A Reforma Trabalhista e o Direito Coletivo - Não é uma questão de se adotar uma postura socialista ou ser a favor da intervenção do Estado nas relações de trabalho. O ponto central desse meu pequeno artigo é a nova realidade do Direito Coletivo do Trabalho em frente à Reforma |Trabalhista. Desde o começo o governo afirmou que a reforma vinha para criar novos empregos e deixar o chamado Custo Brasil menos nocivo ao empresariado. Afinal a onda de falências que se alastrou pelo país fez com que muitas empresas fechassem as portas. Sem empresas, sem emprego. Isso explicaria os 13 milhões de desempregados no Brasil.
A questão é que essa mudança diria tão radical nas relações de trabalho nem sempre produz o efeito esperado. Esse argumento de que as partes (empregado e empregador) sabem melhor do que ninguém como devem se ajustar os contratos de trabalho pode até funcionar em países nórdicos, ricos, da Europa ou até mesmo em estados dos EUA. No Brasil temos uma desigualdade social muito grande e a chamada elite nem sempre está preocupada com o bem estar dos trabalhadores. Em muitas relações de trabalho não existe a ética que prevalece em muitos países de primeiro mundo. Aqui se o Estado se ausentar das relações de trabalho teremos seguramente muita exploração da mão de obra.
O Contrato Coletivo de Trabalho e o Acordo Coletivo ganham ares de superpoderes na reforma trabalhista. Tirando os direitos trabalhistas colocados na Constituição e todos os princípios relativos à dignidade humana, praticamente todos os demais direitos trabalhistas podem ser flexibilizados de acordo com a reforma. Isso é um retrocesso porque o trabalhador brasileiro sempre foi muito hiposuficiente em nosso país. Fato que será agravado ainda mais com o chamado "exército industrial de reserva" (os desempregados). Diante da perspectiva de não ter nenhum emprego, o trabalhador brasileiro estará se sujeitando a praticamente todo tipo de situação. Há de haver freios sobre isso, caso contrário teremos aí sim uma situação de selvageria no mercado de trabalho.
Subordinação trabalhista
A subordinação dentro de uma relação de emprego é objetiva e não subjetiva. O que exatamente isso quer dizer? Basicamente a subordinação não tem caráter pessoal entre empregado e empregador. Esse último não é um servo do primeiro. O empregador não tem controle sobre a vida pessoal do empregado. O que os liga é uma relação jurídica, determinada por lei, de natureza puramente objetiva. E isso limita as ordens que podem ser dadas de um para com outro.
A natureza jurídica da subordinação também afasta teses do passado que tentavam explicar qual seria a essência dessa subordinação. A subordinação dentro de uma relação de emprego não é uma dependência econômica. Embora muitos trabalhadores precisem do emprego para suprir suas necessidades financeiras, nem sempre isso é o que acontece. Basta pensar na figura do alto executivo, homem milionário, que não precisa mais trabalhar para viver. Se ele exerce uma função de direção em uma grande empresa, geralmente o faz por outros motivos, entre eles até mesmo o orgulho pessoal.
Tampouco a natureza da subordinação dentro de uma relação de emprego se explica pela dependência técnica (ou tecnológica). Hoje em dia grandes executivos, que são empregados, são os detendores do saber, do conhecimento. Seus empregadores não possuem esse tipo de saber. Por isso os contratam. No começo da revolução industrial, quando os empregados trabalhavam em grandes máquinas nas fábricas e essas eram comandadas por por seus empregadores, até que isso poderia corresponder a uma realidade. hoje já não mais. As universidades formam os grandes profissionais e eles são os donos de seu próprio conhecimento.
A subordinação hoje em dia também é visto sob um ponto de vista mais moderno. Além de seguir um critério puramente objetivo, também se leva em conta o aspecto estrutural, no qual o empregado está inserido dentro da estrutura da empresa. Isso justificaria inclusive o reconhecimento de subordinação jurídica em relação a trabalhadores que exercem suas funções à distância, sem ordens diretas de seus empregadores. Assim teríamos configurada a subordinação que se expressa “pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentementede receber (ou não) suas ordens diretas.
A relação de emprego - Caracterização em questões
Como se caracteriza a relação de emprego?
Com a presença de elementos fático-jurídicos e elementos jurídico-formais do contrato empregatício.
Quais são os elementos fático-jurídicos da relação de emprego?
São cinco os elementos. Prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação.
Quais são os elementos jurídico-formais do contrato empregatício?
Capacidade das partes contratantes, licitude do objeto contratado (objeto lícito, possível, determinado ou determinável). forma contratual prescrita em lei ou por esta não proibida, higidez na manifestação da vontade das partes.
A competência da justiça do trabalho
A justiça do trabalho tem como núcleo de sua competência as ações que versam sobre relação de emprego. Essa é competência master desse ramo especializado da justiça do trabalho. Agora, temos uma ampliação desse vesto leque. As ações oriundas de trabalho, de relação de trabalho, em sentido amplo, também serão julgadas pela justiça do trabalho. Obviamente que isso não significa que os direitos trabalhistas da relação de emprego que são previstas na constituição e na CLT serão automaticamente aplicadas nas demais relações de trabalho. Não. Apenas esse tipo de trabalhador (não empregado) poderá ser dirimido na justiça do trabalho. Questão processual e não material.
Um detalhe aqui, vale a citação. Será que haveria competência da justiça do trabalho para ações envolvendo o tema da complementação de aposentadoria, pensão e previdência privada? A controvérsia durou anos. Depois de muito debate a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal. Decidiu-se que regra geral não haveria essa competência. A justiça competente seria a justiça comum. Porém se o cerne da questão for proveniente de uma relação de emprego, então haverá competência da justiça do trabalho. Vai depender muito da análise do caso concreto a ser realizado pelo juiz do trabalho.
A Autonomia do Direito Coletivo do Trabalho
Seria o direito coletivo do trabalho um ramo autônomo do próprio direito do trabalho? Essa é uma questão que tem sido motivo de controvérsias, tanto na academia, como na doutrina e dentro do poder judiciário. De modo em geral a resposta é: ainda não adquiriu autonomia, mas caminha nesse sentido. Daqui vinte ou trinta anos poderá, quem sabe, trilhar seus próprios caminhos, apartados do grande ramo do direito do trabalho.
Nos dias atuais essa autonomia ainda não se concretizou. Em termos de academia vemos poucas universidades de direito colocando esse setor do direito do trabalho como matéria própria. Geralmente se estuda o direito coletivo do trabalho na cadeira denominada direito do trabalho II. Na questão da doutrina o direito coletivo do trabalho ainda é estudado nos grandes livros sobre direito do trabalho, muito embora existam livros didáticos tratando apenas desse tema.
Embora existam teses e trabalhos de conclusão de cursos apenas focados em direito coletivo, o fato é que dentro da academia, de modo em geral, ainda tudo é inserido dentro do direito do trabalho. Por fim não há exclusividade legislativa e nem judiciária sobre esse rico ramo. O poder judiciário trabalhista é o mesmo que trata das lides trabalhistas individuais e a lei básica a ser estudada sobre direito coletivo ainda é a boa e velha CLT. Assim não se sustenta, pelo menos ao meu ver, uma plena autonomia do direito coletivo do trabalho. Ele segue sendo uma rica e importante parte do próprio direito do trabalho.
Direito Coletivo do Trabalho - Princípios Especiais
O Direito coletivo do Trabalho apresenta princípios próprios, ditos especiais. Uma das grandes diferenças do direito coletivo do trabalho para o direito individual do trabalho se encontra nas partes envolvidas. No direito individual do trabalho temos um ser individual (o empregado) em comparação a um ser coletivo (o empregador, a empresa). No direito coletivo temos, na grande maioria das vezes, dois seres coletivos, o empregador (aqui encarado como empresa, pessoa jurídica) e o sindicato (representando os interesses do empregado). Assim a dita disparidade de armas fica menor, menos aparente.
Por essa razão o direito coletivo do trabalho também apresenta seus próprios princípios que visam basicamente a:
1) Assegurar a existência do ser coletivo trabalhista (princípios da liberdade associativa e sindical e da autonomia sindical)
2) Assegurar as relações coletivas dentro de uma negociação coletiva (princípios da interveniência sindical na normatização coletiva, o da equivalência dos contratantes coletivos e o da transparência nas negociações coletivas)
3) Assegurar as normas jurídicas produzidas em sede de direito coletivo (aqui citam-se os princípios de criatividade jurídica da negociação coletiva e o princípio da adequação setorial negociada).
O direito à liberdade sindical é uma face do direito à liberdade de associação, prevista inclusive na constituição federal. Trabalhadores se associam entre si nos sindicatos para proteger e lutar por seus direitos trabalhistas. Para isso deve-se assegurar ao trabalhador dois direitos básicos: o primeiro é o direito de se associar ao sindicato que quiser e o segundo o direito de permanecer ou não aflliado a esse sindicato por sua livre e espontânea vontade.
Existem práticas ilegais, principalmente dentro do direito americano, que atingiam essa liberdade de associação e sindicalização. São conhecidas como práticas de associação ou sindicalização forçadas. As práticas mais conhecidas são as seguintes:
a) Closed shop - O empregador e o sindicato firmam um acordo ilegal em que apenas sindicalizados desse mesmo sindicato seriam contratados pela empresa, que seria fechada a trabalhadores não sindicalizados no referido sindicato do acordo ilegal.
b) Union Shop - Nesse caso o empregado não sindicalizado até poderia ser contratado, mas só iria continuar na empresa se tornasse filiado a um sindicato em especial, dentro de um prazo determinado pelo empregador.
c) Maintenance of membership - Nessa hipótese o trabalhador seria forçado a manter-se membro de determinado sindicato para manter seu emprego. Se sair do sindicato, será automaticamente demitido. Deve sempre manter-se filiado ao sindicato.
Salário e suas distinções
Nem tudo que o empregado recebe de seu empregador é salário. Esse será apenas aquele valor pago em contraprestação ao trabalho prestado ao empregador. A expressão salário base vai bem nesse sentido. Porém em um contracheque de empregado não existe apenas salário. Existem outros valores que são denominados valores de natureza não salarial. Aqui a razão jurídica, a natureza da verba, se dissocia da natureza própria do salário.
Um exemplo são as verbas indenizatórias. Por exemplo, a ajuda de custo para viagens. O empregado precisa viajar para outra cidade, para cumprir obrigações de seu emprego. Ele não vai pagar de seu próprio bolso o gasto com esse tipo de atividade. Tal valor deve ser dado pelo empregador. Com isso esse valor não terá natureza salarial, mas indenizatória. Com isso não terá reflexos em outros valores de natureza salarial que o empregado venha a receber.
Antes da reforma trabalhista se entendia que sempre que a ajuda de custo fosse superior a cinquenta por cento do valor do salário, haveria a intenção de fraudar, de dissimular uma verba de natureza salarial em não-salarial. Era uma presunção relativa, mas com grande força dentro de uma lide trabalhista. Infelizmente a reforma trabalhista de 2017 acabou com essa diferenciação. Agora a prova dentro da justiça do trabalho será mais penosa para o empregado.
Parcelas Não Salariais - Parcelas Previdenciárias e de Seguridade Social
Ao longo do contrato de trabalho ou até mesmo após seu fim, o empregado receberá parcelas que não possuem natureza salarial, mas sim previdenciária. Essa parcelas não podem ser consideradas salariais. O Salário Família por exemplo, embora pago diretamente pelo empregador, será compensado naquilo que esse deve para a previdência social.
O mesmo ocorre em relação a parcelas da previdência privada. Essas sempre terão natureza previdenciária e não salarial, não importando seu mecanismo interno de pagamento ao contribuinte. Recentemente o Supremo Tribunal Federal determinou que questões envolvendo previdência privada não serão mais de competência da justiça do trabalho. Algo lógico e de acordo com os princípios do direito processual do trabalho.
Além de parcelas de natureza previdenciária (referentes à Previdência Social) existem outras, de outras áreas da seguridade social (lembrando que essa abrange previdência social, Assistência social e saúde). Pois bem, O PIS PASEP e o Seguro-Desemprego fazem parte dessas outras areas. E também não possuem natureza salarial, mas sim de seguridade social. O PIS/PASEP é pago para trabalhadores de baixa renda que recebem até dois salários mínimos por mês. Essa consiste em uma parcela anual de um salário mínimo para trabalhadores que estão nessa faixa de renda. Essa parcela não tem natureza salarial pois é paga pelo Estado e não pelo empregador. Caso o empregador não insira esse tipo de empregado (que recebe até dois salários mínimos no sistema do PIS PASEP), poderá o mesmo propor ação de indenização na justiça do trabalho, de acordo com a súmula 300 do TST.
E o Seguro-Desemprego? Em linhas gerais segue o mesmo sistema do PIS PASEP. Essa parcela é paga pelo Estado a todo trabalhador que foi atingido pelo chamado desemprego involuntário. É um crédito referente à seguridade social e não tem natureza salarial. Caso o empregador não assine a carteira de trabalho do empregado, o que irá prejudicar seus direitos como trabalhador, inclusive com a não emissão dos guias de recolhimento do seguro-desemprego, caberá ao empregado que não venha a receber o benefício entrar com ação na justiça do trabalho. No caso o empregador será responsabilizado pela verba que terá então caráter indenizatório. Perceba que em ambas as situações o seguro-desemprego não terá natureza salarial, mas apenas de seguridade social (quando regular, com todas as obrigações cumpridas pelo empregador) ou de natureza indenizatória (quando o empregador não cumpre suas obrigações nessa questão dentro de uma relação de trabalho).
Nem toda relação de trabalho é relação de emprego. Há diversas manifestações do labor humano que nao passam pela relação empregatícia que conhecemos, regida pela CLT. Um exemplo é a relação de trabalho prestado à administração pública. No caso dos servidores públicos estatutários, eles são regidos, como o próprio nome indica, por um estatuto jurídico que regula o trabalho prestado à administração pública. È uma relação diferente da relação de emprego, cujas normas estão inseridas na CLT.
Isso é importante, mas não devemos esquecer que existem empregados públicos, esses sim regulados pela CLT. Assim dentro da administração pública temos dois tipos de trabalhadores. Servidores públicos regidos por estatuto, chamados de forma geral de Estatutários e empregados públicos, que são regidos pela mesmas leis que regem o trabalhador comum da iniciativa privada.
Também não são empregados os trabalhadores avulsos, que geralmente prestam sem trabalho em portos, com a intermediação de uma gestora de mão de obra. Não são empregados os trabalhadores eventuais, que prestam serviços de curta duração. Não são empregados os trabalhadores classificados como estagiários, pois a lógica de seu trabalho é o aprendizado. Trabalhadores voluntários também não são empregados. Aquele que presta seu trabalho com plena autonomia, os trabalhadores autônomos, tampouco são empregados. Perceba com todos esses exemplos que no vasto mundo do trabalho humano não existem apenas empregados, mas diversos outros tipos de trabalhadores, com características próprias.
O Direito do Trabalho e suas relações com a ciência do Direito
O Direito do Trabalho tem plena autonomia no grande leque de doutrinas da ciência do direito, mas isso não signigica que seja um ramo apartado, que não se comunica, com os demais setores da grande ciência jurídica. Assim não podemos deixar de constatar que o Direito do Trabalho tem plena simbiose com os Princípios Gerais do Direito. Princípios das mais variantes áreas, mas que analisando-se bem encontraremos alguns mais próximos desse ramo do saber.
E quais princípios gerais do direito estariam mais próximos do direito do trabalho? Veja o caso do princípio da dignidadade humana. Já dizia os antigos que o trabalho dignifica o homem e como tal a pessoa humana deve ser plenamente respeitada em uma relação de trabalho. O trabalhador tem direitos e deveres dentro de uma relação de emprego e deve ser respeitado, acima de tudo, como ser humano, como pessoa humana.
O direito do trabalho também tem ampla ligação com o direito da seguridade social. Ambos os direitos tiveram surgimento praticamente juntos. O direito do trabalho protege a pessoa humana dentro de uma relação de emprego e o direito da seguridade social garante sua proteção social, caso o trabalhador não possa mais desenvolver o seu trabalho. São setores da ciência jurídica que estão juntos desde o começo e ainda hoje seguem abraçados, em paralelo.
O direito do trabalho também tem afinidades com o direito civil. Esse segundo é secular, surgiu desde os tempos da Roma antiga e seus institutos e princípios se erradiam por praticamente todos os ramos da ciência do direito. Basta lembrar que foi o direito civil que primeiro tratou da questão do labor humano. Os institutos da prestação de serviços e da contratação de obra são a verdadeira origem do tratamento jurídico em relação ao trabalho humano. Claro que séculos depois a relação de emprego ganhou seu próprio espaço, dando origem finalmente ao ramo autônomo do direito do trabalho.
Pablo Aluísio.