sábado, 5 de novembro de 2011

The Beatles - Magical Mystery Tour

Esse cara nunca vai se dar mal?” – foi com essa frase que Lennon resumiu a situação dos Beatles na época em que o conjunto estava entrando em mais um projeto idealizado por Paul McCartney chamado “Magical Mystery Tour”. John estava obviamente se referindo ao colega de banda que parecia nunca se dar mal mesmo com as idéias mais estranhas para os discos dos Beatles. Depois de Sgt Pepper´s (outra idéia de Paul), ele surgiu com esse conceito que unia novamente fantasia e música. A ideia era colocar várias pessoas dentro de um ônibus com pintura psicodélica para ir filmando as reações delas conforme a viagem acontecia. Não haveria roteiro e nem script, apenas o acaso. Era algo fora dos padrões e isso era justamente o que Paul queria. O projeto seria depois exibido na TV inglesa em um programa especial. Os Beatles surgiriam como se fossem mágicos, bruxos, comandando essa turnê misteriosa e mágica. Lennon achou tudo exagerado e excessivo, uma tremenda bobagem, mas preferiu manter seu descontentamento só para si. Ele também tinha curiosidade em saber até onde Paul iria antes de se dar mal.

Conforme Lennon explicou anos depois em entrevistas essa foi sua pior fase nos Beatles. Não conseguia mais contribuir como antes e se sentia sufocado com a concorrência de Paul que parecia ter uma força de produção sem paralelos. Enquanto Paul surgia em estúdio com dez, doze novas canções, John passava sufoco para surgir com duas ou três, todas inacabadas. A verdade dos fatos revelava um Lennon perdido, desinteressado pelos rumos que os Beatles tomavam e o pior, abusando muito de drogas pesadas o que comprometia seu trabalho nas composições e nas gravações de estúdio. Quando chegou para trabalhar no álbum de Magical Mystery Tour, por exemplo, ele não tinha nada além de esboços que foi aprimorando dentro do estúdio. Um exemplo é “I Am The Walrus”, que ele escreveu às pressas. A letra não tinha sentido nenhum e fazia a linha mais psicodélica que imperava na década de 60. Era uma sucessão de imagens sem sentido, como o “Eggman” e o “Leão Marinho”. Para disfarçar a falta de novas ideias John simplesmente colocou tudo sob uma penumbra de versos obscuros. Já Paul era bem diferente. Ele havia composto a boa canção título e uma bela balada que se tornaria um de seus clássicos absolutos, “The Fool On The Hill”.

A trilha sonora saiu em um compacto duplo na Inglaterra mas os americanos da Capitol, sempre mais espertos e inteligentes em termos de marketing, resolveram lançar um álbum completo com canções de outros singles para completar cronologicamente o LP. Assim no lado B do antigo vinil a Capitol colocou alguns clássicos que só tinham sido lançados em compactos como “Hello, Goodbye", “Strawberry Fields Forever" e "Penny Lane". Sábia decisão uma vez que a morte do vinil também significou a morte desses compactos simples e o álbum idealizado como foi acabou se revelando uma idéia tão boa que depois foi lançado na própria Inglaterra, se tornando assim o disco oficial desse trabalho. Já o filme não teve a mesma sorte. Exibido na TV britânica em 1967 não conseguiu agradar a ninguém. A crítica caiu em cima e massacrou o resultado final. Adjetivos como “imbecil”, “estúpido” e “ridículo” foram usados para qualificar “Magical Mystery Tour”. Lennon assistiu tudo de camarote. O fracasso provava que Paul McCartney não era infalível. Agora talvez os demais Beatles o ouvissem com mais atenção. John queria que o grupo voltasse a uma sonoridade mais básica, dos velhos tempos, sem todas essas superproduções concebidas por Paul. Ele queria que os Beatles voltassem a ser uma banda de rock, simples assim. De fato isso seria o tom dos próximos álbuns dos Beatles. A era dos chamados discos “mágicos” tinha se encerrado definitivamente na história do grupo. 

The Beatles - Magical Mystery Tour (1967)
Magical Mystery Tour
The Fool on the Hill
Flying
Blue Jay Way
Your Mother Should Know
I Am the Walrus
Hello, Goodbye
Strawberry Fields Forever
Penny Lane
Baby, You're a Rich Man
All You Need Is Love

Pablo Aluísio.

The Beatles - Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band

Muita coisa já foi dita sobre Sgt Pepper´s. Muito provavelmente esse seja o disco mais analisado, comentado e destrinchado trabalho musical da história. Rotular o álbum de revolucionário, impactante seria redundante. Nem os Beatles tinham plena consciência no gigante que esse disco iria se tornar. Depois de tantos anos essa obra ainda continua sendo citada com frequência. Mas afinal de contas o que a torna tão especial? Uma obra de arte não consegue ser totalmente compreendida sem se levar em conta o contexto histórico em que foi produzida. Sgt Pepper´s só é entendido em essência se o ouvinte entender que quando o álbum chegou nas lojas havia todo um clima psicodélico no ar, toda uma busca e um sentimento que hoje muitos associam ao velho chavão hippie “Paz e Amor”.

Certamente havia esse sentimento mas também havia mais, existia uma efervescência nas artes em geral e mudanças estavam na ordem do dia. Os Beatles nunca foram ingênuos, eram rapazes inteligentes e antenados com o que acontecia ao redor. Foi assim que o disco nasceu. Em essência era algo que todos esperavam mas que ninguém realmente havia ainda colocado em prática. Havia uma série de pressões comerciais e de estilo em cima de grupos que vendiam muito como os Beatles. O grande mérito deles foi realmente darem a cara à tapa e arriscar. Isso porque Sgr Pepper´s tanto poderia ser um marco como um fracasso monumental. O grupo assumiu uma postura, teve coragem e lançou o álbum e o mundo musical nunca mais foi o mesmo.

Na época muitos críticos e analistas musicais classificaram o disco como “conceitual”, uma denominação que os próprios Beatles desconheciam. Na verdade não foi bem assim. O próprio Paul McCartney, que teve a idéia original do disco, jamais o arquitetou dessa forma. De fato como o próprio Paul explicou mais tarde apenas as 2 primeiras faixas tem algo em si, inclusive são interligadas. Depois disso Lennon apresentou suas canções ao grupo, músicas que tinham sido compostas em separada, sem a idéia do álbum em mente. O curioso é que em termos de sonoridade e avanço realmente havia uma tênue linha ligando todo o material mas isso surgiu de forma bem espontânea, pois John ao compor temas como “A Day in The Life” jamais havia pensado na ideia de Paul para o disco em si. Foi de certa forma um feliz encontro de ideias que resultou em um disco realmente genial, que resistiu a tudo, inclusive ao tempo.

Recentemente promovi mais uma audição atenta do conjunto da obra. Realmente as canções, todas psicodélicas, soam seguindo uma proposta, algo indefinido entre o mundo circense, a grande arte da Londres da década de 60, peças de vaudeville, nostalgias dos anos 20 e muito mais. É um caleidoscópio de influências que os Beatles receberam ao longo da vida. O diferencial aqui é que eles jogaram tudo de uma vez, numa só obra musical. Por isso assustou, por isso revolucionou tanto.

Entre as faixas novamente se sobressai o talento de John Lennon como compositor. Não se sabe ao certo a razão, se foram as drogas, se foi seu encontro com Yoko, não sei, o que se pode perceber nitidamente é que ele está numa fase extremamente inspirada por essa época. As três canções mais marcantes do álbum levam sua assinatura pessoal, de digital mesmo. "Lucy in the Sky with Diamonds" não é uma música psicodélica como cantam em prosa e verso por aí. Vou mais além e afirmo que ela é o psicodelismo. Como todos sabem Lennon foi acusado de estar promovendo o ácido lisérgico com a canção pois suas inicias formavam a sigla LSD.

Lennon rebateu as acusações dizendo que era mera coincidência pois a letra havia sido inspirada em um desenho de seu filho Julian. Será mesmo? Quem tem a razão? Não importa, LSD, digo, "Lucy in the Sky with Diamonds", é realmente fantástica. Outra faixa forte e marcante é a já citada "A Day in the Life", na verdade uma coleção de músicas inacabadas de Lennon que resolveu unir tudo sob um arranjo extremamente inovador. Paul dá sua contribuição nos arranjos orquestrais. Por fim temos a circense "Being for the Benefit of Mr. Kite!". A letra foi toda inspirada em um velho cartaz que Lennon comprou em um sebo. Vejam como ele era criativo. Compôs toda uma canção apenas utilizando os nomes e eventos que estavam nesse velho comercial de um circo do século passado. O arranjo é um primor e nesse aspecto temos que bater palmas para George Martin, o talentoso maestro que tanto contribuiu para o sucesso do quarteto britânico.

Deixei para falar de Paul por último porque queiram ou não ele é o grande nome por trás desse projeto. Ele concebeu essa idéia de os Beatles surgirem no disco como se fossem um outro grupo musical, justamente o que dá nome ao álbum. Em sua cabeça Paul queria que o consumidor levasse para casa um disco do "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" e não dos Beatles. Essa metalinguagem desse trabalho eu realmente acho genial. Também é importante frisar que ao contrário de Lennon, sempre instigante, ácido e mordaz, McCartney trazia belas melodias aos discos do conjunto. Aqui não foi diferente. De fato as melhores linhas melódicas levam sua marca registrada. "She's Leaving Home", por exemplo, é belíssima. Evocativa e nostálgica a canção é beleza rara em notas musicais. "When I'm Sixty-Four" segue seus passos. O som lembra o melhor das antigas big bands americanas das décadas de 20 e 30.

Paul com nostalgia de um tempo não vivido. Genial. George Harrison, mais envolvido do que nunca com a religião e cultura indianas surge com "Within You Without You". Eu confesso que essa é a única música do disco que não me agrada muito. É um tipo de musicalidade muito específica, não digo que é ruim, apenas que não faz o meu estilo. Enfim, eu poderia ficar dias e noites escrevendo sobre as qualidades de "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" mas isso é realmente desnecessário. A obra fala por si mesma. Não adianta ficar procurando o conceito ou a falta dele entre as faixas. O importante é ouvir seu som atemporal. É isso que faria o Billy Shears. Quem é o Billy Shears? Bom, essa é uma outra estória que depois a gente conta por aqui...

The Beatles - Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967)

Lado 1
1. Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band
2. With a Little Help from My Friends
3. Lucy in the Sky with Diamonds
4. Getting Better
5. Fixing a Hole
6. She's Leaving Home
7. Being for the Benefit of Mr. Kite

Lado 2
1. Within You Without You
2. When I'm Sixty-Four
3.. Lovely Rita
4. Good Morning Good Morning
5. Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (Reprise)
6. A Day in the Life

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

The Beatles - A Collection of Beatles Oldies

Primeira coletânea da carreira dos Beatles. Por essa época o grupo estava em uma verdadeira maratona de shows ao redor do mundo, sem tempo para praticamente nada. Há muitos anos que as turnês já tinham se transformado em um aborrecimento, principalmente para John Lennon que não agüentava mais o assédio sem medidas das fãs. Para Lennon os concertos tinham virado uma atração de circo, com muita gritaria e histeria, com pouca coisa a ver com musicalidade. Para piorar o que já era ruim os Beatles também deixaram de se importar com a qualidade dos shows. Segundo Lennon eles aceleravam as músicas para terminarem logo os concertos com receios de que algo mais sério pudesse acontecer – ou até mesmo alguém sair ferido no meio daquele delírio coletivo.

Assim quando a EMI cobrou por novas gravações em estúdio Lennon e Harrison disseram um sonoro não! Eles estavam fartos, emocionalmente desgastados e fisicamente muito cansados. Para não criar um atrito com a gravadora o empresário dos Beatles, o sempre cordial Brian Epstein, sugeriu a edição de uma coletânea com os maiores sucessos da banda até aquele momento. Além disso não podia se desprezar o fato de que muitos desses hits jamais tinham sido reunidos antes em um álbum, sendo lançados apenas em singles, compactos simples. Como eram bons os argumentos a EMI enfim comprou a idéia.

Nasceu assim “The Collection of Beatles Oldies” Na contracapa John Lennon mandou colocar uma frase muito espirituosa que dizia: “Oldies... But Goldies” (“velharias... mas douradas”). Os próprios Beatles foram consultados para a elaboração da seleção musical. Foram escolhidas 15 faixas e George Martin os convenceu a gravar mais uma para ser encaixada no disco como canção bônus inédita. Apesar da preguiça o grupo então se reuniu em Abbey Road para a gravação da canção “Bad Boy”, um cover de Larry Williams (um dos preferidos de Lennon). O restante do repertório iria ser completado apenas com clássicos absolutos, entre eles os grandes sucessos “She Loves You”, “Yesterday”, “Can´t Buy Me Love” e “I Want To Hold Your Hand”. “Yellow Submarine” também foi incluída para agradar Ringo e manter a tradição dos discos dos Beatles que sempre saiam com uma faixa cantada por seu baterista.

John Lennon ainda opinou sobre a capa, pois ele não queria uma daquelas capas óbvias de coletâneas e sim algo mais artístico. Por essa razão fez questão de mandar um telegrama a George Martin dizendo que a EMI deveria caprichar na direção de arte da nova capa! O curioso sobre “Beatles Oldies” é que ele foi lançado entre os discos “Revolver” e “Sgt Pepper’s” se tornando assim o verdadeiro divisor entre a primeira e a segunda fase do grupo. Infelizmente como toda coletânea o disco ficou obsoleto em poucos anos. Hoje em dia apenas colecionadores mantém o álbum em sua coleção uma vez que os discos da série “Past Masters” vieram para ocupar seu espaço (tinham mais canções e eram mais completos, fechando assim a discografia oficial dos Beatles, inclusive com a inclusão das versões em alemão que o grupo gravou no começo de carreira). De qualquer modo fica a lembrança, principalmente para quem começou a colecionar Beatles na era do vinil e sabia que ter o disco era a única forma de ter alguns dos maiores clássicos da banda no formato LP. Velharias?! Jamais...
 

The Beatles - A Collection of Beatles Oldies (1966)
She Loves You
From Me to You
We Can Work It Out
Help!
Michelle
Yesterday
I Feel Fine
Yellow Submarine
Can't Buy Me Love
Bad Boy
Day Tripper
A Hard Day's Night
Ticket to Ride
Paperback Writer
Eleanor Rigby
I Want to Hold Your Hand

Pablo Aluísio.

The Beatles - Revolver

Revolver é um disco fenomenal. O primeiro trabalho realmente revolucionário do conjunto britânico, o LP abriu portas no mundo da música que nunca mais foram fechadas. Seu resultado foi tão extraordinário na época que nem os próprios Beatles acreditavam que um dia iriam conseguir superá-lo. De repente os quatro rapazes de Liverpool mostravam ao mundo que o Rock não era apenas um gênero musical bobo falando sobre namoricos, corações adolescentes partidos e versinhos de caderno. O rock poderia se transformar em grande arte e seguramente Revolver foi o primeiro grande trabalho da história do Rock a atravessar essa fronteira.

Tirando poucos momentos medianos do ponto de vista artístico (como Yellow Submarine e I Want To Tell You) Revolver traz uma série incrível de sonoridades diversificadas que se traduzem em canções antológicas. Taxman, que abre o disco, é uma parceria entre Lennon e Harrison (só creditada ao segundo) que mostra claramente o rompimento do grupo com seu antigo som. Paul McCartney apresenta duas músicas maravilhosas, a melancólica e linda Eleanor Rigby e For No One, que apesar de subestimada é até hoje uma das melodias mais bonitas da carreira dos Beatles (e isso meu amigo não é pouca coisa); O velho Macca ainda nos brinda com a deliciosa Got to Get You Into My Life, canção cheia de charme e suingue bebendo diretamente da fonte da herança musical negra americana, estilo Motown e cia. Seu legado no disco termina com Here, There and Everywhere. Canção excepcionalmente bem escrita e arranjada resultando num momento simplesmente irretocável.

Embora McCartney tenha sido genial nesse disco com suas ternas melodias o legado mais revolucionário do álbum pertence mesmo a John Lennon. Desde a primeira faixa Lenniana, I´m Only Sleeping, com escala musical incomum, John deixa claro que veio para testar os limites do Rock na época. Sua She Said, She Said é uma pedrada no formato convencional (e careta) que predominava na música da década de 60. Dr. Robert, por sua vez, é um manifesto com referências ao movimento psicodélico que nascia naquele momento e Good Day Sunshine, com sua linha saudosista, vinha para satirizar com muito bom humor o comodismo da classe média e seus valores quadrados. Mas foi com Tomorrow Never Knows que Lennon realmente chutou o balde. Essa canção pode ser considerada, sem a menor hesitação, como uma das mais influentes do rock mundial moderno.

Não existe sequer uma única banda da atualidade que não beba de sua fonte maravilhosamente enlouquecida e sem freios. Tomorrow Never Knows até hoje soa extraordinariamente criativa, imaginativa e acima de tudo revolucionária. Não importa qual seja a sua banda favorita e nem a época, de Radiohead a Oasis, nenhum grupo conseguiu sequer chegar aos pés dessa doce alucinação. Não há como duvidar, Lennon realmente era um gênio musical. Revolver retrata o momento em que os Beatles romperam com tudo o que se fazia na época, inclusive com seu próprio modelo, que definitivamente a partir desse momento era deixado para trás. Apenas pela coragem de romper tabus musicais Revolver já teria garantido seu lugar na história da música do século XX, mas o álbum é muito mais do que isso, é uma obra simplesmente indispensável para se entender a arte de nosso tempo.

"Revolver" foi um disco essencial para os Beatles porque eles descobriram que certos limites poderiam ser rompidos. Até aquele momento a indústria da música limitava muito o que poderia ou não fazer parte de um álbum de uma banda tão comercial como os Beatles. E de certa forma eles se mantiveram dentro dessas linhas até aquele momento.

Os Beatles tinham contratos a cumprir com a EMI e como sempre quem reunia todos era Paul McCartney. Era ele quem ligava para os demais Beatles para informar o dia em que haveria gravação no Abbey Road Studios. Paul não deixava a bola cair, tanto que ele já chegou no primeiro dia de gravação com pelo menos três grandes canções, baladas que tinham sido bem trabalhadas por ele em seu pequeno estúdio caseiro que mantinha em Londres. "For No One", "Here, There and Everywhere" e "Eleanor Rigby" estavam praticamente prontas, embora Paul quisesse ainda trabalhar melhor nos arranjos deles ao lado de George Martin.

Esse tipo de situação criava uma certa tensão, principalmente em relação a John Lennon, que se via diante de um trabalho maravilhoso de Paul. Canções lindas, com excelentes melodias, enquanto ele não tinha praticamente nada a mostrar, apenas alguns esboços inacabados. Esse tipo de desnível em termos de produção fez com que Paul passasse a liderar os Beatles, algo que criava um certo ressentimento e mágoa em John, que se considerava o verdadeiro líder da banda e o seu fundador.

As canções de John eram bem pessoais, retratando aspectos do que aconteciam em sua vida naquele momento. Ele disponibilizou para o disco músicas como "I'm Only Sleeping", "She Said She Said", "Doctor Robert" e principalmente "Tomorrow Never Knows" que naquele momento era apenas uma ideia, algo a ser criado coletivamente ao lado de Paul e George Martin. Conforme confidenciaria anos depois John também compôs grande parte de "Taxman" ao lado de George Harrison, mas resolveu deixar os créditos apenas para ele. Assim já havia quase dez músicas para gravação, um bom número que já justificava o começo dos trabalhos.

The Beatles - Revolver

Lado A
1. "Taxman"
2. "Eleanor Rigby"
3. "I'm Only Sleeping"
4. "Love You To"
5. "Here, There and Everywhere"
6. "Yellow Submarine"
7. "She Said She Said"

Lado B
1. "Good Day Sunshine"
2. "And Your Bird Can Sing"
3. "For No One"
4. "Doctor Robert"
5. "I Want to Tell You"
6. "Got to Get You into My Life"
7. "Tomorrow Never Knows"

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

The Beatles - Rubber Soul

O disco que marca o começo da virada na carreira dos Beatles. Não restam dúvidas que até determinado ponto da carreira os Beatles seguiram uma linha comercial onde pouco ou quase nada era permitido em termos de ousadia. Havia essa fórmula certa de sucesso que os Beatles seguiram em todos os seus primeiros discos. Letras falando de amores juvenis, nada de muito ousado ou desafiador. De fato falando sinceramente o grupo seguiu direitinho a cartilha imposta pela gravadora Odeon. “Rubber Soul” não sai muito dessa linha é verdade mas já podemos perceber nitidamente espasmos de criatividade. Isso se torna perceptível logo na segunda faixa do disco na canção "Norwegian Wood (This Bird Has Flown)" de autoria de John Lennon. Nela ouvimos um arranjo bem original com uso de vários instrumentos orientais, indianos, algo que realmente fugia do esquema Guitarra, baixo, violão e bateria. Além disso a música era muito autoral onde Lennon recordava de um encontro extra conjugal que havia tido com uma garota. Na ocasião ela acabou elogiando os próprios móveis de seu apartamento e Lennon usou isso como tema da canção pois o tipo de madeira era bem comum, ordinário, nada sofisticado como a própria moça que sequer havia se apercebido disso. Esse jogo de ideias seria a tônica de John em suas futuras composições, algumas tão herméticas que muitas vezes apenas John e pessoas próximas compreendiam totalmente do que se tratava.

Outra faixa de “Rubber Soul” digna de nota é a própria “Girl”. Sob uma fachada comercial a baladinha tinha muito mais a dizer do que muitos percebiam. Era sobre a “garota perfeita”, idealizada, que todos nós um dia sonhamos ter como namorada. “Nowhere Man” é outro ponto marcante dessa lista de canções. Novamente Lennon escreve sobre si mesmo numa linguagem à la Bob Dylan (como ele gostava de se referir). John tinha essa personalidade angustiada, com toques depressivos que geravam ótimas letras. De fato ele aqui em “Rubber Soul” realmente começa a se soltar como compositor e criador. Seu lado mais centrado em si mesmo começa a dominar suas criações. A sucessão de clássicos de Lennon se fecha com a linda, maravilhosa mesmo, “In My Life”. Se havia algumas dúvidas sobre os rumos que sua poesia tomavam a partir dessa fase de sua vida “In My Life” vinha para esclarecê-las definitivamente. Aqui Lennon em tom de nostalgia lembra de seus tempos de infância e juventude, em um jogo de palavras muito lírico e evocativo que no final das contas consegue se comunicar com todos. É incrível como John Lennon conseguia escrever sobre si mesmo mas falando sobre temas universais, inerentes a todos nós. Impossível ouvir “In My Life”, por exemplo, sem ficar com imediato sentimento de nostalgia e saudade.

Paul McCartney curiosamente acabou seguindo um caminho bem oposto ao de seu colega de banda. Paul aparece em Rubber Soul com canções genéricas, de personagens criados como “Michelle”, que é meramente ficcional. Sua letra parcialmente em francês é uma curtição de Paul para com o romantismo descabelado das músicas românticas francesas. O resultado certamente ficou muito bonito mas como disse é mais um produto de Paul visando objetivos comerciais em essência. Harrison não produz nada de muito marcante no álbum assim como Ringo que se limita a participar cantando o simpático country "What Goes On". Em suma é isso. “Rubber Soul” é certamente uma mudança de rota, não tão radical quanto o sucessor “Revolver” mas mesmo assim já mostrando mudanças de ares significativas. Nos anos que viriam Paul faria mais canções de personagens e John ficaria cada vez mais autoral e egocêntrico e nesse processo os Beatles acabariam se tornando a maior banda de rock de todos os tempos.

The Beatles - In My Life

John Lennon nunca foi necessariamente um sujeito nostálgico. Na verdade ele pouco ligou para seu passado em Liverpool, tanto que depois que ficou rico e famoso praticamente não voltou mais para sua cidade natal. Quando sua tia Mimi se mudou de lá acabou-se mesmo qualquer motivo para Lennon voltar para o lugar onde nasceu. Ao invés disso ele procurou preservar em sua memória os anos de juventude e infância. Como o próprio John explicou em uma entrevista a canção "In My Life" surgiu dessa necessidade de se olhar um pouco mais para trás, relembrando os velhos tempos. Inicialmente John escreveu a letra, procurando colocar nela lugares e pessoas de seu passado, mas em pouco tempo percebeu que a ideia, embora fosse muito boa, não estava fluindo bem. A primeira versão tinha ficado "chata" em sua opinião.

Assim ele sentou-se com seu amigo Paul para reescrever a canção, que depois seria lançada no disco "Rubber Soul". Paul, que era um mestre em escrever sobre temas ficcionais, sem ligação direta com a realidade (como em "Eleanor Rigby", por exemplo), sugeriu que John seguisse essa linha mais imaginativa em sua letra. Seria como recordar dos velhos tempos para a pessoa amada, deixando claro para ela que que tudo aquilo não significava mais nada perante a importância de a ter encontrado em sua vida. De certa maneira era algo distante da ideia inicial de Lennon, mas como ele próprio havia reconhecido a coisa tinha ficado ruim e era necessário tomar um outro caminho.

A versão final que chegou até nós e que se tornou a gravação original é de uma singeleza ímpar! Lennon conseguiu captar com a melodia um claro sentimento de nostalgia, não apenas particular, referente ao próprio passado dele, mas sim universal, que diz respeito a todos nós. É o velho sentimento de que um dia todos encontraremos nossa alma gêmea que nos fará olhar para trás e reconhecer que apesar de tudo ela era aquilo tudo que todos estávamos buscando! Curiosamente embora estivesse casado há anos John Lennon não se sentia verdadeiramente no espírito da canção, já que ele ainda não havia encontrado a mulher definitiva de sua vida - que aliás acabaria sendo Yoko Ono, algum tempo depois. O mais crucial é que Lennon realmente acabou criando uma bela música, embalada por uma das mais bonitas melodias da carreira dos Beatles e isso, senhoras e senhores, definitivamente não é pouca coisa! 

The Beatles - Rubber Soul (1965)
Lado 1
1. Drive My Car
2. Norwegian Wood (This Bird Has Flown)
3. You Won't See Me
4. Nowhere Man
5. Think for Yourself"
6. The Word
7. Michelle

Lado 2
1. What Goes On
2. Girl
3. I'm Looking Through You
4. In My Life
5. Wait
6. If I Needed Someone
7. Run for Your Life

Pablo Aluísio.

The Beatles - Help!

Esse foi um dos discos mais vendidos dos Beatles. Assim aproveito para tecer alguns comentários sobre o álbum "Help!" dos Beatles (que inclusive está tocando nesse momento, enquanto vou escrevendo o texto). Antes de mais nada é importante deixar um conselho: fique longe do filme que é definitivamente bem fraco. A única coisa que se salva são os momentos em que os Beatles tocam - todo o resto (roteiro, direção, elenco) é um completo desperdício! Se você vive reclamando dos filmes de Elvis Presley espere para ver essa "obra" cinematográfica. Enfim, esqueça! Ouça a trilha sonora e esqueça do cinema!

O álbum é uma maravilha. É a tal coisa, certa vez John Lennon resumiu tudo muito bem isso ao dizer:"Os Beatles são músicos, não atores!". Um exemplo que deveria ter sido passado para o colega Elvis que ficou dez anos perdendo tempo em Hollywood. Mas enfim... voltemos ao disco. Esse álbum é, em minha visão, o último grande disco dos Beatles em sua fase Ié, ié, ié (que muitos preferem chamar apenas de primeira fase). É uma coleção magnífica de grandes composições, aliados a um trabalho primoroso de produção por parte de George Martin, um trabalho digno de todos os aplausos. Ele introduziu novos instrumentos, novas sonoridades, sem nunca descaracterizar o som único dos Beatles. Isso fica óbvio logo na primeira faixa, "Help!", uma composição de Lennon com um refrão forte e marcante. Como John sempre gostou de analisar sua própria vida ele anos depois diria que a música era realmente um pedido de socorro pois ele se sentia sufocado com o sucesso absurdo que os Beatles tinham alcançado. Os gritos, as turnês e a pressão quase o levaram a ter um colapso nervoso.

"The Night Before" de Paul já era um pouco mais amena. Gosto bastante do ritmo dessa música - perceba que ela já começa numa tonalidade única que vai até o fim da canção, sem variações. O vocal de Paul está dobrado, o que traz uma ótima sensação ao ouvinte. McCartney na letra está obviamente falando da vida noturna de Londres, de suas boates e amores fugazes. Imagine conhecer uma bela garota numa sexta à noite e no dia seguinte descobrir que nada daquilo significou alguma coisa. Aliás Paul e John eram grandes frequentadores de clubes noturnos desde os tempos de Hamburgo. Quando ficaram famosos a coisa toda ficou maior e mais agitada. Na letra Paul então escreveu uma pequena crônica sobre isso, sobre as noites nas baladas e as manhãs seguintes. E para manter a dobradinha entre Lennon e McCartney logo após entra Lennon em tom de leve melancolia na ótima "You've Got to Hide Your Love Away", A letra é de um pessimismo e uma sinceridade que chegaram a assustar as adolescentes fãs dos Beatles da época. Lennon soava até mesmo depressivo. Esse tipo de atitude  certamente não combinava com os gritinhos das jovens (algo que Lennon particularmente detestava!).

Depois de um momento tão surpreendente como esse, eis que o ouvinte é convidado a dar uma chance a George Harrison em "I Need You". Essa é uma composição menor de uma fase em que George ainda tentava respirar no meio de dois gênios que eram Paul e John. A música é sincera, com boa letra e uma guitarra sempre solando uma nota só (o que se torna a grande característica da faixa). Para suavizar ainda mais o disco, a música "Another Girl" de Paul vem logo a seguir e propõe acertar contas com um velho amor do passado, deixando claro que superou tudo e está de novo amor, numa boa. Decepções amorosas são dolorosas, mas precisam ser superadas. Chega o momento de seguir em frente, ter novas paixões, viver novas emoções. Paul assim propõe deixar a tristeza de lado de uma vez por todas e partir para outra. Belo conselho.

"You're Going to Lose That Girl" tem ótimos solos de guitarra e um arranjo diferenciado onde Ringo deixou a bateria de lado para investir em velhos bongôs cubanos. Essa foi uma sugestão de George Martin. Casualmente ele foi informado que o filme teria cenas filmadas nas Bahamas. Nada melhor do que dar um pequeno toque caribenho ao álbum. A composição é de John e ele novamente se mostra um grande letrista. Depois de "Help!" o grande sucesso desse disco foi "Ticket to Ride". Poucos sabem, mas essa canção foi composta por Paul e John na Alemanha, em Hamburgo, quando eles ainda formavam uma banda desconhecida de jovens ingleses. A expressão "Ticket to Ride" era usada em prostíbulos da cidade, era o nome que era dado aos ingressos para entrar nesses cabarés localizados no porto de Hamburgo. Traduza a expressão e entenda o sentido malicioso das palavras! Essa piada interna por parte dos Beatles só seria revelada muitos anos depois por John em uma entrevista. Até aquele momento todos pensavam que os Beatles estavam sendo apenas "poéticos"! Não, eles estavam sendo vulgares mesmo! Coisas de jovens da idade deles.

Já "Act Naturally" foi colocada para abrir o Lado B do antigo vinil. Era a sempre reservada faixa para Ringo Starr exercitar seus limitados dotes vocais. Em faixas como essa, animadinhas e nada complexas, ele até que se saía muito bem - vamos reconhecer. Nada importante, nada mais do que um momento divertido do disco. Pura diversão mesmo. Encerrada ela vem os primeiros acordes de "It's Only Love", outro momento cortante de John Lennon. A canção foi escrita para sua esposa da época. Ele tentava de alguma forma reacender seu amor por ela - algo que não daria muito certo pois o casamento estava praticamente arruinado. Em um dos versos ele pergunta: "Brigamos todas as noites?". Estava mesmo complicada a vida do casal Lennon.

"You Like Me Too Much" é a segunda faixa composta e cantada por George Harrison. Essa é bem melhor do que a anterior. John está nos teclados, o que dá um sabor diferente para os arranjos da canção. George Harrison também pediu a George Martin que dobrasse seu vocal, assim ele faz dueto consigo mesmo. Ficou bonita, principalmente os solos do meio. Não é nenhuma obra prima, mas é bonita e tem bela harmonia. "Tell Me What You See" que vem logo a seguir talvez seja a única composição realmente de Lennon e McCartney do disco, já que na época eles já procuravam escrever seus próprios trabalhos, sem necessariamente contar com a ajuda do outro. A letra é basicamente de Paul, com pequenos toques de Lennon. É engraçado porque fica até fácil descobrir quem escreveu cada linha. Geralmente Paul surgia com alguma frase mais otimista, enquanto John respondia com sua acidez habitual.

"I've Just Seen a Face", por outro lado, foi escrita apenas por Paul. Ele inclusive se esmerou em escrever um belo arranjo, com um belo dedilhado em seu começo. Essa melodia inclusive me passa um sabor country - não sei se apenas eu penso assim. Aquele violão solando, aquele ritmo, parece até que foi gravada em Nashville. Ecos dos pioneiros do sul dos Estados Unidos que inspiraram os Beatles. Depois dela vem o grande clássico do disco, a imortal "Yesterday", a música que mais ganhou versões na história. Esqueça os Beatles. Essa é uma criação de Paul McCartney, única e exclusivamente. O próprio Lennon dizia que as pessoas sempre o estavam parabenizando por essa canção, mas que ela era na verdade "filha de Paul". Em entrevista John Lennon reconheceu isso ao dizer: "Nunca pensei em escrever nada parecido com aquilo". Os Beatles não participam da sessão de gravação da faixa oficial. Apenas Paul toca violão, acompanhado de um quarteto de cordas providenciado por George Martin. O resultado ficou inesquecível. Clássico absoluto!

Talvez para contornar a extrema doçura e ternura de "Yesterday", John Lennon resolveu encerrar o disco com a paulada de "Dizzy Miss Lizzy", um cover estridente de Larry Williams. A guitarra, no último volume, vai estourar seus tímpanos - por isso tenha cuidado! A razão da gravação dessa canção seria explicada por John na entrevista que deu na Playboy no começo dos anos 80, pouco antes de sua morte. Na ocasião ele desabafou: "As pessoas sempre me viram como o roqueiro dos Beatles. Enquanto Paul escrevia belas baladas de amor eu sempre aparecia com as faixas ao estilo pauleira. Talvez elas tenham razão. Eu sou assim. Uma velha orquestra de Rock ´n´Roll".

The Beatles - Help! (1965)

Lado A
1. Help!
2. The Night Before
3. You've Got to Hide Your Love Away
4. I Need You
5. Another Girl
6. You're Going to Lose That Girl
7. Ticket To Ride

Lado B
1. Act Naturally
2. It's Only Love
3. You Like Me Too Much
4. Tell Me What You See
5. I've Just Seen A Face
6. Yesterday
7. Dizzy Miss Lizzy

Pablo Aluísio.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

The Beatles - Beatles For Sale

John Lennon gostava de brincar dizendo que esse disco poderia ser apelidado de "Beatles Country and Western". A brincadeira tem sua razão de ser. "Beatles For Sale" é um disco um tanto diferenciado dentro da discografia do grupo. Na verdade o álbum foi ideia da gravadora EMI que vendo o fim de ano chegando pensou logo em lançar um novo LP da banda para aproveitar os festejos de fim de ano. O problema é que os Beatles nem tinham material suficiente para completar todo um disco. Eles estavam trabalhando demais, com um show atrás do outro e tinham esgotado todo o material inédito no disco anterior do grupo. Assim a fonte estava seca.

O problema é que George Martin se reuniu com os rapazes e juntos decidiram que sim, era possível gravar algo para ser lançado no natal e ano novo. Meio que na correria o grupo se reuniu e fez um levantamento do que havia á disposição. Havia algumas sobras das trilhas sonoras que não tinham sido utilizados em Help, por exemplo. "Eight Days a Week" era o maior exemplo disso. Entre tantos pedaços de gravações os Beatles ainda poderiam completar canções como "No Reply" e "Baby's in Black" que Paul adorava. No começo das sessões os Beatles ainda não tinham todo o material que precisavam para colocar um álbum de gravações inéditas no mercado, mas isso foi sendo superado com o passar do tempo.

Para tapar o buraco do resto do disco eles escolheram alguns covers que já tinha longo histórico com a banda nos concertos ao vivo durante todos aqueles anos, principalmente nos primeiros anos, nas excursões pela Alemanha. "Rock and Roll Music", por exemplo, fazia parte do repertório dos Beatles desde os tempos pioneiros no Cavern e em Hamburgo. Paul McCartney encaixou a linda "Words of Love" de seu ídolo Buddy Holly e assim o "Beatles For Sale" foi finalmente tomando forma. John Lennon também resgatou um velho tema que ele não havia trazido antes para os estúdios por um certo receio. "I'm a Loser" era autoral demais. A letra em primeira pessoa trazia o pensamento mais íntimo de Lennon. Ele nunca havia gravado antes com os Beatles algo assim tão honesto e verdadeiro. Como as músicas dos Beatles até aquele momento eram canções pop de amor com letras mais genéricas, Lennon tinha um certo temor de jogar algo tão pessoal assim no trabalho da banda. Paul adorou a canção desde a primeira audição e dessa forma ela foi incluída. Essa gravação acabou virando um marco pois Lennon adorou a experiência e a partir daí iria escrever canções cada vez mais pessoais, em primeira pessoa, expondo sem máscaras aquilo que pensava. Era uma evolução em relação aos primeiros discos, onde o tema geralmente girava em torno de romances adolescentes.

"Beatles For Sale" chegou nas lojas em dezembro de 1964, tal como a EMI tanto queria. Desnecessário dizer que foi outro pico de sucesso dos Beatles. Os rostos na capa mostravam quatro jovens com semblantes cansados. Não é para menos, as turnês sem fim tinham finalmente cobrado seu preço. O disco também não tem mais aquele pique todo que sempre caracterizou os primeiros trabalhos da banda. De qualquer modo é um disco dos Beatles em sua fase ié, ié, ié de excelente nível. Eles estavam deixando esse estilo em breve, mas o álbum em si ainda tinha grande qualidade artística. Definitivamente se há uma conclusão de tudo isso é a de que eles poderiam ser tudo, menos "losers" (perdedores) como pregava Lennon em sua imortal canção.

Beatles For Sale (1964)
No Reply
I'm a Loser
Baby's in Black
Rock and Roll Music
I'll Follow the Sun  
Mr. Moonlight  
Kansas City/Hey-Hey-Hey-Hey!
Eight Days a Week
Words of Love
Honey Don't
Every Little Thing
I Don't Want to Spoil the Party
What You're Doing
Everybody's Trying to Be My Baby 

Pablo Aluísio.

The Beatles - A Hard Day's Night

Terceiro disco dos Beatles, a trilha sonora de A Hard Day´s Night chama a atenção por algumas de suas características mais marcantes. É incrível mas todas as músicas do álbum são de autoria de John Lennon e Paul McCartney. As pessoas não param para pensar sobre isso mas o fato é que na época eles eram pouco mais do que garotos, bastante jovens e inexperientes em projetos desse porte. Era uma trilha para um filme de um grande estúdio de Hollywood e mesmo assim os rapazes não se intimidaram. Eram realmente gênios musicais. Se formos analisar bem esse é o trabalho mais marcante da primeira fase da carreira dos Beatles. O pavoroso título nacional (Os Reis do Ié, Ié, Ié) de certa forma mostrava uma realidade dentro da musicalidade do grupo nesse momento de sua carreira.

Todas as faixas, sem exceção, são recheadas de letras sentimentais do amor adolescente perdido. Lennon anos depois faria sátira sobre isso mas o fato é que em essência foi cantando e compondo esse tipo de canção que o quarteto conquistou as paradas de sucesso do mundo. Em termos de arranjo o grupo mostrava seu lado mais influenciado por Bob Dylan e pelo folk americano. Unindo essas influências eles acabaram criando um som único, sem paralelos com a música popular da década de 60. Hoje soa pueril? A intenção deles era essa mesmo. Como bem resumiu Lennon os Beatles de certa forma se comportaram como um verdadeiro cavalo de Tróia. Inicialmente cantando sobre o amor inocente dos jovens da época, os Beatles conquistaram as paradas. Depois disso começaram a cantar sobre drogas e sexo. Dentro da seleção musical do disco os Beatles selecionaram sete das canções que eles consideravam as melhores para cantar no filme. As demais seriam usadas para preencher o lado B dos antigos vinis. É curioso que apesar das canções mais famosas e conhecidas estarem no lado A – como é natural – o outro lado do álbum também era recheada de belas canções, em especial "Any Time at All"  e "I'll Be Back"  que Lennon particularmente não gostava muito mas  que ainda hoje se sobressai pela pegada mais roqueira.

Entre as faixas mais conhecidas, que foram talhadas mesmo para estourar nas rádios, o destaque vai para a bela balada "And I Love Her", uma canção que já demonstra o grande talento de Paul McCartney para escrever inspiradas músicas de amor com arranjos ternos e delicados. A música foi feita por Paul para sua namorada na época, Jane Asher. Esse foi um dos casos mais sérios e compromissados que Paul se envolveu em sua vida. Os demais membros do grupo pensavam que ele se casaria com certeza com Jane nos anos que viriam mas infelizmente a união não foi em frente. Pelo menos deixou belas músicas como essa pelo caminho. Nada como uma grande paixão para compor grandes declarações de amor em forma de música. Outra canção da seleção que se destaca por seu lirismo romântico é "If I Fell" mostrando que Lennon não era apenas o Teddy Boy do grupo e que poderia facilmente liderar vocalmente uma bela balada sem problemas.

Anos depois, principalmente na década de 70, John iria fazer pouco caso de gravações como essa, querendo passar uma imagem de roqueiro durão mas não enganou ninguém. Esse disco foi escrito face a face entre ele e Paul e Lennon era tão romântico quanto o colega no que diz respeito a letras como essa. Seu cinismo característico talvez se sobressaía mais em faixas como “Can´t Buy Me Love” mas a canção mostrava que Lennon era excelente baladeiro (algo que iria se aproveitar e muito em sua discografia solo). Assim “A Hard Day´s Night” surge hoje em dia como exemplo típico do som que os Beatles desenvolveram em sua primeira fase. Letras românticas, pueris, arranjos tendendo para o folk americano, com uso inclusive de instrumentos tradicionais como gaita e um nítido sabor de namoro adolescente. Afinal os Beatles por essa época eram em essência um grupo amado pelos adolescentes da década de 1960 e sua música refletia isso. Só depois, dentro de alguns anos, é que eles chutariam o balde entrando de cabeça no movimento psicodélico mais porra louca dos 60´s. Mas isso é uma outra história que falaremos depois por aqui. Até lá.

The Beatles - A Hard Day's Night (1964)
A Hard Day's Night
I Should Have Known Better
If I Fell
I'm Happy Just to Dance with You
And I Love Her
Tell Me Why
Can't Buy Me Love
Any Time at All
I'll Cry Instead
Things We Said Today
When I Get Home
You Can't Do That
I'll Be Back

Pablo Aluísio.