quarta-feira, 11 de março de 2009

Elvis Presley - Let It Roll

Alguns títulos de Elvis Presley são simpáticos. Veja bem, eles não irão mudar sua vida, não vão causar grandes surpresas em colecionadores de longa data, eles não vão mudar o conceito que você tem de Elvis Presley, nada disso. Eles apenas são bons lançamentos, com bom gosto em seu aspecto visual e na escolha do repertório e vai somar, mesmo que timidamente, em sua coleção apenas como um CD interessante e agradável. Eles são apenas títulos simpáticos. É justamente esse o caso desse CD do selo Madison denominado Let It Roll. Não há entre suas faixas nenhuma grande novidade, apesar do CD ter sido produzido inteiramente com takes alternativos de estúdio de Elvis durante os anos 60 e 70. Quase todos esses registros já tinham sido lançados antes em outros CDs, mas o selo Madison resolveu unir um belíssimo repertório com um grande apuro visual em seu encarte, o que acaba gerando pontos em seu favor. Aliás é bom que se diga que a produção visual e a direção de arte da capa e encartes internos é de alto nível. Interessante como lançamentos como esse, meros bootlegs, podem colocar facilmente à nocaute as produções artísticas dos discos oficiais de Elvis. Já escrevi aqui mais de uma vez sobre a pobreza artística das capas dos discos oficiais de Elvis nos anos 70 e volto a repetir que, quando me deparo com um título tão bem produzido como esse, realmente fico não menos do que surpreso. Quem dera os LPs oficiais de Elvis tivessem tido uma direção de tamanho bom gosto como essa!

"Let It Roll" é um CD que traz versões de estúdio não aproveitadas por Elvis na época. Essas faixas que foram descartadas são denominadas de "takes alternativos", ou seja, bem poderiam ter sido consideradas as oficiais caso assim fossem escolhidas pelos produtores de Elvis na época. Mas não o foram. Muitas delas foram arquivadas e ficaram longos anos longe do público. Talvez se o mito Elvis não tivesse tanta força como tem atualmente elas simplesmente seriam perdidas para sempre. Porém como o nome do cantor é cada vez mais forte e presente, gerando muita curiosidade das novas gerações, pessoas que eram encarregadas do armazenamento desses takes resolveram trazer tudo à tona e lançar todo o material em CDs oficiais e não oficiais. Aqui o período enfocado é o final dos anos 60 e grande parte dos anos 70 (indo mais ou menos até meados dessa década). Considerada por muitos a melhor fase de Elvis Presley em sua carreira, esse período foi aquele em que o artista resolveu realmente crescer como intérprete e artista, deixando os temas juvenis de suas trilhas para trás para se dedicar de corpo e alma a um material bem mais adulto e maduro. Se antes Elvis cantava sobre romances adolescentes agora ele estava realmente interpretando canções que falavam mais diretamente com pessoas de sua real faixa etária, com todos os seus problemas, sem fantasias de pré adolescentes no meio. Realmente não havia mais como Elvis ficar cantando pérolas fantasiosas de aborrescentes com quase quarenta anos de idade! Se continuasse naquele caminho das trilhas infantiloides ele certamente ficaria patético em pouco tempo. Felizmente os anos 70 para Elvis Presley começaram mesmo em 1969 no American Studios como bem demonstram os diversos takes de "Wihout Love" presentes no disco.

Essa canção é geralmente associada como "aquela música que Elvis sempre tentou gravar e nunca conseguiu". Segundo alguns autores desde os tempos da Sun Elvis tentava chegar numa versão que o agradasse sem contudo conseguir. Aqui temos os takes 1,2,3,4 e 5. O take 1 demonstra Elvis sussurrando a faixa baixinho com a banda ensaiando e afinando os instrumentos ao fundo. Finalmente entra o piano e começa o take 1 que dura poucos segundos. O take 2 é bem mais completo porém também não vai muito longe, mesmo Elvis a cantando corretamente. O que estraga esse take é um erro, quase imperceptível, do guitarrista na primeira fase da faixa. Apesar disso Elvis segue em frente, talvez para pegar o gancho certo da faixa ou talvez por não ter notado o pequeno erro do instrumentista de seu grupo musical. Apesar de tudo o que se nota é que, desde os primeiros takes, Elvis está seguro e com pleno controle da situação. A velha tese de que essa música teria se transformado no verdadeiro terror para Elvis nos estúdios durante sua longa carreira cai por terra rapidamente pois ele não demonstra o menor sinal de dificuldades em executá-la. Aliás é bom que se diga que não é certo e nem confirmado com absoluta certeza ser essa a música que Elvis tentou e não conseguiu gravar durante seus primeiros registros na Sun Records.

Promised Land mais uma vez rouba o show, sendo o centro das atenções. Aqui o take não captura o clima das gravações, a faixa começa a mil e demonstra uma grande semelhança com sua versão oficial. Tecnicamente está ótima embora se perceba algumas variações no vocal de Elvis, principalmente por seu riso incontido logo no comecinho da versão. Após o solo de James Burton Elvis perde por poucos segundos o tempo exato da canção mas segue em frente! Não há grandes surpresas, existem mínimas diferenças de bateria (algumas ideias muito boas que infelizmente ficaram de fora da gravação master) e um solo praticamente idêntico ao oficial o que de certa forma coloca por terra a afirmação de Burton de que o solo dessa canção teria sido praticamente improvisado! As duas versões demonstram claramente que não, embora existam certas diferenças e nuances no solo final.

A master My Way, lançada na caixa Walk a Mile in My Shows quebra um pouco o clima do disco! Aqui não há nenhum espaço para improvisos ou brincadeiras, o take é pra valer e embora essa faixa nunca tenha sido lançada na discografia oficial de Elvis pré 77, podemos facilmente reconhecer a perfeição técnica dessa versão. Uma das grandes interpretações da carreira de Elvis, embora não tenha encontrado nenhum espaço em sua carreira oficial. Se My Way é um símbolo de perfeccionismo e profissionalismo por parte do cantor a seguinte, na verdade uma Jam Session, vem de encontro aos anseios daqueles que querem compartilhar um pouco o humor de Elvis dentro dos estúdios. Johnny B.Good não passa de um ensaio descompromissado e Holly Night sequer deveria ter sido creditada pois não passa de uma gozação de Elvis em cima das músicas natalinas que ele era forçado a gravar pelo Coronel Parker e pela RCA. Elvis está até mesmo um pouco alterado além da conta, muito acima e além da animação corrente e costumeira que estamos tão familiarizados ao ouvir nesse tipo de registro. O cantor realmente passa nítida impressão de estar um pouco "alto" demais! De qualquer maneira vale o bom astral.

Patch Up, canção que nunca simpatizei, aparece em seguida e pouco acrescenta. A única nota relevante é saber que a faixa é muito bem executada, sem brincadeiras fora de hora, erros ou equívocos por parte de Elvis e banda. Para quem gosta da canção é uma boa pedida, para quem não curte o melhor mesmo é manter distância. Já Help Me é bem melhor. Embora creditada como "Live Multi Track" a canção fica bem na média, bem na regularidade das versões que Elvis apresentava na época. Essa canção também quebra um pouco o ritmo do CD pois é uma faixa ao vivo, o que destoa muito das outras versões (praticamente todas de estúdio). Sobre ela ainda tecerei algumas observações importantes logo abaixo.

It's Midnight que inclusive abre o CD apresenta duas faixas. A primeira nada mais é do que um mero ensaio, altamente recomendado para aqueles que gostam de ouvir os bastidores das gravações de Elvis em estúdio. Aqui temos os dois principais componentes do grupo de Elvis ensaiando. Em primeiro plano o grupo vocal tenta acertar a nota certa, tudo acompanhando pelo grupo musical que também tenta se achar. Em um segundo momento Elvis vai tentando achar, não só o tom certo da canção como também memorizar alguns trechos da música. Ao lado de J.D.Summer Elvis vai tentando se encontrar na música. Ao fundo muito barulho das vocalistas. Finalmente depois de alguns momentos Elvis interrompe o que estava fazendo e chama a atenção delas para que assim possam começar as gravações. O clima é descontraído, leve, com Elvis sempre de bom humor, o que desmente muitas biografias que sempre o colocam como um ser sorumbático e necrosado durante as sessões do Stax. Basta ouvir um pouquinho do que acontecia dentro dos estúdios para perceber que nada estaria mais longe da verdade! Elvis brinca, se diverte, solta piadinhas, faz brincadeiras. Não há o menor sinal de depressão ou melancolia, muito pelo contrário. Se há um grande mérito desses registros é realmente colocar por terra a imagem de um Elvis Presley desabando de decadente dentro dos estúdios de gravação durante os anos 70.

Bossom of Abraham, praticamente perfeita e completa, vem para fazer entender a todos porque o Gospel é uma das vertentes que deram origem ao Rock'n'Roll. Percebam que a vocalização é praticamente idêntica àquela usada nos primórdios do surgimento do bravo Rock'n'roll. A única notável diferença seria encontrada mesmo apenas no teor das letras, essas bem mais mundanas e seculares do que as de teor religioso. Porém isso não importa e nem desqualifica a teoria de que o novo idioma musical que nascia era realmente uma grande mistura de sons, gêneros e sonoridades que pairavam no ar no velho Delta do Mississippi. Já no passar dos anos ambos os gêneros iriam nitidamente se distanciar. O Rock'n'Roll iria se unificar cada vez mais ao pop, principalmente após a ida de Elvis para o exército e o Gospel, mesmo fiel às suas origens vocais das capelas, iria absorver cada vez mais outros gêneros regionais do Sul como o Country and Western e as baladas sentimentais. O exemplo mais perfeito disso é justamente Help Me. Percebam sua letra. Ao mesmo tempo em que o autor, em primeira pessoa, pede forças ao senhor (Lord, Help me walk another mile, just one more mile;) ele adota uma postura nitidamente melancólica e sentimental das mais conhecidas canções country e regionais do período! Mais eclética impossível. O ritmo pouco lembra os corais vocais dos cultos evangélicos, mas está presente, mesmo que de forma um tanto quanto tímida. Na realidade é outra das músicas de Elvis que não se enquadram em classificações restritas, sendo na realidade uma grande e colorida colcha de retalhos sonora.

Always On My Mind aparece em versões interessantes, bastante peculiares. Geralmente quem é fã há muito tempo de Elvis acaba ficando um pouco exausto de seus grandes sucessos e procura se dedicar mais aos seus momentos menos conhecidos e populares. Essa canção curiosamente já esteve nos dois lados da balança. Em um primeiro momento foi negligenciada a um obscuro lado B nos anos 70 e praticamente não causou qualquer impacto na carreira do cantor. Mas depois que Priscilla Presley a elegeu como tema principal do seriado "Elvis e Eu" a coisa mudou completamente de figura. De lado B a música foi catapultada para o Olimpo onde reinam seus grandes hits, seus maiores sucessos! Não é de se admirar que hoje, depois de ter sido executada exaustivamente, muitos colecionadores torçam o nariz para ela. Mas não vamos tomar esse caminho, a canção é uma das melhores melodias da carreira de Elvis, além de trazer uma letra nitidamente autobiográfica (impossível não fazer a conexão entre o pedido de desculpas implícita em seus versos e o fracasso do casamento entre Elvis e sua esposa). Aqui temos um ótimo momento para uma reavaliação equilibrada dessa linda canção. E por falar em lindas canções, melodias divinas, nada mais chama nossa atenção do que a harmonia de I'm Leavin. Se uma palavra define esse momento sem dúvida o termo correto nesse instante seria "elegância"! De uma sobriedade poucas vezes vista na carreira de Elvis Presley, I'm Leavin sempre vai figurar entre as mais divinas melodias da carreira do cantor. Um dos pontos altos do CD, sem a menor sombra de dúvidas.

Resumindo: o CD é muito válido. Além de colocar canções coadjuvantes do repertório de Elvis em primeiro plano ainda consegue manter, em praticamente todas as faixas, um belo nível técnico no aspecto de sua qualidade sonora. Também é recomendado para os admiradores dos bastidores das gravações de Elvis pois traz bons registros de seu humor durante as mesmas e o mais importante, de forma contextualizada ao repertório em si e sem exageros e arroubos inadequados. O conjunto não traz surpresas mas até que se mostra coeso em seu resultado final. Vale a pena ser adquirido e ouvido. Sua coleção vai agradecer.

Pablo Aluísio.

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