1. Ação: definição e significado
Conceito de ação
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Em sentido amplo, a ação é o direito subjetivo público que assiste ao indivíduo de provocar o Estado-juiz (o Poder Judiciário) para que este dirima o conflito de interesses mediante decisão. É a aptidão que o particular tem de submeter uma pretensão ao órgão estatal.
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Em sentido estrito / concreto, “ação” também designa o comportamento processual do autor (atos iniciais: petição inicial, etc.).
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No direito brasileiro domina a visão de que ação é um direito público subjetivo, autônomo face ao direito material (i.e. não é mera derivação passiva dele).
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O art. 5º, XXXV, da Constituição (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”) consagra o direito de ação como direito fundamental de acesso ao Judiciário.
A partir desse conceito surgem as teorias da ação, que procuram explicar a natureza, os limites e os efeitos do direito de ação.
2. Principais teorias da ação: panorama e características
Vou apresentar as teorias clássicas na ordem histórica, suas ideias centrais, pontos fortes e críticas, e depois mostrar qual delas (ou quais) influenciam o processo civil brasileiro.
2.1 Teoria Imanentista (ou civilista, clássica)
Ideia central / definição
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Essa é a teoria mais antiga, ligada ao direito romano-germânico, com forte influência do direito privado. Um de seus expoentes no direito moderno é Friedrich Carl von Savigny.
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Para a teoria imanentista, a ação está imanentemente ligada ao direito material: não haveria direito de ação se não houvesse direito material a ser tutelado ou exercido. A ação simplesmente seria a exteriorização ou meio de exercer o direito material.
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Em outras palavras, o direito material e o direito de ação são a mesma coisa ou, ao menos, não há autonomia entre eles.
Características / implicações
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A jurisdição e o processo são subordinados ao direito material: não haveria ação sem direito material legítimo.
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Se o direito material do autor não existir, não existe ação ou não tem sentido o processo.
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São muito frágeis as distinções entre direito material e direito processual.
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A ação é concebida como algo derivado, não como direito autônomo.
Críticas principais
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Não explica bem as ações declaratórias, em que não há violação concreta, mas apenas pedido de declaração (o autor pleiteia apenas a confirmação de que não há obrigação ou relação).
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Conduz a uma confusão entre mérito e admissibilidade: se tudo depende do direito material, não há lugar para pressupostos ou condições processuais.
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Não permite explicar a persistência do processo, os atos intermediários, e a existência de litispendência ou coisa julgada material: se a ação não existir por ausência do direito material, muitos institutos processuais ficam sem justificativa.
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Não compatível com a visão moderna do processo como instrumento constitucional e autônomo.
2.2 Teoria Concreta da Ação (ou teoria do direito concreto da ação)
Ideia central / definição
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É uma reação à teoria imanentista. Um dos autores associados é Adolf Wach.
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Para essa teoria, o direito de ação só existe se o autor tiver de fato o direito que afirma, isto é, se a pretensão for procedente (o direito material existir). A ação é “concreta” porque está condicionada à existência real do direito material postulável.
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A ação é vista como um direito autônomo, mas condicionado à procedência do pedido.
Características / implicações
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A ação depende da existência do direito material (como na imanentista), mas reconhece uma separação formal entre ação e direito material — porém ele condiciona o direito de ação à procedência.
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Se, em sentido abstrato, o autor não tiver direito material, não há ação.
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O processo (judício) existe se objetiva concretizar um direito previamente existente.
Críticas principais
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Se a ação só existe quando o direito existe de fato, muitos casos não poderão sequer ser levados ao Judiciário — o que compromete o acesso à jurisdição.
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Também dificulta a delimitação entre mérito e admissibilidade: a averiguação da existência do direito material recairia desde logo na fase inicial, levando a um exame antecipado do mérito.
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Implica que muitas demandas “deveriam ser rejeitadas” já de início, sem permitir ao autor demonstrar sua pretensão — ameaça à ampla defesa e ao contraditório.
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Não é compatível com a noção de ação como direito público de provocação estatal.
2.3 Teoria Abstrata da Ação (ou teoria do direito abstrato da ação)
Ideia central / definição
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Apareceu com teóricos como Giuseppe Chiovenda, Degenkolb, Plósz.
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Para essa teoria, o direito de ação é abstrato e autônomo: existe independentemente da existência ou não do direito material que se pleiteia.
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Basta que o autor tenha (ou afirme) uma pretensão juridicamente tutelável: não importa se no final ela será reconhecida ou rejeitada — o Judiciário só vai examinar o mérito depois.
Características / implicações
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A ação não depende de prova da existência do direito material no momento inicial.
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O processo deve existir independentemente de quem vença.
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O direito de ação é um direito de petição: o autor pede que o juiz se pronuncie, mas não garante que seu pedido será acolhido.
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A verificação da existência ou não do direito material (mérito) caberá ao juízo de mérito, e não compõe o exame de admissibilidade.
Críticas principais
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Pode levar a excesso de demandas manifestamente improcedentes (se não houver filtro inicial).
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Menos critérios materiais são exigidos inicialmente para “filtrar” causas que claramente não têm base jurídica.
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Pode onerar o Judiciário, porque muitas ações sem razoabilidade terão de ser recebidas e depois rejeitadas no mérito.
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A separação radical entre ação e direito material pode parecer artificial ou demasiado formal.
2.4 Teoria Eclética da Ação (ou teoria intermediária / temperada) — Liebman
Ideia central / definição
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É, historicamente, uma tentativa de conciliar os excessos das teorias anteriores e veio a influenciar fortemente o direito processual moderno, inclusive no Brasil.
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O principal nome é Enrico Tullio Liebman.
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Para ele, a ação é um direito abstrato-autônomo, mas condicionado à presença de requisitos (chamados “condições da ação” ou “condições de admissibilidade”) que devem ser verificados antes ou simultaneamente à análise do mérito.
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Ou seja: a ação existe independentemente do direito material, mas para que seja admitida (i.e. para que o auctor obtenha o pronunciamento do juiz, com resolução do mérito), precisa preencher certos requisitos.
Condições da ação (segundo Liebman / teoria eclética clássica)
Liebman originalmente mencionava três condições essenciais:
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Legitimidade ad causam — a parte deve ter legitimidade para agir (relação entre sujeito e a pretensão).
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Interesse de agir (ou interesse processual) — deve haver utilidade e necessidade no provimento jurisdicional pleiteado.
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Possibilidade jurídica do pedido — não pedir algo que o ordenamento jurídico proíba ou que seja inviável juridicamente.
Obs.: com o tempo, a “possibilidade jurídica do pedido” passou a ser vista por muitos estudiosos como elemento do mérito (i.e. não uma condição de admissibilidade). No CPC/2015, o Código optou por não usar expressamente a “possibilidade jurídica do pedido” como condição da ação, mas como aspecto do mérito. (JusBrasil)
Características adicionais
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As condições da ação não se confundem com o mérito: elas são requisitos de admissibilidade processual, não de existência do direito material.
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Se alguma condição for ausente, o processo deve ser extinto sem apreciação do mérito (carência de ação).
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As condições são de ordem pública, podendo ser conhecidas de ofício pelo juiz, a qualquer tempo e grau. (Estratégia Concursos)
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Também para Liebman, as condições devem ser observadas na fase inicial (ou antes da “resolução do mérito”).
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A teoria eclética foi traduzida ao direito brasileiro como um modelo intermediário, adotado em linhas gerais pelo CPC. (EMERJ)
Críticas à teoria eclética
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Alguns autores entendem que a dicotomia entre admissibilidade (condições) e mérito não é clara ou que muitas vezes serão atravessadas provas para reconhecer a ausência das condições, o que pode gerar confusão entre méritos e admissibilidade.
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A teoria é acusada de excesso de formalismo, exigindo condições rígidas que nem sempre são fáceis de observar à partida.
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Outro ponto é que, com o CPC/2015, o legislador não mencionou diretamente as “condições da ação” como no CPC/73, o que leva a debates se essa noção foi ab-rogada ou transformada (alguns críticos questionam se cabe ainda falar em condições da ação no novo regime). (Tede PUCSP)
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Também há críticas de que a teoria eclética impõe um juízo preliminar rígido demais, podendo limitar o acesso à jurisdição.
2.5 Teoria da Asserção (in statu assertionis, teoria della prospettazione)
Ideia central / definição
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É uma teoria mais moderna, que busca conciliar efetividade e economia processual com os requisitos de admissibilidade.
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Segundo essa teoria, as condições da ação devem ser avaliadas com base nas alegações do autor contidas na petição inicial, i.e. in statu assertionis (na situação afirmada), em cognição superficial, sem investigação aprofundada.
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O juiz, nessa fase inicial, supõe provisoriamente verdadeiras as alegações do autor, apenas para verificar se, “se tudo fosse verdade”, estaria cumprida a legitimidade e o interesse de agir.
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Se, nessa análise superficial, as condições aparecem presentes, o processo segue. Se não, o juiz extingue por carência de ação.
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A verificação mais aprofundada (se as alegações são falsas, se os pressupostos não se confirmam) se dá na fase de mérito. Se na fase de mérito se constatar que as alegações não correspondem à realidade ou que alguma condição não estava presente, aí sim se rejeita o pedido, com julgamento de mérito — resultando em coisa julgada material.
Características / implicações
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A aferição inicial é simplificada, rápida, sem produção probatória profunda.
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Evita-se que o juiz “mergulhe no mérito” para afastar a existência das condições da ação, de modo a preservar a finalidade constitucional do direito de acesso à jurisdição.
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Ela busca um equilíbrio entre efetividade e o controle de demandas manifestamente inadmissíveis.
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As condições da ação (legitimidade, interesse) devem estar aparentes nas alegações iniciais; se dependerem de provas complexas ou da impugnação do réu, pode-se discutir no mérito.
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A teoria da asserção costuma tratar a carência de ação como matéria “prévia”, mas sua verificação depende da petição inicial, e não de exame profundo.
Críticas à teoria da asserção
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É acusada de fragilizar o controle das condições da ação — admitir demandas com alegações frágeis ou inverossímeis, levando a aumento de indevidos processos que depois serão rejeitados.
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Pode gerar insegurança jurídica, pois decisões de extinção sem maior investigação podem “descartar” causas que teriam mérito.
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Há risco de que “alegações fantasiosas” ou temerárias sejam admitidas apenas para que o processo vá adiante.
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A coisa julgada formada ao julgar mérito pode consolidar entendimento errado sobre ausência de condições, sem que fosse feita verificação adequada.
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Alguns críticos dizem que a teoria da asserção “invade o mérito”, porque pressupõe que tudo que o autor alega é verdadeiro para analisar admissibilidade, o que distorce a distinção entre admissibilidade e mérito.
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Também se discute se essa teoria é compatível com princípios do contraditório e da ampla defesa, quando decisões de extinção são tomadas prematuramente.
3. Adoção no processo civil brasileiro: qual teoria “vigora”?
No Brasil, a doutrina dominante diz que o direito processual brasileiro é influenciado pela teoria eclética (modelo intermediário). (Revisão Ensino Jurídico)
No entanto, há uma tensão muito clara entre a teoria eclética (frequentemente invocada como fundamento) e a orientação jurisprudencial, especialmente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que adota muitas vezes a teoria da asserção para verificação das condições da ação. (Superior Tribunal de Justiça)
Alguns pontos concretos:
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O CPC/2015 não menciona explicitamente “condições da ação” como o CPC/73 fazia, mas conserva dispositivos que levam à extinção sem resolução de mérito em casos que corresponderiam às hipóteses de carência de ação (e.g. arts. 267, § 6º, 301, 485, etc.). (Tede PUCSP)
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A doutrina majoritária entende que o CPC/2015 adotou tacitamente a teoria eclética, ou uma versão modificada dela, e que as condições de legitimidade / interesse de agir permanecem como pressupostos de admissibilidade. (Juspodivm)
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Por outro lado, o STJ tem reiterado que para efeitos de extinção por carência, a análise das condições da ação (legitimidade, interesse) deve ser feita com base nas alegações da petição inicial (teoria da asserção) — sem exame aprofundado, salvo se o caso exigir investigação mais densa (i.e. parâmetro de mérito). (Superior Tribunal de Justiça)
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Em suma: o processo civil brasileiro “opera” com um modelo híbrido: teoricamente eclético, mas com uma tendência interpretativa assertiva (teoria da asserção) em muitas decisões judiciais.
Essa dualidade é precisamente um dos temas centrais de debates atuais.
4. Comparação: teoria eclética × teoria da asserção
Vou destacar as principais diferenças entre essas duas teorias (eclética e asserção), com foco nos efeitos práticos:
Critério | Teoria Eclética | Teoria da Asserção |
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Natureza da ação | Direito abstrato-autônomo, condicionado a requisitos (condições) | Direito processual que admite as condições com base nas alegações iniciais |
Momento da verificação das condições | Antes da análise do mérito, fase preliminar ou incidente | Na petição inicial, por cognição superficial, presumindo verdadeiras as alegações |
Profundidade do exame | Mais rigoroso, pode demandar análise factual ou probatória para constatar ausência de condição | Exame sumário; se for necessário exame mais aprofundado, isso se desloca ao mérito |
Repercussão de constatação de ausência | Extinção do processo sem resolução de mérito — carência de ação; não forma coisa julgada material sobre o mérito | Extinção por carência se na fase inicial a alegação não mostra condições; mas se o juiz só descobrir depois que a condição não existe, ele julga no mérito (rejeição de pedido) com coisa julgada |
Segurança jurídica / controle | Maior controle das condições, menor chance de demandas “fantasiosas” | Menor rigor inicial, favorece acesso à jurisdição, mas pode gerar inundação de pedidos |
Risco de invasão de mérito | Há risco de “mergulhar no mérito” para averiguar a condição, o que alguns consideram equívoco | A teoria da asserção evita que o juiz adentre o mérito para analisar admissibilidade, preservando a função inicial da petição |
Compatibilidade com contraditório / ampla defesa | Mais compatível com aprofundamento processual das partes | Dependendo de como for usada, pode ferir o contraditório se julgamento prematuro for feito antes de oportunizar defesa |
Em essência, a teoria da asserção é mais “generosa” ao autor (favorece a admissão inicial da demanda), enquanto a teoria eclética tende a exigir maior robustez desde o início, como mecanismo de filtro.
Uma diferença crucial: segundo a teoria da asserção, o juiz não deve recusar imediatamente uma demanda simplesmente porque não viu prova ou porque há dúvida — ele supõe verdadeira a alegação inicial se for minimamente plausível. Já na teoria eclética, se já houver indícios claros de ausência de legitimidade ou de interesse, o juiz pode (e deve) extinguir.
5. Teoria da asserção e carência de ação: efeitos práticos
A carência de ação (ou extinção por falta de condições da ação) é a figura processual que corresponde à ausência dos requisitos de admissibilidade (legitimidade, interesse, possivelmente possibilidade jurídica). A teoria da asserção molda como essa carência será apreciada:
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Se, na petição inicial, as alegações do autor não demonstram minimamente que existe legitimidade ou interesse, o juiz pode extinguir o processo por carência, sem resolução de mérito — com base na teoria da asserção.
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Se as alegações são suficientes para supor que a condição exista (in statu assertionis), o processo segue até o mérito.
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Se, na fase de instrução ou no mérito, se verifica que, de fato, a condição não existia (ex: o autor não era legítimo, ou não havia utilidade na tutela), então o juiz rejeita o pedido, com julgamento de mérito — e aí se forma coisa julgada material sobre essa questão (i.e. não cabe nova ação com mesma pretensão alegando falta de condição).
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Por isso, com a teoria da asserção, há uma distinção entre extinção por carência (quando na exordial já se nota a falha) e rejeição liminar no mérito (quando se descobre no curso do processo).
Esse modelo dá mais chance ao autor de “seguir adiante” e fazer sua prova, reduzindo decisões extintivas prematuras que poderiam impedir a análise do mérito.
Por outro lado, também demanda cautela — porque, se aceita demasiadamente demandas frágeis apenas com base em alegações, pode gerar uso abusivo do processo.
Vale destacar que, no entendimento do STJ, as condições da ação devem ser averiguadas segundo a teoria da asserção: o tribunal exige que a análise de legitimidade ou interesse se baseie nas alegações iniciais, sob pena de indevida extinção antecipada. (Superior Tribunal de Justiça)
Por exemplo:
“As condições da ação são apuradas de acordo com a teoria da asserção. Assim, o reconhecimento da legitimidade das partes se dá com base nos argumentos formulados na petição inicial.” (Superior Tribunal de Justiça)
Outro caso prático recente: no Boletim Informativo do TRF1 (2025), há referência à teoria da asserção e ao dever de observância do contraditório: antes de extinguir por carência, deve-se garantir possibilidade de manifestação das partes. (Tribunal Regional Federal da 1ª Região)
E em artigo recente (2025) discute-se a aplicação da teoria da asserção na legitimidade ativa de beneficiários terceiros de contratos de honorários advocatícios — mostrando que decisões judiciais indevidas vêm sendo criticadas quando afastam ação sem analisar mérito, com base em ilegitimidade suposta. (Migalhas)
6. Críticas contemporâneas à teoria da asserção da ação
Além das críticas já apontadas, aqui vão algumas observações pontuais contemporâneas:
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Fragilidade no controle de admissibilidade
Ao admitir qualquer pretensão que pareça minimamente legítima, pode-se admitir demandas claramente infundadas, onerando o Judiciário. -
Risco de decisões precipitadas
Em casos em que a ausência de condição é evidente (por exemplo, parte manifestamente ilegítima), a teoria da asserção pode impedir extinção imediata e forçar tramitação até o mérito, com desperdício de recursos. -
Coisa julgada em questões de condição
Ao rejeitar no mérito uma condição que, se considerada inadmissível, poderia ter dado extinção por carência, forma-se coisa julgada material — o que impede reabertura por ausência de condição no futuro, mesmo que se demonstre que a condição realmente não existia. Isso pode gerar efeitos injustos se o controle inicial foi superficial. -
Tensão com o contraditório e a ampla defesa
Quando o juiz extingue de ofício com base em teoria da asserção, sem oportunidade de contraditório aprofundado, pode-se violar o princípio da ampla defesa. Por isso, é necessário garantir oportunidade mínima às partes.
Um acórdão recente do TRF1 enfatiza que, antes de extinção por carência, deve haver observância do contraditório. (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) -
Descompasso entre doutrina e prática
A doutrina muitas vezes pauta-se pela teoria eclética, enquanto a prática jurisprudencial, especialmente do STJ, favorece a teoria da asserção, gerando insegurança sobre qual critério aplicar em casos concretos. -
Questão da compatibilidade com o CPC/2015
Alguns doutrinadores afirmam que o CPC/2015 “desfigurou” ou “aboliu” a noção clássica de condições da ação, migrando para o regime de pressupostos processuais gerais ou integrando parte dessas matérias ao mérito. Isso pode criar incompatibilidade com a teoria da asserção em sua versão mais pura. (Tede PUCSP) -
Possível aumento da litigiosidade irresponsável
Se autores perceberem que basta alegar minimamente para seguir em frente, pode haver estímulo a demandas especulativas ou “aventurosas”.
Por essas razões, muitos doutrinadores defendem uma “teoria da asserção moderada” ou temperada, que admita exame superficial, mas com salvaguardas e limites — por exemplo, exigir plausibilidade mínima, permitir impugnação pelo réu, permitir extinção logo que surjam provas fortes de ausência de condição, etc.
7. Decisões recentes do STF / STJ sobre teoria da asserção ou condições da ação
Embora o tema “teoria da ação” não seja frequentemente objeto de julgamento exclusivo no STF (mais comum no STJ e tribunais regionais), há decisões e entendimentos relevantes que refletem essa tensão. Aqui alguns exemplos:
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STJ (Revisão / Súmulas / Jurisprudência pacífica)
O STJ tem consistente jurisprudência no sentido de que as condições da ação devem ser analisadas de acordo com a teoria da asserção: o tribunal entende que o juiz deve valorar as alegações iniciais para decidir extinção por carência ou prosseguimento. (Superior Tribunal de Justiça)
Por exemplo, já se decidiu que:“A análise das condições da ação, tal como a legitimidade ativa ad causam, que porventura acarretarem a extinção do processo sem resolução de mérito, são aferidas à luz da teoria da asserção, de modo que, demandando tais questões exame mais aprofundado, esta medida implicará julgamento de mérito.” (cj.estrategia.com)
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STF
Não identifiquei decisões recentes do STF especificamente focadas na teoria da asserção da ação (ao menos não nos materiais pesquisados). Em geral, o STF trata mais de temas constitucionais de processo (duplo grau, devido processo, direito de petição etc.). -
Tribunais regionais
Como mencionado, o TRF1, em boletim informativo (2025), já publicou entendimento sobre teoria da asserção, reiterando que o contraditório deve ser observado antes de extinção por carência. (Tribunal Regional Federal da 1ª Região)
Tribunais estaduais também têm aplicado a teoria da asserção em decisões de legitimidade ou interesse: por exemplo, TJDFT já reconheceu que legitimidade passiva e outras condições da ação devem ser aferidas com base nas alegações iniciais (“as questões relacionadas às condições da ação … são aferidas à luz do que o autor afirma na petição inicial”) (TJDFT)
Esses casos mostram que o sistema judiciário brasileiro já opera de fato — sobretudo no STJ — segundo a teoria da asserção para decidir extinções ou admissibilidade.
8. Síntese e reflexões finais
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As teorias da ação (imanentista, concreta, abstrata, eclética, asserção) refletem diferentes visões sobre a relação entre direito material, direito processual, e o papel do Judiciário.
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O modelo mais equilibrado e historicamente influente no Brasil é a teoria eclética, que sustenta que a ação é um direito autônomo, mas condicionado ao cumprimento de requisitos (condições) que devem ser verificados como admissibilidade.
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A teoria da asserção tem ampla adesão jurisprudencial (notadamente no STJ) para fins de verificação das condições da ação, porque valoriza a narrativa inicial do autor e busca evitar decisões extintivas precipitadas.
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No entanto, essa teoria não está isenta de críticas: risco de demandas especulativas, insegurança jurídica, fragilidade no controle de admissibilidade, e tensão com o contraditório e ampla defesa.
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Em prática, o direito processual brasileiro opera em um modelo híbrido: teoricamente eclético, mas com forte influência assertiva no exame das condições da ação.
Direito, Direito
ResponderExcluirProcessual Civil