quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Lord Jim

Título no Brasil: Lord Jim
Título Original: Lord Jim
Ano de Produção: 1965
País: Estados Unidos, Inglaterra
Estúdio: Columbia British Productions
Direção: Richard Brooks
Roteiro: Richard Brooks
Elenco: Peter O'Toole, James Mason, Curd Jürgens, Eli Wallach, Jack Hawkins. Paul Lukas

Sinopse:
Com roteiro baseado no romance escrito por Joseph Conrad, o filme narra as aventuras de um marinheiro britânico que após um ato de covardia decide se redimir, se tornando o líder amado de um grupo de nativos em uma região distante da civilização.

Comentários:
Não tão ousado como o livro que lhe deu origem, mas igualmente bom em termos de resultado artístico, essa adaptação para o cinema de "Lord Jim" segue sendo reconhecida pela crítica. O filme tem alguns trunfos, algumas cartas na manga que o redime de alguns erros de adaptação. Uma delas é o excelente elenco que contava com ninguém menos do que o grande ator Peter O'Toole, aqui em interpretação que me lembrou em alguns momentos de seu grande momento no cinema, "Lawrence da Arábia". Temos também um excelente grupo de atores coadjuvantes como o próprio Eli Wallach, ator muito bom que sempre foi subestimado em Hollywood. Ele interpreta um sujeito violento e sádico chamado simplesmente de "O General". Outro aspecto positivo são as locações em que a produção foi filmada, nos mares da China, Camboja e Malásia. Isso rendeu excelente fotografia a um filme marcado pelo sabor da aventura e do exotismo dos lugares onde foi realizado. Filme indicado ao BAFTA Awards nas categorias de Melhor Direção e Melhor Direção de Fotografia (Freddie Young).

Pablo Aluísio.

A Paixão de uma Vida

Esse filme é bem interessante porque ele conta a história de um homem comum chamado Martin 'Marty' Maher. Ainda jovem ele imigrou da Irlanda para os Estados Unidos. Chegando lá foi atrás de um emprego e acabou arranjando trabalho como garçom na academia militar de West Point. Depois com a eclosão da guerra seu senso patriótico o fez se alistar como soldado. Depois continuou trabalhando em West Point, se tornando uma figura querida pelos alunos que por lá passaram. O filme mostra praticamente toda a sua vida, desde a juventude até a velhice, quando ele decidiu por conta própria ir falar pessoalmente com o presidente dos Estados Unidos (ex-aluno da academia) para continuar trabalhando, sem se aposentar, que para ele iria significar sua morte.

Tudo o que se vê na tela foi baseado em fatos reais, na vida do próprio Marty. É um filme bem carinhoso com seu protagonista, o retratando como um homem duro, porém de bom coração. Afetuoso com os alunos acabou se tornando um símbolo de West Point pois gerações de futuros militares o conheceram bem quando estudaram lá. O filme foi dirigido pelo mestre John Ford e pode ser considerado uma de suas obras cinematográficas mais leves e despretensiosas. O diretor criou um carinho especial por seu personagem principal, levando o galã Tyrone Power para interpretá-lo tanto na juventude como na velhice onde o ator surge com maquiagem pesada, o retratando como um velho. Nas duas situações ele está muito bem, mostrando que Power tinha sim talento dramático e não era apenas um rostinho bonito em Hollywood como muitos o trataram por anos a fio, durante sua carreira.

A Paixão de uma Vida (The Long Gray Line, Estados Unidos, 1955) Direção: John Ford / Roteiro: Edward Hope, baseado no livro "Bringing Up the Brass" de Marty Maher / Elenco: Tyrone Power, Maureen O'Hara, Robert Francis / Sinopse: O filme conta a história real de Martin 'Marty' Maher (Power), imigrante irlândes que durante décadas trabalhou na famosa academia militar de West Point onde se tornou querido por gerações de alunos que por lá passaram.

Pablo Aluísio.

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

007 Contra o Satânico Dr. No

No mesmo ano em que os Beatles lançaram seu primeiro álbum, surgiu nos cinemas o primeiro filme adaptando as aventuras do agente James Bond, 007, nos cinemas. Levar para as telas aqueles livros seria um desafio, como os produtores logo descobriram. Nas páginas James Bond enfrentava desafios e usava de artimanhas tecnológicas que obviamente iriam demandar um custo de produção bem acima da média. Havia armas especiais, utensílios de espionagem que não existiam na vida real. Além disso era necessário achar um bom roteirista e um diretor eficiente para dar a devida agilidade nas cenas. Era algo complicado de fazer. Porém o maior desafio era mesmo achar o ator ideal. Houve um certo receio por parte dos grandes astros de Hollywood em participar do filme. Mesmo com o sucesso de Bond na literatura havia uma desconfiança por parte dos americanos pelo fato do filme ser produzido na Inglaterra. Alguns grandes astros do cinema foram convidados, mas por um motivo ou outro ninguém assinou um contrato. Isso abriu margem para que um ator escocês chamado Sean Connery fosse contratado. Ninguém o conhecia direito na época. Ele havia feito vários filmes antes desse, porém para os americanos ele era um notório desconhecido. Sua escolha, como o tempo iria provar, acabou sendo acertada. Sean Connery teve o feeling perfeito para interpretar o agente James Bond, tanto que até hoje muitos o consideram o melhor ator que já passou por essa longa e produtiva franquia cinematográfica.

Curiosamente esse primeiro James Bond não está entre os meus preferidos. Considero que as coisas ainda não estavam encaixadas definitivamente. O estúdio ainda procurava por uma adaptação perfeita, algo que só iria acontecer alguns anos depois. A produção assim tem alguns problemas relacionados mesmo com a falta de experiência em adaptar James Bond para o cinema. O roteiro surge por isso bem formulaico, simplificado, para que as pessoas viessem a conhecer bem o personagem principal. Sean Connery se saiu bem, mesmo sendo "marinheiro de primeira viagem". Ele teve sorte também porque a atriz  Ursula Andress foi contratada para ser a primeira "Bond-Girl". Sua cena saindo do mar, de biquini provocante branco, com uma faca de caça na cintura ainda hoje é lembrada. Em suma, eis aqui o surgimento de Bond nos cinemas tal como conhecemos. Entre erros e acertos uma coisa ficou clara: havia muito potencial para esse agente inglês na sétima arte.

007 Contra o Satânico Dr. No (Dr. No, Inglaterra, 1962) Direção: Terence Young / Roteiro: Richard Maibaum, Johanna Harwood, baseados na obra de Ian Fleming / Elenco: Sean Connery, Ursula Andress, Bernard Lee, Jack Lord / Sinopse: O agente James Bond (Connery) é designado para uma nova missão. Ele terá que descobrir o paradeiro e os planos de destruição de um estranho vilão, conhecido apenas como Dr. No. Filme premiado pelo Globo de Ouro na categoria de Melhor revelação feminina (Ursula Andress).

Pablo Aluísio. 

O Grande Motim

O navio HMS Bounty ruma em direção aos mares do sul em uma viagem de exploração e reconhecimento do Tahiti e ilhas daquela região, tudo para defender os interesses da coroa britânica. No caminho os tripulantes começam a se indispor com o tratamento rude, diria até tirânico, do comandante Bligh (Trevor Howard). Na volta da expedição, sob o comando do primeiro tenente Fletcher Christian (Marlon Brando), os membros da tripulação resolvem levantar um motim contra o capitão da embarcação. Marlon Brando relembrou esse filme em sua autobiografia "Canções Que Minha Mãe Me Ensinou". Ele contou que na época o estúdio lhe ofereceu a possibilidade de fazer dois filmes. O primeiro seria o clássico "Lawrence da Arábia" e o segundo esse remake de um antigo filme de 1935 com Clark Gable. Curiosamente Brando se decidiu por "Mutiny on the Bounty" simplesmente porque ele seria filmado na Polinésia Francesa, um lugar maravilhoso no Pacífico que o ator gostaria de conhecer desde os tempos de escola.

Brando ouvira dizer que David Lean demorava muito para fazer seus filmes e que isso iria lhe custar muito tempo e trabalho no meio do deserto, um lugar que ele não tinha a menor intenção de conhecer. Assim rejeitou a oportunidade de estrelar aquele que se tornaria um dos maiores clássicos do cinema, "Lawrence da Arábia". Entre "secar no deserto como uma planta sem água" (como ele mesmo escreveu em seu livro) ou ir se divertir nas paradisíacas ilhas dos mares do sul, Brando optou pela segunda opção. Tão encantado ficou que anos depois compraria uma ilha particular na região, a bonita e distante Tetiaroa.

Pois bem, já voltando ao filme em si temos que admitir que se trata de uma aventura realmente saborosa. As filmagens foram complicadas, com estouro de orçamento, prazo e divergências entre diretor e estúdio, o que levou inclusive o cineasta Lewis Milestone a ser demitido no meio das filmagens. Além disso o clima irregular das ilhas prejudicou as locações e os cenários. A MGM então resolveu jogar a culpa pelos atrasos em cima do próprio Marlon Brando que estava preferindo ir nadar com as lindas figurantes locais do que trabalhar duro. Quando o filme finalmente foi lançado, depois de vários adiamentos, recebeu criticas negativas e não fez o sucesso esperado. Revendo hoje em dia só podemos nos admirar por ter tido uma recepção tão ruim. Com linda fotografia e belo desenvolvimento do enredo é complicado entender tanta má vontade em seu lançamento. Talvez tenha sido uma retaliação da imprensa contra Marlon Brando e seu temperamento complicado. O espectador porém deve deixar esse tipo de coisa de lado. Ignore tudo isso e assista pois sem dúvida é um belo filme.

O Grande Motim (Mutiny on the Bounty, Estados Unidos, 1962) Estúdio: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) / Direção: Lewis Milestone, Carol Reed / Roteiro: Charles Lederer, baseado no livro de Charles Nordhoff / Elenco: Marlon Brando, Trevor Howard, Richard Harris / Sinopse: Durante uma longa viagem pelos mares do sul, um grupo de marinheiros e oficiais de pequena patente decidem se rebelar contra seu capitão, bem conhecido por ser um homem duro e muitas vezes cruel.

Pablo Aluísio.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Janela Indiscreta

Outro clássico absoluto da filmografia do mestre Alfred Hitchcock. O enredo é relativamente bem simples. Depois de sofrer um acidente durante um trabalho, onde acaba quebrando sua perna, o fotógrafo L.B. 'Jeff' Jefferies (James Stewart) fica imobilizado em seu apartamento em Nova Iorque. Para passar o tempo e matar o tédio ele começa a observar de sua janela a rotina de seus vizinhos. Há de tudo. Uma solteirona desesperada e deprimida para arranjar o amor de sua vida; um casal em pleno fogo de lua de mel; uma bailarina bonita que é cortejada por vários pretendentes; um compositor que passa os seus dias ao piano e... um vendedor que supostamente teria matado a própria esposa durante a madrugada! Após presenciar atos bem estranhos dele, Jeff se convence que ele matou a mulher, a esquartejou e colocou partes de seu corpo numa mala. Realidade ou pura ilusão de sua mente?

Após ler um conto de suspense e mistério escrito por Cornell Woolrich, o diretor Alfred Hitchcock decidiu que iria realizar uma versão cinematográfica daquela estória. Obviamente não seria algo fácil. O texto era pequeno, simples e se baseava em apenas uma situação: a de um homem imobilizado, por estar com a perna engessada, que descobria, por acaso, um suposto assassinato no prédio vizinho onde morava. Não havia mesmo muito enredo a se desenvolver, mas Hitchcock era um gênio e acabou realizando uma verdadeira obra prima do cinema. A simplicidade do texto original foi mantida, mas Hitchcock começou a jogar com as situações vividas por seu protagonista, tirando dos pequenos detalhes as maiores qualidades do filme.

Tudo está lá. A atitude voyeur do fotógrafo, sua bisbilhotice inconveniente e condenável, sua hesitação em casar com a noiva, uma jovem linda, rica e maravilhosa (interpretada por Grace Kelly) e por fim sua incapacidade de controlar as situações que vão acontecendo diante de seus olhos. Jeff (o personagem de James Stewart) é um homem de ação, que viveu toda a sua carreira viajando para os lugares mais distantes. Agora ele está impedido de agir por causa da situação em que se encontra. Hitchcock assim mistura ansiedade, imobilismo e suspense em um mesmo caldeirão. O resultado é primoroso. Em termos de linguagem cinematográfica o diretor conseguiu trazer o melhor de si para o espectador. Ele utiliza de todas as formas de narrativa disponíveis na época para deixar o público se sentindo como parte de tudo o que acontece na tela.

Também usa, com muita competência, a linguagem subjetiva, principalmente quando o protagonista Jeff espia o que está acontecendo ao redor de sua janela. Nesse caso a visão do personagem é a mesma do público. A ideia é dar a todos as mesmas sensações que o fotógrafo sente, onde tudo vê, mas nada pode realmente fazer. Uma posição passiva que causa o desconforto que o cineasta quer passar. Por tudo isso e muito mais esse é um clássico da filmografia de Alfred Hitchcock que merece ser sempre revisto. E para aqueles que gostam de achar as pequenas pontas que o próprio Hitchcock gostava de fazer em seus filmes, repare no quarto do compositor. Bem ao lado do pianista lá está a figura inconfundível do grande mestre do suspense. Mais divertido, impossível.

Janela Indiscreta (Rear Window, Estados Unidos, 1954) Estúdio: Paramount Pictures / Direção: Alfred Hitchcock / Roteiro: John Michael Hayes / Elenco: James Stewart, Grace Kelly, Wendell Corey, Thelma Ritter, Raymond Burr, Georgine Darcy / Sinopse: O filme acompanha L.B. 'Jeff' Jefferies (James Stewart). Imobilizado em uma cadeira de rodas após sofrer um acidente ele começa a espiar seus vizinhos, apenas para matar o tédio. Só que acaba descobrindo algo terrível acontecendo do lado de fora de sua janela. Filme indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Direção (Alfred Hitchcock), Roteiro (John Michael Hayes), Fotografia (Robert Burks) e Som (Loren L. Ryder).

Pablo Aluísio.

Ladrão de Casaca

Talvez o filme mais atípico da carreira de Alfred Hitchcock. Segundo algumas biografias isso se deu por um motivo básico: o diretor estava apaixonado pela estrela Grace Kelly (com quem havia trabalhado em "Disque M Para Matar" e "Janela Indiscreta") e por essa razão aceitou dirigir esse filme muito soft, centrado muito mais no romance do que propriamente no suspense, que era a marca registrada do cineasta. A imprensa da época inclusive chegou a ironizar chamando "Ladrão de Casaca" de "Champanhe Hitchcock". Não há como negar que a produção é muito bonita e bem realizada. Inovando em várias novas tecnologias (Widescreen e Vistavision) o filme foi realmente considerado bem revolucionário nesse aspecto.

Curiosamente o estúdio escalou o veterano galã Cary Grant para fazer o par romântico com a jovem e linda Grace Kelly. Grant estava às portas de se aposentar quando fez o filme. O sucesso de bilheteria acabou dando uma renovada em sua carreira como um todo e ele resolveu voltar para fazer mais filmes nos anos seguintes (com resultados irregulares). Foi filmando "Ladrão de Casaca" que Grace Kelly conheceu o príncipe Rainier de Mônaco. Há tempos ele procurava se envolver com alguma estrela de Hollywood para levantar seu pequeno principado que estava decadente. Chegou inclusive a sondar o mito Marilyn Monroe que não quis nada com o nobre por lhe achar muito feio e sem atrativos. Grace Kelly porém não pensou assim e começou um romance com Rainier, algo que perturbou o velho Hitchcock pois ela logo anunciaria o fim de sua carreira no cinema para se dedicar apenas ao seu futuro marido. O diretor jamais se perdoou quando soube disso!

Talvez por essa razão o velho Hitchcock tenha depois espinafrado tanto o filme, afirmando que era o que menos apreciava em sua carreira. De fato o cineasta realmente fez muitas concessões em prol de Grace Kelly, fugindo até bastante de suas principais características como diretor. Quando ela o deixou para se casar com Rainier ele interpretou isso quase como uma traição pessoal. Anos depois tentaria trazer Grace Kelly de volta para estrelar Marnie, um de seus filmes menos inspirados, mas ela novamente recusou. Como dito "Ladrão de Casaca" não consegue se sobressair no meio de tantos outros clássicos do mestre do suspense. O filme tem um tom muito ameno, beirando o sentimentalismo exacerbado, o que destoa do restante da obra de seu criador. De bom mesmo ficaram apenas as maravilhosas locações da Rivieira Francesa que foram magnificamente fotografadas e a nostalgia de ver a beleza insuperável de Grace Kelly, no auge de seu esplendor. Como suspense em si o filme deixa a desejar. O tema também passa longe da sordidez reinante em outros filmes de Hitchcock. Mesmo assim é impossível não se render a todo o charme e elegância que desfilam pela tela. Nesse quesito a dupla central de atores realmente era insuperável. Se não é um dos melhores filmes de Hitchcock, pelo menos fica longe das mediocridades que se produzem hoje em dia. Assista sem medo de se arrepender. 

Ladrão de Casaca (To Catch a Thief, Estados Unidos, 1955) Direção: Alfred Hitchcock / Roteiro: John Michael Hayes, Alec Cooper baseados no livro de David Dodge / Elenco: Grace Kelly, Cary Grant, Jessie Royce Landis, Brigitte Auer, Charles Vanel, John Williams, Georgette Anys, Jean Martinelli, Roland Lesaffre / Sinopse: John Robie (Cary Grant) é um veterano ladrão de jóias aposentado que vive tranquilamente na bela Riviera Francesa. Apelidado em seus dias de fama como "O Gato" ele agora começa a ficar intrigado por uma série de roubos recentes na região que repetem o seu conhecido modus operandi. Para provar sua inocência e pegar o novo ladrão o antigo “Gato” resolve voltar à ativa.

Pablo Aluísio.

domingo, 15 de dezembro de 2019

Um Corpo Que Cai

O detetive John 'Scottie' Ferguson (James Stewart) decide se aposentar da polícia depois da morte de um colega de farda. Ele se culpa pela morte do policial, que tentava salvar sua vida quando despencou de uma altura mortal. Diagnosticado com acrofobia (medo mórbido de alturas), Scottie entende que não pode mais atuar como homem da lei. Ao reencontrar um velho amigo da faculdade recebe uma proposta de trabalho. Algo simples, nada muito complexo. Gavin Elster (Tom Helmore) quer contratá-lo para que ele siga os passos de sua esposa, que ultimamente tem apresentado um comportamento estranho, fora dos padrões. Não se trata de traição, mas sim de algo mais misterioso, talvez alguma obsessão. Depois de uma certa hesitação 'Scottie' acaba aceitando o serviço. Afinal não deve ser algo muito complicado de se fazer. Mal sabe ele que está entrando em uma teia de mentiras e conspirações que resultará em um macabro assassinato.

"Vertigo" segue sendo um dos mais cultuados filmes do mestre Alfred Hitchcock. Nessa produção ele inaugurou uma nova vertente em sua filmografia, onde problemas e traumas psicológicos formam uma rede de sustentação para crimes mórbidos e violentos. A fórmula iria se sofisticar com "Psicose", o filme que seria considerado sua maior obra prima. Em "Um Corpo Que Cai" Hitchcock usou como matéria prima um antigo romance policial francês escrito por Pierre Boileau e Thomas Narcejac. Ele mandou seus roteiristas "enxugarem" a trama do livro, cortando aspectos desnecessários, personagens sem importância e subtramas descartáveis, se concentrando apenas na estranha aproximação entre o detetive 'Scottie' Ferguson (James Stewart) e a bela jovem Madeleine Elster (Kim Novak), esposa de seu cliente e amigo.

O velho policial é contratado para segui-la pelas ruas de San Francisco, fazendo um relato de tudo o que ela estaria fazendo. Obcecada por uma mulher suicida que viveu no século XIX chamada Carlotta, ela parece ficar fora de si, em transe, quando sozinha. Visita seu túmulo em um cemitério da cidade, depositando flores em sua homenagem, vai a uma exposição onde está exposto um quadro que a retrata na galeria de arte, visita sua antiga casa, agora transformada em hotel e depois, seguindo um roteiro sinistro e macabro, acaba surtando completamente, tentando se matar nas águas geladas da baia de San Francisco. É justamente nesse ponto que tudo muda. Para salvar sua vida, Fergunson acaba se revelando a ela, criando uma aproximação que acaba se transformando em paixão avassaladora. O que o velho detetive não sabe é que tudo não passa de um jogo de cartas marcadas onde ele é apenas uma peça vital de pura manipulação.

Falar mais seria estragar as inúmeras surpresas do filme do mestre do suspense. O curioso é que Alfred Hitchcock, obcecado pela beleza da atriz Kim Novak, conseguiu arrancar dela uma grande interpretação, a maior de sua carreira. Novak nunca fora considerada uma grande atriz dramática, mas sim apenas mais uma beldade de Hollywood. Com Hitchcock as coisas mudaram. Ele conseguiu extrair dela duas interpretações bem convincentes, tanto na pele da fria, sofisticada e misteriosa Madeleine Elster, como da ordinariamente comum e decepcionante Judy Barton. Em ambas as atuações ela está realmente bem acima da média. Isso demonstra a grande diferença que faz um grande diretor para um filme. Já James Stewart seguiu seu próprio estilo pessoal, a do homem íntegro, honesto, que aqui precisa superar um problema psicológico e traumático que o persegue, surgindo sempre em momentos cruciais. "Um Corpo que Cai" é certamente um dos cinco melhores filmes da filmografia de Alfred Hitchcock, aqui no auge de sua fase criativa. Com uma trama cheia de reviravoltas e um domínio completo da arte narrativa, o veterano mestre conseguiu realmente criar mais uma obra prima clássica da sétima arte. Um item completamente indispensável na coleção de todo grande cinéfilo que se preze.

Um Corpo Que Cai (Vertigo,  Estados Unidos, 1958) Estúdio: Paramount Pictures / Direção: Alfred Hitchcock / Roteiro: Alec Coppel, Samuel A. Taylor / Elenco: James Stewart, Kim Novak, Barbara Bel Geddes, Tom Helmore, Ellen Corby / Sinopse: Policial veterano, agora aposentado, é contratado pelo marido para seguir sua esposa pelas ruas de San Francisco. Ela anda apresentando um comportamento estranho, fora dos padrões. O que começa como um caso banal acaba tomando contornos assustadores. Filme indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Direção de Arte e Melhor Som.

Pablo Aluísio.

Anatomia de um Crime

Paul Biegler (James Stewart) é um pacato advogado de interior que divide seu tempo entre seu hobbie preferido (a pesca) e a prática do direito. Ao lado de seu amigo de longa data, Parnell Emmett McCarthy (Arthur O'Connell), ele vai levando sua vida sem grandes sobressaltos. Sua rotina muda porém quando é visitado pela jovem e sensual Laura Manion (Lee Remick) que deseja contratar seus serviços para defender seu marido,  Frederick Manion (Ben Gazzara), um militar acusado de ter assassinado um dono de bar que supostamente teria estuprado sua esposa após uma noite de bebedeiras. Após pensar um pouco Paul decide aceitar o caso, mas de antemão esclarece que inocentar o assassino será extremamente complicado, uma vez que o crime foi cometido na frente de várias pessoas que estavam no bar na noite em que ocorreu a morte do suposto estuprador.

"Anatomia de um Crime" é um dos grandes clássicos do chamado cinema de tribunal. O roteiro e o enredo giram justamente no julgamento de Frederick, na tomada de testemunhas, na tensão do tribunal de júri. Se formos abrir um paralelo com outro filme famoso da era clássica que também lidava com um tema parecido, "O Sol é Para Todos", vamos perceber que "Anatomia de um Crime" é muito mais realista e pé no chão do que o clássico citado. O advogado interpretado aqui por James Stewart não tem o mesmo patamar moral e de dignidade que o do seu colega Gregory Peck. Na verdade ele apenas tenta sobreviver da melhor forma possível e para isso aceita casos praticamente impossíveis como a do militar acusado de homicídio.

Os demais personagens da trama também são extremamente bem construídos. Frederick, o acusado, parece manipular todo o tempo a verdade dos acontecimentos. O mesmo ocorre com sua esposa, Laura, que passa longe de apresentar uma postura digna de uma mulher casada (seguindo, é claro, os padrões morais da época do filme). Com tantos personagens dúbios em cena, o espectador entra literalmente em um estado de incerteza, ora acreditando nas boas intenções do homicida, ora desconfiando dele e de sua mulher, que não parecem se enquadrar no modelo de casal comum e feliz. Tomando assim uma levada tão realista "Anatomia de um Crime" surpreende pela coragem do roteiro que nunca sucumbe aos clichês do gênero. O clímax final bem demonstra isso, ao retratar as falhas que o sistema judiciário americano pode cometer.

É justamente nesse dualismo e nessa crueza que se encontra o maior mérito desse clássico, pois no fundo não existem mocinhos e nem bandidos, mas apenas pessoas que a despeito de procurarem o amparo das leis para se defenderem, procuram acima de tudo apenas escapar delas. James Stewart, como sempre, marca presença, mas o grande mérito do filme em termos de atuação vai para o casal Lee Remick e Ben Gazarra, que passeiam de um lado ao outro da fina linha que separa culpados de inocentes. Outro ponto forte do elenco é a presença de um jovem George C. Scott como assistente da promotoria. Sua tentativa de condenar Frederick é marcante. Em conclusão, fica a recomendação de "Anatomia de um Crime", um brilhante estudo da natureza nem sempre ética e digna do ser humano.

Anatomia de um Crime (Anatomy of a Murder, Estados Unidos, 1959) Direção: Otto Preminger / Roteiro: Wendell Mayes baseado na obra de John D. Voelker / Elenco: James Stewart, Lee Remick, Ben Gazzara, Arthur O'Connell, George C. Scott / Sinopse: Pacato advogado é contratado para defender um militar acusado de homicídio. Ele havia matado um dono de bar que supostamente teria estuprado sua esposa. Verdade ou mentira? Com a palavra final o Tribunal do Júri. Filme indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Melhor Ator (James Stewart), Melhor Ator Coadjuvante (Arthur O'Connell), Melhor Ator Coadjuvante (George C. Scott), Melhor Roteiro Adaptado (Wendell Mayes), Melhor Fotografia (Sam Leavitt) e Melhor Edição (Louis R. Loeffler).

Pablo Aluísio.