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segunda-feira, 9 de março de 2009

Elvis Presley - Unchained Melody

Elvis Presley estava tão deteriorado em 1977 como lemos em algumas biografias? Essa é uma pergunta chave e começo meu texto justamente com ela. Hoje os registros de Elvis nesse fatídico ano estão à disposição de todos. Praticamente cada show do cantor está devidamente documentado em áudio, seja em gravações realizadas por seus próprios fãs, seja por espertos engenheiros de som que não deixaram passar a oportunidade de registrar os concertos do cantor, além é claro de todas as gravações ao vivo feitas pela própria RCA Victor na época. Ao ouvir todo esse grande acervo musical, que teve a grandeza de plastificar para a eternidade o trabalho desenvolvido por Elvis em seus anos finais, chego a conclusão que, no que diz respeito a aspectos puramente profissionais, existe muito exagero nas descrições de um Elvis mal se contendo em pé, praticamente se arrastando pelos palcos pelo qual passou em seu ano final. Não é bem por aí. Embora realmente existam concertos em que Elvis aparenta estar cansado ou até mesmo fora de ritmo, temos que reconhecer que, em grande parte do tempo ele se mostrava tão profissional quanto possível e procurava dar sempre o melhor de si, mesmo sob condições adversas de saúde. Muitos não levam em conta, por exemplo, a inacreditável maratona de apresentações a que ele submeteu, sendo claro que qualquer pessoa sentiria ou deixaria transparecer durante os shows certo cansaço e por que não exaustão! Então é isso, simplificações sempre devem ser evitadas. Diante das condições que sofria posso até mesmo afirmar que Elvis estava muito bem. Claro, havia toda a série de problemas que tão bem conhecemos, mas pense um pouco: Quantos profissionais conseguiriam manter sua capacidade de trabalho com tantos problemas de saúde e pessoais como os que Elvis vinha enfrentando? Certamente muito poucos. Por essa razão eu convido todos a ouvir com atenção esses últimos registros. Que tal tirarmos nossas próprias conclusões? Convite aceito, vamos ao CD, mais um belo lançamento do selo FTD.

O ano de 1977 começou para Elvis com compromissos em estúdio. Felton Jarvis planejava levar Elvis de volta à Nashville para novas gravações. O grupo foi reunido, o estúdio ficou pronto para as sessões mas Elvis nunca apareceu. Isso desapontou muito seu produtor pois ele estava convencido que gravar em Graceland era sempre uma má ideia. Além de não ser adequado e não contar com as condições técnicas necessárias o fato de se gravar canções em casa soava amador demais em sua visão. Gravar em Graceland era tão precário que bem no meio da música a gravação poderia ser arruinada pelo toque do telefone ou pelos latidos do cachorro como bem podemos ouvir no FTD "The Jungle Room Sessions". Felton Jarvis tinha plena razão, levar Elvis ao estúdio de Nashville era não só necessário como imperativo antes de se lançar um novo álbum. Para Jarvis as gravações de Graceland tinham de ser mescladas com gravações realmente profissionais feitas nos estúdios adequados daquela cidade. Porém, infelizmente, o tão sonhado álbum "profissional" idealizado por Felton Jarvis ficou apenas no projeto. Apesar de ter concordado com a RCA em ir gravar na cidade de Nashville logo após seu aniversário e ter garantido a Felton que estaria no estúdio para gravar novas canções, Elvis simplesmente não apareceu para cumprir suas promessas. Provavelmente Elvis não apareceu por estar realmente exausto. Em 1976 ele cumpriu uma maratona de shows impressionante. Apesar de realizar uma temporada apenas mediana em Las Vegas no final daquele ano o cantor não entrou férias durante as festas de fim de ano. Novamente se apresentou durante o réveillon e praticamente passou o dia de ano novo dentro de seu avião cruzando os céus dos EUA. Isso vem para reforçar ainda mais o que escrevi antes: o excesso de compromissos, um atrás do outro, debilitaria qualquer artista, tenha ele ou não problemas de saúde como os que Elvis vinha enfrentando em 1977. De qualquer forma as sessões foram canceladas por tempo indeterminado e Elvis saiu em turnê.

A grande maioria das canções desse CD foi gravada justamente em Charlotte na Carolina do Norte durante essa sua primeira turnê em 1977. Essa é uma típica cidade do interior dos EUA, sendo considerada naqueles anos de médio porte. Elvis assim pelo menos estaria um pouco fora da rota das pequeninas cidadezinhas no qual colocou seus sapatos de camurça azul durante os anos 70. Isso por si só já era um avanço. Aliás essa turnê, a primeira que Elvis realizou em 1977, foi bastante interessante. Apesar de ter sido um curto compromisso Elvis fez boas apresentações. Nessa cidade Elvis fez dois concertos, os últimos da turnê, com uma plateia estimada em 12.000 pessoas. Esse dado por si só já é bastante curioso. Isso porque essa foi uma turnê de altos e baixos em termos de bilheteria. Em Columbia, só para termos uma idéia, Elvis levou mais de 20 mil pessoas ao seu show. Em compensação em West Palm Beach Elvis levou apenas 5 mil pessoas ao seu concerto, sem dúvida um número nada razoável para Elvis fora de Las Vegas! [1]. Claro que temos inclusive de levar em consideração a estrutura física dos próprios locais onde os shows foram realizados, mas de qualquer forma não deixa de ser uma montanha russa em termos de vendas de ingressos. Numa noite Elvis levantava uma ótima bilheteria para já no dia seguinte receber uma plateia bem mais modesta. De qualquer forma seus dois últimos shows em Charlotte foram bem recompensadores nesse aspecto. Pois foi aqui que a maioria das canções desse CD foram gravadas há mais de trinta anos. As demais músicas que foram inseridas por Ernst, por sua vez, já era bem conhecidas dos fãs e colecionadores. O show em Charlotte do dia 21 de fevereiro, por exemplo, já tinha sido lançado antes no conhecido bootleg "Moody Blue & Other Great Perfomances".

Outro CD, "Cajun Tornado" do selo Madison, também já tinha trazido à tona algumas canções dessa mesma apresentação [2]. Enfim, podemos perceber claramente que essa "coletânea" de gravações ao vivo do selo FTD nem é assim uma grande novidade, mesmo trazendo grande parte do show do dia anterior nessa mesma cidade. A falta de novidades também fica bem nítida ao compararmos os dois concertos. As duas apresentações são extremamente semelhantes e carecem de grande diferença. Apesar de tudo isso, não podemos deixar de levar em consideração que lançamentos ao vivo com Elvis Presley nunca são em demasia, ainda mais para quem é fã de longa data. Devo confessar que sempre gostei muito dos CDs gravados em shows realizados por Elvis no ano de 1977. Deles, Spring Tours do selo FTD ainda é o melhor na minha opinião. Melhor até do que a trilha sonora do especial Elvis in Concert [3]. Por essa razão é um grande prazer tecer diversos comentários sobre mais um lançamento do selo FTD enfocando o trabalho de Elvis nos palcos durante seu último ano de vida. A primeira constatação é que, assim como sua vida pessoal, o concerto é uma montanha russa com altos e baixos e vamos percebendo isso com clareza durante toda a audição. Logo na primeira canção já temos uma pequena ideia do que estar por vir. O CD infelizmente começa com Love Me. Por que infelizmente? Simples. Essa é uma das mais fracas versões de Love Me que já ouvi. Elvis parece estar sem fôlego, cansado, desinteressado. Em certos momentos o cantor parece mesmo com preguiça de cantar os versos (realmente alguns passam em branco mesmo, com Elvis perdendo a deixa para sua parte!). O grupo vocal se esforça, tenta cobrir os buracos, mas não há como disfarçar. Ao ouvir essa primeira música ficamos com a impressão que o resto do concerto vai ser um desastre. Afinal se Elvis está tão mal assim no comecinho do show imagine o resto! Ainda bem que o concerto de Charlotte, onde as primeiras quatorze faixas desse CD foram gravadas, ainda tem muito a oferecer.

As coisas começam a melhorar exatamente na faixa a seguir. Fairytale é um country agradável, simples porém bastante interessante para Elvis, principalmente quando ele saía em turnê por pequenas cidades do Sul. Claro que em nenhuma hipótese seu público iria esquecer que estava diante de um grande pioneiro do Rock, porém quanto mais concessões fossem feitas para os sulistas, melhor. Esse aliás é um ponto pouco entendido por pessoas que escrevem sobre os anos finais de Elvis. Muito já foi escrito sobre o fato do cantor ter virado as costas para o ritmo que o consagrou mundialmente. É uma simplificação. Temos que ter em mente o contexto histórico de um intérprete sulista cantando para um público também sulista. Como ignorar Nashville e toda sua tradição country ainda mais quando a cidade foi tão marcante para Elvis em estúdio? Simplesmente impossível. Todos que afirmam que Elvis virou um cantor chato e country no fundo apenas desconhecem toda sua carreira. É fato que Elvis cantou canções da terra em todos os períodos de seu estrelado, até mesmo na sua fase mais rocker. De fato, a próxima canção apresentada por Elvis, You Gave Me A Mountain, de certa forma serviria muito mais de munição para os críticos do cantor. Afinal, onde já se viu um artista denominado "Rei do Rock" apresentar tamanho dramalhão? A canção, para muitos, é considerada extremamente dissonante do legado artístico do astro. Outra simplificação boba. Certamente ela realmente possui uma estrutura rítmica que evoca grandiosidade excessiva de arranjo (principalmente metais) para se impor e causar impacto! Clichê? Pode ser, porém seu grande mérito é sem dúvida o fato de proporcionar belíssimas oportunidades para que Elvis soltasse o vozeirão! "Mountain" é uma música barroca, vamos dizer assim. É excessiva, descabelada, despudorada, porém nunca irrelevante. Aqui temos uma bela versão do cantor, não há dúvidas. Bem executada com Elvis apresentando uma seriedade cada vez menos presente em seus últimos momentos.

E para os eternos "órfãos" dos anos 50, Jailhouse Rock vem logo a seguir. Interessante que "Jailhouse" acabou sendo muito presente no último ano de vida de Elvis. Certamente essas versões apresentadas por Elvis pouco, ou nada, tinham da mitológica gravação dos anos 50. Aliás Elvis demonstrava duas coisas quando apresentava Jailhouse Rock em seus últimos concertos. Primeiro que o pique e a forma original de interpretá-la tinham realmente ficado para sempre em um passado distante, para ser mais exato em 1957. Essa canção, que sempre foi considerada um dos maiores registros de Elvis em estúdio durante os mais gloriosos anos de sua carreira, acabou virando, infelizmente, apenas uma pálida lembrança nos palcos durante os anos 70. A segunda constatação a que chegamos é que esse novo arranjo, típico da última década da carreira de Elvis, de certa forma estragava seu ritmo e arranjo originais a deixando desfigurada. E por falar em estragar antigos clássicos, nada era mais equivocado do que a introdução inicial de Sherril Nielsen em O Sole Mio / It's Now Or Never. Interessante é o fato de saber que Elvis adorava a vocalização de seu cantor de apoio. Aliás o Voice, grupo exclusivamente vocal formado por músicos que estavam desempregados naquela época foi pensado, formado e arranjado inteiramente por Elvis. Então se alguém é culpado aqui é o próprio Rei do Rock. No tocante a interpretação de Elvis temos que constatar que ele aqui está mais desinteressado e entediado do que o habitual. Perceba como Elvis pouco se importa em disponibilizar uma boa interpretação, muito pelo contrário. Elvis perde a deixa várias vezes, resmunga alguns versos e solta risadinhas durante toda a execução, não se sabendo se ele está rindo de alguma piada ou da própria música em si. Esse tipo de comportamento, inofensivo de uma forma geral, acabava dando farta munição para seus críticos. Não era outro o argumento daqueles que atacavam Elvis em seus últimos anos ou que o chamavam de "uma paródia de si mesmo"! Para esses articulistas a atitude de Elvis em não levar alguns de seus antigos grandes sucessos como "It's Now Or Never" a sério, só servia mesmo para confirmar a tão falada "decadência" do cantor. Não chegaremos a tanto.

Na verdade Elvis, muitas vezes, nem mesmo se levava a sério. Era mais um aspecto de sua personalidade, tanto nos estúdios como no palco. Definitivamente era mais uma postura do que um sintoma de que algo estava seriamente errado com ele. De qualquer forma temos que reconhecer que essa é realmente uma versão muito fraca, tanto do ponto de vista do grupo Voice como de Elvis, sendo que o arranjo também nada acrescenta, haja vista o já tão reconhecido exagero por parte dos metais, o que levou um jornalista da época a perguntar de forma irônica em seu artigo se "as cornetas no show de Elvis estavam lá apenas para estourar nossos tímpanos ou exerciam alguma outra função?" Apesar da ironia não deixa de ser uma pequena verdade. Little Sister demonstra um Elvis à vontade no palco. Brincando e interagindo com a plateia ele até que disponibiliza uma boa versão da canção, praticamente completa e bem executada. Apesar de brincar muito antes de começar a cantar Elvis até que se segura e a canta bem. Aliás fazendo uma rápida comparação com duas outras versões bem conhecidas dos fãs chegamos facilmente a conclusão que essa realmente é uma das melhores. No álbum Elvis in Concert, por exemplo, temos uma versão gravada em Omaha no show do dia 19 bem mais inferior, pesada (no sentido de ser arrastada), sem fluidez e que dura pouco tempo. Aqui nem o som consegue soar melhor.[4] A outra versão bem conhecida é a do FTD Spring Tours 77. Embora seja melhor do que a do disco In Concert, essa versão peca por ter pouco pique, pouca garra. Enfim, a Little Sister desse álbum se mantém bem acima da média. Teddy Bear / Don't Be Cruel vem logo após para confirmar a saturação de seus antigos clássicos executados durante os anos 70. Embora as melodias fossem imortais e mantivessem o velho brilho o cantor nem sempre se esforçava. Elvis parece disperso, distraído, pouquíssimo envolvido. Em certos trechos novamente notamos toda sua má vontade: excesso de risinhos, trechos passando em branco, vocalistas de apoio tentando dar conta do recado e Elvis totalmente desinteressado. Nem os acordes mais do que clássicos de "Don't Be Cruel" conseguem animar o cantor. Como um fã incondicional dos anos 50 realmente fico muito chateado com o suposto desprezo que Elvis dispensava para todas essas canções que um dia mudaram o mundo e o transformaram no mito que ele foi.

Sinceramente acredito que se Elvis não estava mais no velho espírito roqueiro que as dispensasse de uma vez e se concentrasse mais em canções como My Way, que vem logo a seguir. Aqui temos uma bela versão, corretamente interpretada. De todas as canções essa talvez fosse a mais sintomática do que Elvis vinha passando em sua vida pessoal. O recado estava dado, Elvis certamente se identificou com o teor e conteúdo da letra, trazendo em sua interpretação certamente uma forte dose de verdade sobre o que pensava, sonhava e sentia o antigo ídolo de uma geração, agora prestes a enfrentar seu destino de uma vez por todas. Depois de seu final apoteótico caímos na faixa denominada Moody Blue (intro only). Sinceramente não entendo certas atitudes de Ernst, por exemplo. Já que o concerto não está completo por que afinal de contas apresentar um trecho como esse, que nada acrescenta e só depõe contra Elvis e seu estado? Aqui temos o cantor perdido, sem saber a letra de sua nova canção, levemente constrangido, insinuando uma piadinha atrás da outra para disfarçar o fato de não conseguir executar uma canção como Moody Blue. Enfim, totalmente desnecessária. Quer um conselho? passe adiante, direto para a faixa seguinte. Agindo assim não estarás perdendo absolutamente nada. How Great Thou Art e Hurt, as duas canções que vem logo a seguir, nos chama a atenção para um vício muito comum em certos intérpretes. É aquilo que denomino "Overact", um estrangeirismo que significa interpretar com extremo exagero, com a única finalidade de se causar impacto em quem ouve a música. Um leigo diria que seria o ato de um cantor "gritar" para impressionar a plateia ao invés de "cantar" com sentimento verdadeiro. Isso é muito comum hoje em dia, principalmente na nova geração de cantoras que estão por aí. É um vício muito comum, que só "impressiona os impressionáveis" como diria um grande amigo que tenho. Pois Elvis também peca em certos registros que ouvimos. De suas canções essas duas eram as que mais sofriam desse tipo de problema. Principalmente no final da vida percebemos que Elvis muitas vezes exagerava, estourando as caixas de som. Aqui até que temos uma certa moderação por parte do cantor, coisa que certamente não acontece quando ouvimos certos bootlegs em que Elvis realmente perde o tom certo.

Hurt está contida e bela, com Elvis dispensando risinhos na parte falada (o que já é um ponto positivo) e levando a canção até um final razoável com direito a um pequeno bis do verso final (com leve "overact", é bom frisar). Já How Great Thou Art sofre nesse aspecto um pouco mais. Até hoje não consegui achar uma versão melhor do que a que está no álbum oficial gravado ao vivo em Memphis em 1974. Algumas outras versões são ruins, outras exageradas, sendo que o tom certo, exato e líquido, foi realmente encontrado naquele disco (não me causa surpresa o prêmio Grammy por interpretação tão inspirada). Já essa versão que está presente nesse CD fica na média, nem medíocre e nem muito menos brilhante. Posso até mesmo afirmar que apesar do "grito" dado por Elvis na evocação divina ele claramente se poupa e se posiciona na defensiva, poupando a voz. Estaria a plateia bem mais apática do que costume aqui nessa apresentação? Complicado chegar a uma conclusão pois bem sabemos que o melhor tipo de CD para se saber com exatidão como estava o estado mercurial de um público são justamente aqueles gravados no meio do público (os já citados "audiences"). A próxima música apresentada, Hound Dog, é medíocre. Ponto final. Poderia exclamar ou desenvolver o tema, porém como avaliar uma interpretação tão preguiçosa e sem envolvimento como essa? O único mérito parte de seu grupo, visivelmente encobrindo as falhas de Elvis em sua descuidada performance. Felizmente Elvis se reabilita com Unchained Melody logo em seguida. Como sempre uma bela versão, mesmo que Elvis a interrompa de forma desnecessária. De qualquer forma ele recomeça sua famosa virtuose ao piano! Virtuose?! Será mesmo?! Temos que levar essa expressão em seus devidos termos. É certo que Elvis não era um grande instrumentista. Tocava violão e guitarra apenas razoavelmente, chegou a estudar baixo elétrico durante os anos sessenta e ao piano conseguia tirar algumas notas.

Não era um músico que dominava a técnica em graus elevados, era um instrumentista apenas amador para dizer a verdade. Em "Unchained" temos uma boa amostra de Elvis ao piano. Notas simples, com trechos repetitivos, nada muito espantoso. Se há um grande mérito nessas versões dessa canção ele se resume ao fato de Elvis realmente tentar apresentar algo de novo, algo inovador (mesmo que a música em si não fosse inovadora, haja vista ter sido lançada anos antes!). Certamente me refiro mais ao fato de Elvis quebrar um pouco a estrutura de seus concertos pois só o fato de se sentar para tocar piano já era uma grande novidade para quem acompanhava suas performances. Can't Help Falling In Love vem, como sempre, para encerrar a parte do CD que traz o concerto de Elvis Presley em Charlotte. Essa que talvez tenha sido uma das poucas reminiscências dos trágicos anos em Hollywood aparece em uma versão que pode ser qualificada de mediana para medíocre. Apesar de muitos alegarem problemas técnicos a verdade parece ser simplesmente o fato de ouvirmos um Elvis exausto e totalmente sem fôlego para sequer acompanhar seu grupo. A maior parte da canção traz um Elvis sufocado e ausente, sendo que dessa vez temos nitidamente um cantor fora de ritmo, enquadramento e sintonia. O grupo vocal tenta tapar os buracos, mas não há como encobrir o sol com uma peneira. Elvis parece que desperta no meio da música para novamente desaparecer depois. Um dos mais fracos momentos do artista que já ouvi em minha vida. Um triste epílogo para esse show, que quero frisar não é ruim, mas sim rotineiro. Fica na média do que Elvis vinha apresentando naquela turnê.

(Bonus Tracks - Other Shows on the Tour): Depois das versões do show em Charlotte chegamos finalmente nas versões pinceladas por Ernst para completar o CD. Aqui ele resgata canções de Elvis em outros concertos, todas já lançadas anteriormente em diversos bootlegs. Sem grandes novidades essa "salada" fica como um tira gosto para que o freguês corra atrás do restante do material em sua íntegra, pois como todos sabemos a "ocasião faz o colecionador". Também cumpre o papel de "oficializar" o que já estava por aí há anos nas mãos dos colecionadores conceituados. Para os marinheiros de primeira viagem certamente são pequenas pérolas perdidas que vão despertar grande emoção. Veja o caso de Moody Blue. Não é todo dia que o fã comum tem oportunidade de ouvir uma versão ao vivo dessa música. Gravada também em Charlotte, mas no show do dia 21 de fevereiro, ela já tinha sido lançada antes no CD "Moody Blue & Other Great Perfomances". Aqui, como se trata de uma nova música, Elvis pede desculpas e utiliza da letra no palco para não errar. Bom, não pega bem, mas como o que nos interessa mesmo é ouvir a gravação em si, isso realmente não tem a menor importância. Elvis se empenha e apresenta uma boa versão, sem grandes erros (exceto uma pequena falha na terça parte final da música!). Mas, mesmo errando com a letra em mãos (como pode acontecer uma coisa dessas?) Elvis consegue levar bem até seu final. É uma novidade dentro do cansado repertório e por isso leva todos os méritos, independente de falhas de execução e letra. Enfim desconsideremos tudo, mesmo que ela seja tocada um pouco fora de sua velocidade normal, isso também não importa, pois o que vale aqui é ouvir Moody Blue ao vivo e só. Blueberry Hill e Love Letters foram gravadas no mesmo concerto realizado em St. Petersburg (uma cidadezinha nos EUA e não a famosa cidade russa). A curiosidade sobre a primeira é o fato de Elvis tocar algumas notas ao piano de sua introdução. Detalhe: já tínhamos ouvido algo nesse estilo no CD "Electrifying" do selo Bilko em 1997 [5].

A segunda canção, Love Letters, foi umas das raras músicas gravadas duas vezes por Elvis em estúdio durante sua carreira. Definitivamente a primeira versão, dos anos 60, ainda é a melhor na minha visão. Mesmo que não tenha tanta fluidez, a melodia e a interpretação de Elvis nesse primeiro registro nunca foi superada depois. A versão dos anos 70, apesar de ter dado título a um disco de inéditas de Elvis, não consegue trazer maiores inovações ao da primeira versão. É apenas uma releitura tardia (e para muitos inútil) de uma música que já tinha encontrado a versão definitiva na voz de Presley. Nesse registro ao vivo Elvis promove estranhas entonações, que apesar de curiosas, não contribuem para enriquecê-la de qualquer forma. Não resta dúvidas que podemos encontrar outros registros de palco bem melhores do que esse. Nessa altura todos sabemos do apreço de Elvis por canções religiosas. Where No One Stands Alone aparece aqui em rara versão ao vivo apenas para confirmar esse fato. A canção surgiu na discografia de Elvis no disco How Great Thou Art em 1967. Esse trabalho sacro foi extremamente importante para Elvis por causa do contexto histórico em que foi lançado. Naquele ano Elvis vinha de um longo declínio artístico, em baixa, com todos os críticos questionando sua verdadeira relevância musical. Os filmes e suas trilhas sonoras tinham, sem dúvida, aberto uma fenda no prestígio de Elvis como artista. How Great Thou Art foi um oásis de qualidade em um período de deserto criativo dos projetos que Elvis vinha apresentando ao seu público. Com ele Elvis ganharia o Grammy, prêmio pelo qual já havia sido indicado muitas vezes, sem obter vitórias, porém. A canção "Where No One Stands Alone", na verdade uma releitura da original de Mosie Lister, de certa forma não se destacou tanto assim dentro do conjunto desse trabalho, porém parece que fincou raízes profundas no espírito religioso de Elvis. Algumas peculiaridades chamam nossa atenção na versão de 1967. A primeira é a qualidade dos arranjos, com destaque para uma bonita dobradinha "piano e órgão".

Além disso Elvis exibe um belo vocal, extremamente concentrado e entrosado com os vocalistas de apoio. Dez anos depois Elvis a relembrou, meio que por acaso, durante sua apresentação na cidade de Montgomery, nesse mesmo mês de fevereiro de 1977. Elvis avisa que "nunca apresentou essa música no palco antes em sua vida". Após falar algumas palavras sobre as canções gospel e apresentar os vocalistas J.D. Sunmer e Nielsen do Voice, Elvis inicia sua versão ao vivo. Infelizmente não temos aqui uma versão tecnicamente isenta de falhas. O registro apresenta a marca dos tempos. No quesito puramente de talento Elvis se supera. Percebemos nitidamente como Elvis está envolvido, a cantando de forma envolvente e carismática, mesmo que demonstrando, em certos trechos, uma pequena, mas perceptível, perda de fôlego. Infelizmente essa versão ao vivo não tem também a preciosa qualidade de arranjo do disco original de 1967, como por exemplo a ausência do órgão típico desse tipo de canção, sendo substituído apenas pelo piano. Mas isso não lhe tira seus inegáveis méritos musicais. Acredito inclusive que o CD deveria levar como título o nome dessa canção e não Unchained Melody, que era bem mais comum nos concertos durante essa fase. Aqui temos sem dúvida o melhor momento do CD, não só pela boa e bela interpretação de Presley como também pela raridade envolvida em se ouvir o cantor a apresentando em seu ano final. Release Me e Trying To Get To You foram gravadas em Columbia no dia 18 de fevereiro de 1977. Após mais um piadinha Elvis dá a deixa para o grupo, que meio desencontrado é certo, dá início a uma versão lenta demais e para falar a verdade muito preguiçosa e desanimada. Dessa vez a culpa talvez nem seja do cantor mas sim de seu grupo de apoio que está letárgico. Tente ouvi-la e depois compará-la com a versão do "On Stage - February 1970". A diferença é abissal, algo como comparar um arranjo cheio de energia e vitalidade com um momento de sonolência lírica. Bem abaixo da média, apesar de Elvis não errar a letra e não soltar nenhuma brincadeira em sua execução. Já Trying To Get To You está na média. Nem muito inspirada e nem muito menos medíocre. Apesar de ser uma canção dos anos 50 Elvis pelo menos demonstrava certo respeito quando a cantava ao vivo, coisa que quase nunca acontecia com seus rocks clássicos, por exemplo.

Depois delas retornamos novamente ao concerto de Charlotte realizado no dia 21 para encerrar o CD com duas canções retiradas dessa mesma apresentação. A primeira delas, Reconsider Baby, nos chega em uma versão que já é bem conhecida, certamente. Considero esse blues, quando bem tocado e cantado, à prova de falhas. Aqui por exemplo temos um dos pontos altos desse CD. Se em Release Me temos um desempenho medíocre da banda de Elvis aqui temos um show do guitarrista James Burton que nos proporciona um excelente solo de seu instrumento, substituindo à altura o sax de Boots Randolph da versão original. Se tenho uma crítica a lhe fazer é o fato da música ter uma duração pequena, porém isso não importa no saldo final, pois a performance de Elvis fica aqui bem próximo de seus melhores momentos nos palcos durante 77. Após um blues visceral como Reconsider somos levados para o lado mais sacro da veia musical de Elvis Presley. Se em Where No One Stands Alone Elvis está visivelmente envolvido e concentrado, em Why Me Lord, a terceira versão gospel do CD, Elvis está mais disposto a brincar com J.D. Sunmer do que a cantar de forma extremamente profissional. As brincadeiras em Why Me Lord já vinham de longa data. Quase sempre Elvis aproveitava para se divertir um pouco. Aqui, apesar de se conter um pouco mais, Elvis a interrompe apenas para começar com suas conhecidas brincadeirinhas, fazendo uma vozinha fina, muito engraçada. J.D. não se contém e começa a rir. Quando pensamos que a versão está perdida Elvis a reconduz para um final precioso - o que só vem a demonstrar que mesmo nos momentos em que exibia seu ótimo bom humor Elvis podia passar sentimentos reais de fervor religioso. Até porque sua fé nunca foi motivo de controvérsia entre os autores.

Conclusão: Estamos na presença de mais uma coletânea de canções ao vivo. Assim como ocorreu em outros títulos (como por exemplo, Southern Nights) Ernst segue o mesmo esquema básico: grande parte de um show em particular, acrescidas de canções interessantes retiradas de outros concertos. O mais curioso é notar que, por simples raciocínio lógico, chegamos facilmente à conclusão de que temos material bastante farto desse período, até porque foram necessários pelo menos outros quatro soundboards para completá-lo. Assim cai por terra as afirmações que tudo o que havia de inédito sobre Elvis já foi lançado ou está prestes a chegar ao fim. Quem já ouviu obscuras versões de registros inéditos sabe do que estou falando. Mesmo que em sua estrutura Ersnt esteja chegando a um modelo básico notamos que novidades serão pinceladas gradualmente. De certa forma Unchained Melody segue o roteiro de outros lançamentos como já citei. Assim como Huntsville foi o tronco básico pelo qual foi erguido "Southern Nights" aqui temos a mesma função sendo exercida pelo concerto de Elvis em Charlotte no dia 20 de fevereiro de 1977. É um bom lançamento, indispensável para quem aprecia os anos 70 e o trabalho desenvolvido por Elvis nos palcos durante essa fase de sua carreira. Quanto mais registros tivermos acesso maior será nossa percepção do que realmente estava ocorrendo com o cantor, tanto do ponto de vista profissional quanto pessoal - até porque em se tratando de Elvis Presley estas duas vias convergiam sempre para o mesmo lugar. Agindo assim, sem a necessidade de sermos levados pelas opiniões de terceiros, como biógrafos e autores, formaremos nossas próprias convicções, o que sem dúvida é o fator mais relevante nesse tipo de experiência.

Notas:
[1] Esse show de Elvis pode ser ouvido no ótimo bootleg "Coming On Strong".
[2] O CD "Cajun Tornado" trazia Reconsider Baby, Moody Blue, Release Me e Can't Help Falling In Love, todas gravadas no dia 21 em Charlotte.
[3] Gravado respectivamente em Rapid City e Omaha para a CBS.
[4] Recomendo os bootlegs "Candid Elvis on Camera" e "Softly As I Leave You" com os shows na íntegra de Omaha.
[5] CD que traz vários ensaios e partes de shows de Elvis realizados em 1970.

Pablo Aluísio.

Um comentário:

  1. Avaliação:
    Produção: ★★★
    Arranjos: ★★★
    Letras: ★★★
    Direção de Arte: ★★★
    Cotação Geral: ★★★
    Nota Geral: 7.9

    Cotações:
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