusive teve que se passar por uma verdadeira humilhação para um nome de seu porte: fazer um teste de câmera para o papel, algo só destinado para novatos e inexperientes atores em começo de carreira. Como estava desesperado para voltar ao primeiro time Brando topou a situação, encheu as bochechas de algodão e mostrou sua visão pessoal de Vito Corleone para os chefões do estúdio. O resultado veio logo após quando todos ficaram maravilhados com o resultado. Certamente não havia mais dúvida e Brando foi contratado. Visto hoje em dia o filme se mostra muito atual e resistente ao tempo. Um de seus trunfos vem justamente da brilhante interpretação de Brando. Como conta em seu livro o ator não interpretou Corleone como um facínora e criminoso mas apenas como um pai de família que fez o que tinha que ser feito para proteger seus filhos. Brando inclusive chega a afirmar que Corleone seria mais ético e honesto do que muito executivo de multinacional que coloca os interesses de sua empresa acima do bem comum de todos. Sua postura de respeito com o personagem se mostrou muito acertada. No final todos ficaram gratificados. "O Poderoso Chefão" que foi realizado ao custo de meros seis milhões de dólares rendeu mais de trezentos milhões em bilheteria. Além disso foi premiado com os Oscars de Melhor Ator (Marlon Brando), Melhor Filme e Roteiro Adaptado e foi indicado aos de Ator Coadjuvante (James Caan, Robert Duvall e Al Pacino), Figurino, Direção, Edição, Trilha Sonora e Som. Um êxito sem precedentes. O Oscar de melhor ator para Marlon Brando aliás foi recusado por ele por causa do tratamento indigno que o cinema americano dava aos povos indígenas. O ator mandou uma atriz interpretar uma jovem índia na noite de entrega do prêmio, fato que causou muitas reações, inclusive de membros da Academia como John Wayne que quis entrar no palco para acabar com aquilo que em sua visão era uma "verdadeira palhaçada"! Quem pode entender os gênios como Brando afinal? Enfim escrever sobre "The Godfather" é secundário. O mais importante mesmo é assistir a essa grande obra prima de nosso tempo.
Superman
Na iminência da destruição de seu planeta Kripton, Jor-El (Marlon Brando) decide enviar seu filho recém nascido para um planeta distante chamado Terra nos confins do universo. Assim começa a aventura de Superman, um dos super-heróis mais populares e influentes da cultura pop. Para aquele que é considerado o primeiro grande personagem do universo de quadrinhos a Warner resolveu caprichar na realização desse filme. A publicidade de Superman garantia que o espectador iria acreditar que o homem poderia voar. Depois do lançamento ninguém mais tinha dúvidas sobre isso. Superman é até hoje uma das melhores adaptações já feitas de quadrinhos para o cinema. A produção classe A acerta em praticamente todos os aspectos: elenco, direção, efeitos especiais e roteiro. Poucas vezes na história do cinema se viu um filme em que tantos elementos se encaixavam tão perfeitamente. Os efeitos especiais certamente envelheceram pois foram feitos em uma época em que não havia ainda efeitos digitais. Mesmo assim visto atualmente temos que admitir que se tornaram bem charmosos, além de dar um status cult para a produção em si. As cenas em que Superman voa pela primeira vez, por exemplo, não perderam impacto mesmo nos dias de hoje. Além de visualmente deslumbrante Superman ainda contava com uma trilha sonora imortal que até hoje emociona. A música tema composta por John Williams ainda soa poderosa e evocativa, mesmo após tantos anos. O elenco de Superman é formidável a começar pela escolha de Christopher Reeve para interpretar o personagem título. Eu costumo dizer que não basta ter apenas a estampa, o porte físico de Superman para se sair bem nesse papel. Tem que ser bom ator e a razão é simples: para interpretar Clark Kent o ator tem que ser versátil. Por isso tantos fracassaram. Nessa questão Christopher Reeve foi brilhante pois atuou maravilhosamente bem tanto na pela do super-herói quanto na pele de seu alter ego, o jornalista tímido e atrapalhado Clark Kent. Outro destaque sempre lembrado desse filme é a presença do mito Marlon Brando. Fazendo o papel do pai de Superman ele rouba a parte inicial do filme. Curiosamente Brando quase não embarca nessa aventura pelo cachê absurdo que cobrou. Após analisar bem o estúdio entendeu que ter Marlon Brando no elenco não tinha preço pois ele certamente traria muito prestígio para o filme como um todo. Foi contratado e mais uma vez arrasou em cena. Como se não bastasse a presença desses dois maravilhosos profissionais o filme ainda contava com um elenco de apoio simplesmente incrível: Gene Hackman e o veterano Glenn Ford (na pele do pai terrestre de Kent). Em breve teremos mais uma adaptação do personagem para as telas, novamente pelos estúdios Warner e novamente contando com uma produção milionária. Será que vai conseguir superar esse filme definitivo sobre o homem de aço? Eu duvido muito. Algumas produções são simplesmente definitivas como essa. Nota 10 com louvor.
Pablo Aluísio.
A Carga de Cavalaria Ligeira
Título no Brasil: A Carga de Cavalaria Ligeira
Título Original: The Charge of the Light Brigade
Ano de Produção: 1936
País: Estados Unidos
Estúdio: Warner Bros
Direção: Michael Curtiz
Roteiro: Michael Jacob
Elenco: Errol Flynn, Olivia de Havilland, Patric Knowles, Henry Stephenson, Nigel Bruce, Donald Crisp
Sinopse:
Durante a ocupação britânica imperial na Índia, um grupo de militares ingleses, liderados por dois irmãos da cavalaria real, lutam contra um líder local que começa a promover massacres entre a população civil da região. Filme premiado com o Oscar na categoria de melhor assistência de direção (Jack Sullivan).
Comentários:
Depois do sucesso do filme "O Capitão Blood" a Warner Bros decidiu repetir a dose. Reuniu a mesma equipe técnica do filme anterior, contratou novamente o diretor Michael Curtiz e o casal Errol Flynn e Olivia de Havilland, tudo para produzir um novo campeão de bilheterias. O resultado foi esse "A Carga de Cavalaria Ligeira", outro épico histórico, só que com mudanças de cenário. Saíram os piratas e seus navios no Caribe, para a entrada de valentes e corajosos militares em mais uma daquelas exaustivas guerras coloniais. Claro que diante da mentalidade da época os colonizadores aqui eram retratados como seres humanos bravos, que defendiam as populações indefesas. Algo que sabemos ser um tanto questionável do ponto de vista da história. De qualquer maneira o filme é considerado um clássico dos filmes de aventuras. Tem ótima produção e reconstituição de época e o astro maior do cinema da época, o galã Errol Flynn, acabou adicionando mais um filme na sua sucessão de sucessos no cinema.
Pablo Aluísio.
Título Original: The Charge of the Light Brigade
Ano de Produção: 1936
País: Estados Unidos
Estúdio: Warner Bros
Direção: Michael Curtiz
Roteiro: Michael Jacob
Elenco: Errol Flynn, Olivia de Havilland, Patric Knowles, Henry Stephenson, Nigel Bruce, Donald Crisp
Sinopse:
Durante a ocupação britânica imperial na Índia, um grupo de militares ingleses, liderados por dois irmãos da cavalaria real, lutam contra um líder local que começa a promover massacres entre a população civil da região. Filme premiado com o Oscar na categoria de melhor assistência de direção (Jack Sullivan).
Comentários:
Depois do sucesso do filme "O Capitão Blood" a Warner Bros decidiu repetir a dose. Reuniu a mesma equipe técnica do filme anterior, contratou novamente o diretor Michael Curtiz e o casal Errol Flynn e Olivia de Havilland, tudo para produzir um novo campeão de bilheterias. O resultado foi esse "A Carga de Cavalaria Ligeira", outro épico histórico, só que com mudanças de cenário. Saíram os piratas e seus navios no Caribe, para a entrada de valentes e corajosos militares em mais uma daquelas exaustivas guerras coloniais. Claro que diante da mentalidade da época os colonizadores aqui eram retratados como seres humanos bravos, que defendiam as populações indefesas. Algo que sabemos ser um tanto questionável do ponto de vista da história. De qualquer maneira o filme é considerado um clássico dos filmes de aventuras. Tem ótima produção e reconstituição de época e o astro maior do cinema da época, o galã Errol Flynn, acabou adicionando mais um filme na sua sucessão de sucessos no cinema.
Pablo Aluísio.
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