sexta-feira, 14 de janeiro de 2005

Elvis Presley - Elvis NBC TV Special (1968)

Elvis NBC TV Special (1968)
No final dos anos 60 a TV NBC passava por uma séria crise financeira e de audiência. Suas concorrentes ABC e CBS ganhavam cada vez mais espaço, enquanto a NBC perdia cada vez mais. Para mudar esse quadro, a direção da emissora resolveu apostar alto em uma nova grade de programação, dando destaque especial para a sua área de shows. A NBC resolveu investir pesado e entrou em contato com o coronel Tom Parker para a realização de um especial de final de ano com Elvis Presley. Seria a principal atração do fim da temporada, com ampla publicidade e ótimos contratos de marketing. Elvis precisava tanto da NBC quanto ela precisava de Elvis. O Rei do Rock vinha em um mal momento da carreira. Seus filmes já estavam desgastados, Elvis sentia-se cada vez mais frustrado com a política dos grandes estúdios de cinema de Hollywood, que lhe mandavam fazer o mesmo filme ano após ano, com as mesmas trilhas sonoras e os mesmos roteiros estúpidos. Elvis estava mais do que farto deste esquema em 1968. Quando soube da idéia do especial, se empolgou e disse ao seu empresário que fechasse o contrato, pois ele queria voltar o quando antes a se apresentar ao vivo. Ainda tinha contratos a cumprir na costa oeste, mas queria que estes fossem os últimos. Sem dúvida, para quem apostava em uma carreira de ator, aquilo tudo representava um grande retrocesso. Era uma derrota para Elvis deixar Hollywood assim.

A verdade era que ele descobriu, ao longo dos anos, que nenhum estúdio iria lhe dar uma chance para desenvolver uma carreira dramática em Hollywood. Para os chefões Elvis tinha que sempre desempenhar o mesmo papel: o de Elvis Presley. Se continuasse no esquema dos estúdios cinematográficos, Elvis iria continuar a fazer uma comédia musical atrás da outra até sua carreira se apagar de vez. Ele estava decidido a pular fora e salvar o que ainda tinha restado de seu legado musical. E assim foi feito. Depois de acertar seu cachê (meio milhão de dólares por quatro dias de trabalho) Elvis finalmente se preparou para sua volta. O show seria transmitido no final do ano, em dezembro. O coronel Parker sugeriu um roteiro simplesmente desastroso para o especial: "Elvis entraria de papai noel, cantaria meia dúzia de músicas natalinas e iria embora pela chaminé". Elvis e o produtor Steve Binder simplesmente odiaram essa idéia. Juntos, trocaram pensamentos e conceitos e chegaram a um modelo básico. Elvis seria acompanhado de sua primeira banda, Scotty Moore e D.J. Fontana (Bill Black havia morrido em 1965).

Seria um show acústico (o primeiro da história), com Elvis vestindo uma roupa de couro negro, tocando uma guitarra Gibson, tudo de forma natural e autêntica. Ele interpretaria seus velhos sucessos e duas canções escritas especialmente para o programa: "If I Can Dream" e "Memories". Estava em ótima forma física e empolgado pela chance de voltar a apresentar um material de qualidade. Tudo que precisava era uma chance de mostrar novamente seu incontestável talento. Os ensaios foram exaustivos, Elvis tomou a frente, elaborando arranjos e produção, esse foi um momento crucial de sua vida, se falhasse, provavelmente seria o fim de sua carreira. E ele sabia disso. Em 1968, aos 33 anos de idade, Elvis Presley finalmente voltou à TV, num especial histórico para NBC em comemoração ao natal. O cantor estava no auge de sua beleza física e o show foi um marco em sua vida. Com cenas em estúdio e ao vivo, Elvis estava natural, espontâneo, Elvis como ele só. Priscilla Presley em seu livro "Elvis e eu" relembra o impacto do show: - "O especial de Elvis foi um sucesso espetacular e alcançou o maior índice de audiência do ano.

A música final, "If I Can Dream", foi sua primeira gravação que ultrapassou a barreira de um milhão de cópias vendidas em muitos anos. Sentamos em torno da TV assistindo ao programa, esperando nervosamente pela reação. Elvis se manteve silencioso e tenso durante toda a exibição do programa, mas assim que os telefones começaram a tocar, compreendemos que ele conquistara um novo triunfo. Não perdera a classe, ainda era o rei do rock'n'roll". Com esse programa Elvis se convenceu que era hora de deixar Hollywood para trás e retomar os rumos de sua carreira musical. Não haveria mais trilhas sonoras insípidas, o momento era de entrar em estúdio novamente para gravar canções de qualidade, para mudar novamente os rumos musicais de seu tempo.

Medley: Trouble (Jerry Leiber / Mike Stoller) / Guitar Man (Hubbard) - Para abrir o programa Elvis apresentou esse Medley bem sacado. Em um disco pirata dos anos 80, pode-se ouvir Elvis trocando idéias sobre esses arranjos com W. Earl Brown. Elvis diz: - "Vamos balancear a orquestra com a banda, cara!", no que o produtor responde: -"Também pensei nisso, ok!". O acompanhamento ficou bem mais forte e presente, sem dúvida. A orquestra presente foi a da NBC. Isso se nota bem, pois seu som é bem peculiar dentro da discografia de Elvis, essa você só vai ouvir nesse disco. Mas, vamos às músicas: "Trouble" é a melhor música da trilha do filme "King Creole" e também a mais conhecida. Trouble é uma preciosidade composta por Leiber e Stoller em que o ritmo e o conteúdo de sua letra caiu como uma luva para a estória do personagem Danny Fisher, um garoto correto que tenta sobreviver numa New Orleans infestada de Gangsters. Esta versão que foi utilizada no memorável "Comeback Special" de 1968 é muito boa. Porém sem sombra de dúvida "Trouble" vai ficar imortalizada mesmo na versão original gravada por Elvis no dia 15 de Janeiro de 1958 para o filme "King Creole". "Se você procura por encrenca, veio ao lugar certo!" Já "Guitar Man" é a típica música de Elvis pós 67: muito mais arranjada do que o normal trazendo a excelência instrumental do compositor Hubbard. Ela foi lançada em um single em janeiro de 1968 com "Hi-Heel Sneakers" no lado B.

Lawdy, Miss Clawdy (Price) - Depois da apresentação, Elvis começa a parte acústica do show: Só ele e os caras da banda, tocando ao vivo, sem frescuras, numa volta sobrenatural aos tempos da Sun Records. Só faltou mesmo Bill Black, e tenha certeza, faz uma tremenda falta. Sem dúvida, disparado esse é o ponto alto tanto do disco como do especial. Rock'n'Roll é isso aí. "Lawdy, Miss Clawdy" é um grande momento da carreira de Elvis cuja versão original foi gravada no dia 3 de fevereiro de 1956 nos estúdios da RCA em Nova Iorque. Foi lançada como lado B de um single com "Shake, Rattle and Roll" em Agosto de 56. Era uma das preferidas do Rei do Rock. Pintou pela primeira vez na discografia de Elvis no famoso disco "For LP Fans Only" que foi lançado nos Estados Unidos quando ele estava servindo o exército na Alemanha.

Baby, What You Want Me to Do - Clássico de Little Richard e Jimmy Reed. Elvis pára a música no meio para brincar um pouco, falando com os músicos e com a platéia: ao simular um problema no lábio Elvis vira a boca e diz: "Espere caras, estou com um problema nos lábios", dá seu sorriso ímpar e diz: "Pois fique sabendo que fiz 29 filmes desse jeito". Todos riem. Depois relembra seus shows na Flórida onde não podia mexer nada, apenas seu dedo mindinho. Lembra que os shows eram filmados pela polícia para impedir que ele fizesse "imoralidades" nos palcos. Elvis se diverte com o fato. Mostra o lado divertido do Rei do Rock.

Medley: Outro medley, esse fazendo uma revisão geral na carreira de Elvis. O problema é que muito material foi cortado da exibição, pois o programa só teve uma hora de duração. Então o jeito foi fazer um medley que resumisse grande parte da vida de Elvis de uma vez só. Claro que isso é impossível, mas até que ficou bom, no balanço geral. Essas foram as utilizadas:

Heartbreak Hotel (Axton / Durden / Presley) — O primeiro grande sucesso de Elvis em nível nacional foi lançado em Janeiro de 1956 com "I was the one" no lado B alcançando o primeiro lugar na parada americana e européia. A música foi escrita especialmente para ele e se tornou uma de suas marcas registradas. Foi gravada em 10 de janeiro de 1956 no estúdios da RCA em Nashville. Foi gravada na primeira sessão de Elvis na RCA. Para tentar reproduzir o som das gravações da Sun Records, o engenheiro Bob Ferris construiu uma câmara no prédio do novo estúdio, buscando eco de telhas e vidro. Inacreditáveis as guitarras acústica e elétrica de Chet Atkins e Scotty Moore na gravação. A companhia de discos a considerou "um desastre", imprópria para tocar no rádio. Cinco semanas depois, tornava-se seu primeiro hit número 1.

All Shook Up (Elvis Presley / Blackwell) — Esta canção alcançou tamanho sucesso quando lançada que se tornou parte do vocabulário da juventude norte americana da época. Elvis alcança uma das mais brilhantes interpretações de sua vida resultando num dos singles mais vendidos de sua carreira. A canção chegou a Elvis através de Steve Sholes, seu produtor na RCA Victor. O single alcançou o primeiro lugar da parada da revista Billboard em março de 1957 tendo sido gravada em 12 de janeiro do mesmo ano nos estúdios Radio Recorders em Hollywood. Esta canção foi gravada primeiramente como I´m All Shook Up por David Hill, na Aladdin Records. Elvis gravou fazendo percussão na parte de trás do violão. O single ficou durante nove semanas no topo das paradas dos EUA, seu maior tempo consecutivo como número 1. Também foi seu primeiro número 1 na Inglaterra.

Can't Help Falling In Love (Peretti/Creatore/Weiss) -- Canção baseada em "Plaisir d'Ámor" do compositor francês de origem alemã Jean Paul Martini. A versão de Presley foi muito feliz pois foi muito bem adaptada. O maior sucesso do filme. Quando foi lançada em Single em Novembro de 1961 alcançou um enorme sucesso de vendas. Nos anos setenta ela seria utilizada como desfecho de todos os seus shows. Nos anos 90 o grupo UB40 faria uma nova versão de grande sucesso. Parte da trilha sonora do filme Blue Hawaii. O álbum ficou durante incríveis 20 semanas no nº 1 e vendeu mais de 2 milhões de exemplares.

Jailhouse Rock (Jerry Leiber / Mike Stoller) - Música título do terceiro filme estrelado por Elvis que no Brasil recebeu o nome de "O Prisioneiro do Rock", sendo que sua trilha foi lançada em um Compacto Duplo em outubro de 1957. Foi ainda lançada como single em setembro de 1957 com "Treat Me Nice" no lado B. O Sucesso foi imediato e o single chegou ao primeiro lugar na parada americana. A cena do filme em que Elvis apresenta esta canção é considerado o melhor momento do cantor no cinema. Leiber e Stoller afirmaram posteriormente que sua intenção era "...imitar o som de pedras quebrando" o que de certa forma foi conseguido. Foi gravado em 30 de abril de 1957 nos estúdios Radio Recorders em Hollywood. Assim Elvis ignorou a intenção satírica dos autores (Jerry Leiber e Mike Stoller) e interpretou a canção com fúria. Jailhouse Rock foi o primeiro single da história a ir direto para o topo das paradas no Reino Unido.

Love Me Tender (Presley / Matson) - Música título de seu primeiro longa Metragem que no Brasil recebeu o nome de "Ama-me Com Ternura". O titulo original do filme era "The Reno Brothers" mas com a ascensão do Rei resolveu-se mudar o titulo para aproveitar o sucesso do cantor. A estória se passa durante o final da guerra civil norte americana e trata da delicada disputa de uma mulher por dois irmãos. A trilha foi lançada em um compacto duplo com "We're Gonna Move", "Let Me" e "Poor Boy" todas de autoria de Elvis Presley e Vera Matson. Era o inicio de uma carreira cinematográfica que iria contar com mais de trinta filmes. "Love Me Tender" foi gravada em Agosto de 1956 nos estúdios I da 20th Century Fox em Hollywood. Ele não contou com sua banda tradicional e sim músicos determinados pelo estúdio cinematográfico da Fox. Elvis produziu Love me Tender durante sua primeira sessão de gravações na Costa Oeste, em agosto de 1956. Ele apresentou a canção no The Ed Sullivan Show, em 9 de setembro. Provavelmente, este foi o primeiro disco da história a ter 1 milhão de cópias pré-vendidas, graças à expectativa gerada em torno de seu lançamento.

Fim do Medley: Elvis encerra sua volta aos anos iniciais com "Love Me Tender". Esse segmento, ao contrário do anterior, foi apresentado com Elvis de pé e acompanhado da orquestra da NBC, ao invés de sua banda. Funciona melhor com as canções mais, digamos, virtuosas como "Can't Help Falling In Love". Com os rocks, perde-se um pouco, seria melhor que fosse executada com o apoio de Scotty Moore e cia.

Medley Gospel: Where Could I Go But The Lord (James B. Coats) - Canção do disco "How Great Thou Art", por demais conhecida no mundo Gospel norte americano. Foi escrita inicialmente pela dupla de compositores K.E.Harris e J.M.Black em 1890. Em 1940 J.B.Coats escreveu uma versão bastante modificada. Foi gravada ainda por Red Foley em 1951 e por Faron Young em 1954. Elvis a utilizou ainda no NBC TV Special num medley com outras canções evangélicas.

Up Above My Head (Brown) - Esse medley continua com essa música inédita. São ao todo sete minutos e meio de gospel. Faz sentido. Até porque era época de natal e também porque Elvis não ia dispensar essa chance de colocar esse ritmo, o seu preferido, no seu especial de retorno. Esse é um gospel tocado principalmente em igrejas de negros no sul dos Estados Unidos. Elvis sempre teve uma posição altamente positiva em relação à questão racial. Colocava artistas negros para lhe acompanhar em seus shows (como as Sweet Inspirations) e sempre que podia incentivava e elogiava a cultura negra de seu país. Para um sulista isso significava uma atitude altamente louvável, pois estes Estados sulistas dos EUA sempre foram os mais racistas.

Saved (Leiber / Stoller) - Até hoje me pergunto: como uma dupla de judeus iria escrever uma música gospel como essa? Só mesmo Leiber e Stoller para aprontar uma dessas. Devem ter deixado seu rabino com os cabelos em pé, sem dúvida. Viva o ecumenismo!

Blue Christmas (Billy Hayes / Jay Jonhson) — Essa foi incluída para satisfazer o coronel Parker. E pensar que ele queria transformar o especial numa breguice de natal. Outro sucesso dos anos 40 cantada por Elvis neste disco. O Rei apresentaria uma versão no Histórico "NBC TV Special" (Comeback Special) em 1968. A versão em questão está no LP da Trilha do especial de TV que trouxe o Rei de volta as apresentações ao vivo depois de uma longa ausência proporcionada pela série de filmes protagonizados por ele nos anos sessenta. Foi gravada no dia 5 de setembro de 1957 em Hollywood.

One Night (Bartholomew/King) - A Versão original desta canção foi lançada por Smiley Lewis em 1956 pelo selo Imperial. A Versão de Elvis se tornou um grande sucesso. Ele a utilizou também dez anos depois no memorável NBC Special em 1968 (Comeback Special). A letra mais uma vez foi considerada ofensiva o que fez a produção mudá-la de forma a torná-la mais aceitável. A versão com a letra completa foi lançada muitos anos depois como "One Night a Sin". "One Night" chegou ao quarto lugar nas paradas em Outubro de 1957 nos EUA e ao topo na terra dos Beatles. Para aplacar a sanha dos censores, essa música teve um verso mudado. Em vez de "One night of sin is what I´m not paying for" (Uma noite de pecado é para o que não estou pagando), ele cantou "One night with you is what I´m now praying for" (Uma noite com você é pelo que estou rezando agora). Ainda assim, foi considerada escandalosa.

Memories (Strange / Davis) - Acho "Memories" realmente uma música muito especial. Muito bem escrita, bem arranjada e contando com Elvis em um dos seus melhores momentos. No especial Elvis a canta no finalzinho do show, ainda com sua roupa de couro negro. Foi lançada em single no começo de 1969 com "Charro" (do filme de mesmo nome) no lado B. Foi um belo sucesso, reconciliando definitivamente Elvis com as paradas de sucesso.

Medley: Nothingville (Strange / Davis) / Big Boss Man (Smith / Dixon) /  Guitar Man (Hubbard) / Little Egipt (Leiber e Stoller) / Trouble (Leiber e Stoller) / Guitar Man (Hubbard) - O último medley do especial, juntando músicas novas e inéditas como Nothingville (nunca mais foi usada por Elvis) com trilhas sonoras (Little Egipt de "Carrossel de Emoções"), além das já citadas "Guitar Man" e "Trouble". Funciona? Em termos, acho que "Big Boss Man" merecia uma faixa solo e não cortada como saiu. Tremenda geléia geral que às vezes dá indigestão! Esse medley foi utilizado no especial como pano de fundo de várias cenas de estúdio, com Elvis, dançarinos e um fiapinho de roteiro. Totalmente dispensável. Não deveriam ter cortado vários trechos de Elvis ao vivo para colocar isso. Felizmente anos depois, as cenas inéditas apareceram e tudo foi corrigido.

If I Can Dream (Brown) - Em uma palavra: épica! Com um simples single Elvis colocou os Beatles e os Rolling Stones no bolso e detonou eles das paradas! Depois de anos sendo superado, por causa de suas trilhas ruins, Elvis mostrou quem é que mandava. Os fãs do Rei ficaram de peito lavado e eu também (se tivesse tido a oportunidade e a idade de vivenciar isso, claro!). Mas deixando essas questões puramente comerciais de lado, se "If I Can Dream" fosse apenas um compacto obscuro na carreira de Elvis eu ainda iria amar essa música, sem dúvida nenhuma. Ela foi lançada com "Edge of Reality" no natal de 1968 e foi ouro na mesma semana. Foi uma das mais políticas músicas de Elvis, que tratava e falava de forma poética de vários problemas que a sociedade americana e mundial vinham enfrentando naquela época. Para gravá-la Elvis pediu que ficasse sozinho no estúdio, que fossem apagadas todas as luzes. Ele se sentou no chão do estúdio e comovido presenteou e deixou para a eternidade um momento simplesmente insuperável! Um momento raro. Os produtores e engenheiros de som do Burbank Studios ficaram simplesmente de queixo caído! Anos depois, Bones Howe, um dos presentes, confidenciou que após gravar a música Elvis conversou baixinho com alguém no estúdio! Ainda sentado no chão ele agradeceu, emocionado, a essa "entidade" pela inspiração. Não se sabe o que ocorreu, mas dizem que naquela noite conversou com sua querida mãe, falecida dez anos antes... ela estava ao seu lado, segurando sua mão...

Ficha Técnica: Elvis Presley (vocal, guitarra e violão) / Scotty Moore (guitarra) / D.J. Fontana (bateria) / Charlie Hodge (guitarra) / Alan Fortas (percussão) / Lance Le Gault (tamborim) / The NBC Orquestra / Bob Finkel (produção executiva) / Steve Binder (direção) / Bones Howe (supervisão musical) / Allan Blye e Chris Beard (roteiro) / W. Earl Brown (arranjos) / Gene McAvoy (direção de arte) / Jaime Rodgers e Claude Thompson (coreografias) / Gravado nos estúdios Burbank, Califórnia / Data de gravação: 27, 28, 29 e 30 de junho de 1968 / Data de exibição: 3 de dezembro de 1968 / Data de lançamento da trilha sonora: dezembro de 1968.

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

Elvis Presley - Elvis Gold Records Vol. 4 (1968)

No momento em que a carreira de Elvis parecia renascer a RCA Victor soltou no mercado um novo álbum do cantor. A filosofia era a mesma dos discos anteriores, ou seja, reunir grandes sucessos de Elvis que só tinham sido lançados antes em singles (compactos). O problema básico é que os sucessos estavam rareando cada vez mais na discografia do Rei do Rock. Assim quando os executivos da RCA determinaram a produção do quarto disco da série Golden Records o responsável pela seleção musical soltou uma pergunta fatal bem no meio da reunião: "Tudo bem, mas que sucessos Elvis realmente alcançou nesses últimos anos?". Era uma constatação bem ruim e verdadeira. Ao longo dos anos 1960 Elvis foi colecionando fracassos comerciais com seus singles. A bagunça e muitas vezes falta de promoção fizeram com que muitos compactos de Elvis se tornassem grandes desastres comerciais. Eles ficavam por meses nas estantes das lojas de discos, pegando poeira sem que ninguém os quisesse comprar. Lotes e mais lotes de caixas cheias de compactos de Elvis Presley eram enviados de volta para a fábrica da RCA por não terem encontrado compradores no mercado.

Por volta de 1967 a RCA inclusive chegou a colocar em dúvida se valia mesmo a pena renovar com o astro por mais alguns anos. O fato é que a má qualidade das trilhas sonoras e dos filmes tinham literalmente acabado com Elvis do ponto de vista comercial. Ele facilmente era superado por bandinhas sem nenhuma importância musical. Seu público havia debandado e pouco sobrara do antigo campeão das paradas. Quando as negociações começaram a RCA deixou claro ao Coronel Parker que estava ficando sem interesse no passe de Elvis. Ele não vendia mais como antigamente, no começo de sua carreira. Tirando poucos discos que tinham realmente feito sucesso, Elvis amargava baixas posições nas paradas. O público não se interessava mais pelo que ele vinha produzindo e nem as revistas de fofocas mais exploravam sua vida pessoal, que andava mais fechada e reclusa do que nunca. Elvis não aparecia em festas e nem em eventos, não fazia mais shows ao vivo e só aparecia para seu público através de filmes de Hollywood bem ruins. Era a fórmula mesmo do desastre.

Sem muitos sucessos comerciais para compor o disco o jeito mesmo foi pincelar alguns poucos bons momentos de vendas do cantor na década de 1960. Um terceiro lugar aqui, um quarto lugar acolá, tudo sendo colocado junto para preencher cronologicamente o álbum. O fato é que mesmo estando em maré baixa em termos de vendas o talento de Elvis continuava lá. O problema é que a sucessão de músicas ruins de seus filmes foram soterrando a voz e o carisma do cantor. Por volta de 1966 ele foi renascendo aos poucos. Algumas sessões livres de músicas de filmes foram realizadas e nelas Elvis finalmente pôde contar com material de qualidade novamente. Curiosamente foram justamente algumas dessas gravações que conseguiram o mínimo de repercussão nas paradas, mostrando um caminho para Elvis e a RCA Victor rumo de volta ao sucesso comercial. No caso tínhamos realmente o casamento entre qualidade e sucesso comercial, algo que hoje em dia é bem raro. O fato inegável porém era que naqueles tempos Elvis sempre conseguia bons números de vendas quando apresentava material de qualidade no mercado. O inverso também era verdadeiro: quanto piores eram as trilhas sonoras, menos elas vendiam a cada ano.

Elvis Presley não era um idiota. Ele sabia o que era bom e o que era ruim no material providenciado por sua gravadora. Geralmente as trilhas sonoras eram bem ruins depois de 1965. Eram compostas às pressas, sem capricho e sem cuidado. Os autores e compositores ganhavam mal e por essa razão também não mais se empenhavam em criar algo bom. Uma coisa ruim levava a outra e em pouco tempo Elvis ia amargando sucessivos fracassos. Depois de uma sessão particularmente muito fraca, Elvis, que sempre foi conhecido por seu bom comportamento e educação dentro dos estúdios, estourou com o microfone ainda aberto: "O que mais vocês querem que eu faça com essa merda?". Quando a RCA começou a disponibilizar um material de melhor qualidade finalmente as coisas foram ficando mais claras. Elvis, livre das amarras dos estúdios cinematográficos, conseguia finalmente contar com canções realmente boas, bem compostas, bonitas. Ficar cantando sobre ostras, cachorros e namoricos de adolescentes era um suplício para The Pelvis nesses tempos nebulosos. Quando ele finalmente recebeu bom material tudo foi melhorando, não apenas em termos de vendas, mas principalmente em termos de relevância artística. Assim por volta de janeira a RCA finalmente soltou a relação das canções que iriam fazer parte de seu disco (segue lista abaixo).

Love Letters (Heyman / Young) - Muita gente boa ainda confunde essa versão com a mais conhecida, dos anos 1970, que inclusive deu origem ao nome de um álbum de Elvis. A versão aqui presente é outra, gravada em meados de 1966. Bem no meio de uma fase bem ruim e pouco inspirada em sua carreira, o produtor Felton Jarvis lutou para trazer maior qualidade técnica para suas gravações. Nada que lembrasse suas trilhas sonoras. Realmente basta ouvir a música para entender bem isso. A canção se apresenta com ótimo arranjo, com um piano melódico sempre presente, ao fundo. Para tornar a música ainda mais bonita Felton escreveu um arranjo vocal feminino (algo que era muito raro nas gravações de Elvis) para soar liricamente em segundo plano. O conjunto é mais do que agradável. Ficou muito bonita realmente. A original "Love Letters" nunca foi um sucesso, mas como a RCA Victor estava sem muitas opções e como a gravação ficou acima da expectativas resolveu-se colocá-la como faixa de abertura do álbum. Um cartão de apresentação com qualidade, acima de tudo.

Whitcraft (Bartholomew - King) - Outra versão que causa certa confusão por aí. Não se trata de uma versão de Elvis Presley para o hit "Witchcraft" de Frank Sinatra. Aquela era uma swing jazz, muito conhecida por sinal, um dos grandes sucessos de Sinatra em sua carreira, sempre presente em suas coletâneas mais populares. Essa é outra canção. Poderia qualificar como um pop nervosinho, com um ótimo solo de sax do mestre Boots Randolph (sem dúvida o melhor destaque da gravação, se sobressaindo ainda mais do que a boa vocalização de Mr. Presley). A faixa é bem curtinha, simples e direta. Não há espaço (e nem tempo) para maiores firulas. Produzida por Steve Sholes ela foi gravada em 1963, numa produtiva sessão com outras 14 canções. Fazia parte da ideia da RCA Victor em lançar um LP convencional de Elvis, sem músicas de filmes, que acabou indo por água abaixo. Desastrosamente as boas músicas gravadas nessa ocasião começaram a ser lançadas como bonus songs de trilhas, as deixando em um limbo injusto. Com o tempo foram praticamente esquecidas. Só muitos anos depois o disco saiu finalmente com o nome de "The Lost Album" (o álbum perdido), já na era do CD.

It Hurts Me (Byers - Daniels) - Outro caso curioso dentro da discografia de Elvis. A música foi originalmente gravada numa rápida sessão em janeiro de 1964, entra as gravações das trilhas sonoras de "Kissin Cousins" e "Roustabout". Sem saber direito o que fazer com a música a RCA Victor resolveu que era melhor arquivá-la por um tempo. Com o lançamento da trilha sonora de "Kissin Cousins" pensou-se em utilizá-la como bonus songs do disco, mas depois se descartou essa ideia. Ela assim foi renegada, sem muita razão ou lógica, como Lado B do single "Kissin' Cousins". Péssima decisão. A canção era muito boa, com arranjos do grande Chet Atkins (que inclusive a produziu) e deveria ter sido melhor trabalhada para fazer bonito nas paradas, batendo inclusive de frente com os singles dos Beatles que no auge da Beatlemania andavam dominando todas as paradas de sucesso pelo mundo afora. Mais um exemplo de que os executivos da gravadora de Elvis definitivamente não sabiam o que fazer com suas gravações.

What'd I Say (Ray Charles) - Gravada em 1964 como parte da trilha sonora de "Viva Las Vegas" a versão de Elvis para o clássico de Ray Charles tem admiradores e detratores na mesma proporção. Particularmente gosto da alegria contagiante que Elvis e sua banda conseguiram colocar na faixa. Certamente é bem mais pop que a gravação de Ray Charles e se distancia bastante de sua característica principal, a de ser uma canção com letra profana em uma base sonora típica de música gospel, mas isso em momento algum soa como um defeito ou um demérito. Pelo contrário, penso que Elvis sabia que a sua versão seria parte de um filme de Hollywood e que teria que ter por essa razão um melhor balanço para dar a devida agilidade na cena. Essa, por seu lado, também ficou muito divertida, animada e bem realizada. O diretor George Sidney sabia como poucos coreografar bem um número musical em seus filmes. Além disso some-se a isso a notável beleza e carisma da atriz Ann-Margret e você certamente terá o pacote completo em mãos. Não é algo para se reclamar, vamos convir.

Please Don't Drag That String Around (Baum / Giant / Kaye) - Em sua fase mais pop Elvis Presley realmente gravou algumas faixas adoráveis. Não estou aqui defendendo essa canção como uma grande obra de arte, nada disso, apenas dizendo que essa é uma daquelas músicas que nos deixam mais leves, felizes, simplesmente por ouvi-la. Tem um excelente balanço e uma melodia que imediatamente cria uma cumplicidade com o ouvinte. Muitos poderiam dizer que é demasiadamente inofensiva e sem pretensão, bom, isso nem sempre é um ponto negativo, muito pelo contrário, dependendo da intenção de cada composição pode ser um grande acerto. Essa é outra gravação proveniente das sessões do "The Lost Album", registrada em maio de 1963. Nessa noite, devidamente inspirado no RCA Studio B, em Nashville, Elvis conseguiu finalizar quatro faixas. Entre um gole e outro de Pepsi (seu refrigerante preferido) ele foi fazendo seu trabalho. As sessões começaram com a boa "Echoes of Love" (que seria usada como bonus songs na trilha sonora de "Kissin Cousins"); depois veio o grande hit da sessão "Devil in Disguise" (lançado como single de grande sucesso) e finalmente "Never Ending" (outra boa faixa que seria jogada no vazio pelos executivos da RCA Victor). "Please Don't Drag That String Around" foi a segunda música a ser gravada nessa noite. Elvis adorou sua intensa alegria e levou apenas seis takes para finaliza-la. Um belo trabalho de vocalização e entrosamento. Pura alegria e diversão.

Indescribably Blue (Darrell Glenn) - Balada lançada em 1967 como single com "Fools Fall in Love" no lado B. Essa música já é de uma fase em que Elvis começava a mudar sua musicalidade. Ele ia aos poucos deixando o tipo de trabalho que vinha fazendo desde 1960, quando retornou aos Estados Unidos depois de ter cumprido o serviço militar na Alemanha, para ir por novos rumos, novos caminhos, novas experiências. Talvez o grande responsável por esse novo tipo de som tenha sido o produtor Felton Jarvis. Depois da saída de Steve Sholes e Chet Atkins da produção dos discos de Elvis, Jarvis se mostrou o homem ideal para trabalhar com o cantor nos estúdios. Paciente, bom ouvinte e com sensibilidade para entender o lado emocional de Presley, Jarvis começou uma excelente parceria com o Rei do Rock. Um exemplo perfeito de sua boa simbiose com Elvis veio justamente de sessões como essa. Ao invés da correria das gravações anteriores, que deixavam Elvis nervoso e estressado, Felton Jarvis propôs mais calma e tranquilidade, trabalhando melhor em cada música. Assim em junho de 1966 lá estava Elvis e Felton juntos, pensando em arranjos para as belas baladas da noite. Nessa ocasião eles ainda gravariam a linda "I'll Remember You" (a versão de estúdio, a mesma música que Elvis consagraria ao vivo no álbum "Aloha From Hawaii") e "If Every Day Was Like Christmas" (a música natalina que viraria sucesso no Vietnã, sendo tocada nas noites de natal passadas fora de casa pelas tropas americanas, nas florestas daquele país tropical em chamas). Para muitas pessoas "Indescribably Blue" pode ser excessivamente triste e melancólica, mas para outros é mais um exemplo do tipo de bela música que Elvis e Jarvis podiam produzir juntos. Um momento memorável sob esse ponto de vista.

(You're The) Devil in Disguise (Otis Blackwell / Winfield Scott) - Um dos últimos grandes sucessos na voz de Elvis escrito por Otis Blackwell. O compositor negro tinha sido responsável por alguns dos maiores sucessos da carreira de Elvis Presley como "All Shook Up", "Don't Be Cruel" e "Fever". Nascido em uma família pobre de Nova Iorque, Blackwell soube como poucos criar hits nas paradas dos anos 1950. Além de brilhar ao lado de Elvis ele ainda escreveria um dos grandes hits da carreira de Jerry Lee Lewis, "Great Balls of Fire". Infelizmente depois de algum tempo ele começou a ter problemas com a RCA Victor e o Coronel Tom Parker. Tudo em razão de problemas financeiros e contratuais. Parker não queria pagar o que ele pedia por novas músicas; em contrapartida Otis aos poucos foi se afastando da carreira de Elvis. Para o Coronel o compositor não deveria entrar em atrito com Elvis, uma vez que havia sido ele que o tinha colocado no mapa da grande indústria fonográfica americana. As afirmações de Parker acabaram mexendo com os brios de Otis que resolveu por volta de 1964 não mais ceder canções a Elvis. A mágoa porém não apagou os grande êxitos comerciais dessa parceria. Assim "(You're The) Devil in Disguise" acabou sendo a despedida da dupla, algo realmente a se lamentar.

Lonely Man (Bennie Benjamin / Sol Marcus) - Música que fez parte das sessões de gravação da trilha sonora de "Wild in the Country". Uma faixa que sempre me recorda dos grandes faroestes do passado. O produtor Urban Thielmann escreveu um arranjo bonito que em minha opinião não envelheceu em nada e nem ficou datado. Essa canção não fez muito sucesso e passou praticamente despercebida até mesmo para os fãs de Elvis na época. Ela só entrou na seleção desse disco porque foi lado B do single "Surrender". Tirando isso não consigo achar uma boa justificativa para a faixa estar aqui. Em minha forma de entender é mais uma prova de como havia um verdadeiro deserto de sucessos na carreira de Presley naqueles tempos complicados. Se formos comparar com a seleção musical do primeiro disco, "Elvis Golden Records" de 1958, vamos perceber a grande diferença entre aquelas faixas (todas grandes sucessos) com as daqui, algumas sem nem razão de ser. Os bons tempos tinham realmente ficado para trás. 

A Mess Of Blues (Doc Pomus / Mort Shuman) - Uma grande canção, gravada nas maravilhosas sessões do retorno de Elvis em Nashville quando ele terminou seu serviço militar na Alemanha em 1960. Foi inicialmente lançada como lado B do single campeão de vendas "It's Now or Never", um dos mais vendidos de sua discografia. O que mais me impressiona nessa fase é que Elvis conseguiu unir grande qualidade técnica com uma diversidade musical poucas vezes superada em sua carreira. É até relativamente fácil compreender isso. A volta de Elvis era ansiosamente aguardada pelo mercado mundial. Durante sua ausência o próprio rock entrou em decadência. Assim ele foi literalmente colocado na posição de salvador do ritmo musical que tanto ajudou a popularizar na década anterior. Elvis porém não estava muito preocupado com isso, para ele o importante mesmo era voltar a fazer grandes discos, gravar excelentes músicas, mesmo que essas fossem de ritmos musicais variados. Definitivamente ele não queria ficar limitado apenas a um nicho do mercado fonográfico. Pelo menos nesse primeiro momento ele realmente atingiu seus objetivos. "A Mess Of Blues", gravada no dia 21 de março de 1961, na mesma noite em que ele também gravou outros clássicos de seu repertório como "Stuck on You", "Fame and Fortune" e "It Feels So Right", era definitivamente uma prova de sua versatilidade e talento. Desfilando por um blues muito bem escrito, Elvis provava que não era apenas o Rei do Rock como todos diziam, mas sim um cantor versátil que poderia se sair bem em praticamente todos os ritmos musicais. Um verdadeiro Rei dos microfones, independentemente do tipo de repertório que lhe era disponibilizado na época.

Ask Me (Domenico Modugno / Florence Kaye / Bill Giant / Bernie Baum) - Como eu já tive oportunidade de falar antes nunca gostei de "Ask Me". Na verdade sempre critiquei o fato da música ter sido título de um single de Elvis Presley bem no auge da Beatlemania. Lançada quase sem promoção com "Ain't That Loving You Baby" no lado B o disquinho não fez muito pela carreira do cantor na época. Na verdade pode ser visto até mesmo como um produto de publicidade de outro disco, o do álbum da trilha sonora de "Roustabout" ("Carrossel de Emoções" no Brasil). Isso é facilmente constatado pela própria capa do single, com uma foto do filme e uma grande chamada promocional onde se lê "Coming Soon! Roustabout LP Album". Tudo o que a RCA Victor e o Coronel fizeram foi mesmo resgatar duas músicas que estavam há bastante tempo arquivadas para lança-las assim mesmo, sem muito esforço, na tentativa de divulgar o disco do filme, esse sim uma aposta verdadeira da gravadora. Curiosamente a trilha sonora vendeu realmente muito bem, chegando ao primeiro posto das paradas e essa repercussão comercial certamente também deu um pequeno impulso no compacto pois os americanos acabaram fazendo uma dobradinha, levando o LP e o compacto que estava à venda nas lojas na mesma ocasião. Já em termos musicais a canção é realmente fraca, uma melodia com arranjo excessivo que nunca parece ir para lugar nenhum.

Ain't That Loving You Baby (Clyde Otis / Ivory Joe Hunter) - Essa música foi gravada em 1958, pouco antes de Elvis ir embora para a Alemanha onde cumpriria seu serviço militar. É interessante notar que enquanto esteve servindo o exército a RCA Victor negou que houvesse gravações deixadas por Elvis antes dele ir para a Europa. Eles informavam aos fãs que Elvis não havia deixado nada para trás e que tudo já havia sido definitivamente lançado como single enquanto ele estava fora. Era mentira. "Ain't That Loving You Baby" ao contrário de outras faixas dessas sessões nunca fora lançada! A razão permanece obscura até hoje. Para muitos especialistas a música foi considerada mal gravada, não finalizada. O produtor Steve Sholes nutria esperanças que Elvis a resgataria quando voltasse, mas isso definitivamente nunca aconteceu. Uma versão mais rápida, com pequenas falhas, é bem superior, mas também foi arquivada e deixada de lado. Seis anos depois de sua gravação finalmente a RCA resolveu lhe dar uma chance. Sem material inédito do cantor resolveu jogar a canção como lado B do single "Ask Me". Não fez sucesso e nem causou muito alvoroço. Aliás é até complicado de justificar sua inclusão nesse disco já que a canção não pode ser considerada um enorme sucesso de sua carreira.

Just Tell Her Jim Said Hello (Jerry Leiber / Mike Stoller) - Muitos implicam com o arranjo dessa música. Consideram bobinha demais. Discordo. Nem sempre é necessário se revolucionar o mundo da música já que muitas vezes tudo o que você está querendo mesmo é ouvir uma sonoridade bem despretensiosa e agradável. Se esse for seu foco pode ficar tranquilo pois a faixa vai bem mesmo por esse caminho. Além disso vamos convir que a música foi assinada pela melhor dupla de compositores da carreira de Elvis Presley, Jerry Leiber e Mike Stoller. Eles criaram alguns dos maiores sucessos de Elvis, mas sempre tiveram um relacionamento conturbado com o Coronel Parker. A questão da discórdia geralmente envolvia dinheiro, como era de se esperar. Eles queriam mais pelas novas composições pois quando acertavam, Elvis vendia milhões de cópias. O Coronel, por outro lado, queria pagar o mesmo que eles recebiam na década de 50. Assim, com o tempo, já desapontados, eles passaram a enviar material já não tão maravilhoso como antes para Elvis gravar. Essa composição, por exemplo, não foi considerada uma obra prima e nem uma excelente composição pelos críticos da época. Isso de certa maneira irritou Tom Parker e com o tempo a parceria foi sendo desfeita aos poucos. Tudo fruto de uma desavença contratual entre as partes. Uma pena porque no final os grandes perdedores foram realmente Elvis e seus fãs.

Elvis Presley - Elvis Gold Records Vol. 4 (1968) - Ficha técnica: Elvis Presley (vocal) / Scotty Moore (guitarra) / Grady Martin (guitarra) / Jerry Kennedy (guitarra) / Bob Moore (baixo) / Murrey "Buddy" Harman (bateria) / D.J. Fontana (bateria) / Homer "Boots" Randolph (sax) / David Briggs (piano) / Henry Slaughter (órgão) / Peter Drake (steel guitar) / Rufus Long (sax) / The Imperials (vocais) / The Jordanaires (vocais) / Millie Kirkham (vocais) / Red West (vocais de apoio) / Produzido por Steve Sholes, Chet Atkins, Felton Jarvis / Local de gravação: RCA Studio B, Nashville, Tennessee / Data de Lançamento: janeiro de 1968 / Melhor Posição nas paradas: 33 (EUA).

Pablo Aluísio.

Elvis Presley - Elvis Sings Flaming Star (1968)

Esse foi um disco vendido a preço promocional pelo selo RCA Camden lançado em outubro de 1968. Esse selo secundário da RCA lançava discos com, em média, a metade do preço de um álbum convencional. O mercado desse tipo de lançamento era o de classe média baixa, com vendas em pontos comerciais alternativos como lojas de conveniências, aeroportos, supermercados, bancas de jornal etc. Como era um produto barato geralmente trazia material já lançado ou que estava há anos em arquivo sem maior interesse da gravadora em promover um lançamento mais elaborado. Era uma maneira também de levantar um bom dinheiro sem gastar muito. Não havia nenhuma maior lógica na elaboração dos discos, geralmente sendo formados por canções avulsas, que não tinham ainda encontrado um lugar dentro da discografia de Elvis.

No caso a RCA quis aproveitar restos de trilhas sonoras que tinham ficado para trás. Não significa que fossem canções ruins, nada disso. Era tudo apenas um reflexo da bagunça e falta de organização que imperava em algumas gravações realizadas por Presley na década de 1960. Veja o caso das faixas "Yellow Rose Of Texas / The Eyes Of Texas" e "Do The Vega". Duas que deveriam ter sido lançadas na trilha sonora do filme "Viva Las Vegas". Como o álbum desse filme nunca foi lançado (não me pergunte o porquê, já que ninguém sabe como isso foi acontecer) elas ficaram perdidas por anos e anos. Para que não fossem completamente desperdiçadas resolveu-se colocar tudo nesse título, sem muito critério visível para isso. Outro fato que chama a atenção é o pequeno número de músicas e a curta duração do disco. São apenas nove faixas (quando o mínimo da época eram dez!) e apenas 20 minutos de duração. Já que era baratinho, então que não se gastasse muito em sua elaboração. Absurdo? Talvez. São regras de mercado apenas.

O vinil original desse álbum hoje alcança um bom preço no mercado de colecionadores, principalmente nos Estados Unidos e Europa, onde ele não foi sequer lançado em vários países. Como não vendeu muitas cópias acabou virando um item raro, de difícil acesso. O curioso é que a falta de cuidado no lançamento do disco acabou indiretamente contribuindo para essa valorização. A direção de arte é interessante, com Elvis usando uma roupa de faroeste de seu filme "Flaming Star", outra película que teve péssima organização dentro da discografia do cantor. Na verdade duas empresas que estavam patrocinando o programa de Elvis na NBC investiram como forma de promoção no álbum. A primeira foi a própria NBC, canal de TV onde o programa seria exibido. A outra foi a marca de máquinas de costura Singer, que havia investido na produção com direito a ter seus comerciais vinculados no espaço publicitário durante a exibição da volta de Elvis aos palcos. Os executivos dessas empresas entraram em contato com a RCA e chegaram na conclusão que um novo álbum no mercado iria esquentar e reacender o interesse em Elvis, preparando o terreno para a exibição do especial. Foi uma ideia que deu certo apenas em termos, já que não houve muita repercussão. Algumas poucas resenhas pequenas nas publicações especializadas e vendas modestas não era bem o que todos esperavam. De uma maneira ou outra acabou fazendo parte da discografia oficial de Elvis Presley e por isso merece a menção. Vamos tecer alguns comentários sobre cada faixa a seguir.

Flaming Star (Wayne / Edwards) - Essa composição vem bem de acordo com o que Elvis vinha produzindo em sua fase Hollywoodiana. Não chegaria a dizer que se trata de uma grande faixa, mas é inegavelmente bem produzida. Na verdade é uma música composta com um objetivo bem específico: funcionar como tema principal do filme de mesmo nome. Curiosamente as duas versões definitivas de "Flaming Star" (a que saiu em vinil na época e a outra utilizada especialmente para o filme) foram gravadas após as demais canções da trilha sonora estarem prontas há um bom tempo. Dois meses após gravar praticamente todas as canções que fariam parte do filme, Elvis teve que retornar ao estúdio para registrar essas duas, tudo porque os produtores resolveram mudar o título da produção que deixou de se chamar "Black Star" para ser denominada de "Flaming Star" por ser mais comercialmente atraente. Além disso em tempos de tensão racial (Os Estados Unidos passavam pelo problema dos direitos civis com as populações negras) era mais prudente evitar qualquer tipo de desconforto com a palavra "Black" (até porque o personagem de Elvis era um mestiço entre brancos e nativos americanos). No final a mudança foi sensata. No Brasil o filme também recebeu um título forte, que soava muito bem nas marquises de cinema: "Estrela de Fogo".

Wonderful World (Fletcher / Flatt) - Essa música também foi extraída de uma trilha sonora, no caso do filme "Live A Little, Love A Little" (Viva um Pouquinho, Ame um Pouquinho, no Brasil). Ela aparecia logo na primeira cena, durante os letreiros de apresentação, com Elvis dirigindo perigosamente seu bugre amarelo. Hoje a canção soará bem datada por causa de seu arranjo bem cafona, parecendo que Elvis está sendo acompanhado por uma bandinha de circo ou parque de diversões do interior. Curiosamente a música foi deixada de lado pela RCA Victor por anos e anos. Pelo visto os produtores da gravadora não ficaram muito empolgados pelo resultado final e não investiram muito nela, não procuraram trabalhar comercialmente melhor com seu potencial. A tentativa de soar nostálgico, saudosista e ao mesmo tempo meio moderninho (como o próprio filme queria) não deu lá muito certo, temos que admitir.

Night Life (Giant / Baum / Kaye) - Mais uma que estava perdida dentro da discografia de Elvis. É a tal coisa, a RCA vasculhou velhos arquivos, tirou poeira das fitas esquecidas e literalmente salvou do esquecimento completo algumas faixas que tinham sido esnobadas, mas que juntas até que poderiam servir para vender algumas cópias avulsas, usando o nome mágico do ponto de vista comercial de Elvis. "Night Life" é muito curta, que termina quase em um susto. Em sua defesa temos que admitir que tem um bom arranjo e uma boa pegada. A guitarra estridente ao fundo agrada. Elvis não se esforça muito, é verdade, mas no fundo essa é uma questão menor. A música originalmente foi gravada para fazer parte da trilha sonora de "Viva Las Vegas" (Amor a toda velocidade, no Brasil), porém acabou arquivada sem muita explicação por parte do produtor. Acredito que nem o próprio Elvis se lembrava dela quando finalmente a faixa ganhou o mercado nesse LP. Se fosse defini-la de forma sucinta diria que é um bom roquinho para alegrar o ambiente.

All I Needed Was The Rain (Weisman / Wayne) - Esse blues fez parte do pacote de músicas que acompanharam o filme "Stay Away, Joe" (Joe é Muito Vivo, no Brasil). Esse foi um filme bem gaiato, completamente singular dentro da filmografia do cantor. Só quem assistiu a essa película saberá do que estou dizendo. O roteiro é uma bagunça completa, quase uma brincadeira nonsense. Elvis, extremamente bronzeado, parece interpretar um sujeito que está mais em busca da próxima zueira do que qualquer outra coisa. O enredo é praticamente inexistente e há várias cenas ao estilo pastelão. O interessante é que Elvis viu seu cômico personagem como uma oportunidade de fazer algo diferente em Hollwyood. Imaginem só como andava feia a coisa para ele por essa época. No filme Elvis a canta quando está na pior, ao relento, curtindo uma fossa. Trocando em miúdos, a música é boa, mas a cena, tal como todo o filme, não passa de uma bobagem sem tamanho.

Too Much Monkey Business (Chuck Berry) - Até hoje fico chocado com a falta de cuidado por parte da RCA Victor em relação a essa gravação. Uma das melhores de Elvis durante os anos 1960 não teve qualquer tipo de repercussão maior, até porque a gravadora de Elvis simplesmente lavou as mãos e não se esforçou em divulgá-la nas rádios na época. Negligência pura e simples, para desgosto do fã de Elvis que implorava por material de qualidade. Muitas pessoas reclamavam que não havia boas músicas do cantor, mas a verdade é que havia sim, certamente elas existiam, só que não eram promovidas e nem popularizadas, caindo rapidamente no esquecimento (isso quando chegavam a ser pelo menos conhecidas). De falha em falha, exatamente nesse tipo de situação, é que podemos entender como a carreira de Elvis entrou em um buraco negro! Mesmo quando havia boas faixas, músicas excelentes registradas em estúdio, a gravadora de Presley absurdamente não parecia disposta a fazer nada por elas. Uma lástima.

Yellow Rose Of Texas / The Eyes Of Texas (Tradicional) - Fez parte da trilha sonora do filme "Viva Las Vegas" (Amor a toda velocidade, no Brasil). Em cena Elvis a usa para tirar um bando de beberrões de um cassino com o objetivo de localizar a linda professora de natação que conhecera um dia antes (e que ao contrário do que ele pensava não era uma dançarina profissional dos inúmeros hotéis da cidade do pecado). O medley une duas populares canções tradicionais do grande estado do Texas. Como se sabe os texanos são bem ciosos de suas origens e sua cultura, chegando ao ponto de criar uma identidade própria, nem sempre ligada ao restante da nação. É costume dizer o ditado entre eles de que primeiramente são texanos e só depois americanos. Mexer com algo assim poderia ser um vespeiro, mas o diretor soube contornar isso tudo, jamais indo para o lado do deboche ou escárnio. O personagem de Elvis até mesmo se mostra muito respeitoso com o estado da rosa amarela - e não poderia deixar de ser se ele não quisesse entrar numa tremenda confusão com os nacionalistas e orgulhosos texanos.

She's A Machine (Joy Byers) - Até que para uma música de trilha sonora dos anos 1960 não chega a aborrecer. Não é desastrosa e nem passa vergonha alheia. A letra é estúpida, como de praxe, mas a linha de melodia com suas "paradinhas" tem uma sonoridade que agrada. Hoje em dia seria considerada machista, mas naqueles tempos tudo era encarado com mais bom humor. Pena que qualquer tipo de pretensão de fazer o mínimo de sucesso nas paradas afundou tal como o personagem mergulhador de Elvis no filme. Aliás, vamos ser sinceros? A película "Easy Come, Easy Go" (Meu Tesouro é Você, no Brasil) é um tremendo abacaxi, uma ofensa para quem gosta de cinema de verdade. Com inúmeras cenas chatas debaixo da água marcou uma triste despedida de Elvis da Paramount Pictures, um estúdio que fez o possível para caprichar em suas produções. Quando a concorrente MGM começou a realizar musicais B com Elvis sem qualquer cuidado técnico, os executivos da Paramount resolveram também chutar o balde da boa qualidade. Só podemos lamentar nessa altura do campeonato.

Do The Vega (Giant / Baum / Kaye) - Outra que ficou anos e anos comendo poeira nos prédios de arquivos da RCA Victor em Nashville. Gravada para fazer parte da trilha de "Viva Las Vegas" foi colocada para escanteio quando a gravadora decidiu cancelar a edição do álbum com as músicas do filme! Esse cancelamento foi um dos maiores absurdos da discografia de Elvis, só comparado mesmo a outro cancelamento ridículo, dessa vez com a trilha do documentário "Elvis on Tour" na década de 1970. Dois grandes momentos de Elvis no cinema que simplesmente não tiveram trilhas lançadas no formato clássico, o álbum LP! Absurdo completo e irrestrito. Como se pode perceber os executivos da RCA não eram as pessoas mais inteligentes, brilhantes e espertas do mundo! Talvez se Elvis tivesse dado no pé da RCA em meados dos anos 1960 sua carreira tivesse trilhado um rumo melhor em termos de organização nos lançamentos!

Tiger Man (Lewis / Burns) - Tiger Man aqui foi usada para promover o programa de televisão NBC TV Special. A versão da edição original desse disco trazia a versão gravada ao vivo no palco da NBC em Burbank. Era uma tremenda novidade na época e por essa razão impulsionou as vendas do disco como um todo. Afinal os fãs e colecionadores queriam dar uma conferida na faixa para ter uma ideia melhor do que viria pela frente. "Tiger Man" é uma grande música, sobre isso não tenho considerações a fazer. O problema ao meu ver é que a edição do disco não caprichou muito na qualidade sonora da faixa. Canções assim, gravadas ao vivo, são problemáticas, precisam passar por um tratamento sonoro antes de cair no mercado. Infelizmente os engenheiros de som da gravadora não se preocuparam sobre isso e então a canção saiu com uma qualidade sofrível - agravada ainda mais pelo formato vinil! De qualquer maneira se fosse necessário eleger um momento que valesse por todo o disco certamente essa versão de "Tiger Man" seria a escolhida.

Elvis Sings Flaming Star (1968)
- Ficha técnica: Elvis Presley (vocal) / Scotty Moore (guitarra) / Grady Martin (guitarra) / Jerry Kennedy (guitarra) / Bob Moore (baixo) / Murrey "Buddy" Harman (bateria) / D.J. Fontana (bateria) / Frank Carlson (bateria) / Homer "Boots" Randolph (sax) / David Briggs (piano) / Henry Slaughter (órgão) / Peter Drake (steel guitar) / Rufus Long (sax) / The Imperials (vocais) / The Jordanaires (vocais) / Millie Kirkham (vocais) / Red West (vocais de apoio) / Produzido por Steve Sholes, Chet Atkins, Felton Jarvis, George Stoll / Local de gravação: RCA Studio B, Nashville, Tennessee - Western Recorders, Los Angeles - NBC, Dressing Room, Burbank, California - Radio Recorders, West Hollywood, Californ ia / Data de Lançamento: outubro de 1968 / Melhor Posição nas paradas: 2 (Inglaterra).

Pablo Aluísio.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2005

Elvis Presley - How Great Thou Art (1967)

Vamos agora dar prosseguimento nas análises da discografia de Elvis Presley. Esse álbum foi literalmente uma benção para Elvis Presley. Perceba que em 1967 ele estava de fato no fundo do poço. Seus discos - em sua enorme maioria trilhas sonoras - já não faziam sucesso e Elvis deixou de ser considerado um artista relevante, daqueles que se deve prestar atenção. No lugar sobrou apenas o triste fato de ser ignorado pela imprensa, pelos críticos e o pior de tudo, pelo público. Assim foi muito mais do que bem-vindo ter entrado em estúdio para gravar um disco completamente gospel, apenas com canções religiosas. O curioso é que a carreira de Elvis dentro do setor gospel do mercado americano sempre foi muito deixada de lado pela maioria dos fãs, inclusive brasileiros. O que poucos sabem é que foi justamente nesse tipo de estilo musical que ele ganhou algumas de suas maiores glórias, como por exemplo ser premiado pelo prestigiado prêmio Grammy, não apenas uma vez, nem duas, mas três vezes! Isso se torna ainda mais importante quando descobrimos que ele nunca ganhou um Grammy fora da categoria Gospel - incrível não é mesmo?

Pois bem. É sabido de todos que Elvis levava muito à sério sua fé. Embora tenha sido muito eclético em suas escolhas o fato é que Presley sempre prezou pelas canções evangélicas que aprendeu desde muito cedo nos cultos da Igreja Assembléia de Deus. Abro um parêntese aqui para uma informação importante. Ao contrário do que muitos dizem a família Presley em seus primórdios era uma família bem comum nesse aspecto. Aos domingos Gladys, Vernon e Elvis frequentavam os cultos da Igreja local, mas nunca foram também muito atuantes dentro de sua paróquia. Eram frequentadores normais e passavam longe de serem considerados fanáticos ou algo do tipo, como muitas biografias mais desinformadas costumam publicar. Sim, Elvis adorava música gospel, sim ele e seus pais eram frequentadores dominicais dos cultos, mas isso não significa que eram diferentes ou mais empenhados do que outras famílias daquela época. Ficavam na média, assistiam as celebrações, mas depois iam para a casa desfrutar o resto do domingo ouvindo rádio pelas estações de Memphis.

No final das contas o que Elvis pegou de bom do ambiente gospel foi mesmo a empolgação dos pastores, que corriam pra lá e pra cá, contorciam o corpo e gritavam aleluia com todo o fervor. Elvis desde muito criança descobriu que para mexer um público você tinha que entrar mesmo na dança, empolgar, rolar no chão se fosse preciso, mostrar que se importava e sentia aquilo que cantava. Toda essa performance o jovem Elvis soube muito bem usar em seus primeiros concertos, só que ao invés de passar uma mensagem religiosa no palco ele desfilava um modo de ser sexy e provocante, visando atingir diretamente seu público alvo, as adolescentes americanas na faixa entre 14 e 17 anos de idade. Isso porém foi em 1955, 56, agora lá estava Elvis em 1967, reencontrando sua velha paixão, a gospel music, para tentar levantar novamente sua carreira. Foi mesmo uma sábia decisão se afastar, ainda que por um breve período de tempo, do material de Hollywood. Aquele tipo de coisa já estava saturada e os fãs ansiavam por algo diferente, novo e se possível menos adolescente.

O disco logo se tornou um sucesso de público e crítica nos Estados Unidos e vizinho Canadá, mas infelizmente toda essa badalação ficou restrita ao mercado norte-americano. No Brasil o disco sequer chegou a ser editado e lançado. A razão? Muito simples de explicar. A RCA Brasil que já não vinha lançando os discos das trilhas sonoras de Elvis em nosso mercado não viu qualquer razão para investir em um disco religioso. Para eles seria um tremendo fracasso comercial. Além do próprio Elvis estar em baixa, o álbum era visto como "um disco para crentes" e como os evangélicos estavam em franca minoria em nosso país, ninguém se interessou em colocar o disco em nossas lojas. Uma pena porque sem dúvida foi o primeiro trabalho de grande qualidade musical do cantor em anos. Foi um trabalho primoroso, extremamente bem gravado, com Elvis em belo momento vocal. Uma verdadeira obra prima de sua discografia. Assim os fãs brasileiros mais fiéis tiveram que importar o disco, muitas vezes pagando verdadeiras fortunas para ter o privilégio de ouvir seu rei enaltecendo o mais puro espírito cristão.

1. How Great Thou Art (Stuart K. Hine) - Essa é uma canção bem antiga, escrita ainda no século XIX por um pastor chamado Carl Boberg. Só muitos anos depois foi que surgiu a primeira versão em inglês, dessa vez nas palavras escritas por Stuart K. Hine cujos créditos foram dados na contracapa do disco. Elvis tinha grande apreço por essa canção e a levou inúmeras vezes ao palco durante os anos 70. Curiosamente temos aqui um caso em que as versões ao vivo são bem melhores do que a gravada em estúdio. Durante muitos anos especialistas afirmaram (com plena razão) que há problemas de equalização na master original. O vocal de Elvis também está bem mais soturno do que nas versões gravadas em shows, onde há sem dúvida maior fluidez em seu desenvolvimento. As melhores versões são da primeira metade dos anos 70 pois sempre notei que a partir de determinado momento Elvis passou a exagerar em certos trechos da música, algumas vezes até mesmo gritando seu refrão a plenos pulmões para causar impacto no público. Funcionava, mas para falar a verdade aquilo tinha pouca coisa a ver com musicalidade verdadeira.

2. In The Garden (C.Austin Miles) - Outra canção religiosa bem antiga, datada do começo do século XX. A letra é muito bonita e inspiradora, mas segundo a própria neta do autor ela não foi composta em um belo jardim, como supõe o ouvinte, mas sim em um porão frio, úmido e cheio de vazamentos, onde Miles passou por maus bocados quando chegou em New Jersey pela primeira vez na década de 1930, desempregado e com família para sustentar. Ele era farmacêutico e estava na pior. Depois que compôs a música levou para um amigo que trabalhava numa editora musical de Nova Iorque e assim sua vida começou a melhorar. Foram várias gravações ao longo do tempo - o que trouxe uma certa estabilidade financeira para o compositor e sua família - e ao que tudo indica a principal referência para Elvis foi uma versão gravada em 1958 por Perry Como, um de seus cantores preferidos. Provavelmente Elvis já a conhecia de muitos anos, inclusive a mais bem sucedida versão comercial assinado por Tennessee Ernie Ford em 1956. Pelos arranjos e vocal porém tudo indica que Elvis usou mesmo o trabalho de Perry Como como norte para sua própria versão que foi finalmente finalizada no dia 27 de maio de 1967 após apenas três tentativas.

3. Somebody Bigger Than You And I (Johnny Lange / Walter Heath - Joseph Burke) - A mais inspirada versão dessa canção veio em 1960 com a grande Mahalia Jackson. Na ocasião Elvis até cogitou gravá-la durante as sessões de seu primeiro disco religioso, "His Hand in Mine", mas desistiu em cima da hora por achar que a gravação seria ofuscada pela de Jackson, que ainda era muito recente e estava fazendo muito sucesso nas paradas. Elvis assim a deixou de lado. Em casa porém, nos momentos de descanso quando cantava e tocava gospel ao lado de amigos, ela sempre surgia, mostrando que Elvis a adorava. Ao longo dos anos sempre aspirou gravar sua própria interpretação para a música e assim quando pintou na noite de 27 de maio no RCA Studio B, em Nashville, Tennessee, nem pensou duas vezes. Curiosamente a canção acabou se revelando mais complicada de se gravar do que Elvis pensava. Como ele a vinha cantando por tantos anos pensou que seria relativamente fácil chegar no take ideal. Ledo engano, "Somebody Bigger Than You And I" precisou de 16 takes para ficar pronta. Quem tiver curiosidade em acompanhar o processo de se chegar no take ideal da música eu aconselho o CD "Stand by Me" que trouxe vários takes encontrados nos arquivos da RCA. 

4. Farther Along (W.B.Stone) - Essa não precisa ir muito longe para entender de onde Elvis a conhecia. Ela fez parte do repertório do cantor e compositor Bill Monroe, um dos preferidos de Elvis, autor de "Blue Moon of Kentucky". Ela também foi gravada pelo grupo Stamps Quartet, um dos mais apreciados por Presley e que mais tarde o iria acompanhar em futuras gravações. Aqui o processo foi bem mais simples do que "Somebody Bigger Than You And I", com Elvis chegando no take master em apenas três tentativas. Para sorte dos fãs de Elvis todos os takes sobreviveram ao tempo e podem ser conferidos em CDs como "Stand by Me vol. 2".

5. Stand By Me (Charles Tindley) - Elvis tinha a discografia completa do grupo vocal The Harmonizing Four. Em sua opinião esse tinha sido o melhor grupo harmônico de todos os tempos. Ora, desnecessário concluir que dentro dessa opinião havia uma grande dose de subjetividade típica de um fã - e Elvis Presley era justamente isso em relação ao Harmonizing Four, um grande fã. A música original foi composta pelo pastor metodista Charles Alfred Tindley. Sua história é bem importante pois ele foi um dos primeiros pastores negros de Maryland e hoje em dia é considerado um dos pais da música gospel negra americana. Falecido em 1933 (dois anos antes do nascimento de Elvis) suas canções se tornaram muito populares em comunidades evangélicas do sul, onde Elvis certamente veio as conhecer, ainda garoto. Quando o The Harmonizing Four gravou a música em um pequeno acetato, Elvis obviamente adorou, pois era a reunião de uma velha canção de seus tempos de infância com as vozes de seu grupo preferido. Depois dessa união, mais cedo ou mais tarde, ele também faria sua versão, algo que se concretizou justamente aqui nesse premiado e belo álbum gospel de sua carreira.

6. Without Him (Myron LeFreve) - O autor Myron LeFreve escreveu essa canção quando tinha apenas 17 anos. Embora fosse membro de uma tradicional família religiosa, era bem conhecido também em sua adolescência por ser um sujeito rebelde e dono de opiniões bem próprias. Depois que escreveu a música resolveu que a iria apresentar numa convenção de jovens compositores em Memphis. Entre o público havia um ouvinte bem atento em sua apresentação: ele mesmo, Elvis Presley, que dono de intuição musical à flor da pele decidiu ali mesmo que um dia a gravaria. Após o show o próprio Elvis foi aos bastidores conhecer LeFreve que prontamente aceitou seu pedido de gravação. Esse fato é bem interessante pois revela um lado de Elvis que poucos chegaram a conhecer, a do descobridor de novos talentos. Esporadicamente Presley ouvia alguma composição que o atraía e ele próprio não tardava a levar para o estúdio, sem se importar se era um grande compositor consagrado ou um novato talentoso. Para Elvis rótulos como esses tinham pouca importância - o que importava mesmo era a melodia da música lhe tocar de forma bem particular.

7. So High (Tradicional, Elvis Presley) - Como era de se esperar algumas músicas religiosas não trazem o nome de seus autores originais. Isso porque ninguém sabe ao certo suas origens, elas apenas surgem dentro das comunidades evangélicas e de lá ganham o gosto de outras paróquias na mesma região. Pressume-se que "So High" tenha sido criada em meados do século 18, em pequenas capelas de comunidades evangélicas negras no Mississippi. Alguns historiadores americanos dizem que seus primeiros registros surgiram em uma pequena igreja batista localizada no condado de Franklin. De qualquer maneira o nome exato de seu compositor (ou compositora) se perdeu no tempo. Como fazia parte do repertório das igrejas daquela região (não podemos nos esquecer que Elvis nasceu em Tupelo, no Mississippi) fica bem claro que Presley a conhecia desde seus tempos de garoto. Nascida no meio dos fiéis, a música só chegou dentro da indústria fonográfica nos anos 1940, inicialmente na voz de Rosetta Tharp e depois em um belo registro vocal de LaVern Backer em 1959. Como Elvis foi creditado como arranjador desse álbum, seu nome constou como criador no selo original do disco "How Great Thou Art" quando esse chegou nas lojas em 1967.

8. Where Could I Go But The Lord (James B. Coats) - O autor dessa música, James Buchanan Coats, nasceu no mesmo estado natal de Elvis, o Mississippi. Ao contrário de outros compositores de canções desse álbum, ele não era negro e nem pastor religioso. Na verdade Coats era um professor branco de música, que ensinou por muitos anos em escolas públicas da região de Summerland, Mississippi. Como era um estudioso de música popular e religiosa, ele começou a escrever canções que tinham como base a mesma estrutura musical e melódica das que conhecia em sua cidade natal. Desse verdadeiro experimento acadêmico nasceram várias canções, entre elas essa popular "Where Could I Go But The Lord". J. B. Coats escrevia suas músicas pensando em quartetos negros de gospel music, por isso há uma riqueza de detalhes muito presente nas notas vocais que criava. Ideal para um cantor como Elvis e seu grupo de apoio na época. Infelizmente o autor da música não chegou a conhecer a versão de Elvis Presley, que de certa forma imortalizaria sua obra, pois infelizmente morreu em 1961, bem antes de Elvis gravar esse álbum religioso.

9. By and By (Charles B. Tindley) - Canção antiguíssima! Para certos autores a música teria sido composta no século XIX durante a Guerra Civil Americana. As partituras originais porém se perderam no tempo. O que chegou até nós foi essa versão escrita pelo pastor metodista Charles Albert Tindley. Aqui chamo a atenção para um fato importante: Tindley era um ministro negro cujo pai tinha sido escravo, ou seja, ele fazia parte da primeira geração a ganhar o direito de ser livre nos Estados Unidos. Obviamente que por sua experiência pessoal havia muito clamor e emoção em suas palavras. Talvez por essa razão a canção tenha essa puxada para cima, um sentimento efervescente de quem deseja recomeçar de novo, ir adiante e vencer. Impossível ficar parado ouvindo esse hino gospel. Elvis provavelmente a conheceu através da gravação de Bill Monroe, um cantor e compositor que ele aprendeu a adorar desde muito cedo em sua vida.

10. If The Lord Wasn´t Walking By My Side (Henry Slaughter) - O autor Slaughter nasceu em uma fazenda de tabaco perto de Roxboro, Carolina do Norte. Ele provavelmente teria trilhado o mesmo destino de miséria e privações de muitos que nasceram nessas regiões rurais atrasadas do sul dos Estados Unidos se não fosse salvo pela música. Depois de servir o exército americano ele decidiu que iria dedicar sua vida compondo canções religiosas. Além de ser bom escritor de letras era também excelente cantando, por isso fez parte de vários quartetos gospel ao longo da vida, entre eles os mais famosos foram o Selo-Ozark Quartet, seguido do The Weatherford Quartet (1958-1961), finalmente integrando o The Imperials (1964-1966), que era um dos preferidos de Elvis Presley.

11. Run On (Tradicional) - Outra cujas origens se perderam no tempo. Era um dos hinos religiosos mais populares em igrejas negras no começo do século XX. Dito isso é importante salientar que "How Great Thou Art" é isso mesmo que você está pensando, praticamente um disco gospel negro, para surpresa de muitos. Como isso aconteceu? Ora, Elvis provavelmente não frequentava as igrejas de comunidades negras em Tupelo e nem no Tennessee pois a sociedade ainda era fortemente segregada naquela época. Elvis certamente tomou conhecimento desse tipo de som ouvindo rádio, mais especificadamente estações direcionadas ao povo negro de Memphis. Como ele era apenas um garoto não havia em sua mente esse estado de coisas, essa separação entre brancos e negros. Para ele o que importava era que se tratava de uma música ótima, que mexia com ele. Como bem resumiria Sam Phillips muitos anos depois: "Para Elvis não havia música negra ou música branca, havia simplesmente música!".

12. Where No One Stands Alone (Mosie Lister) - Você sabe quem foi Mosie Lister? Thomas Mosie Lister nasceu na pequenina cidade sulista de Cochran, Georgia em 1921. Desde cedo se mostrou um garoto muito religioso e por isso sonhava um dia se tornar pastor protestante. Já adulto entrou no ministério se tornando ministro Batista na década de 1940. Embora fosse branco ele logo compreendeu que a ginga e o barulho do gospel negro poderia se tornar uma ótima ferramenta de evangelização. Como tinha excelente voz começou a cantar nos cultos e depois de dois anos sentiu-se suficientemente seguro para apresentar suas próprias composições no altar. Escreveu grandes sucessos, entre eles “Till the Storm Passes By”, “Then I Met the Master” e “How Long Has It Been?”. Ao longo de sua vida fez parte também de vários grupos vocais entre eles Melody Masters Quartet, porém acabou se consagrando mesmo alguns anos depois no maravilhoso Statesmen Quartet, outro grupo que Elvis amava e que não perdia nenhum lançamento. Presley levou sua paixão para seus próprios discos pois além de "Where No One Stands Alone" ainda gravou "He Knows Just What I Need" e "His Hand in Mine", do mesmo autor. Maior prova de sua admiração não poderia existir.

13. Crying In The Chapel (Artie Glenn) - Essa canção foi incluída no álbum por sugestão de Tom Parker. Na verdade era uma gravação antiga de Elvis Presley gravada sete anos antes e que seguia inédita em LPs do cantor. Só havia sido lançada em single em 1965 com "I Believe in the Man in the Sky" no Lado B. Como havia sido muito bem sucedida Parker entendeu que seria uma adição importante ao disco pois seria uma faixa conhecida que poderia puxar as vendas do álbum como um todo. O compositor Artie Glenn escreveu a música em 1953 com a intenção de ser gravada por seu próprio irmão, o cantor Darrell Glenn. Curiosamente as editoras musicais não acreditaram muito na canção. Os editores da Hill and Range Songs e da Acuff-Rose Music recusaram a música, afirmando que não tinha chances de virar um sucesso nas rádios. Mal sabiam o erro que estavam cometendo. A música logo se tornou uma campeã de vendas, sendo depois sucessivamente gravada por grandes nomes como Rex Allen, Ella Fitzgerald, June Valli e The Wailers. Assim quando Elvis a gravou ela já era considerada um standard da história da música norte-americana. Sob a voz de Presley "Crying In The Chapel" chegou no disco de platina vendendo mais de um milhão de cópias, um dos grandes êxitos comerciais de sua discografia.

How Great Thou Art - Elvis Presley (1967) - Elvis Presley (vocal, piano e violão) / Scotty Moore (guitarra) / Chip Young (guitarra) / Bob Moore (baixo) / Henry Strzelecky (baixo) / Charlie McCoy (baixo e gaita) / D.J. Fontana (bateria) / Buddy Harman (bateria e timba) / Floyd Cramer (piano) / Henry Slaugter (piano) / David Briggs (orgão) / Pete Drake (steel guitar) / Boots Randolph (sax) / Rufus Long (sax) / Ray Stevens (piston) / The Jordanaires (vocais) / Millie Kirkham, June Page, Dolores Edgin & Sandy Posey (vocais) / The Imperials (vocais) / Produzido por Felton Jarvis / Arranjado por Felton Jarvis & Elvis Presley / Local de gravação: RCA Studios B, Nashville / Data de gravação: 25 a 28 de maio de 1966 / Lançado em fevereiro de 1967 / Melhor posição nas charts: #18 (EUA) e #11 (UK).

Pablo Aluísio.

Elvis Presley - Double Trouble (1967)

Logo no começo de junho de 1966 Elvis viajou para Nashville para passar o mês inteiro se dedicando a sessões de gravação. No dia 10 começou a maratona. Elvis entrou no RCA Studio B para uma sessão de gravação de músicas avulsas. A RCA queria material para lançamento em singles e bonus songs em trilhas sonoras. Elvis queria acima de tudo gravar material de qualidade, longe dos pacotes vindos de Hollywood. Acabou gravando apenas três faixas, todas ótimas. "Indescribably Blue", "I'll Remember You" e "If Every Day Was Like Christmas" demonstravam que o talento do cantor continuava intacto, sem máculas. O que faltava mesmo era repertório de valor. A intenção de Elvis inicialmente era ficar em Nashville para aproveitar o embalo e gravar sua nova trilha sonora nos estúdios da cidade, onde se sentia à vontade ao lado de sua banda habitual.

A MGM porém não pensava assim. Os executivos consideraram bem caro gravar nos estúdios da RCA em Nashville e procurando ter controle completo sobre os trabalhos enviaram um telegrama a Elvis para que ele fosse imediatamente para a costa oeste para gravar as músicas do novo filme em West Hollywood no bem equipado Radio Recorders. Aqui Elvis gravaria quatro das músicas da futura trilha, curiosamente algumas delas consideradas das melhores do filme. "City by Night", "Could I Fall in Love?" e "There Is So Much World to See" ficaram praticamente prontas. A MGM porém não estava satisfeita e transferiu Elvis e banda mais uma vez de estúdio. Visando cortar ainda mais os custos todos foram enviados para o M.G.M. Sound Stage 1 em Culver City. Não era um lugar apropriado, pois geralmente era usado para dublagens em animações e filmes da empresa. O som certamente ficaria ruim, abaixo do que era considerado aceitável pelos fãs de Elvis. 

Foram programadas três noites de gravação, mas todos sabiam que Elvis poderia finalizar a trilha sonora em apenas uma noite se estivesse particularmente produtivo. Logo na primeira sessão Presley confirmou as expectativas. Em pouco tempo ele já tinha chegado nas versões definitivas de "Double Trouble", "Baby, if You'll Give Me All of Your Love", "I Love Only One Girl", "Old MacDonald" e "Long Legged Girl". Em pouco menos de 50 minutos de sessão Elvis já tinha gravado praticamente a metade do disco, um feito que deixou o produtor Jeff Alexander surpreso! Na noite seguinte Elvis foi ainda mais rápido, terminando os trabalhos da trilha sonora em menos de 40 minutos. Muitos podem achar que isso era um retrato da falta de capricho das trilhas sonoras - de fato algumas canções não levaram mais do que quatro ou cinco takes para ficarem prontas, mas esse tipo de rapidez era uma característica de Elvis desde os seus primeiros anos na RCA Victor.

Na última noite programada Elvis não apareceu - e nem precisava já que tinha terminado sua parte nas gravações. Apenas alguns músicos foram ao estúdio para gravar linhas de seus instrumentos para serem usados nas gravações caso o produtor assim desejasse. Infelizmente o álbum era mais uma daquelas trilhas sonoras fracas de Hollywood. Geralmente Elvis recebia uma semana antes das gravações as fitas de demonstração das canções gravadas em Nova Iorque. Esse material era enviado para que Presley pudesse memorizar as músicas. Ele obviamente odiou a maioria do material, mas teve que se calar sobre isso pois tinha que cumprir os contratos que havia assinado. Durante as sessões Elvis não se mostrou empolgado, pelo contrário, ficou claro que ele estava ali por puro profissionalismo. Não havia qualquer sentimento de satisfação por gravar todas aquelas canções plastificadas.

Double Trouble (D. Pomus / M. Shuman) - Uma decepção! Claro que a partir de 1965 as trilhas sonoras de Elvis vinham descendo ladeira abaixo em termos de qualidade e por essa razão estavam sendo ignoradas pelo público e destruídas pela crítica, mas todos os fãs esperavam pelo menos por uma boa canção título do filme, ainda mais depois que foi divulgado que seria escrita pela excelente dupla de compositores Doc Pomus e Mort Shuman. Infelizmente o que se nota é que eles não se empenharam muito em dessa vez escrever algo melhor. Alguns especialistas creditam isso ao fato do Coronel Parker ter estipulado um teto máximo para o valor das canções que eram vendidas a Elvis. Como não era algo expressivo os compositores, inclusive os bons, já não se esforçavam muito para escrever algo melhor. Uma atitude do tipo "Para o preço que você está pagando essa música já está de bom tamanho". Uma pena porque realmente não é uma grande canção e para piorar sua gravação deixa bastante a desejar.

Baby If You Give All Or Your Love (Joy Byers) - Joy Byers foi responsável por salvar algumas das piores trilhas sonoras da carreira de Elvis. Até não podiam ser consideradas grandes músicas, mas eram divertidas e contavam com Elvis, quase sempre, empolgado em disponibilizar uma grande performance. Curiosamente todas as músicas que recebiam essa assinatura foram na verdade compostas por Bob Johnston, que era o marido de Byers na época. Ele usou o nome da esposa para escapar de um contrato com cláusula de exclusividade que tinha com outra editora musical. Nos anos 1980, após o fim do casamento, Joy e Bob acabaram tendo problemas judiciais sobre direitos autorais dessas canções gravadas por Elvis Presley por essa razão. Em entrevista ela declarou: "Foi uma honra ter meu nome nos discos de Elvis! Imagine, eu era uma típica dona de casa dos anos 60. Isso me enche de orgulho até hoje!".

Could I Fall In Love (Randy Starr) - Nas trilhas sonoras de Elvis dos anos 60 não podiam faltar baladas românticas. Era uma necessidade imposta pelos próprios roteiros de Hollywood, afinal sempre haveria cenas em que Elvis cortejaria a mocinha. O próprio Elvis brincava sobre isso ao dizer que em seus filmes sempre tinham dois tipos de cenas básicas que se repetiam todas as vezes, quando ele cantava para alguma garota ou quando socava algum desafeto. Nessa cena em particular Elvis coloca um single para tocar para a atriz Annete Day (uma estrelinha sem expressão). No final ele acaba dublando a si mesmo (no papel de Guy Lambert).

Long Legged Girl (J.L. Mc Farland / W. Scotty) - Essa foi a canção de trabalho do filme, ou seja, a música que a RCA Victor trabalhou para divulgar em rádios na época. Também foi lançado em um single que no final das contas não fez qualquer barulho nas paradas. As razões do fracasso comercial são facilmente perceptíveis. Curta demais, com letra adolescente e mal gravada, não era para fazer sucesso mesmo. Muitos criticaram a má equalização da canção, com uma guitarra fora de tom, estridente e irritante. Era mais um sinal de que as gravações de Elvis continuavam a não ter o tratamento sonoro adequado por parte de sua gravadora. Um sinal de que as trilhas sonoras já tinham dado tudo o que podiam dar e que mais cedo ou mais tarde deveriam ser deixadas de lado definitivamente.

City By Night (Giant / Baum / Kaye) - A pior tragédia para um artista que começa a ser ignorado por público e crítica é que em determinado momento de sua carreira, mesmo que ele venha a produzir algo de bom novamente, ninguém mais prestará atenção. Esse é o caso dessa gravação. No meio de uma trilha sonora realmente fraca temos essa boa faixa que acabou passando em branco até pelos fãs. "City By Night" tem um ritmo que nos remete a um jazz mais tradicional. Possui bons arranjos e uma melodia inspirada. Infelizmente como fazia parte do pacote "Double Trouble" ninguém parou para prestar atenção. Curiosamente a canção foi composta pelo trio Giant, Baum e Kaye que já tinham escrito grandes bobagens em filmes anteriores de Elvis, o que acabou afastando ainda mais qualquer possibilidade da música vir a ter algum destaque.

Old MacDonald (Randy Starr) - É como ter Elvis Presley cantando "Atirei o Pau no Gato!" em um disco. Não dá. Esse tipo de gravação acabou destruindo a imagem de cantor sério de Elvis. Tudo bem que as crianças podem até vir a se divertir, isso apesar de Elvis a cantar pessimamente mal (em determinado momento ele quase cai na gargalhada), Nada porém justifica uma bobagem desse tamanho em um dos seus discos. Apenas a saturação completa de seu repertório justificaria tal gravação. A cena no filme também é igualmente ruim e constrangedora, com Elvis soltando a voz na parte de trás de um caminhão cheio de animais. Uma lástima sem conserto.

I Love Only One Girl (S. Tepper / R.C. Bennett) - Segue a sina da canção anterior, ou seja, é bobinha, maçante e chatinha demais para ser levada à sério. Perceba que por essa época havia gente como Bob Dylan (isso mesmo, Bob Dylan!) implorando para que Elvis gravasse suas músicas e o que os responsáveis pela carreira de Elvis faziam? Não apenas recusavam sua oferta como o colocavam para cantar musiquinhas bobas como essa! Eu sinceramente até hoje não sei como a carreira musical de Elvis não acabou de vez depois dele ter gravado tanto material sem qualidade por anos e anos. Elvis era tão talentoso e carismático que conseguiu sobreviver até mesmo ao Coronel Parker, à RCA e à MGM, que pareciam estar juntos, firmes no objetivo de acabarem com seu prestígio artístico.

There´s Too Much World To See (Randy Starr) - Mais uma composição de Randy Starr. Na verdade ele era dentista! Isso mesmo que você leu. Nas horas vagas esse dentista de Nova Iorque resolveu que iria compor algumas músicas. Ao se associar a uma editora musical jamais pensaria que iria ter Elvis Presley, o maior ídolo musical de sua época, gravando suas "obras primas"! E qual era o segredo para Starr ter tido mais de vinte composições gravadas por Elvis? Simples, eram todas canções bem baratas, muito abaixo do que era cobrado pelos compositores mais caros e talentosos. Assim você entende porque Elvis chegou ao fundo do poço em sua carreira musical. Para Tom Parker o importante era economizar e lucrar ainda mais, mesmo com material sem qualidade.

It Won´t Be Long (Ben Weisman - Sid Wayne) - Quando você pensa que a trilha sonora de "Double Trouble" já não terá mais nenhuma surpresa digna de nota surge em seus ouvidos os primeiros acordes dessa excelente canção! O que é isso?! - e a primeira fase que surge em sua mente. De repente você se pega prestando atenção no disco novamente! Realmente meus amigos, as trilhas sonoras de Elvis dos anos 60 deixavam bastante a desejar, porém como nos microfones estava um gênio da música era mesmo de se supor que pequenas gotas de seu talento iriam despontar aqui e acolá! Sempre gostei dessa faixa, que acredito deveria ter ido até mesmo para os palcos em Las Vegas nos anos 70. Ótima gravação, sem fazer favor algum. Nem parece uma composição de Ben Weisman, considerado por alguns como o mais burocrático de todos os compositores da carreira de Elvis Presley. Dessa vez ele teve um surto de criatividade, quem diria...

Never Ending (Buddy Kaye / Phil Springer) - Nunca achei uma maravilha, mas no meio de um material tão mediano e fraco não é de surpreender que ganhe algum destaque. A partir da música anterior o álbum "Double Trouble" realmente melhora de qualidade e, pasmem, isso ocorre simplesmente porque acabam as músicas do filme e entram uma série de músicas bônus colocadas lá na RCA para o vinil não ficar muito curto e sem material mais relevante. São as famosas Bonus Songs, faixas que eram encaixadas nas trilhas sonoras, mas que não faziam parte do filme. Essa "Never Ending" não era nenhuma novidade pois já tinha sido aproveitada em um single com "Such a Night" em 1964. Depois disso foi arquivada e colocada aqui, não sei se por engano ou desconhecimento por parte dos produtores da RCA. De uma maneira ou outra acabou sendo uma boa adição. No Brasil ficou anos e anos inédita porque a partir de 1964 os discos e singles de Elvis foram rareando em nosso país, por causa das baixas vendas no exterior. Quando um disco vendia mal nos Estados e Europa ele não chegava a ser lançado no Brasil. Infelizmente foi o que aconteceu com a trilha sonora de "Double Trouble".

Blue River (Paul Evans / Fred Tapias) - O que escrevi para "Never Ending" vale também para essa canção. Está no álbum como tapa-buracos, sem qualquer ligação com o filme ou sua trilha sonora. Também havia sido arquivada e depois lançada sem qualquer promoção em um single promocional. A falta de divulgação também havia se tornado um problema. A RCA Victor, gravadora de Elvis, não se preocupava mais em trabalhar bem no marketing de lançamento dos singles e álbuns. Assim muitas faixas inéditas de Elvis foram completamente ignoradas pelo público, mostrando como andava mal administrada e gerida sua carreira na época.

What Now, What Next, Where To (Don Robertson / Hal Blair) - O álbum se encerra com essa bonus song final. Uma boa composição escrita por Don Robertson, um dos meus compositores preferidos. Pianista de mão cheia Don conseguiu escrever ternas e belas baladas para Elvis Presley nessa fase de sua carreira. Como uma andorinha só não faz verão não houve como salvar o álbum inteiro do fracasso comercial. O disco, lançado em meados de 1967 foi muito mal nas paradas, vendendo pouco e sendo praticamente todo ignorado. Um sinal de que tudo estava errado e deveria haver mudanças na carreira de Elvis Presley.

Elvis Presley - Double Trouble (1967) - Elvis Presley (vocal) / Scotty Moore (guitarra) / Tiny Timbrell (guitarra) / Bob Moore (baixo) / D.J. Fontana (bateria) / Buddy Harmon (bateria) / Floyd Cramer (piano) / Pete Drake (Steel Guitar) / Charlie McCoy (Harmonica) / Boots Randolph (sax) / Richard Noel (Trombone) / The Jordanaires (Gordon Stoker, Hoyt Hawkins, Neal Matthews e Ray Walker) / City By Night: Michael Deasy (guitarra) / Jerry Scheff (baixo) / Toxey French (bateria) / Michael Anderson (Sax) / Butch Parker (sax) / Gravado no Radio Recorders, Hollywood, California exceto "Never Ending", "What Now, What Next, Where To" e "Blue River" gravadas no RCA Studio B, Nashville / Data de gravação: 28 e 29 de junho de 1966, exceto "City By Night" gravada em 14 de julho de 1966 e "Never Ending", "What Now, What Next, Where To" e "Blue River" gravadas em maio de 1963 / Produzido e arranjado por Felton Jarvis e Jeff Alexander / Data de lançamento: junho de 1967 / Melhor posição nas charts: #47 (USA) e #34 (UK).

Pablo Aluísio.

terça-feira, 11 de janeiro de 2005

Elvis Presley - Spinout (1966)

Em 1966 chegou nas lojas o álbum, ou melhor dizendo, a trilha sonora que celebrava os dez anos de Elvis Presley em Hollywood. Nem é preciso dizer que foi uma festa bem sem graça. Os fãs reclamavam há anos e pediam a volta de Elvis aos palcos, a gravação de bons discos de estúdio e mudanças em sua carreira, mas as organizações Presley se recusavam a mudar. Todo ano a mesma coisa, três filmes, três trilhas sonoras, vendas ruins e críticas negativas para todos os lados. O álbum "Spinout", apesar da recepção com muita má vontade, nem era tão ruim como os anteriores. O filme era um genérico de "Viva Las Vegas", com Elvis novamente interpretando um piloto de corridas. As músicas, por outro lado, se mostravam superiores ao que vinha sendo lançado com Elvis, muito embora acompanhada novamente daquele lote de bobagens que todos os fãs de Presley já estavam acostumados.

O disco pode ser dividido em duas partes bem distintas. O material do filme em si, que é caracterizado por uma certa irregularidade, e as chamadas "bonus songs", canções que não faziam parte do filme, mas que eram encaixadas nos discos para que eles não fossem muito curtos. A trilha sonora propriamente dita tem altos e baixos. Há canções medonhas de ruins como "Beach Shack", ao lado de músicas medianas ao estilo "All That I Am", além de pequenas preciosidades como a subestimada "I'll Be Back". O material foi composto por bons compositores como a dupla Sid Tepper e Roy C. Bennett, o sempre bom Joy Byers e até mesmo os excepcionais Doc Pomus e Mort Shuman, que infelizmente comparecem com apenas uma faixa. Graças aos deuses musicais os produtores resolveram colocar o trio calafrio Bill Giant, Bernie Baum e Florence Kaye de lado e eles aparecem também com apenas uma canção, e pra variar a pior de todas, um verdadeiro lixo cultural.

Outro aspecto que merece menção é a falta de qualidade técnica das gravações. "Spinout" é considerado um dos discos mais mal equalizados da carreira de Elvis, talvez só superado por "Double Trouble" que parece ter sido gravado na garagem de alguém. Não dá para entender porque a RCA já não se importava mais com a qualidade das gravações daquele que havia sido seu maior nome até pouco tempo atrás. Ao que tudo indica os profissionais da gravadora simplesmente lavaram as mãos, deixando tudo para lá e como os discos já não vendiam mais tão bem, deixaram tudo para o "Deus dará"! Assim que se coloca o vinil original americano para tocar o ouvinte percebe a falta de capricho nas faixas. A banda já não soa tão afinada como antes e Elvis parece transparecer desleixo em seus vocais, algo impensável para quem vinha acompanhado Presley por longos anos, onde seus álbuns sempre se destacavam pelo bom gosto e cuidado nas gravações.

Alguns membros da Máfia de Memphis confirmam que Elvis ficou até mesmo abalado quando ouviu o disco pela primeira vez. Ele obviamente acusou Tom Parker de mandar mexer nas matrizes mas nada fez para parar essa interferência indevida. Chegou a dizer que ficava fisicamente doente quando descobria que um trabalho com seu nome saía mal feito, mal realizado. Some-se a isso os problemas no cinema e você terá uma ideia da imensa frustração profissional que ele vinha sentindo por essa época. A única salvação do disco vem mesmo das bonus songs, três belas canções em gravações impecáveis. "Tomorrow is a Long Time" de Bob Dylan, "Down in the Alley" de Jesse Stone e  "I'll Remember You" de Kui Lee, são maravilhosas. Gravadas numa sessão em maio (e junho) de 66, estavam arquivadas, sem a RCA saber o que fazer com elas. Acabaram enfiando aqui para amenizar a má qualidade do material do filme.

Como o público já vinha ficando aborrecido com os rumos da carreira de Presley o disco ao ser lançado novamente se tornou uma decepção nas vendas, a tal ponto que pela primeira vez em sua carreira Elvis tinha sido deixado de lado pela filial brasileira da RCA Victor que simplesmente desistiu de lançar o álbum comercialmente por aqui por causa do fracasso de vendas nos Estados Unidos. E o mesmo aconteceu com vários países europeus, mostrando o grau de declínio que o antigo astro vinha passando em sua carreira, tanto no mundo do cinema como no mundo fonográfico. Como disse certa vez um articulista americano, se Elvis tivesse morrido em 1966 ou 1967, ele seria retratado como um dos maiores cantores de todos os tempos que havia desaparecido das paradas e se tornado um artista completamente irrelevante para a arte em geral. Como sabemos isso felizmente não aconteceu e em 1968 ele finalmente se levantaria do mundo dos mortos do show business para reviver novamente dias de glória na sua carreira.

Stop, Look and Listen (Joy Byers) - A canção que abre o álbum. Sempre gosto de afirmar que Joy Byers compôs algumas das melhores canções da carreira de Elvis nos anos 1960, período muito complicado para ele, que foi colocado para cantar algumas porcarias enlatadas impostas pelos estúdios de cinema. Assim Byers funcionava como um alívio, pois suas composições, se não eram geniais, pelo menos surgiam acima da média do que ele vinha gravando. Essa "Stop, Look and Listen" é uma tentativa de trazer algum conteúdo roqueiro aos discos de Elvis, que se notabilizavam mesmo por essa época pelas baladas e músicas pop. Não é de toda ruim, embora a ache mal equalizada, mal gravada (característica que pode ser atribuída aliás a todas as faixas da trilha sonora "Spinout", infelizmente).

Adam and Evil (Fred Wise / Randy Starr) - Outra canção mais agitadinha. No filme pelo menos Elvis surge em boa cena, com um figurino azul e preto em um quadro esteticamente muito interessante (muito embora o trash também esteja lá, quando um dos membros de sua banda dá uma de faquir seduzindo uma cobra de pano!). A versão apresentada no filme é ligeiramente diferente da do álbum, com mais solos de bateria. Em termos de letra esqueça, é uma tremenda bobagem.

All That I Am (Sid Tepper / Roy C. Bennett) - Uma das músicas mais celebradas da trilha sonora. Sid Tepper esclareceu nos anos 70 que a canção não havia sido composta especialmente para Elvis e nem para o filme. Só depois quando foi contactado pelo estúdio é que ele resolveu oferecer a canção para fazer parte do disco. Isso talvez explique porque ela é tão bem composta, com ótima melodia. O belo arranjo de violinos também soma muito em seu excelente resultado final. Um oásis de qualidade no meio do deserto de músicas fracas de "Spinout".

Never Say Yes (Doc Pomus / Mort Shuman) - Na volta de Elvis do serviço militar a dupla Doc Pomus e Mort Shuman logo se tornou a principal da carreira do cantor. Não é para menos, pois eles eram realmente ótimos, tanto nas letras como nas melodias. Infelizmente como era de se esperar foram colocados de lado por Tom Parker que começou a considerar a dupla cara demais para trabalhar com Presley. Assim eles foram empurrados sem muita cerimônia para a geladeira. Para surpresa de muitos ressurgiram timidamente aqui na trilha de "Spinout". A canção é fraca, parece que foi vendida pela dupla propositalmente assim. Algo no estilo "pelo preço que vocês querem pagar só podemos oferecer músicas desse nível".

Am I Ready (Sid Tepper / Roy C. Bennett) - Outra bela balada de Tepper e Bennett. Embora fossem contratados da Paramount Pictures, onde compuseram vasto e bom material para os filmes de Elvis, eles também vendiam suas criações por fora, como freelancers, principalmente após 1964, quando se desligaram oficialmente da Paramount. Essa música não chega a ser tão bela como "All That I Am" mas forma com essa a melhor parte da trilha sonora. Infelizmente o arranjo deixou a desejar, principalmente por não ter sido tão embelezada como a outra balada. De uma forma ou outra mantém o interesse e conta com belo trabalho vocal de Elvis Presley, relembrando seus melhores momentos por volta de 1960 e 1961, quando seu estilo de cantar era muito mais suave e terno.

Beach Shack (Bill Giant / Bernie Baum / Florence Kaye) - Um verdadeiro lixo! Muitos fãs de Elvis ficam irritados quando alguém afirma que Elvis gravou lixo cultural em sua carreira! Ora, isso é uma afirmação verdadeira! Ele só gravou lixo? Obviamente não, claro que não, mas ele gravou sim grandes porcarias, não há como negar. Pensem sob um contexto histórico. Quando Elvis gravou essa trilha sonora ele já era um homem com mais de 30 anos, não um adolescente boboca! Apenas um cantor teen, desses bem rasteiros, gravaria algo desse tipo. Triste momento para um dos grandes talentos da música mundial que via seu talento ser explorado e colocado a serviço de lixos como esse.

Spinout (Ben Weisman / Dolores Fuller / Sid Wayne) - Se o lado A do álbum "Spinout" não conseguia sair muito do lugar comum de suas últimas trilhas sonoras, o lado B trazia algumas preciosidades. Essa canção título do filme foi inexplicavelmente jogada para abrir o lado B do disco, algo que surpreendeu aos fãs pois a tradição nas trilhas de Elvis era a música título do filme abrir o disco. Era algo que vinha desde a primeira trilha sonora de Elvis ainda nos anos 50. Não considero essa música muito boa, para falar a verdade mostrou-se uma das mais fracas dos anos 60. Será que os produtores meio que a esconderam no lado B justamente por causa de suas poucas qualidades sonoras? É uma possibilidade.

Smörgåsbord (Sid Tepper / Roy C. Bennett) - Essa trilha sonora de Elvis enfrentou alguns problemas no mercado inglês. Isso porque algumas expressões simplesmente não faziam sentido aos ouvidos ingleses. A própria palavra "Spinout" soava ruim aos britânicos. Agora imagine essa palavra chamada "Smörgåsbord"! Os ingleses que sempre consideraram os americanos uns matutos sem sofisticação devem ter coçado a cabeça para entender o que diabos isso significava. Curiosidades linguísticas à parte até que essa canção não é de se jogar fora. Gosto de seu ritmo e refrão pegajoso. Ouviu uma vez, não esquece mais.

I'll Be Back (Ben Weisman / Sid Wayne) - Fechando a parte da trilha sonora do álbum temos essa "I'll Be Back". Já li muitos elogios para essa canção, mas sinceramente considero muitos deles exagerados. Não quero ser interpretado de forma equivocada, "I'll Be Back" é sem dúvida uma boa música, diria mesmo muito acima da média das demais presentes na trilha desse filme, porém não é tudo aquilo que dizem e escrevem sobre ela. Considero Ben Weisman um escritor competente que foi muito criticado em sua parceria com Elvis Presley e por isso deixarei o julgamento final a cada ouvinte. Ouça e tire suas próprias conclusões.

Tomorrow is a Long Time (Bob Dylan) - Essa é a primeira bonus song do álbum e o primeiro grande momento do disco. Durante anos as pessoas ficaram sem entender porque Elvis Presley gravava tanta bobagem, sendo que na mesma época os grandes compositores americanos imploravam para que ele gravasse suas músicas. Dylan foi um deles. Considerado um dos maiores nomes da música daquele período, tinha esse velho sonho de um dia Elvis vir a gravar algumas de suas canções. O sonho se tornou realidade com essa faixa, "Tomorrow is a Long Time". Bob Dylan a gravou inicialmente em 1963, em um disco ao vivo. A música chegou a Elvis através de seu músico e amigo Charlie McCoy, que inclusive já havia trabalhado ao lado de Dylan antes. Assim que ouviu a faixa Elvis decidiu que a gravaria. Isso foi em maio de 1966 e inicialmente a RCA pensou em lançar a gravação em um single, o que teria sido uma grande ideia. Pena que mudaram de opinião e a resolveram encaixar aqui no lado B de "Spinout" onde acabou ficando obscurecida, não tendo a devida atenção que merecia. Esqueça esse erro histórico e não deixe de ouvir a faixa, considerada nos dias de hoje uma preciosidade,  um dos melhores momentos de Elvis no estúdio durante os anos 1960.

Down in the Alley (Jesse Stone) - Outra jóia perdida da discografia de Elvis Presley. "Down in the Alley" é mais um blues que criminosamente foi jogado para escanteio pelos produtores de Elvis. Uma canção relevante, lindamente gravada, com ótimo entrosamento vocal que foi desperdiçada completamente dentro de sua discografia. Não merecia surgir no mercado como mera bonus song de "Spinout". De qualquer maneira Elvis adorava a música, tanto que a tentou promover até mesmo anos depois, já em Las Vegas, numa forma de resgatar esse ótimo momento obscuro de sua vida nos estúdios.

I'll Remember You (Kui Lee) - "I'll Remember You" foi muito importante para Elvis em 1973. Foi uma das faixas mais promovidas e divulgadas em seu "Aloha From Hawaii", justamente porque seu autor, Kui Lee, deu nome a uma fundação que seria ajudada com os lucros do famoso show via satélite de Elvis. Todos certamente conhecem a versão ao vivo de Presley naquele momento tão importante de sua carreira. Curiosamente poucos conhecem a versão de estúdio, essa aqui mesmo que foi lançada como última bonus song de "Spinout". Bela gravação com Elvis em pleno domínio vocal e ao contrário das faixas da trilha sonora, lindamente gravada, sem máculas, em um registro perfeito.

Elvis Presley - Spinout (1966) - Elvis Presley (vocais) / The Jordanaires (backing vocals) / Boots Randolph (sax) / Scotty Moore (guitarra)  / Tommy Tedesco (guitarra)  / Tiny Timbrell (guitarra)  / Floyd Cramer (piano) / Charlie Hodge (piano) / Bob Moore (baixo) / D.J. Fontana (bateria) / Buddy Harman (bateria) / Data de gravação: fevereiro de 1966 exceto "Tomorrow is a Long Time" e "Down in the Alley", gravadas em maio de 1966 e "I'll Remember You" gravada em junho de 1966 / Data de lançamento: outubro de 1966 / Melhor Posição nas Paradas: #17 (Reino Unido) #18 (Estados Unidos).

Pablo Aluísio.

Elvis Presley - Paradise, Hawaiian Style (1966)

Agosto de 1966, o filme "Paradise, Hawaiian Style" (No Paraíso do Havaí, no Brasil) é lançado nos cinemas americanos. O filme foi filmado em locação nas ilhas havaianas de Oahu, Kauai e Mauí. Com direção de D. Michael Moore e produção de Hall Wallis pela Paramount, o filme tentava repetir o sucesso de fitas anteriores de Elvis nas ilhas do pacífico, mas o tiro saiu pela culatra e os resultados financeiros não atingiram as expectativas. Isso sem dúvida refletia todo o desgaste da carreira do cantor em Hollywood. O que escrever sobre "Paradise, Hawaiian Style"? Esse é um material tão inconsistente e falso que fica até difícil começar a apontar seus defeitos. Em primeiro lugar é um projeto que tenta imitar descaradamente Blue Hawaii (Feitiço Havaiano, 1961), aliás com a metade dos dólares gastos no filme anterior (ordens do Coronel). Elvis nem se importou muito em atuar bem e está visivelmente fora de forma. O filme, como muitos outros desse período foi realizado às pressas - em pouco mais de 2 semanas todas as cenas já estavam prontas e a equipe de filmagem de volta aos Estados Unidos. Tudo foi filmado praticamente de primeira, sem ensaio, sem cuidado, sem primor.

Nessa época parece que Elvis estava mesmo em uma espécie de coma criativo, engolindo tudo o que lhe era enfiado goela abaixo. Sua incrível intuição artística parecia morta e enterrada e o astro havia se transformado em um mero boneco na mão de diretores, produtores e roteiristas! Mas as más notícias não parariam por aí. Se não bastasse o filme ser extremamente ruim e inconsistente o "Rei" ainda seria jogado em um lamaçal de músicas ruins. "Paradise" é sem sombra de dúvida uma das piores trilhas sonoras de sua carreira (se não for a pior!). A faixa título é muito ruim, com péssima letra (com um verso pra lá de estúpido: "Puxa! Como é bom estar no 50º Estado!") E a partir daí é uma ladeira abaixo, com canções de mal gosto (Scratch My Back), infantis e maçantes (Datin) constrangedoras (A Dogs Life) e mal produzidas (Stop Where You Are). Nem This Is My Heaven consegue manter a dignidade. A única e honrosa exceção no meio desse pântano de músicas ruins e baratas é mesmo, como já foi dito, a bela canção Sand Castles. E por incrível que pareça ela foi a única cortada do filme! Como pôde acontecer uma coisa dessas? Realmente Paradise, Hawaiian Style é impressionante, pois até nisso eles se equivocaram. Não há muito o que comentar nesse momento opaco, depois dessa é melhor esquecer que nosso querido ídolo se envolveu em tamanho abacaxi, literalmente!

Paradise, Hawaiian Style (Giant / Baum / Kaye) - Realmente essa faixa tema é ruim demais. Se existisse um prêmio "framboesa de ouro" na categoria de "pior música tema de um filme de Elvis" essa levaria o prêmio fácil, fácil. Até o vocal de Elvis está estranho, muito contido e cantando extremamente mal, como se a master original estivesse fora da rotação normal. O ritmo é muito equivocado mas a letra é insuperável! "Como é bom estar no 50º Estado"!. Que bobagem é essa? Esse triozinho de compositores quando erravam a mão erravam mesmo pra valer! Terra arrasada mesmo! Péssimo em todos os aspectos!

Queenie Wahine's Papaya (Giant / Baum / Kaye) - Outra pérola trash! No filme Elvis divide os vocais com a garotinha pentelho Donna Buttersworth, que é engraçadinha, talentosa e bonitinha, mas que em nenhum momento do filme deixa de ser pentelhinha. Falando sério, vamos ser sinceros: colocar Elvis Presley, o Rei do Rock, numa cena abacaxi dessas, batendo em panelas já é demais! Alguém deveria ter tirado Elvis à força dos sets de filmagens desse filme! Nada contra Elvis dividir o microfone com uma criança, mas se pelo menos ela soubesse cantar! Seria pedir demais?!

Scratch My Back (Giant / Baum / Kaye) - Outra música que faz jus à total e absoluta falta de talento desse trio assustador que escreveu algumas músicas desse filme. A cena é ainda pior, pois Elvis tem que se abaixar de perfil ao se esfregar em algumas - minhas sinceras desculpas Fernanda Montenegro - "atrizes"! E nesse momento, como ele estava bem fora de forma, sua pancinha se sobressai de forma constrangedora. Complicado superar tamanha besteira! Sério, ninguém viu isso não? Nem vou escrever sobre a canção...

Drums of The Islands (Polynesium Cultural Center / S. Tepper / R.C. Bennett) - Bem, alguém deve ter pensado: Precisamos colocar alguma dignidade nessa trilha sonora, vamos escrever alguma coisa que preste! Então chamaram os compositores dos filmes "G.I. Blues" e "Blue Hawaii" para comporem e adaptarem um tema típico havaiano. Quase conseguiram, a bola bateu na trave. Se não é um primor, pelo menos traz Elvis em boa vocalização com uma boa equipe vocal o apoiando. Uma pequena pausa na mediocridade reinante.

Datin (J. Wise / R. Starr) - "Datin" é um caso interessante. Se você não se importar com a infantilidade do tema pode até mesmo se divertir com o ritmo alegre e sem pretensão nenhuma. Diversão pela diversão. Escapismo total mesmo. É um dos bons momentos da trilha, mesmo que seja bobinha, mesmo que a letra seja ingênua e pueril. No filme novamente a atriz mirim estraga a canção, mas felizmente a versão presente no disco só conta com a vocalização de Elvis. Pelo menos dessa vez o bom senso prevaleceu!

Pablo Aluísio. A Dog's Life (Ben Weisman / S. Wayne) - E pensar que Elvis, que cantou "Hound Dog" iria acabar gravando "A Dog's Life"! A pior música do filme que já é ruim de doer! Na cena no Helicóptero de papelão Elvis divide a "atuação" com um monte de amigos caninos! Acho que não poderia ser pior! O fim da picada!

House of Sand (Giant / Baum / Kaye) - Quando pensávamos que estávamos livres do trio calafrio eles reaparecem com mais uma "bomba"! Eita musiquinha ruim essa hein! Elvis transparece todo seu tédio (que deve ter sido enorme ao gravar esse material) e apenas interpreta a pobreza lírica com desdém nítido. Ruindade pouca é bobagem.

Stop Where You Are (Giant / Baum / Kaye) - Outra porcaria assinada por Giant, Baum e Kaye. Esses caras eram realmente imbatíveis, não me surpreende o fato deles terem sido os pais dos maiores abacaxis da carreira de Elvis como "Kissin Cousins" e "Harum Scarum". Mas aonde diabos afinal o Coronel Parker achou esses caras? Com tantos compositores talentosos nos anos 60 implorando para que Elvis gravasse suas músicas, o Coronel resolveu escolher logo os mais ineptos e idiotas disponíveis no mercado? Como perdoar uma coisa dessas? Provavelmente eles cobravam uma merreca para comporem temas para Elvis. Pelo qualidade da mercadoria entregue sem dúvida o Coronel não gastou muito.

This Is My Haven (Giant / Baum / Kaye) - Adivinhe só quem compôs essa canção? Leva um abacaxi quem ganhar! Eles mesmos: Giant, Baum e Kaye! Dessa vez eles tentaram diminuir um pouco a mediocridade e escreveram pelo menos uma melodia agradável. Mas depois de escreverem tantos temas ruins será que tem salvação? A música é menos constrangedora do que as demais, mas mesmo assim não empolga e nem decola. Fico no lenga lenga e termina logo (graças a Deus!)

Sand Castles (H Guldeberg / D. Hess) - Você chega no finalzinho da trilha sonora e pensa que perdeu minutos preciosos de sua vida com nada e de repente começa "Sand Castles". Você dá um salto e fica com o queixo caído! Essa canção é mesmo de "Paradise, Hawaiian Style"? Eu não acredito! Essa música é simplesmente LINDA! Como é que ela foi parar aqui, no fim, desprezada e esquecida? É um dos maiores vocais de Elvis em toda a sua discografia (e isso meu caro não é pouca coisa!). Acompanhamento lindo e ritmo relaxante, "Sand Castles" evita que joguemos o disco na lata de lixo! Simplesmente adoro essa canção e sempre a ouço (tente ouvi-la a dois!). Fantástica e completamente destoante do restante da trilha sonora. Ah! se o disco fosse composto de dez versões dessa mesma canção! Seria muito mais relevante do que a trilha inteira! Nota 10 com louvores!

Ficha Técnica: Elvis Presley (vocal) / Scotty Moore (guitarra) / Barney Kessel (guitarra) / Charlie McCoy (guitarra) / Ray Siegel (baixo) / Keith Mitchell (baixo) / D.J. Fontana (bateria) / Hal Blaine (bateria) / Milton Holland (bateria) / Larry Muhoberac (piano) / Bernal Lewis (steel guitar) / Al Hendricksson (guitarra) / Howard Roberts (guitarra) / Victor Feldman: (bateria) / The Mello Men: Bill Lee, Max Smith, Bill Cole e Gene Merlino (vocais) / The Jordanaires: Gordon Stoker, Hoyt Hawkins, Neal Matthews e Ray Walker (vocais) / Gravado no Radio Recorders, Hollywood, California / Data de gravação: 26 e 27 de julho e 2,3 e 4 de agosto de 1965 / Produzido por Thorne Nogar / Data de lançamento: maio de 1966 / Melhor posição nas charts: #15 (USA) e #7 (UK).

Pablo Aluísio.