O filme “Johnny e June” (Walk The Line) conta a história do cantor Johnny Cash. O principal fator de ir vê-lo mesmo era o fato de Johnny ter sido um artista nascido na Sun Records e ter sua história bem próxima a do próprio Elvis. Isso é facilmente explicado porque os caminhos de Cash sempre cruzaram com os de Elvis, desde os primeiros anos na Sun. Era uma película que eu simplesmente não podia perder de jeito nenhum. Como fiquei muito ansioso em ver um grande filme, minha decepção foi um pouco maior. No conjunto ele pode até ser considerado um bom entretenimento, mas se formos levar a coisa mais a fundo, analisando várias passagens que acontecem no filme do ponto de vista histórico, não podemos deixar de ficarmos bem decepcionados. Sam Phillips, por exemplo, que foi uma figura chave na trajetória de Cash é colocado para escanteio, aparecendo basicamente na cena em que Johnny faz um teste na Sun. Depois disso ele desaparece totalmente do filme. Nada é dito sobre o fato de Sam ter praticamente tomado todas as grandes decisões da carreira de Cash no começo de sua vida artística. No que se refere a Elvis a coisa é bem pior.
A participação de Elvis no filme se resume a quatro cenas rápidas, nenhuma delas muito proveitosa ou relevante. Na primeira cena em que aparece Elvis, Johnny Cash está passando pela frente da Sun Records em Memphis e lê o famoso cartaz da gravadora anunciando que um disco pode ser gravado por apenas 4 dólares. Ele dá a volta e entra pelas portas do fundo da Sun no exato momento em que Elvis está gravando uma de suas músicas do período Sun, Milkcow Blues Boogie. Sinceramente, o ator que faz Elvis é tão péssimo que ficamos mesmo na dúvida que aquele que aparece naquele momento é mesmo Elvis! Ele não se parece nada (nada mesmo) e não dispensa todos os requebros extremamente mal feitos, que já estamos acostumados, com atores que tentam dançar igual a Elvis em filmes em que ele aparece como personagem. O constrangimento nessa cena é total, eu particularmente fiquei extremamente decepcionado ao constatar como ela foi mal feita. Na verdade sua caracterização está muito mais para Hank Williams do que para Elvis, confundiram os ídolos ou a coisa toda foi mal feita mesmo. Uma decepção. Logo aparece o engenheiro de som e fecha as portas do fundo, deixando Cash do lado de fora. Outra cena péssima é o encontro de Cash com Elvis nos bastidores de um dos festivais que ambos participaram no começo da carreira deles. Elvis aparece escondido num local do teatro, assistindo ao show, tentando passar despercebido da plateia, comendo comidas gordurosas e as oferecendo para Cash. O recado que o roteirista utiliza para deixar bem claro que aquele é Elvis é sua gulodice. É algo do tipo: “Elvis já era um glutão desde o começo!”. Forçou a barra em cena totalmente desnecessária, infantil e sem qualquer importância para o restante do filme. Mas o pior momento é aquele em que um cara da banda oferece pílulas a Johnny Cash afirmando que “Elvis também as toma!”.
Para quem pensa que a cena é totalmente gratuita e vai acabar logo é surpreendido com o que acontece depois. O pior acontece mesmo quando o próprio Elvis aparece do nada e fazendo sinais de aprovação com a cabeça incentiva Cash e usar as drogas. Essa cena é um recurso do roteiro para explicar o começo dos problemas químicos de Cash e historicamente é totalmente improvável por vários motivos! Elvis jamais iria aparecer em público, mesmo que fosse ao lado de seus próprios músicos, e incentivar alguém a usar pílulas. Isso nem sequer é sugerido na autobiografia de Cash. Elvis não é mencionado e nem muito menos apontado como uma pessoa que o incentivou pessoalmente a usar pílulas. O que ele afirma é que começou a usar pílulas durante os festivais dos quais participava durante os anos 50. Elvis participou de dois bem conhecidos jamborees ao lado de Cash e June. O primeiro foi liderado por Hank Snon e o segundo pelo próprio Elvis quando ele já era uma estrela nacional. Mas fora esses dois momentos ao lado de Elvis, Cash participou de muito outros e com muitos outros artistas e músicos. Cash não especifica quem lhe deu as drogas em seu livro. Jogar a culpa do vício de Cash, mesmo que indiretamente, sobre os ombros de Elvis não foi uma coisa honesta dos roteiristas. Naqueles tempos o uso de pílulas por parte de Elvis passava longe de ser um fato notório comentado pelos músicos dos festivais de forma tão natural e simples. Isso era um segredo muito bem guardado por todos ao redor do cantor. Outro personagem ainda chega a comentar com Cash que Elvis só conversava sobre sacanagem durante as excursões! Eu fiquei particularmente espantado com essa bobagem. De onde esses caras tiram essas ideias?!
Outro furo do roteiro é a não menção ao Million Dollar Quartet. Mesmo que a participação de Cash nesse evento tenha sido secundária, era para ser retratada no filme. É muito mais importante do que mostrar Elvis comendo frituras ou incentivando Cash (pessoa a quem ele nem tinha muita intimidade) a usar drogas. Por fim, após Cash fazer uma apresentação no filme, Elvis entra no palco para tocar “That’s All Right” (Mama). O ator, como bem já frisei, é horrível. Sinceramente, já que a pessoa que faz Elvis não precisou atuar, porque eles não contrataram logo um cover de Elvis dos anos 50? Ficaria muito melhor e muito menos constrangedor. A cena é digna de qualquer programa de auditório da TV brasileira, de tão mal feita. Enfim... o filme passou de ser razoável na minha opinião. As partes em que Elvis participa como personagem são horríveis. Vocês podem até me perguntar: E o resto do filme Pablo? Bom... tem altos e baixos. Joaquim Phoenix está muito bem, tanto que vem sendo premiado por sua atuação, O fato dele cantar em várias cenas, dispensando o uso de playback, é realmente impressionante. Mas como disse antes, a tentativa por parte dos produtores de fazer algo bem comercial, pesa contra o resultado final positivo. Muita coisa importante ficou de fora, enquanto coisas dispensáveis e irrelevantes foram incluídas. No final o filme leva uma nota 7,0 de minha parte.
Pablo Aluísio.