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sábado, 12 de dezembro de 2009

O Lobo da Escócia - Parte 2

A Universidade de Medicina
Mark retornou para a universidade pela segunda de manhã. Era a volta à velha rotina estudantil. De fato o curso de medicina era extremamente puxado, um choque de realidades envolvendo a esbórnia dos fins de semana e as aulas intermináveis da semana. Para aliviar um pouco o stress de passar o dia correndo pelos corredores, indo de uma sala de aula a outra ele se reunia com seus amigos na parte da noite na área externa do campus. Ali eles bebiam um pouco, conversavam sobre o mundo, recitavam poesias. Gostavam de se ver como um clube de literatura. Membros da fina flor intelectual escocesa, era natural que levassem aquele estilo de vida dândi. Todos adoravam Lord Byton e conversavam sobre sua história pessoal fora dos padrões. Era o ídolo dos jovens da época. 

Ao lado de Mark estavam sempre seus bons amigos, John Robinson e William Clark. Todos jovens como ele, ali na faixa dos vinte e poucos anos. Tinham a vida toda pela frente. Robbie e Bill (seus apelidos dentro do grupo de amigos) sempre ficavam intrigados e interessados nos relatos de Mark. O que ele teria aprontado no fim de semana? Nesse dia em particular Mark tinha mesmo muito o que contar. Ele havia conhecido o velho tio da garçonete pela qual ele era apaixonado. Um senhor que trabalhava como... o coveiro da cidade! Estranho, muito estranho.

Porém a ideia ali era mesmo relaxar, contar algumas piadas, ouvir histórias bizarras, tudo para passar o tempo. Mark lhes contou que o velho havia flagrado pessoas andando pelo cemitério na madrugada, fazendo rituais de velhas seitas pagãs. Robbie, assim como havia ficado Mark, simplesmente não acreditou que ainda havia paganismo na Escócia! Era surreal. Aliás, eles como estudantes de medicina, estavam obviamente mergulhados em pura ciência. Sentimentos religiosos eram encarados como crendices populares, uma herança distante de um tempo que para esses jovens que se sentiam imortais não trazia mais nenhum sentido. Talvez apenas uma curiosidade sociológica. Nada mais do que isso.

Robbie provocou. Quem sabe eles não poderiam por pura farra ir para o cemitério à noite para ver com os próprios olhos esses "medievais". Seria divertido, engraçado, bizarro, tudo ao mesmo tempo. Além disso, ia trazer uma anedota para que eles pudessem contar pelo resto de suas vidas. A ideia empolgou os dois amigos, mas Mark ficou com um pé atrás. Afinal o velho coveiro era o tio da garota pelo qual ele estava caidinho. Valia a pena se queimar assim? Só pela farra de seus colegas de universidade? Era muito arriscado, mas nessa idade quem pensa com seriedade? É um jogo divertido de cartas meu caro.

A semana transcorreu sem maiores problemas. Havia muitas aulas e naquele semestre em particular Mark estava prestando praticamente todas as matérias sobre anatomia. O corpo humano o fascinava. Ele tinha aquela máquina da natureza como um conjunto perfeito o que em sua opinião exigia a presença de um criador. Anos antes do advento da inteligência de design, Mark já ficava pensativo sobre tudo o que aprendia. Desde a menor célula, até o mais bem organizado e complexo membro ou órgão, tudo tinha sua função. Não havia espaço para o inútil dentro do nosso corpo. Era fabuloso. Para Mark havia uma inteligência por trás de tudo aquilo. Não poderia ser mero acaso, definitivamente não haveria como!

Durante a semana Mark se comportava como um estudante de medicina exemplar. Ele tinha boas notas, era considerado um aluno inteligente pelos professores e se revelava uma pessoa bem sociável entre os colegas de universidade. E freqüentar uma universidade naquela época era mais do que um privilégio. Era um verdadeiro sinal de que assim que formado haveria empregos, bons salários e um futuro promissor pela frente. E para isso não era necessário ser o mais inteligente dos homens. Se o jovem médico optasse por morar no interior, em pequenas cidades, ele também teria uma vida de privilégios, pois os médicos eram ao mais bem pagos por onde passavam. Era uma vida cheia de promessas no futuro, um sensação de sucesso enchia a todos de orgulho.

Claro, naquele meio também existiam os patifes, os pequenos canalhas e os assumidamente escroques. Todos eram, em maior ou menor grau, filhos da elite escocesa, pois o curso exigia vários anos de estudo e era necessário para isso uma família abastada e rica por trás. Os livros custavam pequenas fortunas e manter um estudante de medicina naquele tempo custava caro. Só as famílias mais ricas podiam dispor desse privilégio.

E no plano de futuro brilhante também havia a expectativa que o jovem médico escolhesse uma bela dama para se casar. Uma moça de família de sobrenome, a mulher que seria a ideal para um jovem médico em começo de carreira.

Era justamente isso que Mark mais temia. Ele era apaixonado por Katja, a garçonete sobrinha de um coveiro. Impensável para sua mãe ter uma nora assim. Ele podia inclusive ouvir a voz de sua mãe berrando em sua mente numa hipotética situação dela um dia vir a descobrir tudo. Era enervante. A mãe dominadora provavelmente teria um colapso nervoso caso viesse a saber que Mark, seu filho motivo de orgulho, era apaixonado por uma mulher como aquela. E o que dizer de seus excessos na bebida?

Conforme a semana ia chegando ao fim Mark começava a salivar, a sentir um enorme desejo de tomar uma bebedeira. Ele sabia que isso era sintoma de que provavelmente ele iria desenvolver nos próximos anos um alcoolismo crônico. Porém é a tal coisa, quando se é jovem e se tem o futuro pela frente, tudo é possível, nada parece ser trágico, cinza ou negro em seu futuro. Tudo parece brilhar, é claro. Só que contra fatos não há argumentos. Mark sentia a abstinência. Assim quando mal acabavam as aulas na sexta-feira pela tarde, ele corria, subia em uma carruagem e ia para o interior, freqüentar as piores e mais esfumaçadas tabernas. Ele queria se esbaldar, com muito álcool, sexo pago e aquele clima de vida boêmia decadente e depravada que ele tanto amava.

E sim, havia ainda Katja, seu amor proibido. Mark não via a hora de se deitar com ela, ficar enrolado em seus braços, sentir aquele cheiro de perfume barato que tanto o excitava. Era um paradoxo. Quanto mais Katja parecia vulgar e dissoluta, mais ele parecia se apaixonar por ela. Quanto mais ela quebrava convenções, mais ele se derretia. Psicologicamente era um portão de liberdade. Liberdade de se ver preso a semana inteira na imagem de jovem impecável, de jovem promissor. Ele queria a esbórnia, queria a embriaguez. Viver uma vida como Lord Byron, seu maior exemplo!

O Cenário do Crime
 Naquela manhã o pequeno diário da cidade estampava em sua página principal uma notícia bem perturbadora.  O corpo de uma jovem havia sido encontrada nos bosques, bem ao lado da propriedade rural do velho senhor McBride. O inspetor Robertson estava intrigado. Em mais de 40 anos de serviço policial ele não havia visto nada igual. Ela estava virada de bruços, havia sido atacada de forma avassaladora. Suas roupas estavam rasgadas e o cenário não era bonito de se ver. 
 
Sua mandíbula estava arrancada. O rosto ainda traia expressões de dor, de desespero. O velho policial chegou até perto do corpo, acendeu seu charuto e olhou ao redor. O ataque havia sido premeditado, feito de surpresa. O agressor ou o animal pulou em cima da vítima em questão de segundos. Não havia como se defender. O velho policial viu o lugar de onde o assassino surgiu pois as folhas estavam quebradas no meio da mata. E ali havia uma pequena trilha, pequena demais para um homem robusto, ideal para um lobo. 

Não demorou muito e reconheceu as pegadas da fera. Eram bem maiores dos que os camponeses estavam acostumados a ver. Se era mesmo um lobo então era de uma nova espécie desconhecida, ou então era de algum animal exótico que havia sido trazido ilegalmente para aquela região e havia fugido de seu cativeiro. Então a situação se colocou em seu ponto de vista. Era, pelo menos naquele momento, o ataque de um lobo selvagem, desconhecido da fauna comum que existia naqueles bosques. 

Ao perceber que um jornalista havia chegado ao lugar, o velho inspetor determinou que seus policiais agissem rápido, que levassem o corpo da mulher morta para o departamento de polícia. Mesmo com a pressa, não escapou de ser interrogado pelo repórter que queria novidades. 

- Inspetor o que aconteceu aqui, alguma informação para os leitores de nosso jornal? – Foi logo indagando o velho policial cansado da vida. 

O policial parou, acendeu o fogo de seu charuto e respondeu ao jornalista

- Eu vejo aqui um cenário de crime, talvez, de uma jovem mulher assassinada. Penso, em uma visão preliminar, que se trata de um ataque de um animal selvagem. Um animal com porte físico bem maior do que o normal. Não temos maiores informações do que isso. Só o tempo e as investigações vão revelar mais sobre esse caso – Finalizou o veterano, agora envolto nas nuvens de seu charuto. Então deu as costas e voltou para sua delegacia. Era um caso novo e muito complicado de se resolver, disso ele tinha plena consciência. 

Pablo Aluísio.

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