domingo, 21 de junho de 2009

Elvis Presley - Elvis Book - Elvis na Sun Records

Elvis Presley - That´s All Right / Blue Moon Of Kentucky
Os fãs já sabem mas não custa repetir: esse foi o primeiro single comercial da carreira de Elvis Presley. Eu gosto de usar a expressão "comercial" justamente para não confundir com o primeiro acetato que Elvis gravou na Sun, "My Happiness". Aquele era um disquinho amador, feito para matar a curiosidade do próprio Elvis que queria ouvir como ficaria sua voz em um disco. É interessante, mas praticamente todos os jornalistas (principalmente os marujos de primeira viagem) costumam sempre confundir. Escrevem que "That´s All Right (Mama)" foi o primeiro disquinho de Elvis e ele o gravou para sua querida mãe. Obviamente estão trocando completamente as bolas. Confundem os discos e ainda por cima levantam uma lenda antiga que hoje em dia não tem mais razão de ser. Elvis não gravou "My Happiness" para dar de presente para a mãe. Gladys Presley nem sequer fazia aniversário naquele mês, então é tudo lenda. Uma lenda muito tocante, bonita, mas uma simples lenda, nada mais.

Assim vamos começar a falar sobre a discografia de Elvis pelo seu primeiro single que efetivamente foi gravado para chegar nas lojas ao consumidor. Estamos falando da primeira metade dos anos 1950 numa região considerada atrasada daquele país. Imaginem o que era gravar um single naqueles tempos e o mais complicado: distribuir ele em lojas afastadas, promover as canções em rádios para só depois tentar vender o show do novato cantor. Não era fácil. Assim Elvis tinha que literalmente acertar o alvo logo no comecinho da carreira. Se ninguém se interessasse ou então se ninguém gostasse era o fim e ele voltaria a dirigir caminhão, simples assim. O talento porém falou mais alto e no caso de Elvis Presley tocou fundo em quem ouviu as canções. Era um trio básico em estúdio (Elvis, Scotty e Bill) mas eles soaram como se fossem mais pessoas. Créditos? Todos para Sam Phillips, um produtor subestimado. Seus efeitos de ecos nas músicas criavam um efeito tão perfeito, maravilhoso que preenchia qualquer lacuna que o ouvinte sentisse. Coisa de gênio, claro. Hoje em dia cópias originais são uma verdadeira preciosidade, disputadas em leilões. E pensar que na época de seu lançamento os compactos custavam poucos centavos - nem chegava a 1 dólar, imagine você.

O lado A do single trazia a boa "That´s All Right" (Mama), de autoria do compositor Arthur Grudup. Na época a música foi considerado um bom country, mas obviamente hoje seu status é bem diferente, sendo considerada música histórica! Foi a primeira canção interpretada pelo cantor a ser lançada comercialmente pela pequena gravadora de Sam Cornelius Phillips, a Sun Records. Foi gravada no dia 7 de julho de 1954 por um simples caminhoneiro do Tennessee que ganhou uma chance de provar seu talento graças a interferência da secretária de Phillips, Marion Keisker, que insistiu com o patrão para que ele proporcionasse uma chance para o "jovem de Costeletas". Elvis virou a versão de "Big Boy" pelo o avesso e criou as bases estéticas do Rock'n'Roll! O Rock não é só a mistura de vários ritmos americanos, mas também uma postura positiva e satírica diante da vida e Elvis foi o primeiro a se expressar desta forma criando o "Rockabilly". "That's All Right (mama)" pode ser considerada uma das dez canções mais importantes da história da música pop do século XX. Em 2003 foi eleita a música mais inovadora da história.

No lado B o ouvinte da época tinha "Blue Moon Of Kentucky" de Bill Monroe. Originalmente foi lançada no ano de 1948 pelo próprio autor Bill Monroe, considerado o "pai do Bluegrass". O pequeno single trazia o selo Columbia e teve uma repercussão restrita às paradas ligadas ao gênero country and western do sul dos Estados Unidos. De qualquer forma ela acabou chamando atenção e ficou sempre em evidência, sendo muito tocada em estações de rádio da região. Certamente virou uma das preferidas também de um garoto de apenas 13 anos que sempre estava sintonizando suas velhas estações country em busca de novidades. O nome do garoto em questão? Nem é preciso dizer.

O single "Sun 209" fez sucesso nas estações de rádios de Memphis. Sam tinha bons contatos com DJs dos principais programas. Na primeira vez que tocou no rádio, Elvis ficou tão nervoso que decidiu ir ao cinema. Como era tímido provavelmente tinha receios da reação de amigos e parentes. Para sua surpresa todos gostaram. Era a materialização do velho sonho de se tornar cantor nascendo para aquele garotinho que ouvia Bill Monroe no rádio. "Blue Moon of Kentucky" foi gravada em julho de 1954 contando apenas com Elvis no violão, Scotty Moore na guitarra e Bill Black no baixo. Não houve bateria! O produtor Sam Phillips providenciou tudo, trazendo essa pequena banda para atuar ao lado do jovem talento.  Para quem não acredita em sonhos impossíveis, "Blue Moon Of Kentucky" veio para registrar para a história o momento do aparecimento de um dos maiores fenômenos da música popular mundial, um sonho que se tornou possível para Elvis Presley, pois ele acreditou em sua materialização com convicção. Pois é, "Sonhos são como deuses, nós temos que acreditar neles" já dizia a conhecida frase.

Elvis Presley - Good Rockin' Tonight / I Don't Care if The Sun Don't Shine
O segundo single de Elvis Presley pela Sun Records foi lançado em setembro de 1954. Curiosamente muitos críticos de música e arte chegam a considerar a canção "Good Rockin Tonight" o primeiro rock´n´roll genuíno da história da música. Pessoalmente não chegaria a tanto uma vez que as raízes R&B ainda estão bem presentes. A canção foi gravada originalmente pelo próprio autor Roy Brown em 1947. Brown era de New Orleans, provavelmente a cidade mais musical de todos os EUA. Lá se respira musicalidade em cada esquina, em cada canto. Nas ruas, nos bares, em concertos ao vivo, a cidade parece respirar notas musicais a cada hora do dia.

A versão de Elvis surge quando a música já era bem conhecida em Memphis e no sul - mas não tanto nas cidades do norte e oeste o que talvez explique a forte identidade que ligam Elvis à canção nessas regiões. Sam Phillips queria que Elvis a gravasse pois seria uma boa oportunidade de tocá-la ao vivo em shows por causa de sua vibração contagiante. Por essa época o cantor já havia se apresentado pela primeira vez de forma profissional. Além de seu minúsculo repertório Elvis contava com seu carisma à prova de falhas em cada show que realizou. Esqueça os grandes shows apoteóticos que vem à mente quando se pensa em Elvis Presley. No comecinho de sua vida na estrada Elvis se apresentava em qualquer lugar que lhe desse uma chance. Valia de tudo, clubes noturnos pequenos, pátios de escolas, festivais e até em cima de carrocerias de caminhão. O importante era ser visto e ouvido pelo maior número de pessoas possível.

Ouvindo o registro não podemos ficar menos do que admirados. Na gravação participaram apenas Elvis, Scotty Moore e Bill Black novamente. O resultado é acima de qualquer crítica. Elvis, no auge da juventude, esbanja personalidade e carisma em cada nota musical. Tecnicamente todos também estão extremamente bem. Não há como se comparar a versão de Roy Brown com a de Elvis. São coisas distintas, completamente diferentes. Os arranjos originais eram basicamente formados por metais, bem de acordo com o som de New Orleans. Elvis virou a música ao avesso. Sua versão é visceral, empolgante e com uma sonoridade completamente renovada. Em termos de vocalização também não há o que comparar. Brown era talentoso mas um cantor limitado. Já Elvis cantava com o coração. A versão de Elvis Presley pode sim ser considerada um dos primeiros Rocks da história - mas não a original de Brown.

"Good Rockin Tonight" na voz de Elvis Presley foi lançada pela Sun Records sob o registro de catálogo "Sun 210" em setembro de 1954 com "I Don't Care If The Sun Don't Shine" no lado B. Era o segundo compacto simples de Elvis que chegava nas lojas do Sul, dois meses após o lançamento de "That's All Right / Blue Moon Of Kentucky". Depois de seu lançamento a canção virou um ícone da primeira geração do Rock. Um símbolo que nunca mais foi esquecido, tanto que muitos artistas iriam prestar seu tributo a esse momento tão raro e importante nas décadas posteriores! Entre as mais conhecidas versões está a que Paul McCartney produziu em sua turnê New World Tour. Uma versão belíssima desta canção, que inclusive conseguiu capturar toda a sua essência roqueira. Em conclusão o que ficou realmente na história do rock foi a versão de Elvis Presley. A despeito da importância da gravação original de Roy Brown nada se compara à energia e a espontaneidade incomparáveis que Elvis Presley injetou na música. Um momento único em sua carreira.

Elvis Presley - Milkcow Blues Boogie / You´re a Heartbreaker
O terceiro single de Elvis Presley pela Sun Records foi composto por Milkcow Blues Boogie no lado A e You're A Heartbreaker no lado B. Conforme as vendas foram se tornando cada vez mais interessantes para a gravadora de Sam Phillips os singles (compactos simples com uma música de cada lado) também foram sendo editados com maior frequência. Era uma maneira não apenas de popularizar o cantor nas estações de rádio, como também de promover seu nome entre o público jovem de Memphis e cidades vizinhas. A Sun Records tinha limitações em termos de divulgação e promoção de seus artistas, mas fazia o possível para transformar seus singles em sucesso de vendas.

Quando o terceiro single de Elvis chegou nas lojas ele já era o maior vendedor de discos do selo Sun. Não tardou a surgir diversos boatos afirmando que a gravadora havia se tornado pequena demais para Elvis. Foi por essa época que começaram a surgir pessoas interessadas em tirar o cantor da Sun para um selo maior. De qualquer forma Presley ainda tinha o passe pertencente ao selo do sol nascente, embora seus dias por lá realmente estivessem contados. Para quem gosta de detalhes fonográficos aqui vai uma informação adicional: esse single levou o catálogo de número Sun 215. Um original vale alguns milhares de dólares e os poucos que sobreviveram ao tempo estão nas mãos de colecionadores.

"Milkcow Blues Boogie" foi gravada inicialmente por Kokomo Arnold em 1953 pelo selo Decca, sendo que em 1946 Bob Willis & his Texas Playboys já a tinham gravado com o título de "Brain Cloudy Blues". A versão de Presley surgiu no mercado como a música título de seu terceiro single pela Sun Records em 29 de dezembro de 1954. Ela foi gravada na terceira sessão de Elvis pela pequena gravadora de Sam Phillips contando somente com o trio básico de suas primeiras músicas: apenas Elvis, Bill e Scotty. A data correta desta sessão é motivo de controvérsia pois alguns autores determinam o mês de novembro e outros, dezembro, não ocorrendo um consenso sobra a data certa. Até mesmo nos encartes dos CDs mais recentes a dúvida persiste.

Essa é provavelmente uma das canções mais peculiares que já ouvi. A letra e o arranjo não deixam dúvidas: é uma canção escrita, feita e produzida para o Sul rural americano dos anos do pós guerra. A sonorização abafada e o ritmo estranho podem deixar muitos fãs jovens do cantor surpresos! Mas era justamente esse tipo de canção que tocava nas rádios regionais de Memphis quando Elvis era apenas um aspirante ao estrelado. Vale a pena sentir e ouvir a sonoridade daquela época na voz do artista que melhor representou aquela geração.

"You´re a Heartbreaker" vinha para completar o single. Apesar de ter sido legada ao lado B do acetato essa é seguramente a melhor canção desse disco. É um country de ritmo agradável, muito bem executado pelo trio Blue Moon Boys, trazendo Elvis em momento inspirado, obviamente "mastigando" as palavras em seu vocal ao estilo bem country and western. A letra, juvenil e emocional, se refere a uma "destruidora de corações" - tão comuns na juventude de cada um desses jovens dos anos 50! Enfim, linda baladinha country que marcou seu terceiro lançamento na Sun Records.

Elvis Presley - Baby Let's Play House / I'm Left, You're Right, She's Gone
Em abril de 1955 surgiu nas  lojas o quarto e penúltimo single de Elvis Presley pela Sun Records. O compacto do selo amarelo trazia duas canções gravadas por Elvis nos dois meses anteriores. Por essa época Elvis já estava se apresentando em shows ao vivo, cruzando os estados sulistas com seu número. Por isso as sessões na Sun Records eram feitas nos intervalos dos concertos, nos dias em que Elvis estava de folga em Memphis.

"Baby Let's Play House" foi gravada em uma sessão em fevereiro. Nessa ocasião Elvis gravou apenas essa faixa, o que era de certa forma incomum, já que ele costumava gravar de quatro e cinco músicas em uma noite. Não que ele não tenha tentado gravar outras canções. Nessa ocasião ele tentou gravar as primeiras versões de "I Got a Woman" e "Trying To Get To You", mas não ficaram boas e Sam Phillips resolveu descartá-las. Havia sido apenas um pequeno ensaio e depois de alguns minutos o próprio produtor resolveu encerrar a sessão. Ele poderia voltar outra noite para acertar. O mesmo aconteceria em março com "I'm Left, You're Right, She's Gone". Elvis, cansado dos compromissos na estrada, não conseguiu ir muito além dos takes dessa música. De qualquer maneira as duas músicas ficaram muito bem gravadas, caprichadas, por isso Sam as escolheu para compor esse quarto single.

Por essa época os primeiros disquinhos de Elvis começaram a chegar também nas principais cidades do país. A distribuição ficou melhor e os primeiros compactos de Elvis chegaram em lojas de Nova Iorque e Los Angeles. A RCA Victor, a poderosa gravadora multinacional, se interessou por Elvis. Outras gravadoras já tinham mostrado interesse, mas nenhuma delas havia ido direto ao ponto de forma tão decisiva. Numa manhã de sábado Sam Phillips recebeu um telefonema de Nova Iorque. Era um executivo da RCA. Ele sondava se Sam estava disposto a negociar o passe do jovem cantor. Sam, sempre com problemas financeiros, viu aquilo como uma tábua de salvação de sua pequena Sun. Sim, ele estava aberto a propostas e poderia encontrar um enviado da RCA Victor caso ele fosse até Memphis. Encontros foram agendados para dali duas semanas e imediatamente Sam soube que os dias de Elvis na Sun Records estavam chegando ao fim.

Elvis Presley - Baby Let's Play House / I'm Left, You're Right, She's Gone
Data de Gravação: Fevereiro e Março de 1955
Local de Gravação: Sun Records, Memphis, TN
Data de Lançamento: Abril de 1955
Produção: Sam Phillips
Músicos: Elvis Presley (vocais e violão) / Scotty Moore (guitarra) / Bill Black (baixo) / Jimmie Lott (bateria, apenas em "I'm Left, You're Right, She's Gone")

Elvis Presley - I Forgot To Remember To Forget / Mystery Train
Em agosto de 1955 chegou nas lojas de Memphis o quinto e último single de Elvis na gravadora Sun Records. Com o código de Sun 223, o pequeno disquinho trazia mais duas músicas inéditas do cantor gravadas no estúdio de Sam Phillips. Por essa época Elvis já estava ao lado de seu novo empresário, Tom Parker, que lhe disse que ele deveria ir embora da Sun. A pequena gravadora sulista não teria mais nada a lhe oferecer em termos de incentivo em sua carreira. Para Tom Parker apenas uma grande companhia fonográfica como a RCA Victor (a maior dos Estados Unidos) poderia lhe trazer a fama tão desejada. Ficar na Sun era perder tempo. Elvis deveria ter Memphis para trás e ir imediatamente para os grandes centros como Nova Iorque e Los Angeles.

Claro, foi um conselho acertado. A RCA tinha sim interesse em Elvis. Via no rapaz não apenas um talento nato, como também o cantor ideal que eles tanto procuravam. No novo selo Elvis iria ser produzido por Steve Sholes, um produtor experiente, com faro para o sucesso comercial. De uma forma ou outra a primeira providência da RCA Victor após assinar com Elvis foi relançar todos os seus cinco compactos na Sun, dessa vez garantindo distribuição nacional e internacional. O alcance da multinacional era algo completamente impossível de se igualar por Sam e sua pequena empresa. Philips obviamente ficou um pouco triste por Elvis deixar sua gravadora, mas isso era algo mesmo irreversível de acontecer. Como gratidão Elvis prometeu que sempre que possível voltaria à Sun para rever os velhos amigos - algo que ele cumpriu realmente.

Já em termos puramente musicais esse single foi considerado realmente genial. Não pelo lado A do compacto que trazia a boa " I Forgot To Remember To Forget", uma balada com claro sabor country and western, mas sim pelo aclamado lado B "Mystery Train". Até hoje essa faixa é considerada por críticos e especialistas em música como uma das mais perfeitas gravações da carreira de Elvis. É até mesmo espantoso que Elvis e Sam tenham produzido algo assim com tão poucos recursos técnicos. Um famoso crítico de Nova Iorque certa vez escreveu que se Elvis tivesse desaparecido em 1955 sem deixar rastros ele ainda assim seria lembrado por causa de sua performance de Mystery Train. Um ponto de vista que não tenho como discordar.

Pablo Aluísio.

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