sábado, 15 de janeiro de 2005

Elvis Presley - Elvis in Person at the International Hotel, Las Vegas, Nevada (1969)

Blue Suede Shoes (Carl Perkins)
A versão de "Blue Suede Shoes" desse álbum foi a terceira a ser lançada na discografia oficial de Elvis. Recordando: a primeira vez que esse clássico rock surgiu na voz de Elvis foi em seu primeiro LP na RCA Victor, logo após ele assinar com a gravadora, em 1956, o grande ano de sua fase como roqueiro. Ela abria o lado A do disco e havia sido gravada nas primeiras sessões do cantor na nova empresa. Essa gravação é considerada uma das melhores já realizadas pelo então chamado Rei do Rock. Quatro anos depois Elvis gravou "Blue Suede Shoes" novamente, dessa vez para a trilha sonora do filme "Saudades de um Pracinha" (GI Blues, 1960). Eu sempre gostei muito dessa segunda versão principalmente pelo fato de ser extremamente bem gravada, com ótimo arranjo. Não tem o mesmo feeling roqueiro da primeira versão, mas supera essa em termos de performance e execução. Não resta dúvida que foi muito bem trabalhada em estúdio. Por isso a considero um verdadeiro primor de Elvis durante os anos 60. Embora "Blue Suede Shoes" seja uma criação de outro astro da Sun Records, o grande Carl Perkins, ela sempre foi muito associada a Elvis e por essa razão era de se esperar que mais cedo ou mais tarde voltasse à sua discografia oficial. E foi o que de fato aconteceu. Em 1969 ela ressurgiu aqui, dessa vez gravada nos palcos de Las Vegas. Devo dizer que é uma excelente gravação, com Elvis e sua TCB Band extremamente empenhados em dar o melhor de si. Há uma introdução musical que fazia parte dos primeiros concertos de Elvis em Vegas, pois na época ele ainda não usava a conhecida "Also Sprach Zarathustra", composição clássica de Richard Strauss. Pois bem, essa abertura que ouvimos nesse álbum foi gravada justamente no concerto do dia 25 de agosto, quando a RCA montou seu equipamento de gravação no showroom do International Hotel justamente para aproveitá-la naquele que seria o primeiro disco ao vivo de Elvis em Las Vegas. Infelizmente temos que reconhecer também que logo Elvis perderia o interesse por "Blue Suede Shoes" nos shows que viriam. Seria notório que a execução desse clássico iria se tornar, com o passar dos anos, mais displicente e negligente por parte de Elvis. Não raro ele a cantava em medíocres versões com menos de um minuto de duração! O que teria acontecido? Penso que o repertório de Elvis ficou tão sofisticado e pessoal a partir de determinado momento de sua carreira ao vivo que "Blue Suede Shoes" acabou ficando ofuscada, diria até mesmo obsoleta. Quando Elvis a gravou pela primeira vez ele era apenas um jovem de vinte e poucos anos. O tempo passou e o velho rock foi perdendo o sentido para o cantor. Algo normal de acontecer. Na maioria das vezes só servia mesmo como um lembrete de que aquele cantor que estava no palco na frente de seu público havia sido um dos nomes mais importantes da história do rock e seu surgimento. Nada muito além disso.

Johnny B. Goode (Chuck Berry)
Outra canção a surgir pela primeira vez na discografia oficial de Elvis nesse álbum foi "Johnny B. Goode", o clássico rock de Chuck Berry. A música foi originalmente lançada em 1958 na gravadora Chess de Chicago. Durante anos a RCA Victor sugeriu a Elvis que gravasse sua versão em estúdio já que esse sempre foi considerado um dos mais celebrados rocks da história, mas Elvis sempre declinava do convite. Para muitos o fato de Elvis nunca ter gravado a música em estúdio nos anos 60 se deveu ao fato dela ser uma verdadeira marca registrada de Chuck Berry, extremamente conhecida e identificada com esse artista. Faz sentido. Se formos analisar bem a carreira de Elvis perceberemos que, com algumas exceções, o cantor preferia gravar canções menos conhecidas, que não fosse hits absolutos de outros cantores. Para isso basta olhar bem o exemplo de Chuck Berry. Ao invés de gravar "Johnny B. Goode" em estúdio Elvis preferiu fazer versões de músicas menos conhecidas dele, como por exemplo, "Memphis Tennessee". Por isso, embora seja um marco da primeira geração de roqueiros americanos, Elvis nunca a tenha gravado oficialmente em estúdio. Já uma versão ao vivo era outra história. Em concertos Elvis se sentia mais livre e solto de amarras. A versão que ouvimos aqui, gravada na primeira temporada em Las Vegas, tem todo o vigor e energia necessários para transformá-la naquela que talvez seja a melhor performance de Elvis da canção. É verdade que outras versões seriam lançadas em discos oficiais, com destaque para a do álbum duplo "Aloha From Hawaii", mas aquela, embora fosse boa, já não tinha mais o pique de antes. Aqui no "In Person" havia aquela vontade de dar certo, de se apresentar bem, isso depois de anos afastado dos palcos. Elvis nessa primeira temporada queria provar a todos que ainda era um grande artista de palco, acima de tudo. Esse foi o diferencial. O destaque em termos de banda, não poderia ser dado a outro músico, pois quem realmente arrasa nessa execução é o guitarrista James Burton. Vindo do grupo de Ricky Nelson, Burton acabou virando um dos principais elementos da TCB Band. Sua atuação aqui foi certamente irrepreensível.

All Shook Up (Otis Blackwell / Elvis Presley)
Embora tenha sido um dos maiores cantores de todos os tempos o fato é que Elvis Presley não levava jeito para compor músicas. Definitivamente ele não era um compositor, fato que ele próprio reconheceu em muitas entrevistas. Na verdade Elvis era um intérprete fenomenal, mas seu talento musical era restrito aos vocais e nada muito além disso. Não há nada de errado nesse aspecto, sendo apenas uma característica sua como artista. Ele não compunha e tocava apenas o básico de certos instrumentos como violão e piano. Dito isso é curioso ver que um de seus maiores sucessos foram creditados a ele. "All Shook Up" ainda hoje é citada como uma composição da dupla Otis Blackwell e Elvis Presley. A verdade foi que Elvis contou a Steve Sholes um estranho sonho que tivera na noite anterior ao de uma sessão de gravação em Nova Iorque. O produtor então ligou para Blackwell para que ele providenciasse um tema em cima disso e assim a canção foi composta. De forma bem divertida e rindo muito Elvis explicaria depois que a inclusão de seu nome na criação dessa música era uma "grosseira tapeação". Pois bem, sendo dele ou não, pouco importa. O fato é que Elvis tinha que voltar com força total aos palcos de Las Vegas após passar vários anos sem realizar shows, se concentrando apenas nos filmes e em suas trilhas sonoras. Por isso era necessário também valorizar seu próprio legado de sucessos. Assim esse novo arranjo foi criado, muito em cima da versão que já havia sido apresentada no NBC TV Special no ano anterior. Como era de praxe nesses antigos rocks Elvis não a levou muito à sério. Era a oportunidade de levantar o público, apresentar algum coreografia agitada e nada muito além disso. É interessante notar que nessa primeira temporada em Vegas Elvis veio com fúria total no palco, porém aos poucos ele foi percebendo que o público da cidade era um pouco diferente daquele que ele encontrara nos anos 50. A maioria era formada de casais na meia idade, todos eles sentados confortavelmente em suas mesas. Algo bem diferente das plateias formadas por jovens adolescentes gritantes de seus anos como roqueiro. Por isso ao longo do tempo Elvis foi colocando seus rocks antigos meio de lado, valorizando canções mais de acordo com aquele público, diria, mais conservador e comportado.

Are You Lonesome Tonight? (Lou Handman / Roy Turk)
Depois que Elvis Presley retornou da Alemanha, onde havia estado por longo tempo para cumprir seu serviço militar, o Coronel Parrker e a RCA Victor decidiram que era o momento dele promover mudanças em sua carreira. A imagem do Elvis roqueiro, rebelde e selvagem, não era mais adequada. Parker tinha planos de transformar Elvis em um astro galã de Hollywood ao velho estilo. Nada de associações com James Dean, Marlon Brando ou com o Rock. O mundo musical havia mudado desde que Elvis fora embora. Os antigos ídolos roqueiros estavam com problemas legais, alguns deles tinham sido presos e não era mais conveniente se associar a esse tipo de coisa. Havia um estigma ruim ligando o rock e a criminalidade, dentro da imprensa e da sociedade americana. Assim Elvis foi remodelado, transformando-se de jovem roqueiro desafiador em um bom moço, cumpridor dos deveres patrióticos, cantando músicas romântica e ternas. Músicas mais agitadas? Apenas se fossem do estilo pop suave. Dentro dessa nova diretriz uma canção como "Are You Lonesome Tonight?" era mais do que adequada. Era o tipo de som que iria imperar nos álbuns e singles do cantor dali para frente. Na verdade "Are You Lonesome Tonight?" era uma regravação de um antigo sucesso da década de 1920, ainda no alvorecer da nascente indústria fonográfica americana. Antes do advento dos gramofones e dos discos de cera (que foram anteriores ao vinil), os compositores ganhavam dinheiro vendendo as partituras de suas músicas em lojas de instrumentos musicais. Como quase toda casa nos Estados Unidos tinha um piano ou alguém que soubesse tocar algum instrumento (a educação musical vinha das escolas públicas) era natural que a venda dessas melodias e letras impressas trouxessem algum retorno financeiro para seus criadores. Esse mundo que já não existe há quase cem anos foi o mesmo em que "Are You Lonesome Tonight?" surgiu. Segundo alguns historiadores a música foi composta por volta de 1910 ou até antes disso. Só depois de alguns anos foi gravada pela primeira vez. Por causa de sua antiguidade a canção trazia um trecho falado, muito popular nos tempos do cinema mudo, que Elvis resolveu manter em sua gravação original no começo dos anos 1960. Curiosamente nos palcos essa parte acabava sendo alvo de brincadeiras por parte de Elvis, o que não deixa de ser uma pena, uma vez que o aspecto histórico dessa composição sempre foi um de seus maiores atrativos.

Hound Dog (Leiber / Stoller)
O que aconteceu com "Blue Suede Shoes" acabou acontecendo também com "Hound Dog". Aliás algo semelhante foi ocorrendo com todos os rocks clássicos de Elvis dos anos 50, ou seja, ele foi perdendo o interesse nessas músicas conforme os anos foram passando. Em determinado momento as execuções de Presley foram ficando medíocres, uma mera sombra de um passado glorioso. Nessa primeira temporada de 1969 o cantor ainda dava energia nas apresentações dessas canções, mas depois realmente a perda de seu interesse foi ficando óbvia. Uma pena porque "Hound Dog" foi um símbolo de uma era. Basta lembrar de suas históricas apresentações na TV americana nos anos 50 para entender bem isso. Claro que em Las Vegas "Hound Dog" não poderia mais surgir no palco como foi gravada nos anos 50. O rock puro, com apenas quatro instrumentos, foi modificado. Havia uma orquestra inteira com Elvis no palco e por essa razão um arranjo com muitos metais foi escrito. Além disso a guitarra foi colocada em primeiro plano, com James Burton em destaque, algo que não existia na versão original com Scotty Moore. É interessante que esse rock de Leiber e Stoller foi também um dos que mais receberam arranjos diferentes ao longo do tempo. Nos anos 70 iríamos ouvir nos concertos de Elvis além daquelas mini versões irrisórias - que duravam menos de um minuto - outras bem diferenciadas, com um certo molejo, outras vezes um pouquinho jazz e até mesmo - pasmem! - uma versão com ritmo de discoteca! Não sei como essa última foi feita pois Elvis simplesmente odiava discoteca. Enfim, muito provavelmente ele estava tão desinteressado por "Hound Dog" que simplesmente deixou pra lá, sem ligar para o que estavam fazendo com ela.

I Can't Stop Loving You (Don Gibson)
O álbum "Elvis in Person at the International Hotel, Las Vegas, Nevada" foi um desdobramento do disco duplo "From Memphis to Vegas / From Vegas to Memphis" e trazia apenas as canções gravadas ao vivo por Elvis em Las Vegas na sua primeira temporada na cidade (realizada em agosto de 1969). Como era de se esperar em um concerto ao vivo Elvis interpretou vários sucessos de sua carreira. O LP aliás abria com uma seleção deles, "Blue Suede Shoes", "All Shook Up", "Are You Lonesome Tonight?" e "Hound Dog". Não vou escrever sobre essas músicas porque já falei sobre elas antes. Vamos nos ater apenas naquelas que surgiam pela primeira vez na discografia oficial de Elvis. Assim a primeira inédita desse disco era o country "I Can't Stop Loving You" de Don Gibson. Essa é uma velha música lançada pela primeira vez em 1957 pelo próprio autor na RCA Victor. Desde que a ouviu pela primeira vez Elvis a adorou, chegando inclusive a cogitar gravá-la ainda naquele ano. Só desistiu por causa do produtor Steve Sholes que o aconselhou a não misturar seu trabalho na época (em sua fase mais roqueira) com o sucesso de outro artista country. Realmente naquela fase não havia espaço para essa música na discografia de Elvis. Já em Las Vegas, 1969, o contexto era outro. Elvis selecionou um repertório que fosse ao mesmo tempo um revival de seus anos de glória - que aconteceram justamente na década de 1950 - com uma nova seleção musical que também fosse de seu gosto pessoal, que lhe agradasse. A despeito disso nunca considerei "I Can't Stop Loving You" uma grande canção. Ela tem todas as matrizes que fazem parte do universo country mais comercial de Nashville - entre eles os arranjos excessivos e a letra piegas e sem novidades. Muito provavelmente Elvis e o Coronel Parker já estivessem de olho nas turnês que realizariam em cidades do sul dos Estados Unidos e a incluíram na lista dos shows, já que ela era considerada naqueles tempos uma das grandes representantes do som rural do Tennessee, um verdadeiro standard. Curiosamente Elvis nunca a gravou em estúdio oficialmente. Em termos de discografia oficial a canção retornaria mais uma vez no LP "Welcome to My World" de 1977. Essa foi uma coletânea com claro sabor country, repleta desse tipo de estilo musical. A capa era excelente, mas o conteúdo era formado apenas por reprises. Em suma, não vejo "I Can't Stop Loving You" como um grande momento musical na carreira de Elvis, embora seja inegável que o cantor a apreciava, sempre a interpretando em inúmeras turnês e concertos realizados nos anos 70. Só indicada mais firmemente para quem aprecia especialmente o lado mais country de sua carreira.

My Babe (Willie Dixon)
A Chess foi uma gravadora muito importante na história da música americana. Ela foi fundada por dois irmãos (Phil e Leonard) que tinham o objetivo de explorar o rico cenário musical negro na Chicago dos anos 1950. A ideia deu extremamente certa e em pouco tempo a Chess estava colecionando sucessos nacionais. Assim como a Sun Records, o segredo vinha da revelação de novos valores, músicos talentosos, mas desconhecidos, que tinham sua primeira oportunidade no selo. Willie Dixon foi um desses cantores e compositores negros que tiveram sua grande oportunidade na Chess. De origem humilde ele ganhava a vida tocando blues em bares e pequenos festivais do sul, onde nasceu. Mais tarde se mudou para Chicago em busca de trabalho. Acabou caindo nas graças dos irmãos Chess e conseguiu finalmente gravar seus primeiros singles. "My Babe" foi lançada como compacto em 1955. Ele apenas adaptou a canção "This Train (Is Bound For Glory)" da cantora gospel Rosetta Tharpe, mudando sua letra original, retirando seu teor religioso, a transformando num típico R&B que a cada dia ia ficando mais popular. Essa ideia seria também aproveitada por Ray Charles na criação de seu hit "I Got a Woman". No lado B Dixon encaixou a instrumental "Thunderbird". O single fez sucesso e chegou a se destacar na parada nacional de blues da Billboard. Elvis, que sempre foi um admirador da música negra americana, logo pensou em "My Babe" para seus shows em Las Vegas. Ela seria apresentada numa versão mais rocker, sem seguir fielmente os arranjos originais. Vinte anos tinham se passado e não havia como resgatar aquela sonoridade clássica mais ao estilo blues. "My Babe" acabou se tornando um dos pontos altos da primeira temporada de Elvis no International Hotel, mas curiosamente não teve vida longa nos palcos. Embora bastante agitada, com refrão pegajoso, ela também se tornava um pouco cansativa para Elvis e banda por causa das repetições de sua letra e melodia. Elvis jamais a gravou em estúdio, nunca tendo sido reaproveitada dentro de sua discografia oficial. Da maneira como foi executada por Elvis e a TCB Band ela realmente só tinha vocação para os concertos ao vivo. Uma canção para levantar o público, nada muito além disso. A letra é básica, se formos extrair mesmo sua essência e conteúdo teremos apenas uma ou duas linhas relevantes. O que vale é a repetição do refrão e a melodia de blues, tudo de acordo com o gênero. O embalo é certamente sua maior qualidade.

Mystery Train / Tiger Man (Parker / Phillips / Hill Louis / Burns)
Há um consenso geral entre analistas sobre música de que Elvis Presley não deu o tratamento merecido e adequado a vários de seus rocks clássicos dos anos 50 quando retornou aos palcos em fins dos anos 60 e depois na sua longa trajetória na estrada pelos anos 70 afora. Todos esses sucessos surgiam em versões preguiçosas, mal executadas, com Elvis pouco empenhado em apresentar uma boa versão ao vivo. Existiram porém algumas exceções. Um exemplo veio, por exemplo, nesse medley "Mystery Train / Tiger Man". A primeira canção é uma verdadeira obra prima gravada originalmente na Sun Records. Sua gravação deu origem a um dos cinco mitológicos acetatos que Elvis gravou e lançou pela pequenina gravadora de Memphis quando era apenas um cantor promissor e praticamente desconhecido fora dos limites de sua cidade. O produtor Sam Phillips certamente não contava com  maiores recursos técnicos na época, porém era mestre em criar sonoridades diferentes em seu pequeno e acanhando estúdio. "Mystery Train" era a prova de seu talento nesse aspecto. Já "Tiger Man" surgiu na carreira de Elvis durante as gravações do NBC TV Special. A letra é bem tolinha para falar a verdade, mas tinha um feeling rocker que há tempos não se via na discografia de Elvis. Era algo que fazia falta naquele momento. Cumpriu seus propósitos. Sozinha ela poderia não ter força suficiente para empolgar o público em um show, mas em medley com o clássico da Sun a coisa poderia ficar muito interessante. Palmas para o maestro Bergen White que foi o responsável pela ideia e pelos arranjos para o grupo orquestral que tocou ao lado de Elvis no palco do International Hotel naquela sua primeira temporada. O medley foi apresentado a Elvis durante os ensaios. Assim que ouviu o arranjou ele disse imediatamente: "É isso aí, vamos usar no concerto de hoje à noite". Na ocasião ficou tão satisfeito com tudo que até mesmo criou uma coreografia própria para o medley, resultando em um dos melhores momentos desse álbum ao vivo. Um exemplo perfeito de como um velho material poderia muito bem render ainda ótimos momentos nessa nova fase de sua carreira.

Words (Robin Gibb / Barry Gibb / Maurice Gibb)
Houve um claro divisor de águas na carreira de Elvis a partir do momento em que ele retornou aos shows ao vivo em 1969. Durante toda a década de 60 Elvis havia se enfurnado dentro do estúdio produzindo um material que lhe era imposto pela gravadora RCA Victor e demais companhias de cinema. Esses álbuns produzidos do tipo Made in Hollywood tinham pouca coisa a ver com o que acontecia lá fora, no mundo real. A maioria das músicas só faziam sentido dentro do contexto das cenas dos filmes. Os arranjos tinham parado no tempo e qualquer polêmica envolvendo as letras era sumariamente eliminada pelos produtores. Elvis vivia em uma espécie de bolha. Não é de se admirar que conforme o tempo foi passando seus discos deixaram de vender bem. Pois bem, quando voltou aos concertos ele precisou se atualizar, cantar um repertório que criasse uma ligação com o gosto popular novamente. Não haveria mais câmeras e nem cenas enlatadas. Elvis tinha que encarar seu público face a face e fazer com que eles voltassem a gostar dele. Por isso o repertório mudou tanto. Elvis tinha que catar os sucessos das paradas para agradar as pessoas que tinham comprado um ingresso para vê-lo ao vivo. "Words" do Bee Gees vai justamente nessa direção. Elvis tinha pouca coisa a ver com musicalidade desse grupo que era muito bom e tudo, mas que não seguia uma linha que pudesse ser associada ao trabalho que ele próprio havia realizado em sua carreira artística em todos aqueles anos. Então por que Elvis resolveu apresentar sua própria versão desse hit do grupo Bee Gees? Simplesmente porque era sucesso nas rádios, tocando o tempo todo. Elvis queria acima de tudo demonstrar que estava novamente se religando ao que estava no topo do gosto popular, mesmo que ele próprio não fosse lá muito fã desse grupo. Em minha concepção penso que a versão de Elvis para "Words" ficou muito boa. Tal como outras canções desse álbum, Elvis também não a gravou oficialmente em estúdio. É uma versão rápida, não muito bem trabalhada, mas que conta com uma boa performance de Elvis, além dos elogios sempre merecidos para a banda de apoio, com ênfase para os tecladistas (Glen Hardin, em especial). Além da boa sonoridade "Words" também é uma raridade já que em pouco tempo Elvis a descartaria do repertório de seus concertos. Pelo visto o cantor não se empolgou muito com a canção como um todo. Ossos do ofício.

In the Ghetto (Mac Davis)
Essa foi a segunda vez que a música "In the Ghetto" apareceu na discografia de Elvis. Antes ela havia feito um belo sucesso de crítica e público quando foi lançada como single em 1968. Essa música foi um raro exemplar de música política dentro da carreira de Elvis Presley. Era fato notório que o Coronel Parker não queria que Elvis desse declarações públicas sobre suas opiniões políticas. Assuntos como guerra do Vietnã, luta pelos direitos civis das minorias e suas preferências partidárias eram proibidos por Tom Parker. Em uma época muito intensa nesse campo, principalmente dentro dos Estados Unidos, toda a imprensa (e o público) queriam saber o que Elvis Presley pensava sobre tudo o que estava acontecendo, mas em entrevistas Elvis era instruído a sempre sair com respostas evasivas. Provavelmente se Elvis tivesse falado o que pensava iria surpreender muita gente. Ele era um conservador na verdade, votava no partido republicano e tinha ideias patrióticas bem definidas sobre a intervenção americana no Vietnã. Elvis, que tinha sido militar no final dos anos 1950, tinha uma postura bem clara sobre o que estava acontecendo dentro da sociedade americana. Ele achava um absurdo que outros artistas, como Jane Fonda ou John Lennon, fossem contra a guerra. Para Elvis o importante era apoiar as tropas americanas no exterior. Ser um patriota, acima de tudo. Já no campo da luta dos direitos dos negros ele tinha uma postura bem mais liberal. Elvis cresceu em Memphis, um dos polos mais racistas do sul americano (que por si só já era uma região absurdamente separatista entre negros e brancos). Por exemplo, Elvis estudou em um colégio onde apenas brancos podiam estudar. Os banheiros, ônibus e até estabelecimentos comerciais de sua cidade eram separados. Havia bairros onde apenas brancos poderiam morar. Aos negros eram destinados os piores lugares da cidade, muitas vezes sem infra estrutura alguma. Até as igrejas evangélicas eram separadas. Mesmo assim, com toda essa segregação, desde muito jovem Elvis criou uma intensa curiosidade sobre a cultura dos negros. Ele ouvia preferencialmente estações de rádio voltados para o público negro e foi dessa convivência que ele tirou grande parte de sua musicalidade. Por isso não foi surpresa que tenha sido acusado no começo de sua carreira de ser "um cantor branco cantando músicas de negros". Assim "In The Guetto" de Mac Davis era um sopro de novidade em sua discografia. Uma letra que tinha muito o que dizer e que em última análise funcionava justamente como uma declaração pública mesmo que indireta do próprio Elvis sobre a situação precária em que vivia o negro norte-americano, sofrendo todos os tipos de preconceitos desde a mais tenra idade.

Suspicious Minds (Mark James)
Foi justamente nesse álbum "Elvis in Person" que pela primeira vez surgiu na discografia de Elvis uma versão ao vivo do grande sucesso "Suspicious Minds". Essa música, gravada maravilhosamente bem nas sessões do American Studios em Memphis, foi um verdadeiro alívio para Elvis Presley. Fazia sete anos que ele não conseguia atingir o primeiro lugar na parada de singles da Billboard. Essa era considerada a mais importante dos Estados Unidos, um verdadeiro termômetro do sucesso de cada artista dentro da indústria fonográfica. Desde "Good Luck Charm" em 1962 Elvis não conseguia chegar lá, bem no topo. Era um reflexo de como Hollywood e suas trilhas sonoras tinham arruinado o lado musical de Elvis. Dentro da indústria da música ele já não tinha mais muito prestigio, justamente pelos vários fracassos comerciais que foi colecionando ao longo dos anos 60. Para quem havia surgido no mercado como um dos maiores vendedores de discos da história era uma situação constrangedora e até mesmo vergonhosa. Assim "Suspicious Minds" serviu para melhorar sua posição dentro do mercado fonográfico, ao mesmo tempo em que passava a relevante mensagem para todos de que, apesar de tudo, Elvis ainda estava vivo musicalmente e ainda podia surpreender. O tema de "Suspicious Minds" é o ciúme. Basicamente é uma mensagem sobre um casal que vê seu relacionamento ruir por causa da desconfiança, das suspeitas. Quando foi lançada e começou a fazer sucesso nas paradas alguns críticos implicaram com suas primeiras linhas escritas, que soavam esquisitas. Ela dizia: "Nós caímos em uma armadilha. E não posso sair dela". A tal armadilha era justamente as mentes desconfiadas, que se suspeitavam mutuamente. Um tipo de relacionamento que ia aos poucos se tornando doentio. Certamente muitos casais se identificaram, inclusive o próprio Elvis. Há tempos ele vinha ouvindo rumores de que sua esposa Priscilla estava tendo um caso extraconjugal. O problema é que o próprio Elvis era um marido infiel e resolveu não ir atrás das fofocas sobre sua mulher (e que iriam se revelar em um futuro próximo como bem verdadeiras). Assim acabou-se criando mais uma irônica coincidência entre uma letra de uma canção e a vida pessoal de Elvis, algo que ele iria propositalmente procurar nas gravações futuras de seus discos. Um reflexo de seus sentimentos em meras notas musicais.

Can't Help Falling In Love (Weiss / Peretti / Creatore)
A canção "Can't Help Falling In Love" fez parte do disco mais vendido da carreira de Elvis Presley, a trilha sonora do filme "Blue Hawaii" (Feitiço Havaiano, no Brasil). Considerado pelo Coronel Tom Parker o "produto perfeito", acabou sendo realmente um marco comercial para Elvis. Já para os críticos em geral, tanto da área musical como cinematográfica, o projeto como um todo não era grande coisa. As canções, com arranjos havaianos, só funcionavam bem em sua maioria dentro do contexto do filme. Fora dele soavam pouco interessantes para DJs e programadores de rádio da época. Uma das poucas exceções era justamente essa canção  Can't Help Falling In Love" que tinha uma bela melodia, extremamente bem escrita, embora com letra sem maiores recursos. Foi a música mais badalada do filme, sendo inclusive vendida como single. Duplamente vitoriosa do ponto de vista comercial, determinou o caminho que Elvis iria seguir nos próximos anos. Na volta aos palcos Elvis trouxe poucas canções de sua fase em Hollywood. A maioria das músicas que gravou para filmes realmente não serviam para apresentações ao vivo. Para não deixar esse longo momento de sua carreira sem representante em seus shows Elvis resolveu levar "Can't Help Falling In Love" para o desfecho de todas as suas apresentações após seu retorno em 1969. Isso levou Elvis a cantá-la literalmente mais de mil vezes ao longo de todos aqueles anos, até sua morte em 1977. Obviamente que a saturação atingiu sua performance em cheio. Por essa razão a versão definitiva em termos de qualidade seguiu sendo a primeira, gravada em estúdio, em 1961. Todas as suas execuções ao vivo deixaram sempre um pouco a desejar. Além disso nunca conseguiram reproduzir o lado mais melódico da gravação do filme. Aquele arranjo ao mesmo tempo lírico e terno deveria ter sido preservado pois era a maior qualidade da composição. De qualquer forma, como símbolo de sua despedida ao público, acabou servindo aos seus propósitos. Assim que dava a sua nota final Elvis corria para os bastidores enquanto Al Dvorin informava aos presentes que ele não se encontrava mais no recinto. "Elvis has left the building".

Elvis Presley - Elvis in Person at the International Hotel, Las Vegas, Nevada (1969) / Data de Gravação: Agosto de 1969 / Local de Gravação: Hotel International, Las Vegas, Nevada / Produção: Felton Jarvis, Glen D. Hardin, Glenn Spreen, Bergen White, Elvis Presley / Músicos: Elvis Presley (vocais, violão), James Burton (guitarra), Jerry Scheff (baixo), John Wilkinson (guitarra), Bob Lanning (bateria), Ronnie Tutt (bateria), Charlie Hodge (violão), Glen Hardin (piano), Larry Muhoberac (Piano, órgão), The Imperials (vocais), The Sweet Inspirations (vocais), Millie Kirkham (vocais), Bobby Morris e Orquestra. / Melhor posição nas paradas: #12 (Billboard USA)  #3 (Inglaterra) / Data de lançamento: Outubro de 1969.

Pablo Aluísio.

Elvis Presley - Back in Memphis (1969)

Elvis Presley - Back in Memphis
Esse disco trazia uma segunda leva de gravações realizadas por Elvis Presley em Memphis, no American Studios. Na verdade o álbum foi um desdobramento do primeiro LP duplo da carreira de Elvis, "From Memphis to Vegas / From Vegas to Memphis". Eram dois LPs. Um dedicado a gravações realizadas ao vivo em Las Vegas - na turnê que marcou o retorno de Elvis aos palcos depois de muitos anos afastado - e o outro recheado de músicas inéditas produzidas por Elvis na sua volta aos estúdios de sua cidade de coração, Memphis. Poderia haver algo mais saboroso para um fã de Elvis na época? Depois de anos e anos precisando aguentar trilhas sonoras infantis era realmente uma mudança e tanto no rumos da carreira do cantor. Eu costumo afirmar que os anos 70 para Elvis começaram bem antes, em 1969. Nesse ano ele realmente mudou tudo e para melhor. As músicas ficaram mais consistentes, lidando com temas mais significativos em arranjos mais bem elaborados, letras falando dos problemas decorrentes de relacionamentos adultos, sem bobagens adolescentes pelo meio do caminho. Finalmente Elvis parecia se comunicar com seu público que também estava em uma faixa etária mais avançada. Não havia mais como bancar o eterno cantor garotão adolescente conquistando corações de meninas bobinhas. Era necessário crescer, sair da adolescência musical, algo que Elvis finalmente conseguiu com seus registros no American.

"Back in Memphis" na realidade não tem nenhum grande hit em sua seleção musical. Isso porém não significava nada no final das contas pois a seleção musical era de uma qualidade maravilhosa, superior a qualquer outra coisa que Elvis havia produzido nos últimos anos. Comparar com trilhas recentes como "Speedway" chegava a soar como covardia até. Colocando as cartas na mesa não existem músicas insignificantes em "Back in Memphis" (afirmação que inclusive pode ser ampliada para praticamente todas as canções gravadas no American Studios). Era um novo artista que nascia das cinzas, não fazendo mais concessões descabidas do ponto de vista comercial. Claro que de uma maneira em geral as sessões foram extremamente bem sucedidas comercialmente falando, como Suspicious Minds, por exemplo, que acabou se tornando a primeira canção a alcançar o número 1 da Billboard depois de longos anos, mas isso nunca foi o foco principal dessas gravações, muito longe disso. Se pudesse escolher apenas uma palavra para descrever "Back In Memphis" eu usaria a expressão elegância. O álbum é muito elegante, tanto em sua proposta como em sua essência. As canções foram escolhidas por Felton Jarvis que parece ter se concentrado naquela nata mais substancial das sessões, procurando a fina flor de todo o material disponível. Como se sabe essas sessões foram realizadas no esquema de maratonas, ou seja, Elvis entrou em estúdio para gravar uma grande quantidade de músicas que depois seriam lançadas de forma gradual pela RCA Victor. Nesse quesito Jarvis foi muito feliz pois realmente acabou compondo duas belas seleções musicais (tanto em relação a esse álbum como no anterior, "From Elvis in Memphis"). Era o começo de novos tempos na carreira do Rei do Rock.

Inherit The Wind (Eddie Rabbit) - Uma bela canção, mostrando a sofisticação das músicas gravadas por Elvis Presley no American Studios. Ouso dizer que algumas dessas músicas se encontram entre as mais sofisticadas de toda a carreira de Elvis, em qualquer época que você queira comparar. Na letra temos quase uma súplica em primeiro pessoa, em que o narrador apela com sinceridade para que a garota não se apaixone por ele de jeito nenhum, pois ele certamente a magoará no futuro. Assim como seu pai sempre fazia com sua mãe, ele também muito provavelmente a decepcionará, indo embora pela manhã, sem dizer adeus ou olhar para trás. Composta por Edward Thomas Rabbitt, um cantor country popular nas décadas de 1960 e 1970, a canção evoca um tema bem comum nesse universo, a do amor que já nasce fadado ao fracasso completo, à desilusão e à decepção completa. Vale a pena amar sabendo que sofrerá bastante lá na frente? A versão de Elvis difere em certo sentido da gravação original por trazer um desalento completo em sua voz, um clima de leve decepção e melancolia que cresce bastante em seu refrão. Aliás o trabalho de Chips Moman com o grupo vocal feminino é um dos grandes destaques da gravação. Um apelo quase desesperado para que não venha a nascer um amor entre ambos, pois a decepção certamente será completa. Excelente música!

This is The Story (Arnold / Morrow / Martin) - Uma letra que poderia muito bem ter sido escrita pelo próprio Elvis. Ele iria vivenciar mais à frente em sua vida essa mesma situação, a do homem abandonado que descobre que sua mulher amada o deixou por amar outro homem. O arranjo é bem intimista, justamente para o ouvinte se sentir no quadro descrito na letra. Uma pessoa que foi abandonada, lendo a carta de despedida (e desculpas) da sua querida que partiu para ir viver outro romance, outro amor, com outro homem. Ao seu redor tudo a lembra, a música que ele ouve, a fotografia dela ao lado de sua cama, os móveis, um livro na prateleira. Seu mundo literalmente cai após ser abandonado. Essa música foi providenciada por Felton Jarvis e gravada originalmente por Elvis no American Studios. É verdade que ela nunca chegou a ser um sucesso em sua carreira, porém se tornou extremamente importante dentro do contexto dos discos "From Memphis to Vegas / From Vegas to Memphis" e seu desdobramento "Back in Memphis". É interessante notar que ela foi a segunda música gravada por Elvis no American, logo após "Long Black Limousine" e ao contrário dessa não deu muito trabalho para se chegar na versão oficial. Em apenas dois takes Elvis matou a gravação, provando que nessa noite ele estava mais do que afiado, pronto para dar o melhor de si (depois de anos desperdiçando seu talento em obras menores como as músicas de filmes de Hollywood). Enfim, "This is Story", apesar da clara tristeza de sua letra depressiva e melancólica, é certamente um dos melhores momentos do disco. Pequena obra prima.

Stranger in My Own Home Town (Mayfield) - E então chegamos no blues "Stranger in My Own Home Town". Certa vez o cantor de blues Howlin' Wolf encontrou Elvis por acaso nos corredores dos estúdios da RCA Victor em Nashville e foi logo dizendo: "Ei garoto, o que você pensa que está fazendo?". Elvis ficou um pouco assustado e Wolf completou: "Sua voz é do blues, você nasceu para cantar blues! Quero ouvir você no blues garoto!". Era pura verdade. Ao longo dos anos Elvis provou que tinha um incrível feeling para o blues, embora tenha interpretado relativamente  poucas canções nesse estilo. Uma pena, tanto talento desperdiçado em canções pop de filmes! Certamente teria sido melhor aproveitado se tivesse se dedicado mais para essas velhas cantorias de escravos à beira do rio Mississippi. Sim, porque o blues nasceu exatamente dentro desse contexto histórico, do lamento do trabalho pesado sob sol a pino nas plantações de algodão do sul. Já que Elvis adorava tanto a cultura musical negra de seu país era óbvio que mais cedo ou mais tarde ele iria também desaguar nas águas do blues sulista. "Stranger in My Own Home Town" vai justamente nessa direção. A versão original é excelente. Gosto muito desse estilo mais sincopado, porém a minha preferida é a versão completamente envenenada que foi lançada pela primeira vez em 1995 no box "Walk a Mile in My Shoes: The Essential '70s Masters". Ali você pode sentir a vibração blueseira que estava rolando dentro do estúdio. O blues é aquele tipo de ritmo musical que você precisa sentir o que está cantando. É um gênero essencialmente sentimental, para se cantar com a alma aberta. Elvis conseguiu atingir esse ponto perfeito. É curioso que a música sequer estava na primeira lista de músicas que seriam gravadas naquela noite, mas Elvis curtiu muito a fita de demonstração que ouviu assim que chegou no American. Praticamente ele usou a gravação para se aquecer, uma forma de entrar no clima ao lado de sua banda. Todas as versões são excelentes, ainda mais pelo fato do produtor Chips Moman ter aceitado a sugestão de Elvis para que sua voz fosse afundada no meio do som do grupo, lá no fundo, quase inaudível. Para Elvis um bom blues tinha que sequer esse tipo de balanceamento. Nada de colocar sua voz em destaque. Isso nunca existiu nos velhos singles clássicos de blues. Elvis sabia disso. Os instrumentos em primeiro plano e o vocal mergulhado bem no meio da sopa sonora. Perfeito. Ele estava novamente certo. Ponto para Mr. Elvis Presley. Ouça e sinta-se como ele, um estranho em sua própria cidade.

A Little Bit Of Green (Arnold / Morrow / Martin) - Essa é uma antiga música lançada pelo cantor country Eddy Arnold. Para quem não sabe a história de Arnold se confunde com a do próprio Elvis pois ele era da mesma região e tinha o mesmo empresário que Presley. Sim, o Coronel Parker também era o manager de Arnold. É curioso porque muito do que aprendeu em termos de negócios no mundo da música, Parker aprendeu justamente dirigindo a carreira de Eddy Arnold, um dos primeiros artistas que empresariou. Depois de um começo modesto em Memphis e Nashville sua vida mudou quando Parker lhe arranjou um acordo com uma das empresas mais poderosas dos Estados Unidos. Em 1944 conseguiu um contrato para ele com a RCA Victor, a mesma que seria a gravadora por toda a carreira de Elvis. Pois bem, deixando isso um pouco de lado vamos tecer alguns comentários sobre a música então. Nunca achei uma grande canção e passa longe de ser um clássico dentro do repertório de Elvis. A letra novamente trata do tema sobre corações partidos. Em primeira pessoa o autor lamenta a perda da mulher amada, que agora está nos braços de outro. É o velho arrependimento que só bate quando você perde um grande amor e só se dá conta de sua importância quando ela resolve finalmente arranjar outro para tocar sua vida para frente. Assim, em termos gerais, a letra não é das mais originais e nem tampouco é tão bem escrita. Analisando bem são apenas três estrofes, nenhum deles excepcionalmente bem escrito. O refrão também não me agrada muito. Falta um pouco mais de conteúdo nessas passagens. A harmonia também não chega a surpreender. É bem gravada e executada, como tudo o que diz respeito ao material que foi gravado no American Studios (a banda que acompanhou Elvis era realmente acima da média), mas realmente novamente não impressiona. Acredito que o fato dela estar no meio de tantas obras primas ajudou a ofuscá-la ainda mais. Ela foi gravada no dia 15 de janeiro de 1969 no mesmo dia em que Elvis também gravou somente outra faixa: Gentle on My Mind. Pelo visto não foi uma das noites mais produtivas de Elvis no American.

And the Grass Won't Pay No Mind (Neil Diamond) - Elvis adorava Neil Diamond. Estava sempre conferindo o trabalho desse cantor e compositor nova-iorquino. O interessante é que tão absorvido ficou com o material que Diamond vinha gravando que ele mesmo resolveu fazer suas próprias versões em estúdio do material composto pelo colega músico. Um exemplo é essa faixa "And the Grass Won't Pay No Mind". Ela foi originalmente lançada como Lado B do single "Soolaimon". Elvis não gostava muito da canção principal, mas adorou seu Lado B. Por isso achou que a canção merecia um melhor destino, um tratamento mais digno. Assim na madrugada do dia 18 de fevereiro, quando o relógio já indicava 1 da manhã, Elvis começou a trabalhar com a canção ao lado de seus músicos. A sessão só chegaria ao fim às quatro hora da madrugada, com um Elvis bem satisfeito por seu resultado. Ele realmente se esforçou para dar um belo tratamento na criação de Neil Diamond. O resultado, como se pode perceber, superou e muito a própria gravação original de Diamond, algo que não era raro acontecer em se tratando de Elvis Presley. A letra de "And the Grass Won't Pay No Mind" é no mínimo interessante. Os primeiros versos que dizem: "Escute, você pode ouvir Deus chamando / Andando descalço na correnteza" pode dar a falsa impressão que você está prestes a ouvir uma música gospel, mas não! O autor logo muda o rumo, entrando em uma mistura de música hippie de amor, com clara conotação até mesmo um pouco esotérica. O melhor da canção como um todo é a sua linda melodia, bem suave, calma e relaxante. Elvis a canta ternamente, algo que nem estava sendo usado muito na época por ele, já que para as sessões do American o cantor tinha optado por uma vocal mais incisivo e marcante. Uma bela faixa que a despeito de todas as suas qualidades acabou não sendo também muito bem trabalhada pela RCA Victor, nunca a transformando numa música de trabalho. Uma pena, uma música tão linda merecia melhor sorte, tanto na voz de Neil Diamond como na de Elvis Presley. De qualquer maneira ela venceu a barreira do tempo por causa de sua beleza ímpar.

Do You Know Who I Am? (Bobby Russell) - Imagine saltar de sessões de trilhas sonoras ruins e fracas como "Charro" e "Speedway" direto para essa fantástica sessão de gravação do American Sound! A diferença de qualidade era algo de absurdo. Aqui Elvis interpreta uma música do cantor e compositor Bobby Russell. Ele foi um artista bem famoso e badalado no meio country de Nashville entre meados dos anos 60 e o começo dos anos 70. Entre 1966 e 1973 Russell conseguiu emplacar cinco grandes discos de sucesso. O curioso é que Elvis podia, em uma mesma sessão, interpretar velhos clássicos country das décadas de 1940 e 1950 e ao mesmo tempo registrar músicas contemporâneas que estavam fazendo sucesso nas rádios sulistas de country na mesma época em que ele as gravava. Era um cantor eclético e atemporal. É o caso de " Do You Know Who I Am?". A versão original de seu autor foi lançada um ano antes de Elvis gravá-la. No single original ela eram bem mais country, com todos aqueles instrumentos e arranjos bem característicos da música rural americana. Elvis e o produtor Felton Jarvis resolveram suavizar um pouco mais esse aspecto, dando-lhe uma roupagem mais moderna e urbana. A letra foi justamente o que atraiu Elvis. O próprio título com a pergunta "Você Sabe Quem Eu Sou?" fez com que Elvis se identificasse imediatamente com a mensagem. Ele já havia dito em entrevistas que o artista e o ser humano costumavam ser coisas bem distintas. E pessoas que viveram ao seu lado, mesmo sua esposa Priscilla, sempre deixaram claro que na verdade conhecer o verdadeiro Elvis Presley era uma das coisas mais complicadas de se fazer. Na poesia da canção o tema central é o reencontro. O autor, em primeira pessoa, indaga, em um casual e inesperado reencontro, se a mulher amada realmente poderia ainda dizer que o conhecia. Haveria ainda a possibilidade de um retorno aos velhos tempos mesmo após tantos anos? O clima é de leve melancolia. Como eu escrevi no começo a diferença entre as bobas canções de filmes e essas novas músicas, com melodias e letras extremamente mais bem elaboradas era realmente algo abissal. Elvis saiu da adolescência inocente da carreira para a maturidade plena em poucos meses. Um feito e tanto.

From a Jack to a King (Ned Miller) - Priscilla Presley adorava essa canção. Era uma de suas preferidas do American. Isso de deve muito ao fato de Elvis ter o single original (lançado em 1957 por Ned Miller, cantor country). Sempre ouvindo a canção em casa a sua melodia acabou sendo quase uma trilha sonora para o namoro de Priscilla, principalmente depois que ela foi morar em Graceland ao lado de Elvis. A canção ainda teve outras versões ao longo dos anos, em especial a de Jim Reeves em 1962, cujo single Elvis também comprou (repare na data, 1962, o mesmo ano em que Priscilla foi morar em Memphis). Como virou uma espécie de standard do country music "From a Jack to a King" ganhou ainda muitas outras gravações depois da de Elvis no American. A mais recente foi gravada em 1988 na voz do cantor Ricky Van Shelton. Particularmente eu não gosto muito desse country, mas essa é meramente minha opinião pessoal. Acho que sua melodia é um pouco estranha, fora do convencional, com um ritmo pouco atraente. Enfim, um ponto de vista bem subjetivo, pessoal. A letra também nunca me agradou muito. O autor fez uma analogia entre jogo de cartas e romance. Algo que soa hoje em dia meio brega. O uso de um anel de casamento nos versos só piora ainda mais a situação. Talvez a Priscilla estivesse obcecada em se casar com Elvis, daí sua identificação com a letra, quem sabe... Mesmo assim, como se trata de Elvis Presley, você sabe que no mínimo terá uma boa interpretação pela frente. O curioso é que o produtor Chips Moman tentou mudar os arranjos, mas Elvis dessa vez preferiu ser mais fiel ao espírito country and western. Para Elvis não havia como mudar o jeito da canção já que ela seria assumidamente muito country, impossível de mudar. Basta imaginar um bando de cowboys ao redor de uma mesa jogando cartas para entender bem isso. Para reforçar então suas origens o músico John Hughey, especialista em Steel Guitar em Nashville (a capital mundial da música caipira e rural americana), foi especialmente contratado para se unir à banda de Elvis. Enfim, uma prévia do que Elvis iria fazer nos anos 70, com muito country em seus álbuns.

The Fair's Moving On (Fletcher / Flett) - Essa canção foi lançada como lado B do single "Clean Up Your Own Back Yard", tema do filme "The Trouble With Girls" (Lindas encrencas, as garotas, 1969). É mais um country. É a tal coisa... Tanto o Coronel Parker como Elvis pensavam principalmente em seu público. E qual era esse público? Certamente não era o internacional. Elvis não gravava seus discos pensando em Londres, Paris ou Madrid. Elvis gravava seus álbuns pensando nos estados do sul dos Estados Unidos, onde ele fazia suas turnês e era adorado por sua faixa de fãs mais fiel e leal. Por essa razão temos um certo excesso de country music em seus discos, principalmente a partir de 1969. É interessante notar que em pouco tempo Elvis estaria de volta às turnês e essas seriam realizadas em sua grande maioria justamente para os sulistas americanos. E essa gente vivia sob a forte influência cultural de Nashville, a capital mundial do country. Por isso tantos discos de Elvis tiveram essa linha. Ele gravava pensando nisso e o repertório mais voltado para esse tipo de música era gravado para que Elvis também o utilizasse em shows. "The Fair's Moving On" é apenas na média. A letra da canção tinha tudo a ver com o enredo de "The Trouble With Girls". No filme Elvis interpretava um gerente de um parque de diversões itinerante. Um tipo de circo de variedades que era muito popular no começo do século XX nos Estados Unidos. Enquanto ele ia de cidade em cidade ia conhecendo novas pessoas, se envolvendo com as garotas locais e a vida seguia em frente, tudo pensando na próxima cidade a se visitar. Veja esses versos: "Todos os caminhos já foram percorridos / É tarde e não sobrou nenhum prêmio a ser ganho / Os caminhos estão fechados, é o fim do dia / Os cavalos estão indo embora / Sim, o parque está indo embora / E logo mais eu também irei". Dá para perceber bem que é aquele tipo de música que só fazia muito sentido dentro da temática do filme. O curioso é que ela não foi gravada nas sessões de gravação da trilha sonora de "The Trouble With Girls", mas bem depois, quando Elvis já estava empenhado nas sessões do American Studios, trabalhando inclusive com outra banda. Uma verdadeira estranha no ninho dentro daquela coleção de músicas.

You'll Think of Me (Mort Shuman) - Essa canção ficou notabilizada dentro da discografia de Elvis por ter sido o lado B do single de grande sucesso comercial "Suspicious Minds". Por isso acabou pegando carona com o hit principal do compacto e acabou se tornando relativamente bem conhecida. Outro fato que chama a atenção é que ela foi composta por Mort Shuman. Ao lado de Doc Pomus ele escreveu dezenas de músicas para Elvis na década de 60. Ele era um talentoso pianista e conseguia sempre escrever temas que caíam no gosto popular. O sucesso que abriu as portas para sua carreira foi a linda "Save The Last Dance For Me", gravada pelo grupo The Drifters, que logo se tornou um imenso hit, chegando ao topo da Billboard. A partir daí vários cantores encomendaram músicas à dupla. Para Elvis, Shuman escreveu entre outras o tema principal do filme "Viva Las Vegas", além de "Little Sister" e "(Marie's the Name) His Latest Flame" que acabaram se transformando em singles premiados com discos de ouro. Essa gravação assim acabou se tornando uma despedida de Shuman da discografia de Elvis, sem parceria dessa vez com Pomus. Um trabalho solo. A letra da música fala em despedida. Na primeira pessoa o autor se despede do grande amor de sua vida. Há um ressentimento em suas palavras, como se ela tivesse feito algo que o magoou. Isso porém fica sempre subentendido, nada é dito de forma muito clara. Para o autor aquela que ficará para trás vai se arrepender do fim desse amor. Isso fica bem claro logo na primeira estrofe: "Desculpa, garota, mas vou te deixar / Há algo profundo em minha alma que me chama / O vento do inverno, garota, não vai te enganar / E na sua cama vazia e fria, você vai pensar em mim...". O curioso é que nos versos o autor também deixa claro que é um caso perdido, que nunca se ligará fortemente com ninguém por ter "um coração perturbado" e uma alma livre. Ecos de um romance que nunca daria realmente certo. O arranjo ficou bem bonito. Há um verdadeiro "diálogo" entre guitarra e baixo ao fundo que funcionou muito bem. Some-se a isso o belo acompanhamento vocal feminino (que era uma novidade nas gravações de Elvis na época) e você terá uma bela faixa, com boa letra e performance bonita de Elvis e seus músicos.

Without Love (There is Nothing) (Danny Small) - Essa é uma velha canção dos anos 50. Ela foi gravada inicialmente por Clyde McPhatter, um cantor negro de R&B e soul em 1957. O single se destacou nas paradas conseguindo uma ótima nona posição entre os mais vendidos na lista Billboard Hot 100, a mais importante da indústria americana. Anos depois o guitarrista Scotty Moore afirmaria que essa música vinha sendo ensaiada por Elvis desde os tempos da Sun Records. Ele tentava gravar, mas por uma razão ou outra isso nunca acontecia. Moore provavelmente se enganou, pois o single original dela só foi lançada em 1957, quando Elvis já estava na RCA Victor. Por essa razão ele nunca chegou a ensaiá-la nos tempos da Sun Records simplesmente porque ela ainda não existia naquela época. É certo que o guitarrista confundiu datas, gravadoras e sessões de gravação, algo esperado de uma pessoa de sua idade. De qualquer forma o mais importante nessa informação é o fato de que Elvis vinha planejando gravá-la há muito tempo, algo que ele conseguiu concretizar no American Studios. Essa canção foi a escolhida para fechar o disco. É uma faixa triste, com acompanhamento melancólico. Sua introdução conta apenas com um dueto entre a voz de Elvis e piano. Depois sutilmente entra o coro vocal feminino, tudo culminando em uma explosão de sentimentos no refrão que é claro em sua mensagem: "Sem Amor (Não existe Nada)". O curioso é que sem saber disso Elvis a gravou em um momento em que dois outros grandes astros a registravam também em estúdio, com suas respectivas versões. A primeira a sair foi a de Ray Charles. Três meses depois outro single com a mesma música chegava nas lojas, dessa vez na voz de Tom Jones. Com isso as chances comerciais da versão de Elvis ficaram nulas. Certamente uma terceira versão em poucos meses não chamaria mais a atenção do público. A RCA prevendo isso a colocou discretamente fechando ambos os álbuns ( Back in Memphis e From Memphis to Vegas – From Vegas to Memphis). Foi uma boa escolha pois o clima da melodia se adequava perfeitamente com a proposta dos discos em questão.

Elvis Presley - Back in Memphis (1969) - Elvis Presley (voz, violão, baixo e piano) / Reggie Young (guitarra) / Tommy Cogbill (baixo) / Mike Leech (baixo) / Gene Chrisman (bateria) / Bobby Wood (piano) / Ronnie Milsap (piano) / Bobby Emons (orgão) / John Hughey (steel guitar) / Ed Kollis (harmonica) / Sonja Montgomery, Mary Green, Mary Holladay, Donna Thatcher, Susan Pilikington & Sandy Bolsey (vocais) / Charlie Hodge (vocais) / The Memphis Horns (metais) / The Memphis Strings (cordas) / Orquestra Sinfônica Municipal de Memphis / Felton Jarvis (produção) / Chips Moman (produção) / Data de gravação: 13 a 22 de janeiro e 17 a 22 de fevereiro de 1969 / Gravado no American Studios, Memphis / Data de lançamento: Novembro de 1969 / Melhor posição nas charts: # 12 (Billboard) e # 3 (UK).

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2005

Elvis Presley - From Elvis in Memphis (1969)

As pessoas precisam entender que até o lançamento desse álbum, Elvis vinha em uma situação muito ruim em sua carreira. A discografia de Elvis atravessava uma péssima fase. A grande maioria de seus discos se resumiam em trilhas sonoras de seus filmes. Esses já não eram grande coisa e as músicas também deixavam muito a desejar. Embora existissem gemas preciosas perdidas, o material como um todo era adolescente demais, quase bobo. O problema básico era que Elvis já era um homem de 30 anos, cantando e agindo como um adolescente apaixonado no cinema. Era fora de época, quase bizarro. Os fãs dos velhos tempos de Elvis também já tinham deixado os tempos colegiais de lado, estavam casados, com filhos, enfrentando problemas no casamento e tudo o mais. Quem iria ainda perder tempo comprando discos de Elvis Presley onde ele basicamente cantava letras falando de namoricos, bichinhos de estimação e praia? Nesse tempo Elvis foi sendo abandonado pelos antigos fãs ao mesmo tempo em que não conquistava novos admiradores entre os adolescentes dos anos 60 que estavam curtindo outro tipo de som. Elvis era apenas um tiozão querendo dar uma de garotão para essa nova geração.

Assim em 1969 todos da organização Presley tomaram consciência que a mudança teria que vir. Os discos não vendiam mais bem, as trilhas encalhavam nas lojas e Elvis era um autêntico artista ultrapassado, um ídolo roqueiro do passado que "já era", ele pouco significava em termos comerciais para o mercado fonográfico. Como mudar isso? A primeira providência foi deixar Hollywood para trás. Ainda havia alguns contratos a cumprir com os estúdios de cinema, mas depois deles, nunca mais. Outro passo importante era voltar aos shows ao vivo. Elvis ficou tanto tempo fora dos palcos que as pessoas simplesmente esqueceram que ele ainda existia. A estratégia de Tom Parker em isolar Elvis do público como forma de incentivar a venda de ingressos nos cinemas não deu certo. Elvis foi sumindo dos jornais, das revistas e finalmente dos olhos do público. Ao invés de estar fazendo shows e turnês memoráveis, Elvis estava afundando em roteiros de péssima qualidade em filmes que estavam sendo solenemente ignorados pelas pessoas em geral.

Pois bem, Elvis já tinha deixado Hollywood para trás e voltado aos shows em Las Vegas. O próximo passo era voltar ao estúdio de gravação para gravar boas músicas. "From Elvis in Memphis" entra nesse último quesito. Ao invés de letras bobocas sobre amores adolescentes o produtor Chips Moman selecionou um repertório de verdade, com temas interessantes, adultos, bem de acordo com os tempos em que todos viviam. O saldo de qualidade foi absurdo. Elvis que não era bobo nem nada ouviu todos aqueles demos e ficou empolgado. Ali estava um material para enfiar a cara, dar o melhor de si. Ao invés das ridículas canções sobre mariscos e ostras de seus filmes de praia, Elvis agora tinha uma bela coleção de canções para trabalhar. Ele ficou empolgado com a oportunidade de novamente cantar bem, fazer bonito perante a crítica e principalmente reconquistar seu velho público que havia ido embora depois de tantos discos medíocres.

O estúdio escolhido foi o American que ficava ali em Memphis mesmo, em um bairro de vizinhança pobre e negra da cidade. No passado o American havia sido usado por inúmeros artistas de black music. Ao contrário dos assépticos estúdios da costa oeste, com seu ambiente de plástico, agora Elvis estava respirando história musical ali dentro. Procurando absorver os bons ares do local ele costumava chegar cedo ao estúdio para acompanhar as gravações de artistas negros que gravavam antes dele. Elvis sempre foi um apaixonado pela música negra e agora podia se sentir fazendo parte daquela comunidade de artistas. Era algo muito gratificante para ele naquele momento complicado de sua vida profissional.

Outra decisão que ajudou Elvis a respirar novos ares foi a despedida de sua antiga banda. Com os anos muitos daqueles músicos foram pegando vícios dentro dos estúdios. A convivência por muito tempo acabou criando uma certa saturação de relacionamento. Com a entrada de um novo grupo musical esses ares se renovavam. Os novos membros da banda de estúdio de Elvis nunca tinham trabalhado com ele antes. Eram jovens e admiravam Presley pelo que ele havia conquistado por todos aqueles anos, porém todos concordavam que os últimos álbuns do cantor eram verdadeiras palhaçadas. Ajudar Presley passou a ser mais um ponto de incentivo para todos. Scotty Moore, DJ Fontana e a velha banda de Elvis então foram dispensados pelo Coronel Parker. Eles faziam parte do passado e Elvis agora procurava olhar para a frente, em busca de novos horizontes e objetivos a conquistar. Uma nova era começava em sua vida.

Wearin' That Loved On Look (Dallas Frazier / Al Owens) - A canção que abre o álbum "From Elvis in Memphis" já trazia todos os elementos que demonstrariam aos fãs que Elvis finalmente trilhava um novo caminho na carreira. As mudanças já começavam pelos arranjos. Há nitidamente por parte do produtor Chips Moman um esforço em enriquecer as gravações com uma instrumentação mais bem elaborada e moderna. Também chama a atenção o fato de que os antigos arranjos vocais da discografia de Elvis, baseados em grupos masculinos de formação gospel, como os Jordanaires, foram substituídos por algo mais contemporâneo, baseado numa vocalização feminina negra. A canção deu trabalho. Elvis e seus músicos ficaram das duas da manhã até as sete do dia 14 de janeiro, já com o sol raiando, trabalhando nela. No total foram produzidas 14 takes, sendo que nenhum deles deixou Elvis suficientemente satisfeito. Chips prometeu a Elvis que iria trabalhar depois na mesa de som com as gravações para se chegar em uma versão perfeita. Depois de tanto esforço é de se reconhecer que a gravação final ficou realmente irretocável. Uma bela obra prima dessa fase mais criativa do cantor. Eis as canções do álbum:

Only The Strong Survive (Gamble / Huff / Butler) - Uma das coisas que mais chamam atenção nessa nova leva de gravações de Elvis em 1969 é a mudança significativa das letras. Durante praticamente toda a década de 1960, principalmente com suas trilhas sonoras, Elvis ficou preso a um tipo básico de letra sobre amores adolescentes que se desgastou completamente. Assim já havia passado mesmo da hora de mudar, evoluir, crescer. Certamente o tema sobre amores não seria deixado de lado, porém sob um enfoque diferente, tratando dos problemas de um relacionamento mais adulto. Essa música havia sido gravada originalmente pelo cantor e compositor Jerry Butler um ano antes. Ela fazia parte do repertório do disco "The Ice Man Cometh". Quando lançada em single se tornou um grande sucesso, vendendo mais de um milhão de cópias, conquistando o disco de platina. Elvis a adorava e foi ele que a trouxe para as sessões no American. Posteriormente a música seria regravada por Billy Paul, consolidando ainda mais seu sucesso nas paradas.

I´ll Hold Your In My Heart (Arnold / Horton / Dilbeck) - Eddie Arnold foi um pioneiro da música country que cruzou várias vezes o caminho de Elvis ao longo de sua carreira. Um de seus maiores sucessos foi justamente essa canção "I´ll Hold Your In My Heart". Curiosamente, apesar de Arnold ter sido um dos maiores nomes do som de Nashville, ela gravou sua versão original nos estúdios da RCA Victor em Chicago. Outro fato que o liga a Elvis é que essa sessão de gravação foi produzida por Steve Sholes, o mesmo produtor que trabalhou ao lado de Elvis em seus primeiros anos na gravadora RCA. Elvis inclusive considerava esse um dos melhores trabalhos de Sholes e durante anos dizia que também iria gravar a sua versão da canção, que era uma de suas preferidas. Assim "I´ll Hold Your In My Heart" acabou sendo outra música escolhida pessoalmente por Elvis para a sessão. Como sempre a tocava no grande piano dourado de Graceland, em momentos de descontração, o próprio Elvis decidiu que ele iria tocar o instrumento na faixa. É justamente isso que ouvimos na versão oficial. Elvis inspirado fazendo sua pequena homenagem ao legado de Eddie Arnold.

Long Black Limousine (George / Stavall) - É certamente uma das melhores letras do disco. Evocativa, quase como uma narrativa cinematográfica, a canção chama a atenção pela originalidade e ousadia, afinal de contas não era todo dia que se ouvia algo assim. Com elementos de country e rhythm and blues, a canção foi sugerida pelo produtor Chips Moman. Ele chamou Elvis para lhe mostrar o tipo de sonoridade e criatividade que estava esperando produzir naquelas sessões. "Long Black Limousine" inclusive foi a música que abriu os trabalhos no American Studios. Moman queria começar em grande estilo, procurando ir diretamente a uma fonte com mais qualidade, com melhores arranjos e letras fortes, marcantes. Elvis adorou tanto a canção como a proposta do produtor, já que há anos vinha reclamando da falta de material de qualidade para trabalhar. A música havia sido escrita em 1958, no mesmo ano em que Elvis estrelava "King Creole". Durante anos porém ela não foi gravada. Foi considerada estranha demais pelas gravadoras da época. Apenas em 1961 ganhou sua primeira versão, em um single lançado pelo cantor Wynn Stewart. Ao longos dos anos foi ganhando novas regravações discretas. Nem a versão de Glen Campbell conseguiu se destacar nas paradas, provando que era realmente uma faixa sui generis que fugia dos padrões mais comerciais. Antes de Elvis a tornar mais conhecida, apenas sua inclusão no disco "The Nashville Sound of Jody Miller" conseguiu trazer alguma notoriedade. Depois que Elvis a gravou no American Studios finalmente a música conseguiu se tornar apreciada pelo grande público em geral. Um reconhecimento tardio, mas muito bem-vindo.

It Keeps Right A Hurtin (Johnny Tillotson) - Johnny Tillotson foi um cantor e compositor sulista que surgiu na esteira de sucesso do próprio Elvis, ainda na década de 1950. Inicialmente ele apareceu no mercado como um astro pop adolescente, porém com o passar dos anos foi crescendo musicalmente, abraçando finalmente o estilo country. Apesar de Johnny muitas vezes ser encarado apenas como um "mini Elvis" como tantos outros que surgiram naquela época, Elvis via em seus singles um claro talento musical. Na verdade o próprio Elvis costumava ouvir seus compactos quando estava na Alemanha, prestando serviço militar. Daqueles astros juvenis ele era um dos que mais chamavam sua atenção. "Pledging My Love", por exemplo, um hit na voz de Tillotson durante a década de 60, seria gravada por Elvis em seu último álbum, "Moody Blue". Já "It Keeps Right On A-Hurtin'" foi lançada originalmente como single em 1962. Desde o seu lançamento Elvis a considerou uma grande canção. A música realmente tinha excelente melodia e letra, o que a faz se destacar na Billboard, alcançando a terceira posição entre os mais vendidos. Essa foi outra especialmente selecionado por Presley para fazer parte do álbum. Uma questão realmente de gosto pessoal.

I'm Movin On (Hank Snow) - Nessa gravação Elvis Presley fez uma volta ao seu passado, mais precisamente a 1950 quando "I'm Movin On" na voz de Hank Snow estourou em todas as paradas country. Em Memphis ela virou figurinha fácil nas emissoras de rádio. Na época Elvis era apenas um garoto de quinze anos de idade que sequer sonhava em alcançar a fama de Hank, considerado um dos maiores ídolos da música country dos Estados Unidos. Durante as sessões Elvis começou a trocar ideias com o produtor Felton Jarvis (que iria se tornar seu produtor musical definitivo depois dessa gravação) e disse a ele que seria muito bom trazer grandes clássicos da country music para o American Studio. Ali mesmo, com Elvis sentado em um banco no centro do estúdio, eles começaram a lembrar de grandes músicas de um passado distante. Elvis se virou para Jarvis, apontou o dedo e disse: "Eu me lembrei agora de I'm Movin On do Hank! Vamos gravá-la!". Felton Jarvis então providenciou partituras para os músicos e após alguns breve ensaios eles conseguiram, até com relativa facilidade, chegar no take ideal que se tornaria o oficial. Depois da última tentativa, ainda com microfone aberto, Elvis empolgado disparou no microfone: "Ei, essa é uma grande canção!". Risos foram ouvidos atrás dele.

Power Of My Love (Bill Giant / Bernie Baum / Florence Kaye) - O trio Giant, Baum e Kaye escreveu algumas das mais medonhas músicas gravadas por Elvis em sua carreira. Muitas delas tinham sido compostas a toque de caixa para fazer parte das trilhas sonoras de seus filmes. Com o tempo Elvis foi desenvolvendo uma certa aversão ao trio, justamente por causa das porcarias que tinham escrito ao longo dos anos. Curiosamente ele, que chegou certa vez a dizer que nunca mais gravaria nada composto pelo trio novamente, resolveu abrir uma última exceção. A razão era simples de entender, pois "Power Of My Love" era realmente uma grande música, muito boa realmente, com letra e melodia bem acima da média. Muitos anos depois o compositor Florence Kaye confessou: "Realmente muitas músicas que fizemos para Elvis não eram grande coisa. Os filmes também não nos empolgavam a escrever nada melhor. Se o filme era ruim, as trilhas não poderiam ser melhores. Em 1969 o produtor de Elvis me ligou dizendo que providenciasse algo novo. O Coronel queria que uma de nossas músicas fosse para o novo disco de Elvis. Era um álbum de estúdio e por isso resolvemos dar o melhor de nós! Acho a gravação muito forte e bonita. Nossa melhor colaboração ao lado do cantor". Kaye tinha toda a razão, "Power Of My Love" era mesmo uma grande faixa e seguramente um dos melhores momentos do disco inteiro. Grande canção.

Gentle On My Mind (John Hartford) - John Hartford foi um mestre do folk americano. Com uma carreira longa e muito produtiva ele se destacou como um grande tocador de banjo e violão folclórico. Durante toda a sua carreira Hartford lutou para a preservação da cultura dos grandes rios do sul, onde muita música de qualidade era criada, principalmente em pequenos portos fluviais, em estabelecimentos pequenos que se instalavam próximo aos locais de desembarque dos grandes barcos movidos a vapor. Folclorista e historiador, dedicou sua carreira a preservar esse aspecto histórico da música sulista americana. Também foi produtor musical, muito próximo a Chet Atkins que havia trabalhado como produtor do próprio Elvis nos anos 60. Durante uma sessão de gravação em Nashville Elvis se encontrou casualmente com Hartford nos bastidores, já que na época John trabalhava também na RCA Victor. Presley aproveitou para elogiar sua recente gravação, a própria "Gentle On My Mind" que havia sido lançada originalmente pelo autor em 1967. John nem hesitou e sugeriu a Elvis que ele um dia a gravasse. "Adoraria ouvir você cantando ela, Elvis!" - disparou o compositor. Elvis parece não ter esquecido da sugestão. Assim dois anos depois desse encontro lá estava ele no estúdio cantando a música de seu colega da RCA. O que temos aqui é uma bela faixa, um excelente momento do cantor no American. A lamentar apenas o fato de Elvis não ter gravado mais canções de Hartford ao longo de sua discografia. Ele era inegavelmente um grande talento musical.

After Loving You (Miller / Lantz) - Essa canção já tinha uma longa tradição quando Elvis a gravou no American. Ela foi escrita por Eddie Miller na década de 1930. Naquela época a indústria fonográfica americana ainda era muito primitiva e os compositores ganhavam dinheiro com a venda das partituras musicais em folhas de papel. Essas então eram levadas para as grandes casas tradicionais do sul onde eram tocadas ao piano em saraus animados e elegantes. Era uma outra era, com costumes próprios. Depois de anos nessa linha tradicional a música foi finalmente colocada em um disco, numa gravação. Coube a Joe Henderson essa honra, já na primeira metade dos anos 1960 (trinta anos depois que Miller compôs sua canção). Depois veio a versão de maior sucesso, gravada por Eddy Arnold. Foi essa a versão na qual Elvis se baseou para sua gravação no American já que ele não apreciava muito a terceira versão, lançada em 1963, com Jim Reeves nos vocais. Segundo o próprio produtor Chips Moman, Elvis até pediu para ouvir novamente a gravação de Arnold no estúdio para se preparar para a sua própria interpretação. Em suma, uma canção histórica que rendeu um ótimo momento ao disco como um todo.

True Love Travells On A Gravel Road (Frazier / Owens) - Essa canção foi sugerida a Elvis Presley pelo produtor Felton Jarvis. Vejo isso como uma prévia do que iria acontecer na parceria entre ambos durante a década seguinte. Elvis como cantor, Jarvis como seu braço direito nos estúdios, seu produtor fixo. Geralmente músicas de claro sabor country, que não tinham feito muito sucesso com seus autores originais, eram revitalizadas por Elvis em seus vários álbuns na década que viria. Isso até se tornaria padrão nas escolhas de repertórios de seus futuros discos. É justamente o que temos aqui. A versão original havia sido lançada no ano anterior, porém não conseguiu se sobressair nas paradas - nem mesmo naquelas especializadas em country music. Jarvis, que tinha claros interesses comerciais na música, a tocou para Elvis no American. "Veja que bela canção Elvis!". Os olhos do cantor brilharam na primeira audição (ele ainda não conhecida a versão de Duanne Dee) e assim em questão de segundos ele decidiu que aquela era uma boa música e que iria gravá-la. Quem produziu a faixa inteiramente foi Felton Jarvis já que o produtor principal da sessão, Chips Moman, não se encontrava no estúdio naquele momento. Na verdade Elvis gostou muito mais de trabalhar ao lado de Felton Jarvis do que de Moman, que tinha um jeito mais incisivo de impor sua opinião, algo que não era de inteiro agrado de Elvis. Havia limites que, na visão de Elvis, Chips havia ultrapassado várias vezes durante os trabalhos no American. Jarvis, por outro lado, parecia ser mais camarada, amigo e próximo, e isso fez com que Elvis nas sessões seguintes sempre pedisse a RCA Victor para que Jarvis voltasse como seu produtor principal. Ficariam juntos até a morte do cantor em 1977.

Any Day Now (Hillard / Bacharad) - Todos sabiam que Elvis tinha uma grande admiração por Chuck Jackson, cantor negro nascido na Carolina do Sul, astro do selo Motown Records. Em 1962 ele emplacou esse sucesso em um single de grande sucesso. Naquela época Elvis até tentou gravar essa faixa para fazer parte de algum single pela RCA porém por motivos contratuais relativos à direitos autorais isso jamais aconteceu. Também não era o momento adequado. Elvis estava afundado em contratos de cinema e muito provavelmente nem encontraria espaço para lançar adequadamente a canção. Quando em 1969 voltou aos estúdios e recebeu carta branca da RCA ele nem pensou duas vezes. Aquele era o momento para gravar finalmente a música. Naquela altura a canção já tinha inclusive ganhado mais duas outras novas versões, lançadas por Burt Bacharach e Percy Sladge. O que mais chama a atenção na gravação de Elvis é que ele e Chips Moman procuraram dar a ela aquela sonoridade tão característica da Motown, com ricos arranjos de metais. Quando chegou a hora de gravar Chips posicionou os microfones mais distantes de Elvis do que o habitual. Era uma forma de criar uma sonoridade característica, como se Elvis estivesse cantando do fundo de um poço. Ecos da Sun Records. Uma maneira de homenagear aquele passado glorioso do cantor, afinal de contas eles estavam ali, na mesma cidade, Memphis, tentando recriar pelo menos em parte toda aquela magia inicial da carreira de Elvis.

In The Guetto (Mac Davis) - No final da década de 1960 a chamada música de protesto estava em alta. Havia os hippies, os movimentos sociais, a luta pelos direitos civis e toda uma sociedade em ebulição. Esse clima de tensão racial, sexual e social acabou passando para a arte, como era de se prever. Assim Mac Davis escreveu essa música que tem quase uma linguagem cinematográfica. O foco vai para a dura vida dos negros nas grandes cidades americanas, vivendo em bairros e guetos pobres, longe de tudo, mas principalmente da riqueza dos brancos. Além disso havia o sempre presente preconceito racial, as atitudes de discriminação que sofriam e a exclusão social que sentiam na pele. Elvis, que em toda a sua carreira, nunca foi de cantar canções políticas ou de protesto, surpreendeu muita gente com essa faixa. Conforme ele próprio explicou numa entrevista, sua intenção não era virar um artista ativista, muito longe disso. Em sua maneira de ver a situação aquela era simplesmente uma ótima música que ele não poderia ignorar. A sua letra mais social era apenas um detalhe. Lançada como single era o tipo de gravação de que Elvis precisava para ganhar a simpatia de toda uma nova geração de radialistas, muitos deles alinhados com o novo tipo de pensamento e mentalidade que se espalhavam por toda a sociedade. Profissionais que surgiram tocando Beatles e Bob Dylan e que na maioria das vezes simplesmente ignoravam os lançamentos de Elvis, principalmente em sua fase Hollywoodiana dos anos 60. Agora o veterano Elvis parecia ter algo mais substancial para apresentar. Não é por outro motivo que a música acabou virando sucesso, também nessas rádios de universidades, comunidades, centros sociais, etc. Finalmente Elvis parecia ter algo importante para cantar após anos apresentando material de baixa qualidade. O sucesso foi então apenas um efeito natural da boa receptividade da faixa como um todo.

Elvis Presley - From Elvis in Memphis (1969): Elvis Presley (voz, piano e violão) / Reggie Young (guitarra) / Tommy Cogbill (baixo) / Mike Leech (baixo) / Gene Chrisman (bateria) / Bobby Wood (piano) / Ronnie Milsap (piano) / Bobby Emons (orgão) / John Hughey (steel guitar) / Ed Kollis (harmônica) / Sonja Montgomery, Mary Green, Mary Holladay, Donna Thatcher, Susan Pilikington & Sandy Bolsey (vocais) / Charlie Hodge (vocais) / The Memphis Horns (metais) / The Memphis Strings (cordas) / Orquestra Sinfônica Municipal de Memphis / Produzido por Felton Jarvis, Chips Moman e Elvis Presley / Data de gravação: 13 a 22 de janeiro e 17 a 22 de fevereiro de 1969 / Gravado no American Studios, Memphis / Data de lançamento: Novembro de 1969 / Melhor posição nas charts: #13 (EUA) e #1 (UK).

Pablo Aluísio.

Elvis Presley - Elvis NBC TV Special (1968)

Elvis NBC TV Special (1968)
No final dos anos 60 a TV NBC passava por uma séria crise financeira e de audiência. Suas concorrentes ABC e CBS ganhavam cada vez mais espaço, enquanto a NBC perdia cada vez mais. Para mudar esse quadro, a direção da emissora resolveu apostar alto em uma nova grade de programação, dando destaque especial para a sua área de shows. A NBC resolveu investir pesado e entrou em contato com o coronel Tom Parker para a realização de um especial de final de ano com Elvis Presley. Seria a principal atração do fim da temporada, com ampla publicidade e ótimos contratos de marketing. Elvis precisava tanto da NBC quanto ela precisava de Elvis. O Rei do Rock vinha em um mal momento da carreira. Seus filmes já estavam desgastados, Elvis sentia-se cada vez mais frustrado com a política dos grandes estúdios de cinema de Hollywood, que lhe mandavam fazer o mesmo filme ano após ano, com as mesmas trilhas sonoras e os mesmos roteiros estúpidos. Elvis estava mais do que farto deste esquema em 1968. Quando soube da idéia do especial, se empolgou e disse ao seu empresário que fechasse o contrato, pois ele queria voltar o quando antes a se apresentar ao vivo. Ainda tinha contratos a cumprir na costa oeste, mas queria que estes fossem os últimos. Sem dúvida, para quem apostava em uma carreira de ator, aquilo tudo representava um grande retrocesso. Era uma derrota para Elvis deixar Hollywood assim.

A verdade era que ele descobriu, ao longo dos anos, que nenhum estúdio iria lhe dar uma chance para desenvolver uma carreira dramática em Hollywood. Para os chefões Elvis tinha que sempre desempenhar o mesmo papel: o de Elvis Presley. Se continuasse no esquema dos estúdios cinematográficos, Elvis iria continuar a fazer uma comédia musical atrás da outra até sua carreira se apagar de vez. Ele estava decidido a pular fora e salvar o que ainda tinha restado de seu legado musical. E assim foi feito. Depois de acertar seu cachê (meio milhão de dólares por quatro dias de trabalho) Elvis finalmente se preparou para sua volta. O show seria transmitido no final do ano, em dezembro. O coronel Parker sugeriu um roteiro simplesmente desastroso para o especial: "Elvis entraria de papai noel, cantaria meia dúzia de músicas natalinas e iria embora pela chaminé". Elvis e o produtor Steve Binder simplesmente odiaram essa idéia. Juntos, trocaram pensamentos e conceitos e chegaram a um modelo básico. Elvis seria acompanhado de sua primeira banda, Scotty Moore e D.J. Fontana (Bill Black havia morrido em 1965).

Seria um show acústico (o primeiro da história), com Elvis vestindo uma roupa de couro negro, tocando uma guitarra Gibson, tudo de forma natural e autêntica. Ele interpretaria seus velhos sucessos e duas canções escritas especialmente para o programa: "If I Can Dream" e "Memories". Estava em ótima forma física e empolgado pela chance de voltar a apresentar um material de qualidade. Tudo que precisava era uma chance de mostrar novamente seu incontestável talento. Os ensaios foram exaustivos, Elvis tomou a frente, elaborando arranjos e produção, esse foi um momento crucial de sua vida, se falhasse, provavelmente seria o fim de sua carreira. E ele sabia disso. Em 1968, aos 33 anos de idade, Elvis Presley finalmente voltou à TV, num especial histórico para NBC em comemoração ao natal. O cantor estava no auge de sua beleza física e o show foi um marco em sua vida. Com cenas em estúdio e ao vivo, Elvis estava natural, espontâneo, Elvis como ele só. Priscilla Presley em seu livro "Elvis e eu" relembra o impacto do show: - "O especial de Elvis foi um sucesso espetacular e alcançou o maior índice de audiência do ano.

A música final, "If I Can Dream", foi sua primeira gravação que ultrapassou a barreira de um milhão de cópias vendidas em muitos anos. Sentamos em torno da TV assistindo ao programa, esperando nervosamente pela reação. Elvis se manteve silencioso e tenso durante toda a exibição do programa, mas assim que os telefones começaram a tocar, compreendemos que ele conquistara um novo triunfo. Não perdera a classe, ainda era o rei do rock'n'roll". Com esse programa Elvis se convenceu que era hora de deixar Hollywood para trás e retomar os rumos de sua carreira musical. Não haveria mais trilhas sonoras insípidas, o momento era de entrar em estúdio novamente para gravar canções de qualidade, para mudar novamente os rumos musicais de seu tempo.

Medley: Trouble (Jerry Leiber / Mike Stoller) / Guitar Man (Hubbard) - Para abrir o programa Elvis apresentou esse Medley bem sacado. Em um disco pirata dos anos 80, pode-se ouvir Elvis trocando idéias sobre esses arranjos com W. Earl Brown. Elvis diz: - "Vamos balancear a orquestra com a banda, cara!", no que o produtor responde: -"Também pensei nisso, ok!". O acompanhamento ficou bem mais forte e presente, sem dúvida. A orquestra presente foi a da NBC. Isso se nota bem, pois seu som é bem peculiar dentro da discografia de Elvis, essa você só vai ouvir nesse disco. Mas, vamos às músicas: "Trouble" é a melhor música da trilha do filme "King Creole" e também a mais conhecida. Trouble é uma preciosidade composta por Leiber e Stoller em que o ritmo e o conteúdo de sua letra caiu como uma luva para a estória do personagem Danny Fisher, um garoto correto que tenta sobreviver numa New Orleans infestada de Gangsters. Esta versão que foi utilizada no memorável "Comeback Special" de 1968 é muito boa. Porém sem sombra de dúvida "Trouble" vai ficar imortalizada mesmo na versão original gravada por Elvis no dia 15 de Janeiro de 1958 para o filme "King Creole". "Se você procura por encrenca, veio ao lugar certo!" Já "Guitar Man" é a típica música de Elvis pós 67: muito mais arranjada do que o normal trazendo a excelência instrumental do compositor Hubbard. Ela foi lançada em um single em janeiro de 1968 com "Hi-Heel Sneakers" no lado B.

Lawdy, Miss Clawdy (Price) - Depois da apresentação, Elvis começa a parte acústica do show: Só ele e os caras da banda, tocando ao vivo, sem frescuras, numa volta sobrenatural aos tempos da Sun Records. Só faltou mesmo Bill Black, e tenha certeza, faz uma tremenda falta. Sem dúvida, disparado esse é o ponto alto tanto do disco como do especial. Rock'n'Roll é isso aí. "Lawdy, Miss Clawdy" é um grande momento da carreira de Elvis cuja versão original foi gravada no dia 3 de fevereiro de 1956 nos estúdios da RCA em Nova Iorque. Foi lançada como lado B de um single com "Shake, Rattle and Roll" em Agosto de 56. Era uma das preferidas do Rei do Rock. Pintou pela primeira vez na discografia de Elvis no famoso disco "For LP Fans Only" que foi lançado nos Estados Unidos quando ele estava servindo o exército na Alemanha.

Baby, What You Want Me to Do - Clássico de Little Richard e Jimmy Reed. Elvis pára a música no meio para brincar um pouco, falando com os músicos e com a platéia: ao simular um problema no lábio Elvis vira a boca e diz: "Espere caras, estou com um problema nos lábios", dá seu sorriso ímpar e diz: "Pois fique sabendo que fiz 29 filmes desse jeito". Todos riem. Depois relembra seus shows na Flórida onde não podia mexer nada, apenas seu dedo mindinho. Lembra que os shows eram filmados pela polícia para impedir que ele fizesse "imoralidades" nos palcos. Elvis se diverte com o fato. Mostra o lado divertido do Rei do Rock.

Medley: Outro medley, esse fazendo uma revisão geral na carreira de Elvis. O problema é que muito material foi cortado da exibição, pois o programa só teve uma hora de duração. Então o jeito foi fazer um medley que resumisse grande parte da vida de Elvis de uma vez só. Claro que isso é impossível, mas até que ficou bom, no balanço geral. Essas foram as utilizadas:

Heartbreak Hotel (Axton / Durden / Presley) — O primeiro grande sucesso de Elvis em nível nacional foi lançado em Janeiro de 1956 com "I was the one" no lado B alcançando o primeiro lugar na parada americana e européia. A música foi escrita especialmente para ele e se tornou uma de suas marcas registradas. Foi gravada em 10 de janeiro de 1956 no estúdios da RCA em Nashville. Foi gravada na primeira sessão de Elvis na RCA. Para tentar reproduzir o som das gravações da Sun Records, o engenheiro Bob Ferris construiu uma câmara no prédio do novo estúdio, buscando eco de telhas e vidro. Inacreditáveis as guitarras acústica e elétrica de Chet Atkins e Scotty Moore na gravação. A companhia de discos a considerou "um desastre", imprópria para tocar no rádio. Cinco semanas depois, tornava-se seu primeiro hit número 1.

All Shook Up (Elvis Presley / Blackwell) — Esta canção alcançou tamanho sucesso quando lançada que se tornou parte do vocabulário da juventude norte americana da época. Elvis alcança uma das mais brilhantes interpretações de sua vida resultando num dos singles mais vendidos de sua carreira. A canção chegou a Elvis através de Steve Sholes, seu produtor na RCA Victor. O single alcançou o primeiro lugar da parada da revista Billboard em março de 1957 tendo sido gravada em 12 de janeiro do mesmo ano nos estúdios Radio Recorders em Hollywood. Esta canção foi gravada primeiramente como I´m All Shook Up por David Hill, na Aladdin Records. Elvis gravou fazendo percussão na parte de trás do violão. O single ficou durante nove semanas no topo das paradas dos EUA, seu maior tempo consecutivo como número 1. Também foi seu primeiro número 1 na Inglaterra.

Can't Help Falling In Love (Peretti/Creatore/Weiss) -- Canção baseada em "Plaisir d'Ámor" do compositor francês de origem alemã Jean Paul Martini. A versão de Presley foi muito feliz pois foi muito bem adaptada. O maior sucesso do filme. Quando foi lançada em Single em Novembro de 1961 alcançou um enorme sucesso de vendas. Nos anos setenta ela seria utilizada como desfecho de todos os seus shows. Nos anos 90 o grupo UB40 faria uma nova versão de grande sucesso. Parte da trilha sonora do filme Blue Hawaii. O álbum ficou durante incríveis 20 semanas no nº 1 e vendeu mais de 2 milhões de exemplares.

Jailhouse Rock (Jerry Leiber / Mike Stoller) - Música título do terceiro filme estrelado por Elvis que no Brasil recebeu o nome de "O Prisioneiro do Rock", sendo que sua trilha foi lançada em um Compacto Duplo em outubro de 1957. Foi ainda lançada como single em setembro de 1957 com "Treat Me Nice" no lado B. O Sucesso foi imediato e o single chegou ao primeiro lugar na parada americana. A cena do filme em que Elvis apresenta esta canção é considerado o melhor momento do cantor no cinema. Leiber e Stoller afirmaram posteriormente que sua intenção era "...imitar o som de pedras quebrando" o que de certa forma foi conseguido. Foi gravado em 30 de abril de 1957 nos estúdios Radio Recorders em Hollywood. Assim Elvis ignorou a intenção satírica dos autores (Jerry Leiber e Mike Stoller) e interpretou a canção com fúria. Jailhouse Rock foi o primeiro single da história a ir direto para o topo das paradas no Reino Unido.

Love Me Tender (Presley / Matson) - Música título de seu primeiro longa Metragem que no Brasil recebeu o nome de "Ama-me Com Ternura". O titulo original do filme era "The Reno Brothers" mas com a ascensão do Rei resolveu-se mudar o titulo para aproveitar o sucesso do cantor. A estória se passa durante o final da guerra civil norte americana e trata da delicada disputa de uma mulher por dois irmãos. A trilha foi lançada em um compacto duplo com "We're Gonna Move", "Let Me" e "Poor Boy" todas de autoria de Elvis Presley e Vera Matson. Era o inicio de uma carreira cinematográfica que iria contar com mais de trinta filmes. "Love Me Tender" foi gravada em Agosto de 1956 nos estúdios I da 20th Century Fox em Hollywood. Ele não contou com sua banda tradicional e sim músicos determinados pelo estúdio cinematográfico da Fox. Elvis produziu Love me Tender durante sua primeira sessão de gravações na Costa Oeste, em agosto de 1956. Ele apresentou a canção no The Ed Sullivan Show, em 9 de setembro. Provavelmente, este foi o primeiro disco da história a ter 1 milhão de cópias pré-vendidas, graças à expectativa gerada em torno de seu lançamento.

Fim do Medley: Elvis encerra sua volta aos anos iniciais com "Love Me Tender". Esse segmento, ao contrário do anterior, foi apresentado com Elvis de pé e acompanhado da orquestra da NBC, ao invés de sua banda. Funciona melhor com as canções mais, digamos, virtuosas como "Can't Help Falling In Love". Com os rocks, perde-se um pouco, seria melhor que fosse executada com o apoio de Scotty Moore e cia.

Medley Gospel: Where Could I Go But The Lord (James B. Coats) - Canção do disco "How Great Thou Art", por demais conhecida no mundo Gospel norte americano. Foi escrita inicialmente pela dupla de compositores K.E.Harris e J.M.Black em 1890. Em 1940 J.B.Coats escreveu uma versão bastante modificada. Foi gravada ainda por Red Foley em 1951 e por Faron Young em 1954. Elvis a utilizou ainda no NBC TV Special num medley com outras canções evangélicas.

Up Above My Head (Brown) - Esse medley continua com essa música inédita. São ao todo sete minutos e meio de gospel. Faz sentido. Até porque era época de natal e também porque Elvis não ia dispensar essa chance de colocar esse ritmo, o seu preferido, no seu especial de retorno. Esse é um gospel tocado principalmente em igrejas de negros no sul dos Estados Unidos. Elvis sempre teve uma posição altamente positiva em relação à questão racial. Colocava artistas negros para lhe acompanhar em seus shows (como as Sweet Inspirations) e sempre que podia incentivava e elogiava a cultura negra de seu país. Para um sulista isso significava uma atitude altamente louvável, pois estes Estados sulistas dos EUA sempre foram os mais racistas.

Saved (Leiber / Stoller) - Até hoje me pergunto: como uma dupla de judeus iria escrever uma música gospel como essa? Só mesmo Leiber e Stoller para aprontar uma dessas. Devem ter deixado seu rabino com os cabelos em pé, sem dúvida. Viva o ecumenismo!

Blue Christmas (Billy Hayes / Jay Jonhson) — Essa foi incluída para satisfazer o coronel Parker. E pensar que ele queria transformar o especial numa breguice de natal. Outro sucesso dos anos 40 cantada por Elvis neste disco. O Rei apresentaria uma versão no Histórico "NBC TV Special" (Comeback Special) em 1968. A versão em questão está no LP da Trilha do especial de TV que trouxe o Rei de volta as apresentações ao vivo depois de uma longa ausência proporcionada pela série de filmes protagonizados por ele nos anos sessenta. Foi gravada no dia 5 de setembro de 1957 em Hollywood.

One Night (Bartholomew/King) - A Versão original desta canção foi lançada por Smiley Lewis em 1956 pelo selo Imperial. A Versão de Elvis se tornou um grande sucesso. Ele a utilizou também dez anos depois no memorável NBC Special em 1968 (Comeback Special). A letra mais uma vez foi considerada ofensiva o que fez a produção mudá-la de forma a torná-la mais aceitável. A versão com a letra completa foi lançada muitos anos depois como "One Night a Sin". "One Night" chegou ao quarto lugar nas paradas em Outubro de 1957 nos EUA e ao topo na terra dos Beatles. Para aplacar a sanha dos censores, essa música teve um verso mudado. Em vez de "One night of sin is what I´m not paying for" (Uma noite de pecado é para o que não estou pagando), ele cantou "One night with you is what I´m now praying for" (Uma noite com você é pelo que estou rezando agora). Ainda assim, foi considerada escandalosa.

Memories (Strange / Davis) - Acho "Memories" realmente uma música muito especial. Muito bem escrita, bem arranjada e contando com Elvis em um dos seus melhores momentos. No especial Elvis a canta no finalzinho do show, ainda com sua roupa de couro negro. Foi lançada em single no começo de 1969 com "Charro" (do filme de mesmo nome) no lado B. Foi um belo sucesso, reconciliando definitivamente Elvis com as paradas de sucesso.

Medley: Nothingville (Strange / Davis) / Big Boss Man (Smith / Dixon) /  Guitar Man (Hubbard) / Little Egipt (Leiber e Stoller) / Trouble (Leiber e Stoller) / Guitar Man (Hubbard) - O último medley do especial, juntando músicas novas e inéditas como Nothingville (nunca mais foi usada por Elvis) com trilhas sonoras (Little Egipt de "Carrossel de Emoções"), além das já citadas "Guitar Man" e "Trouble". Funciona? Em termos, acho que "Big Boss Man" merecia uma faixa solo e não cortada como saiu. Tremenda geléia geral que às vezes dá indigestão! Esse medley foi utilizado no especial como pano de fundo de várias cenas de estúdio, com Elvis, dançarinos e um fiapinho de roteiro. Totalmente dispensável. Não deveriam ter cortado vários trechos de Elvis ao vivo para colocar isso. Felizmente anos depois, as cenas inéditas apareceram e tudo foi corrigido.

If I Can Dream (Brown) - Em uma palavra: épica! Com um simples single Elvis colocou os Beatles e os Rolling Stones no bolso e detonou eles das paradas! Depois de anos sendo superado, por causa de suas trilhas ruins, Elvis mostrou quem é que mandava. Os fãs do Rei ficaram de peito lavado e eu também (se tivesse tido a oportunidade e a idade de vivenciar isso, claro!). Mas deixando essas questões puramente comerciais de lado, se "If I Can Dream" fosse apenas um compacto obscuro na carreira de Elvis eu ainda iria amar essa música, sem dúvida nenhuma. Ela foi lançada com "Edge of Reality" no natal de 1968 e foi ouro na mesma semana. Foi uma das mais políticas músicas de Elvis, que tratava e falava de forma poética de vários problemas que a sociedade americana e mundial vinham enfrentando naquela época. Para gravá-la Elvis pediu que ficasse sozinho no estúdio, que fossem apagadas todas as luzes. Ele se sentou no chão do estúdio e comovido presenteou e deixou para a eternidade um momento simplesmente insuperável! Um momento raro. Os produtores e engenheiros de som do Burbank Studios ficaram simplesmente de queixo caído! Anos depois, Bones Howe, um dos presentes, confidenciou que após gravar a música Elvis conversou baixinho com alguém no estúdio! Ainda sentado no chão ele agradeceu, emocionado, a essa "entidade" pela inspiração. Não se sabe o que ocorreu, mas dizem que naquela noite conversou com sua querida mãe, falecida dez anos antes... ela estava ao seu lado, segurando sua mão...

Ficha Técnica: Elvis Presley (vocal, guitarra e violão) / Scotty Moore (guitarra) / D.J. Fontana (bateria) / Charlie Hodge (guitarra) / Alan Fortas (percussão) / Lance Le Gault (tamborim) / The NBC Orquestra / Bob Finkel (produção executiva) / Steve Binder (direção) / Bones Howe (supervisão musical) / Allan Blye e Chris Beard (roteiro) / W. Earl Brown (arranjos) / Gene McAvoy (direção de arte) / Jaime Rodgers e Claude Thompson (coreografias) / Gravado nos estúdios Burbank, Califórnia / Data de gravação: 27, 28, 29 e 30 de junho de 1968 / Data de exibição: 3 de dezembro de 1968 / Data de lançamento da trilha sonora: dezembro de 1968.

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

Elvis Presley - Elvis Gold Records Vol. 4 (1968)

No momento em que a carreira de Elvis parecia renascer a RCA Victor soltou no mercado um novo álbum do cantor. A filosofia era a mesma dos discos anteriores, ou seja, reunir grandes sucessos de Elvis que só tinham sido lançados antes em singles (compactos). O problema básico é que os sucessos estavam rareando cada vez mais na discografia do Rei do Rock. Assim quando os executivos da RCA determinaram a produção do quarto disco da série Golden Records o responsável pela seleção musical soltou uma pergunta fatal bem no meio da reunião: "Tudo bem, mas que sucessos Elvis realmente alcançou nesses últimos anos?". Era uma constatação bem ruim e verdadeira. Ao longo dos anos 1960 Elvis foi colecionando fracassos comerciais com seus singles. A bagunça e muitas vezes falta de promoção fizeram com que muitos compactos de Elvis se tornassem grandes desastres comerciais. Eles ficavam por meses nas estantes das lojas de discos, pegando poeira sem que ninguém os quisesse comprar. Lotes e mais lotes de caixas cheias de compactos de Elvis Presley eram enviados de volta para a fábrica da RCA por não terem encontrado compradores no mercado.

Por volta de 1967 a RCA inclusive chegou a colocar em dúvida se valia mesmo a pena renovar com o astro por mais alguns anos. O fato é que a má qualidade das trilhas sonoras e dos filmes tinham literalmente acabado com Elvis do ponto de vista comercial. Ele facilmente era superado por bandinhas sem nenhuma importância musical. Seu público havia debandado e pouco sobrara do antigo campeão das paradas. Quando as negociações começaram a RCA deixou claro ao Coronel Parker que estava ficando sem interesse no passe de Elvis. Ele não vendia mais como antigamente, no começo de sua carreira. Tirando poucos discos que tinham realmente feito sucesso, Elvis amargava baixas posições nas paradas. O público não se interessava mais pelo que ele vinha produzindo e nem as revistas de fofocas mais exploravam sua vida pessoal, que andava mais fechada e reclusa do que nunca. Elvis não aparecia em festas e nem em eventos, não fazia mais shows ao vivo e só aparecia para seu público através de filmes de Hollywood bem ruins. Era a fórmula mesmo do desastre.

Sem muitos sucessos comerciais para compor o disco o jeito mesmo foi pincelar alguns poucos bons momentos de vendas do cantor na década de 1960. Um terceiro lugar aqui, um quarto lugar acolá, tudo sendo colocado junto para preencher cronologicamente o álbum. O fato é que mesmo estando em maré baixa em termos de vendas o talento de Elvis continuava lá. O problema é que a sucessão de músicas ruins de seus filmes foram soterrando a voz e o carisma do cantor. Por volta de 1966 ele foi renascendo aos poucos. Algumas sessões livres de músicas de filmes foram realizadas e nelas Elvis finalmente pôde contar com material de qualidade novamente. Curiosamente foram justamente algumas dessas gravações que conseguiram o mínimo de repercussão nas paradas, mostrando um caminho para Elvis e a RCA Victor rumo de volta ao sucesso comercial. No caso tínhamos realmente o casamento entre qualidade e sucesso comercial, algo que hoje em dia é bem raro. O fato inegável porém era que naqueles tempos Elvis sempre conseguia bons números de vendas quando apresentava material de qualidade no mercado. O inverso também era verdadeiro: quanto piores eram as trilhas sonoras, menos elas vendiam a cada ano.

Elvis Presley não era um idiota. Ele sabia o que era bom e o que era ruim no material providenciado por sua gravadora. Geralmente as trilhas sonoras eram bem ruins depois de 1965. Eram compostas às pressas, sem capricho e sem cuidado. Os autores e compositores ganhavam mal e por essa razão também não mais se empenhavam em criar algo bom. Uma coisa ruim levava a outra e em pouco tempo Elvis ia amargando sucessivos fracassos. Depois de uma sessão particularmente muito fraca, Elvis, que sempre foi conhecido por seu bom comportamento e educação dentro dos estúdios, estourou com o microfone ainda aberto: "O que mais vocês querem que eu faça com essa merda?". Quando a RCA começou a disponibilizar um material de melhor qualidade finalmente as coisas foram ficando mais claras. Elvis, livre das amarras dos estúdios cinematográficos, conseguia finalmente contar com canções realmente boas, bem compostas, bonitas. Ficar cantando sobre ostras, cachorros e namoricos de adolescentes era um suplício para The Pelvis nesses tempos nebulosos. Quando ele finalmente recebeu bom material tudo foi melhorando, não apenas em termos de vendas, mas principalmente em termos de relevância artística. Assim por volta de janeira a RCA finalmente soltou a relação das canções que iriam fazer parte de seu disco (segue lista abaixo).

Love Letters (Heyman / Young) - Muita gente boa ainda confunde essa versão com a mais conhecida, dos anos 1970, que inclusive deu origem ao nome de um álbum de Elvis. A versão aqui presente é outra, gravada em meados de 1966. Bem no meio de uma fase bem ruim e pouco inspirada em sua carreira, o produtor Felton Jarvis lutou para trazer maior qualidade técnica para suas gravações. Nada que lembrasse suas trilhas sonoras. Realmente basta ouvir a música para entender bem isso. A canção se apresenta com ótimo arranjo, com um piano melódico sempre presente, ao fundo. Para tornar a música ainda mais bonita Felton escreveu um arranjo vocal feminino (algo que era muito raro nas gravações de Elvis) para soar liricamente em segundo plano. O conjunto é mais do que agradável. Ficou muito bonita realmente. A original "Love Letters" nunca foi um sucesso, mas como a RCA Victor estava sem muitas opções e como a gravação ficou acima da expectativas resolveu-se colocá-la como faixa de abertura do álbum. Um cartão de apresentação com qualidade, acima de tudo.

Whitcraft (Bartholomew - King) - Outra versão que causa certa confusão por aí. Não se trata de uma versão de Elvis Presley para o hit "Witchcraft" de Frank Sinatra. Aquela era uma swing jazz, muito conhecida por sinal, um dos grandes sucessos de Sinatra em sua carreira, sempre presente em suas coletâneas mais populares. Essa é outra canção. Poderia qualificar como um pop nervosinho, com um ótimo solo de sax do mestre Boots Randolph (sem dúvida o melhor destaque da gravação, se sobressaindo ainda mais do que a boa vocalização de Mr. Presley). A faixa é bem curtinha, simples e direta. Não há espaço (e nem tempo) para maiores firulas. Produzida por Steve Sholes ela foi gravada em 1963, numa produtiva sessão com outras 14 canções. Fazia parte da ideia da RCA Victor em lançar um LP convencional de Elvis, sem músicas de filmes, que acabou indo por água abaixo. Desastrosamente as boas músicas gravadas nessa ocasião começaram a ser lançadas como bonus songs de trilhas, as deixando em um limbo injusto. Com o tempo foram praticamente esquecidas. Só muitos anos depois o disco saiu finalmente com o nome de "The Lost Album" (o álbum perdido), já na era do CD.

It Hurts Me (Byers - Daniels) - Outro caso curioso dentro da discografia de Elvis. A música foi originalmente gravada numa rápida sessão em janeiro de 1964, entra as gravações das trilhas sonoras de "Kissin Cousins" e "Roustabout". Sem saber direito o que fazer com a música a RCA Victor resolveu que era melhor arquivá-la por um tempo. Com o lançamento da trilha sonora de "Kissin Cousins" pensou-se em utilizá-la como bonus songs do disco, mas depois se descartou essa ideia. Ela assim foi renegada, sem muita razão ou lógica, como Lado B do single "Kissin' Cousins". Péssima decisão. A canção era muito boa, com arranjos do grande Chet Atkins (que inclusive a produziu) e deveria ter sido melhor trabalhada para fazer bonito nas paradas, batendo inclusive de frente com os singles dos Beatles que no auge da Beatlemania andavam dominando todas as paradas de sucesso pelo mundo afora. Mais um exemplo de que os executivos da gravadora de Elvis definitivamente não sabiam o que fazer com suas gravações.

What'd I Say (Ray Charles) - Gravada em 1964 como parte da trilha sonora de "Viva Las Vegas" a versão de Elvis para o clássico de Ray Charles tem admiradores e detratores na mesma proporção. Particularmente gosto da alegria contagiante que Elvis e sua banda conseguiram colocar na faixa. Certamente é bem mais pop que a gravação de Ray Charles e se distancia bastante de sua característica principal, a de ser uma canção com letra profana em uma base sonora típica de música gospel, mas isso em momento algum soa como um defeito ou um demérito. Pelo contrário, penso que Elvis sabia que a sua versão seria parte de um filme de Hollywood e que teria que ter por essa razão um melhor balanço para dar a devida agilidade na cena. Essa, por seu lado, também ficou muito divertida, animada e bem realizada. O diretor George Sidney sabia como poucos coreografar bem um número musical em seus filmes. Além disso some-se a isso a notável beleza e carisma da atriz Ann-Margret e você certamente terá o pacote completo em mãos. Não é algo para se reclamar, vamos convir.

Please Don't Drag That String Around (Baum / Giant / Kaye) - Em sua fase mais pop Elvis Presley realmente gravou algumas faixas adoráveis. Não estou aqui defendendo essa canção como uma grande obra de arte, nada disso, apenas dizendo que essa é uma daquelas músicas que nos deixam mais leves, felizes, simplesmente por ouvi-la. Tem um excelente balanço e uma melodia que imediatamente cria uma cumplicidade com o ouvinte. Muitos poderiam dizer que é demasiadamente inofensiva e sem pretensão, bom, isso nem sempre é um ponto negativo, muito pelo contrário, dependendo da intenção de cada composição pode ser um grande acerto. Essa é outra gravação proveniente das sessões do "The Lost Album", registrada em maio de 1963. Nessa noite, devidamente inspirado no RCA Studio B, em Nashville, Elvis conseguiu finalizar quatro faixas. Entre um gole e outro de Pepsi (seu refrigerante preferido) ele foi fazendo seu trabalho. As sessões começaram com a boa "Echoes of Love" (que seria usada como bonus songs na trilha sonora de "Kissin Cousins"); depois veio o grande hit da sessão "Devil in Disguise" (lançado como single de grande sucesso) e finalmente "Never Ending" (outra boa faixa que seria jogada no vazio pelos executivos da RCA Victor). "Please Don't Drag That String Around" foi a segunda música a ser gravada nessa noite. Elvis adorou sua intensa alegria e levou apenas seis takes para finaliza-la. Um belo trabalho de vocalização e entrosamento. Pura alegria e diversão.

Indescribably Blue (Darrell Glenn) - Balada lançada em 1967 como single com "Fools Fall in Love" no lado B. Essa música já é de uma fase em que Elvis começava a mudar sua musicalidade. Ele ia aos poucos deixando o tipo de trabalho que vinha fazendo desde 1960, quando retornou aos Estados Unidos depois de ter cumprido o serviço militar na Alemanha, para ir por novos rumos, novos caminhos, novas experiências. Talvez o grande responsável por esse novo tipo de som tenha sido o produtor Felton Jarvis. Depois da saída de Steve Sholes e Chet Atkins da produção dos discos de Elvis, Jarvis se mostrou o homem ideal para trabalhar com o cantor nos estúdios. Paciente, bom ouvinte e com sensibilidade para entender o lado emocional de Presley, Jarvis começou uma excelente parceria com o Rei do Rock. Um exemplo perfeito de sua boa simbiose com Elvis veio justamente de sessões como essa. Ao invés da correria das gravações anteriores, que deixavam Elvis nervoso e estressado, Felton Jarvis propôs mais calma e tranquilidade, trabalhando melhor em cada música. Assim em junho de 1966 lá estava Elvis e Felton juntos, pensando em arranjos para as belas baladas da noite. Nessa ocasião eles ainda gravariam a linda "I'll Remember You" (a versão de estúdio, a mesma música que Elvis consagraria ao vivo no álbum "Aloha From Hawaii") e "If Every Day Was Like Christmas" (a música natalina que viraria sucesso no Vietnã, sendo tocada nas noites de natal passadas fora de casa pelas tropas americanas, nas florestas daquele país tropical em chamas). Para muitas pessoas "Indescribably Blue" pode ser excessivamente triste e melancólica, mas para outros é mais um exemplo do tipo de bela música que Elvis e Jarvis podiam produzir juntos. Um momento memorável sob esse ponto de vista.

(You're The) Devil in Disguise (Otis Blackwell / Winfield Scott) - Um dos últimos grandes sucessos na voz de Elvis escrito por Otis Blackwell. O compositor negro tinha sido responsável por alguns dos maiores sucessos da carreira de Elvis Presley como "All Shook Up", "Don't Be Cruel" e "Fever". Nascido em uma família pobre de Nova Iorque, Blackwell soube como poucos criar hits nas paradas dos anos 1950. Além de brilhar ao lado de Elvis ele ainda escreveria um dos grandes hits da carreira de Jerry Lee Lewis, "Great Balls of Fire". Infelizmente depois de algum tempo ele começou a ter problemas com a RCA Victor e o Coronel Tom Parker. Tudo em razão de problemas financeiros e contratuais. Parker não queria pagar o que ele pedia por novas músicas; em contrapartida Otis aos poucos foi se afastando da carreira de Elvis. Para o Coronel o compositor não deveria entrar em atrito com Elvis, uma vez que havia sido ele que o tinha colocado no mapa da grande indústria fonográfica americana. As afirmações de Parker acabaram mexendo com os brios de Otis que resolveu por volta de 1964 não mais ceder canções a Elvis. A mágoa porém não apagou os grande êxitos comerciais dessa parceria. Assim "(You're The) Devil in Disguise" acabou sendo a despedida da dupla, algo realmente a se lamentar.

Lonely Man (Bennie Benjamin / Sol Marcus) - Música que fez parte das sessões de gravação da trilha sonora de "Wild in the Country". Uma faixa que sempre me recorda dos grandes faroestes do passado. O produtor Urban Thielmann escreveu um arranjo bonito que em minha opinião não envelheceu em nada e nem ficou datado. Essa canção não fez muito sucesso e passou praticamente despercebida até mesmo para os fãs de Elvis na época. Ela só entrou na seleção desse disco porque foi lado B do single "Surrender". Tirando isso não consigo achar uma boa justificativa para a faixa estar aqui. Em minha forma de entender é mais uma prova de como havia um verdadeiro deserto de sucessos na carreira de Presley naqueles tempos complicados. Se formos comparar com a seleção musical do primeiro disco, "Elvis Golden Records" de 1958, vamos perceber a grande diferença entre aquelas faixas (todas grandes sucessos) com as daqui, algumas sem nem razão de ser. Os bons tempos tinham realmente ficado para trás. 

A Mess Of Blues (Doc Pomus / Mort Shuman) - Uma grande canção, gravada nas maravilhosas sessões do retorno de Elvis em Nashville quando ele terminou seu serviço militar na Alemanha em 1960. Foi inicialmente lançada como lado B do single campeão de vendas "It's Now or Never", um dos mais vendidos de sua discografia. O que mais me impressiona nessa fase é que Elvis conseguiu unir grande qualidade técnica com uma diversidade musical poucas vezes superada em sua carreira. É até relativamente fácil compreender isso. A volta de Elvis era ansiosamente aguardada pelo mercado mundial. Durante sua ausência o próprio rock entrou em decadência. Assim ele foi literalmente colocado na posição de salvador do ritmo musical que tanto ajudou a popularizar na década anterior. Elvis porém não estava muito preocupado com isso, para ele o importante mesmo era voltar a fazer grandes discos, gravar excelentes músicas, mesmo que essas fossem de ritmos musicais variados. Definitivamente ele não queria ficar limitado apenas a um nicho do mercado fonográfico. Pelo menos nesse primeiro momento ele realmente atingiu seus objetivos. "A Mess Of Blues", gravada no dia 21 de março de 1961, na mesma noite em que ele também gravou outros clássicos de seu repertório como "Stuck on You", "Fame and Fortune" e "It Feels So Right", era definitivamente uma prova de sua versatilidade e talento. Desfilando por um blues muito bem escrito, Elvis provava que não era apenas o Rei do Rock como todos diziam, mas sim um cantor versátil que poderia se sair bem em praticamente todos os ritmos musicais. Um verdadeiro Rei dos microfones, independentemente do tipo de repertório que lhe era disponibilizado na época.

Ask Me (Domenico Modugno / Florence Kaye / Bill Giant / Bernie Baum) - Como eu já tive oportunidade de falar antes nunca gostei de "Ask Me". Na verdade sempre critiquei o fato da música ter sido título de um single de Elvis Presley bem no auge da Beatlemania. Lançada quase sem promoção com "Ain't That Loving You Baby" no lado B o disquinho não fez muito pela carreira do cantor na época. Na verdade pode ser visto até mesmo como um produto de publicidade de outro disco, o do álbum da trilha sonora de "Roustabout" ("Carrossel de Emoções" no Brasil). Isso é facilmente constatado pela própria capa do single, com uma foto do filme e uma grande chamada promocional onde se lê "Coming Soon! Roustabout LP Album". Tudo o que a RCA Victor e o Coronel fizeram foi mesmo resgatar duas músicas que estavam há bastante tempo arquivadas para lança-las assim mesmo, sem muito esforço, na tentativa de divulgar o disco do filme, esse sim uma aposta verdadeira da gravadora. Curiosamente a trilha sonora vendeu realmente muito bem, chegando ao primeiro posto das paradas e essa repercussão comercial certamente também deu um pequeno impulso no compacto pois os americanos acabaram fazendo uma dobradinha, levando o LP e o compacto que estava à venda nas lojas na mesma ocasião. Já em termos musicais a canção é realmente fraca, uma melodia com arranjo excessivo que nunca parece ir para lugar nenhum.

Ain't That Loving You Baby (Clyde Otis / Ivory Joe Hunter) - Essa música foi gravada em 1958, pouco antes de Elvis ir embora para a Alemanha onde cumpriria seu serviço militar. É interessante notar que enquanto esteve servindo o exército a RCA Victor negou que houvesse gravações deixadas por Elvis antes dele ir para a Europa. Eles informavam aos fãs que Elvis não havia deixado nada para trás e que tudo já havia sido definitivamente lançado como single enquanto ele estava fora. Era mentira. "Ain't That Loving You Baby" ao contrário de outras faixas dessas sessões nunca fora lançada! A razão permanece obscura até hoje. Para muitos especialistas a música foi considerada mal gravada, não finalizada. O produtor Steve Sholes nutria esperanças que Elvis a resgataria quando voltasse, mas isso definitivamente nunca aconteceu. Uma versão mais rápida, com pequenas falhas, é bem superior, mas também foi arquivada e deixada de lado. Seis anos depois de sua gravação finalmente a RCA resolveu lhe dar uma chance. Sem material inédito do cantor resolveu jogar a canção como lado B do single "Ask Me". Não fez sucesso e nem causou muito alvoroço. Aliás é até complicado de justificar sua inclusão nesse disco já que a canção não pode ser considerada um enorme sucesso de sua carreira.

Just Tell Her Jim Said Hello (Jerry Leiber / Mike Stoller) - Muitos implicam com o arranjo dessa música. Consideram bobinha demais. Discordo. Nem sempre é necessário se revolucionar o mundo da música já que muitas vezes tudo o que você está querendo mesmo é ouvir uma sonoridade bem despretensiosa e agradável. Se esse for seu foco pode ficar tranquilo pois a faixa vai bem mesmo por esse caminho. Além disso vamos convir que a música foi assinada pela melhor dupla de compositores da carreira de Elvis Presley, Jerry Leiber e Mike Stoller. Eles criaram alguns dos maiores sucessos de Elvis, mas sempre tiveram um relacionamento conturbado com o Coronel Parker. A questão da discórdia geralmente envolvia dinheiro, como era de se esperar. Eles queriam mais pelas novas composições pois quando acertavam, Elvis vendia milhões de cópias. O Coronel, por outro lado, queria pagar o mesmo que eles recebiam na década de 50. Assim, com o tempo, já desapontados, eles passaram a enviar material já não tão maravilhoso como antes para Elvis gravar. Essa composição, por exemplo, não foi considerada uma obra prima e nem uma excelente composição pelos críticos da época. Isso de certa maneira irritou Tom Parker e com o tempo a parceria foi sendo desfeita aos poucos. Tudo fruto de uma desavença contratual entre as partes. Uma pena porque no final os grandes perdedores foram realmente Elvis e seus fãs.

Elvis Presley - Elvis Gold Records Vol. 4 (1968) - Ficha técnica: Elvis Presley (vocal) / Scotty Moore (guitarra) / Grady Martin (guitarra) / Jerry Kennedy (guitarra) / Bob Moore (baixo) / Murrey "Buddy" Harman (bateria) / D.J. Fontana (bateria) / Homer "Boots" Randolph (sax) / David Briggs (piano) / Henry Slaughter (órgão) / Peter Drake (steel guitar) / Rufus Long (sax) / The Imperials (vocais) / The Jordanaires (vocais) / Millie Kirkham (vocais) / Red West (vocais de apoio) / Produzido por Steve Sholes, Chet Atkins, Felton Jarvis / Local de gravação: RCA Studio B, Nashville, Tennessee / Data de Lançamento: janeiro de 1968 / Melhor Posição nas paradas: 33 (EUA).

Pablo Aluísio.