terça-feira, 25 de junho de 2019

Marlon Brando - Hollywood Boulevard - Parte 9

Logo no começo de sua carreira Brando conheceu a atriz Anna Kashfi. Ela era indiana e tinha ido até Hollywood em busca do sucesso no cinema americano. Kashfi tinha uma beleza exótica, bem diferente das loiras americanas. Brando sempre foi atraído por esse tipo de mulher e o fato dela ser muito independente, de forte personalidade, fez com que Marlon ficasse ainda mais caído por ela. Desde seus primeiros amores Marlon Brando sempre se interessou por mulheres de etnias diferentes da sua. Ele tinha intensa predileção por mulatas, negras e latinas. Também se interessava muito por taitianas. Assim em termos de visual Kashfi tinha tudo o que precisava para seduzir Brando. Apaixonado, o ator a pediu em namoro, mas ela, para sua completa surpresa, o recusou. Isso atiçou ainda mais o lado conquistador de Brando que estava decidido a conquistá-la de todas as formas. Depois de muitas recusas ela finalmente cedeu. Brando ficou completamente encantado a ponto de pensar pela primeira vez em sua vida no casamento. Sabendo que poderia ganhar o grande prêmio na capital mundial do cinema ela acabou manipulando o ator e em pouco tempo estavam casados.

Infelizmente a união passou longe de ser um casamento feliz. Marlon Brando não estava disposto a deixar suas inúmeras amantes. Nunca havia sido fiel em sua vida e não seria agora que as coisas mudariam. As traições viraram rotina. Brando estava sempre dando alguma desculpa para ficar longe de sua casa e se divertia a valer com as muitas mulheres (e dizem, homens) que frequentavam sua cama. Anna Kashfi ficou furiosa com seu comportamento. Mulher de gênio forte jamais iria aceitar esse tipo de humilhação pública (sim, Brando surgia com suas amantes em restaurantes e festas, na frente de todos, sem um pingo de arrependimento). Seu comportamento não iria dar em algo bom e realmente não deu.

Numa noite Brando chegou de madrugada em casa logo após uma noite de farras. Anna Kashfi o estava esperando na cozinha, fora de si, com uma faca na mão. Assim que Marlon entrou no recinto ela tentou lhe esfaquear. A agilidade salvou o ator da morte certa. Ele conseguiu se desviar no último segundo. Com a faca na mão Anna não desistiu e saiu correndo atrás de Brando que correu com toda a velocidade para a piscina. Agora imaginem a cena, o ator mais bem pago de Hollywood dando voltas em sua piscina com sua mulher enfurecida com uma faca na mão decidida a matá-lo! No outro dia empregados de Marlon e Anna abriram a boca e em pouco tempo o escândalo já tinha se tornado público e notório. O que ninguém sabia e nem Marlon é que Anna era bipolar, sofria de problemas mentais e em sua família várias mulheres tinham apresentado esse problema ao longo dos anos.

Depois disso Brando resolveu dar um basta, pediu divórcio e começou uma longa, custosa e penosa briga na justiça pela guarda do filho Christian Brando (anos depois seu filho seria condenado pela morte do marido da própria irmã e condenado, cumpriria uma longa pena de prisão por assassinato em primeiro grau). As custas judiciais pelo divórcio e pela guarda definitiva e exclusiva de seu único filho custaram muito a Brando. Ele gastou milhões com advogados e teve que conviver com o assédio implacável da imprensa. Para piorar a carreira começou a ir mal, a má publicidade nos jornais influenciou o público que deixou de ir conferir seus últimos filmes. De repente Brando via sua vida profissional e sentimental em frangalhos. Muito bem humorado o ator dizia que nada disso importava, o que mais lhe preocupava era o fato de estar ficando rapidamente careca! Pelo visto Brando jamais perdeu uma das coisas mais importantes de sua personalidade, o bom humor!

Pablo Aluísio.

Marlon Brando - Hollywood Boulevard - Parte 8

Hoje em dia as pessoas conhecem muito mais o filme "Uma Rua Chamada Pecado" do que propriamente a peça teatral que lhe deu origem. Escrita pelo genial autor Tennessee Williams, a obra ficou longos anos em cartaz nos mais concorridos teatros de Nova Iorque. Na primeira versão montada o próprio Marlon Brando interpretou o rude Stanley Kowalski. Se no filme a atriz escalada para viver Blanche DuBois foi Vivien Leigh (em ótima performance), no teatro coube a Jessica Tandy viver a complexa personagem.

Em sua autobiografia Brando deu sua opinião sobre as duas atrizes. Para ele Jessica Tandy nunca se mostrou adequada para interpretar Blanche. Brando relembra que nas apresentações da peça ela adotava uma maneira muito caricata de dar vida ao confuso mundo interior de Blanche. Isso criava até mesmo um humor involuntário que era péssimo para a montagem. Já Vivien Leigh se mostrava muito mais sutil, elegante até! Brando foi além e afirmou que em certos aspectos Vivien Leigh era Blanche, pois tinha uma vida tão complexa e confusa do ponto de vista mental e emocional quanto à sua personagem que interpretava nas telas.

Outro aspecto interessante confessado pelo ator em seu livro foi o fato de reconhecer que muitas vezes ficava entediado com as várias apresentações de teatro. Obviamente nem sempre seu personagem estava em cena e quando isso acontecia Brando ficava nos bastidores tentando matar o tempo. Como estava muito preocupado em sua forma física ficava o tempo todo levantando peso até a hora de entrar no palco novamente. Certo dia resolveu fazer algo diferente e começou a treinar boxe. Má ideia. Em pouco tempo Brando havia sido colocado à nocaute por um funcionário do teatro, um negão de quase dois metros de altura. O pior é que tudo aquilo aconteceu bem no meio da apresentação da peça!

Como o show não podia parar, Brando resolveu entrar no palco mesmo assim, ferido. Com a camisa encharcada de sangue ele entrou na sua deixa e assustou Jessica Tandy que estava no palco! Curiosamente quem acabou não notando nada de diferente foi o próprio público que pensou estar vendo todo aquele sangue como parte da cena. Depois de terminar suas falas Brando se retirou e foi direto para o hospital onde os médicos diagnosticaram a quebra de seu nariz em vários pontos. Esse incidente convenceu Brando que o teatro já não era mais sua praia. Ele queria mesmo era ir para Hollywood onde os cachês eram enormes e o trabalho bem mais leve. Assim logo após ter alta o ator fez sua malas, pediu demissão, fechou seu apartamento em Nova Iorque e foi embora para Los Angeles. Uma nova carreira estava começando para ele! Hollywood era o caminho.

Pablo Aluísio.

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Marlon Brando - Hollywood Boulevard - Parte 7

Desde os primeiros dias em Hollywood Marlon Brando sabia que a pior parte de ser um ator de cinema era ter que lidar com a imprensa da costa oeste. Marlon estava acostumado com os grandes órgãos de notícias de Nova Iorque, que eram sérios e tratavam de temas relevantes. Em Los Angeles a coisa era bem diferente.

O mundo das celebridades já estava a mil quando ele chegou por lá. Os principais nomes dos jornais que tratavam sobre cinema não eram de jornalistas consagrados, mas de senhoras que eram mais conhecidas por seus fuxicos e fofocas do que por qualquer outra coisa. Entre elas havia Hedda Hopper, ex-atriz que se destacava mais por publicar mexericos em sua coluna do que produzir algo que prestasse.

Brando achava aquilo de uma futilidade sem tamanho. Até porque ele queria ser um ator sério e não uma celebridade respondendo perguntas idiotas como se ele dormia nu, se gostava de beber ou se era tão namorador como diziam. O problema é que Brando tinha que dar entrevistas por obrigação contratual, como parte do esforço de divulgar seus novos filmes e assim lá ia ele se encontrar com essa gente que tanto desprezava. Geralmente Brando dava respostas absurdas nessas entrevistas maçantes. Quando perguntado por seus pais, Brando dizia: "Morreram no Titanic!". Onde havia nascido? "Em Kuala Lumpur". O que gostava de fazer nas horas vagas? "Plantar bananeira" e por aí vai.

Tão entediado e aborrecido ficava nesses momentos que a partir do momento em que virou um astro em Hollywood Brando disse a seu agente que retirasse de seus contratos toda e qualquer obrigação de ter que falar com a imprensa de Hollywood. Para Brando os seus filmes falavam por ele, tudo o que precisavam saber sobre Marlon Brando, o ator, estava em suas atuações. Nos anos que seguiram isso aumentou a fama de rebelde de Marlon Brando ao mesmo tempo em que o transformou em um alvo da imprensa. Qualquer deslize em sua vida pessoal era logo tratado como um grande escândalo pelas jornalistas fofoqueiras de Los Angeles. Havia um preço a se pagar ao não fazer o jogo daquela gente e Brando pagou muito bem esse preço.

Pablo Aluísio.

Marlon Brando - Hollywood Boulevard - Parte 6

Em 1949 Marlon Brando apareceu em um episódio da série Actor's Studio. Essa foi uma série televisiva muito interessante produzida pelo canal ABC que tinha como objetivo levar adaptações de textos teatrais para a TV. O material era escrito, dirigido e interpretado por professores e alunos do famoso Actor's Studio de Nova Iorque. Como Brando estudava lá, também participou de um dos episódios chamado "I'm No Hero".

Aqui Brando interpreta um jovem e inexperiente médico que é forçado a mão armada a operar um gangster ferido após uma intensa troca de tiros com a polícia, interpretado por Harry Bellaver, numa adaptação de uma história de Henry Kane. O curioso é que o programa era feito ao vivo e em seu livro de memórias Brando relembra que trabalhar dessa maneira era muito complicado para um ator como ele. 

Numa das cenas do episódio Brando tinha que entrar debaixo de um chuveiro, ficar pensativo e receoso pois seu personagem estava o tempo todo sob a mira de uma arma de fogo. Na hora em que estava atuando o contraregra abriu a água e Brando foi surpreendido por um verdadeiro dilúvio em sua cara. O problema é que a água estava fria como o pólo norte e Brando não aguentou e soltou um grito dizendo: "Mas que diabos?!"

O mais divertido de tudo é que no dia seguinte o New York Times elogiou a intensidade da "atuação" de Brando, só que na verdade aquela tinha sido apenas uma reação natural diante de uma situação de completa surpresa! Pelo visto a estrela de Brando já brilhava desde o começo de sua carreira!

Pablo Aluísio.

domingo, 23 de junho de 2019

Marlon Brando - Hollywood Boulevard - Parte 5

A carreira e a vida pessoal de Marlon Brando enfrentaram diversos problemas nos anos 1960. O ator não parecia mais se entender com os estúdios, brigava com diretores e para piorar um quadro complicado começou a escolher os roteiros errados. Muitos de seus filmes fracassaram nas bilheterias, gerando um mal estar geral entre o ator, seu empresário e a indústria cinematográfica. De repente o grande astro da década anterior parecia não ter mais importância. Não gerava mais lucro para Hollywood.

Na vida pessoal do ator imperava o caos. Ele havia se casado com a atriz Anna Kashfi. Mulher de temperamento forte, não aceitava o modo de ser do marido. Brando era conhecido como um mulherengo e invariavelmente traía todas as mulheres com quem se envolvia. Com Anna não seria diferente. Ele tinha inúmeras amantes e muitas vezes não tinha nem a preocupação de esconder isso. Obviamente a imprensa de fofocas fazia a festa.

Só que Anna Kashf não estava disposta a ser humilhada publicamente. Após mais uma reportagem noticiando um dos casos amorosos do marido ela resolveu confrontá-lo em uma de suas casas em Los Angeles. A discussão foi ficando cada vez mais acalorada e insana, até que Anna resolveu que iria matar Brando. Ela pegou uma faca de cozinha e foi para cima dele. O ator recuou, mas quase foi esfaqueado. A polícia foi chamada. O escândalo ganhou grandes proporções na imprensa marrom. Isso em nada iria ajudar na carreira de Brando, naquela altura bem em baixa em Hollywood.

O casal acabou se separando, mas isso não foi o fim dos problemas. Marlon e Anna ficariam anos brigando nos tribunais na luta pela guarda do filho Christian. Ela também pediu uma fortuna de milhões de dólares para assinar o divórcio. As finanças do ator foram à bancarrota. Ele tinha que pagar advogados, investigadores, detetives particulares. E Anna não parecia disposta a deixar de lutar com fúria, o ameaçando de morte por anos a fio. Quando muitos anos depois Marlon Brando aceitou escrever sua autobiografia ele só pediu uma exigência, a de que não iria falar dos problemas enfrentados em seus casamentos. Era tanta confusão e baixaria que o livro iria correr o risco de virar uma novela mexicana, daquelas bem bregas!

Pablo Aluísio. 

Marlon Brando - Hollywood Boulevard - Parte 4

Em sua autobiografia "Canções Que Minha Mãe Me Ensinou" Marlon Brando relembrou como foram terríveis as filmagens de "Vidas em Fuga". O problema básico foi o comportamento da atriz Anna Magnani no set de filmagens. Diva do cinema italiano Anna estava entrando numa idade em que papéis rareavam e ela perdia espaço para beldades mais jovens.

Com receio de aparecer velha nas cenas mandou seu maquiador literalmente esticar seu rosto com esparadrapos atrás de sua cabeça, o que a deixava com uma expressão facial constrangedora. Brando fez de tudo para não criar problemas nas filmagens, mas foi impossível. Anna Magnani estava obcecada em ter um caso amoroso com ele e queria a todo custo levar o ator para a cama. Brando não tinha o menor interesse nela, mas não queria dispensá-la frontalmente pois sabia que seria um insulto tremendo para a atriz.

Em um jogo de sedução nada sutil Anna começou a agarrar o ator pelo set de filmagem. No começo Brando tentou levar na brincadeira e na esportiva, mas a situação foi ficando cada vez mais complicada. Nas cenas de beijo de seus personagens a atriz italiana perdia a compostura, beijando de forma violenta, chegando até mesmo a rasgar os lábios de Brando. Para cessar o assédio o ator resolveu radicalizar e começou a comer alhos e cebolas para ficar com um hálito insuportável. Não adiantou, Magnani continuou com suas investidas.

Tudo continuava na mesma até que um dia Brando resolveu deixar claro que não queria nada mesmo com Magnani. Falou com a atriz abertamente sobre isso, porém a italiana pareceu entrar em um transe e agarrou o ator com força para lhe dar outros daqueles beijos selvagens. Acuado, Brando sem alternativas, a empurrou com força e deu um apertão em seu nariz... a atriz ficou espantada com a reação do ator e saiu do set vociferando palavrões contra Brando! No livro Marlon diz ter se lembrado daqueles ataques de viúvas negras que após acasalarem com seus machos os devoravam vivos! Algo que o ator definitivamente não queria pagar pra ver.

Pablo Aluísio.

sábado, 22 de junho de 2019

Marlon Brando - Hollywood Boulevard - Parte 3

"Sindicato de Ladrões" foi de certa maneira uma forma que o diretor Elia Kazan encontrou de se justificar aos seus colegas de profissão após ter dedurado uma série de profissionais do cinema e teatro para o comitê de atividades anti americanas. Parte dessas pessoas tinham participado do Partido Comunista americano e isso era algo muito sério naquela época. Para escapar da prisão ou talvez até mesmo de ser banido de Hollywood, Kazan resolveu entregar todos aqueles que ele sabia serem membros do Partido. Obviamente que aquilo tudo pegou muito mal e da noite para o dia Kazan passou a ser um nome a ser evitado. Como contornar uma situação dessas? A resposta caiu no colo de Kazan poucas semanas depois.

No roteiro desse filme também havia um sujeito que fora forçado pela situação para entregar os nomes de pessoas que tinham se envolvido em esquemas de corrupção. Quando Marlon Brando foi convidado para o papel de Terry Malloy ele imediatamente disse não, mas depois acabou sendo convencido que seria mais uma boa oportunidade de realizar um grande filme - e isso era a mais absoluta verdade. As filmagens se concentraram entre Nova Iorque e Hoboken, New Jersey e foram muito duras. Com baixas temperaturas, Brando precisou aprender parte da manha dos trabalhadores braçais do porto da cidade. Acabou fazendo amizades entre eles e em pouco tempo estava completamente à vontade em seu papel.

Por ser uma obra delicada que serviria a um propósito maior, Kazan queria seguir o script à risca, mas isso definitivamente não aconteceria com Marlon Brando no elenco. Numa cena com Rod Steiger e ele, o diretor sugeriu uma determinada situação de confronto no banco de trás de um carro. Brando achou que duas pessoas tão próximas como eram os personagens deles nunca se tratariam daquele jeito e por isso sugeriu mudanças. Ao invés de acontecer uma luta insana e feroz, o personagem de Brando apenas olharia com rosto chocado quando Steiger lhe apontasse uma arma. Era uma reação mais natural. Após um longo combate criativo Kazan finalmente se convenceu que Brando estava mesmo com a razão. Para Brando a resposta positiva por parte de Kazan confirmava o que ele pensava do diretor: que ele era de fato um dos cineastas mais brilhantes da história de Hollywood. Por seu engajamento no filme e principalmente por sua ótima atuação, Brando mais uma vez acabou sendo indicado ao Oscar de Melhor Ator.

Hoje em dia, depois que Brando recusou seu Oscar por "O Poderoso Chefão", todos conhecem a extrema ojeriza que o ator sentia pela Academia, mas naquela época, ainda um jovem talento em ascensão, Brando decidiu que compareceria à premiação. Para sua surpresa seu nome foi anunciado e ele, pela primeira vez em sua carreira, seria premiado com a estatueta mais cobiçada do cinema americano. Usando um comportado terno, todos sorrisos, Brando subiu ao palco e recebeu seu Oscar das mãos de uma princesa, Grace Kellly. Estaria o mais famoso selvagem de Hollywood devidamente domado? Pelo menos naquela noite memorável sim. Brando foi um perfeito gentleman. Agradeceu até emocionado pelo reconhecimento e depois fez um discurso bem nos moldes que todos esperavam, sem atropelos ou escândalos. Anos depois o Oscar de Brando foi parar numa casa de leilões. Em seu livro o ator reconheceu não se lembrar mais onde ele havia ido parar, mas depois de um ou dois minutos admitiu que o havia dado de presente - só não lembrava direito a quem! Imagine, o prêmio mais desejado de Hollywood indo parar nas mãos de qualquer um... enfim, coisas de Marlon Brando...

Pablo Aluísio.

Marlon Brando - Hollywood Boulevard - Parte 2

Em 1953 Marlon Brando entrou no set de seu novo filme, "The Wild One" que no Brasil seria intitulado "O Selvagem". Brando, já naquela altura considerado o maior rebelde de Hollywood, iria interpretar o papel de um jovem motoqueiro chamado Johnny Strabler. A direção seria do cineasta húngaro Laslo Benedek que havia dirigido a adaptação para o cinema do clássico da literatura "A Morte do Caixeiro Viajante" dois anos antes. Inicialmente Brando não viu grande coisa no roteiro. Para ele seria um filme apenas para cumprir contrato com o produtor Stanley Kramer. Como era um filme pequeno, de curta duração e com enredo simples, não haveria muito trabalho à vista.

Nada que poderia se comparar com os filmes anteriores do ator, verdadeiras obras primas como "Espíritos Indômitos", "Uma Rua Chamada Pecado", "Viva Zapata!" e principalmente "Júlio César" que havia exigido muito dele em termos de atuação. Afinal de contas Brando havia suado a camisa para se sair bem em seus primeiros filmes, em especial o último, uma complicada adaptação para o cinema da famosa peça escrita por William Shakespeare, sob direção do austero Joseph L. Mankiewicz. Assim interpretar Johnny era quase como um passeio no parque. Além do mais Brando adorava motos e o universo que as cercava, então foi mesmo a união de algo que gostava de fazer em sua vida pessoal com a possibilidade de dar um tempo nos filmes mais sérios e desafiadores.

Para sua surpresa porém o filme virou um dos maiores cult movies da história. Inicialmente Brando não gostou da película. Como ele próprio recordou em suas memórias a primeira vez que assistiu a "O Selvagem", logo após sua estreia nos cinemas, não gostou mesmo do que viu. Achou o filme violento e sem conteúdo. Curiosamente a fita acabou virando o estopim de uma série de revoluções comportamentais ocorridas na juventude americana nos anos 1950, desembocando na revolução cultural que iria estourar nos anos 1960. Para Brando foi tudo uma grande surpresa. Ele não tinha consciência na época que havia todo um sentimento reprimido por parte dos jovens e que seu filme seria usado para aprofundar todos esses anseios. Johnny, na visão de Brando, era apenas mais um personagem a interpretar. A juventude da época porém viu de outro modo. Aquele motoqueiro, vestido de couro preto da cabeça aos pés, era a personificação da liberdade. O roteiro dava a ele uma conotação ruim, algo que não poderia ser usado como modelo, mas como um aviso contra a delinquência juvenil. Para reforçar isso o estúdio colocou um texto avisando sobre os males de se seguir o exemplo dos personagens. Brando percebeu que o tiro sairia pela culatra. A juventude em geral ignorou a mensagem moralista quadrada e obsoleta e abraçou o personagem como um ícone, um mito, um exemplo a seguir. Para Brando não poderia ser melhor e ele foi elevado à altura de símbolo máximo entre os jovens da época.

Realmente, do ponto de vista puramente cinematográfico "O Selvagem" não pode ser comparado aos demais clássicos que Brando rodou por essa época em sua carreira. Já do ponto de vista meramente cultural e sociológico é de fato um dos mais marcantes momentos de sua carreira no cinema. Isso porque o filme não pode ser visto apenas sob a ótica do que se vê na tela, e sim muito mais além disso, pois teve enorme influência dentro da sociedade, principalmente entre os jovens, que viram ali um modelo de liberdade incrível. Numa época em que havia grande repressão e os controles morais eram extremos, ver Johnny atravessando a América de moto, sem dar satisfações a ninguém, e vivendo com um grupo de rebeldes como ele, era de fato um impacto para o jovem americano típico dos anos 1950. Depois que Brando surgiu com aquela imagem ícone, nasceu toda uma cultura jovem no país, até porque a juventude de um modo em geral era completamente ignorada dentro da sociedade até então, sendo considerada apenas uma transição entre a infância e a vida adulta. Depois de Brando vieram James Dean - o maior símbolo de juventude que o cinema jamais produziu - o Rock ´n´ Roll, Elvis Presley e toda a iconografia da cultura jovem que conhecemos hoje em dia.

Para Brando o filme passou logo, mas os efeitos dele se tornaram duradouros. Assim que terminou as filmagens da fita ele foi procurado novamente por Elia Kazan. Ele o convidou para participar do filme "On the Waterfront" (no Brasil, "Sindicato de Ladrões"). Assim que leu o roteiro Brando entendeu do que se tratava. Era uma grande metáfora em forma de película, que justificava de certa forma o comportamento do próprio Kazan durante o Macartismo, onde ele havia dedurado vários colegas de profissão. Depois disso a biografia do cineasta havia sido manchada para sempre. Ele tencionava com o filme resgatar parte de seu prestígio dentro da comunidade cinematográfica, ao mesmo tempo em que justificava seu ato e pedia desculpas pelo que fez. No começo Brando relutou em fazer o filme. Desde sempre ele se considerava um liberal e o que Kazan havia feito era realmente algo desprezível. A vontade porém de realizar mais uma obra prima foi maior do que seus escrúpulos pessoais. Assim, ainda vestido de Johnny, ele se encontrou nos corredores da MGM e assinou o contrato com Kazan. Mal sabia que estaria prestes a realizar um dos maiores filmes de toda a sua carreira.

Pablo Aluísio.