domingo, 14 de fevereiro de 2016

Life

Hollywood, 1955. Dennis Stock (Robert Pattinson) é um fotógrafo freelancer que ganha a vida tirando fotos de atores e atrizes famosos. Numa festa ele acaba conhecendo casualmente James Dean (Dane DeHaan), um jovem ator de Nova Iorque, ainda desconhecido do grande público, prestes a ter seu primeiro filme de repercussão a estrear nas telas, "Vidas Amargas". Eles se tornam amigos e próximos e Stock sugere a Dean que ele participe de uma sessão de fotos casuais, de seu cotidiano, pois Stock tentará vender elas para a famosa revista Life. Assim ambos ganhariam, Stock teria uma chance de renda extra e Dean poderia colher alguns frutos com a publicidade da publicação das fotografias. Após hesitar um pouco, Dean aceita a oferta e junto a Stock parte para sua terra natal, Indiana, onde o fotógrafo pretende tirar as melhores fotografias do jovem aspirante a astro do cinema.

Pela história eu já teria todos os motivos para gostar desse filme. O tema é o encontro entre James Dean e o fotógrafo Dennis Stock, que juntos criaram algumas das fotos mais mitológicas da Hollywood clássica em sua era de ouro. Como não conhecer as fotos de Dean andando debaixo da chuva em Times Square? São fotos que ajudaram a criar o mito em torno dele. O curioso é que durante anos as fãs de Robert Pattinson o compararam a Dean, mas aqui ele resolveu interpretar não o lendário rebelde, mas sim o sujeito cheio de dívidas que resolveu tirar as famosas fotos do ator, símbolo máximo da rebeldia no cinema. O Dean que surge no enredo é apenas um jovem desconhecido, com um único filme a estrear, que tem que lidar com a fama prestes a explodir. O ator que interpreta Dean exagera um pouco na dose. O ator não é bem caracterizado porque parece estar o tempo todo afetado, cigarro na boca, cara de tédio extremo. Não existem momentos espontâneos, não parece uma pessoa real. O grande atrativo mesmo é mostrar momentos íntimos de seu namoro com Pier Angeli, o fim do romance e a fossa que Dean viveu após ela resolver se casar com o cantor Vic Damone. Ficou interessante, sem dúvida. Já Pattinson continua apático, o que sempre estraga de certa maneira os filmes de que participa. Mesmo assim, com esses pontuais problemas, é aquele tipo de filme irresistível para qualquer cinéfilo. A história contada é simplesmente cativante demais para se ignorar.

Life (EUA, Canadá, 2015) Direção: Anton Corbijn / Roteiro: Luke Davies / Elenco: Robert Pattinson, Dane DeHaan, Alessandra Mastronardi, Ben Kingsley, Peter Lucas / Sinopse: Dennis Stock (Robert Pattinson) é um fotógrafo desempregado, vivendo de bicos, que vê uma oportunidade de ganhar uma grana extra ao tirar fotos de um jovem ator desconhecido chamado James Dean (Dane DeHaan). Ele estava prestes a se tornar o maior mito rebelde da história do cinema americano de todos os tempos.

Pablo Aluísio.

James Dean - Life

Esse filme "Life" que assisti recentemente me fez pensar como o mundo da arte tangencia a imortalidade. Pense um pouco. James Dean morreu há tanto tempo que fica até mesmo complicado entender porque as pessoas ainda se lembram dele, de que algum dia ele veio a existir... A resposta para esse tipo de pergunta é muito simples: a arte imortalizou James Dean assim como imortalizou Elvis, Lennon, Marilyn e tantos outros. Só a arte tem essa capacidade de eternizar a imagem de um artista. Tudo o mais é corroído pelas areias do tempo.

E o mais interessante de tudo é que o foco do filme não se resume a explorar o James Dean das telas, mas também o ator que ficou imortalizado em uma série de fotos que foram produzidas até sem pretensão, mas que hoje em dia valem uma verdadeira fortuna (obviamente estou me referindo não apenas aos originais como também aos licenciamentos de seu uso em produtos em geral como camisas, revistas, etc). E pensar que o fotógrafo Dennis Stock só estava interessado mesmo em quem sabe a Life se interessar por seu trabalho para ganhar uns trocados. Desempregado, pai de família, a vida não andava nada fácil para ele. Hoje seus herdeiros vão muito bem, obrigado, graças às fotos que tirou de James Dean.

Nos Estados Unidos o espólio de Dean fatura cerca de 6 a 8 milhões de dólares ao ano. Claro que essa grana toda não vem da venda de seus filmes, embora pequena parte provenha realmente disso. O grosso do dinheiro vem porém principalmente do uso de sua imagem em licenciamentos. Tal como Marilyn Monroe, Dean também virou uma espécie de símbolo, de imagem máxima de um determinado comportamento - que no caso dele é a do jovem rebelde sem causa. Como morreu aos 24 ele também será eternamente jovem, pelo menos nas estampas de cadernos, camisas e peças de roupas. Por falar em roupas outro fato que contribui muito para que Dean continue sendo uma máquina de faturar milhões vem do fato dele ser sempre usado em peças publicitárias do mundo da moda, o que não deixa de ser uma ironia pois Dean sempre fora criticado em vida justamente por se vestir de forma desleixada.

Em sua rotina Dean usava um jeans surrado (a calça de todo trabalhador da América) e camisas brancas, bem básicas. Esse aliás acabou virando o uniforme de praticamente todo o rebelde dos anos 50. E havia também o topete, esse imortal. O próprio Elvis se inspirou nele para também usar um dos penteados mais duradouros do século XX. E o curioso de tudo é que Dean já demonstrava que ficaria careca com os anos já que tinham grandes entradas em seu cabelo. Claro que isso nunca aconteceu pois ele morreu jovem e para os que partem cedo sempre fica a eternidade da beleza jovial, preservada para todo o sempre.

Pablo Aluísio.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Olhos da Justiça

O agente do FBI Ray (Chiwetel Ejiofor) é transferido para a promotoria de Los Angeles, para trabalhar na divisão de combate ao terrorismo. Lá encontra Claire (Nicole Kidman) que também está começando no novo departamento. Formada em direito em Harvard ela tem muitas ambições na carreira. Eles inicialmente investigam as atividades de uma mesquita na cidade até que o corpo de uma jovem é encontrado nas proximidades, em um depósito de lixo. O que deixa o grupo ainda mais consternado é o fato dela ser a filha da investigadora Jess (Julia Roberts). A partir desse homicídio, Ray começa a ficar obcecado em colocar as mãos no assassino, dando origem a uma jornada obsessiva que durará anos a fio. "Olhos da Justiça" é o remake americano do filme espanhol e argentino "El Secreto de sus Ojos", produção dirigida por Juan José Campanella em 2009. A versão original foi premiada com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro naquele ano. Agora ganha sua versão americana com um belo elenco.

A história se desenvolve intercalando inúmeros flashbacks ao longo do enredo. Assim a trama avança e recua no tempo a todo momento. Isso causa alguns problemas, principalmente em relação ao elenco. A diferença entre os dois fios narrativos é de 13 anos, mas personagens como a da atriz Julia Roberts não parecem envelhecer com o tempo. Ela na verdade aparece bem envelhecida nas duas linhas do tempo (o passar dos anos não foi muito generoso com Julia, temos que reconhecer). Apesar dessa artimanha narrativa o fato é que a trama em si é bem básica, tudo se resumindo nos esforços de Ray em descobrir quem teria assassinado a filha de Jess. Não há muitas explicações convincentes sobre as causas que dão origem a essa verdadeira obsessão em sua vida, mas tudo bem, não é algo que vá atrapalhar o desenvolvimento do filme. O curioso mesmo é ver duas estrelas de primeira escalão em Hollywood como Kidman e Roberts servindo de escada para o ator Chiwetel Ejiofor. O grande problema do filme ao meu ver tem mais a ver com o final, o desfecho dos acontecimentos. A solução para o tormento do protagonista é completamente ilegal, antiético, até mesmo criminoso. O final do filme assim me pareceu completamente absurdo (e soará da mesma forma para os que tiverem o mínimo de bom senso). A única que passa incólume de tudo isso é justamente a personagem de Nicole Kidman. Ela aliás é um dos grandes atrativos para se conferir esse filme, que é bem interessante, embora nunca consiga se tornar muito acima da média. De qualquer maneira pelo elenco em si vale a pena ao menos conhecer.

Olhos da Justiça (Secret in Their Eyes, EUA, 2015) Direção: Billy Ray / Roteiro: Billy Ray, baseado no filme "El secreto de sus ojos" de Juan José Campanella / Elenco: Chiwetel Ejiofor, Nicole Kidman, Julia Roberts, Dean Norris, Alfred Molina / Sinopse: Um agente do FBI se torna completamente obcecado em resolver um caso de assassinato envolvendo a filha de uma colega de trabalho. Ao longo dos anos ele passa a perseguir suspeitos, reais e imaginários, do homicídio, até se dar conta da assombrosa verdade dos fatos. Filme vencedor do Image Awards na categoria de Melhor ator (Chiwetel Ejiofor).

Pablo Aluísio.

O Soldado do Futuro

Em um futuro sombrio o combatente Todd 3465 (Kurt Russell), desenvolvido geneticamente para ser o soldado perfeito, é tirado de serviço. Depois de participar em inúmeras guerras pelo universo ele é finalmente considerado obsoleto e descartado para dar lugar a uma nova geração de guerreiros. Assim ele é jogado como lixo biológico em um planeta distante. Lá encontra um grupo de refugiados, pessoas vivendo como verdadeiras párias do universo. Quando o lugar é invadido por essa nova geração de soldados com ordens para destruir toda a vida no planeta ele se une aos que lá vivem para lutar contra essa nova ameaça. O filme "O Soldado do Futuro", quem diria, foi um dos primeiros filmes da carreira de Paul W.S. Anderson a chamar a atenção da crítica. Quem conhece a obra do cineasta hoje vai ver poucos pontos em comum com o que ele viria a realizar depois.

Antes ele já havia dirigido o bom "O Enigma do Horizonte". Se aquela era uma ficção mais intelectual, em "Soldier" ele apostou na pura ação. O personagem de Kurt Russell, por exemplo, só fala 59 palavras durante o filme inteiro! O resto é pura porrada! O interessante é que Kurt ganhou 15 milhões de dólares para falar essas poucas palavras, o que virou piada entre a crítica na época de lançamento do filme. Um ponto de vista bem contestável já que a proposta do filme nunca foi apostar em diálogos, mas sim em ação futurista (e nisso, vamos convir, se saiu muito bem). O roteirista David Webb Peoples escreveu também o roteiro de "Blade Runner, o Caçador de Andróides". Naquele clássico moderno da ficção havia um diálogo em que se citava uma guerra acontecida em um passado remoto e é justamente esse conflito que "O Soldado do Futuro" explora! Se não chega a ser tão marcante como o filme original pelo menos se destaca pela originalidade da ideia de Peoples. Vale conferir.

O Soldado do Futuro (Soldier, EUA, 1998) Direção: Paul W.S. Anderson / Roteiro: David Webb Peoples / Elenco: Kurt Russell, Jason Scott Lee, Jason Isaacs / Sinopse: Um soldado geneticamente criado, Todd 3465 (Kurt Russell), é descartado como modelo obsoleto em um mundo distante do universo. Uma vez lá ele se alia a refugiados contra uma invasão em massa do planeta por novos soldados modelos, modernos e com ordens para destruir todo ser vivo que encontrar pela frente.

Pablo Aluísio. 

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Candidato Aloprado

Tom Dobbs (Robin Williams) é um comediante, apresentador de talk show, que durante um dos programas solta uma piada dizendo que vai se candidatar à presidência dos Estados Unidos. O que era para ser apenas um comentário divertido porém começa a ganhar a simpatia do público. Milhões de E-mails são enviados à emissora e Dobbs resolve levar mais adiante a sua sátira, se candidatando pra valer ao cargo como candidato independente. Em pouco tempo ele começa a subir de verdade nas pesquisas se tornando um dos favoritos do eleitorado. Muito bem, com esse título nacional o espectador pode vir a pensar que se trata de uma comédia das mais escrachadas, porém não é bem isso. "Man of the Year" ("O Homem do Ano", em tradução literal) certamente usa o humor em seu enredo, porém tenta ao mesmo tempo mostrar aspectos importantes do mundo da política americana. O diretor Barry Levinson, que também assinou o roteiro, tenta emplacar assuntos mais importantes entre as improvisações de Robin Williams.

Um deles é o esgotamento e a saturação da política tradicional, com a bipolaridade que existe nos Estados Unidos (sempre com dois candidatos, um dos republicanos, outro dos democratas), usando cada vez mais discursos padrões e sem novidades. Quando um comediante chega nesse meio e começa a falar algumas verdades, mesmo que sob o verniz do humor, ele logo dispara na preferência do povo. Já conhecemos bem esse tipo de cenário pois o Brasil já elegeu humoristas para cargos públicos. O descontentamento do eleitor acaba virando voto de protesto, dando enormes votações a pessoas que não teriam a menor chance em uma situação comum e normal. Outra questão que é colocada em cena é a eleição via urna eletrônica. No filme o personagem de Robin Williams acaba se beneficiando de erros de programação das máquinas que captam os votos dos eleitores! Isso demonstra que os americanos não estão nem um pouco dispostos a trocar o voto de papel pelo das urnas digitais, como temos no Brasil. E a razão é muito simples de explicar: elas são facilmente burláveis ou então podem ser manipuladas. Assim o roteiro, sem querer, acaba mostrando aspectos que andam muito em voga no Brasil atualmente em termos de política: a saturação completa da política tradicional e seus partidos sem representação, completamente desacreditados e desmoralizados e a sempre presente sombra da manipulação das eleições ao se usar de meios computadorizados para a captação e contagem de votos. Fora isso o que temos é uma boa comédia, nada excepcional e nem extremamente engraçada, mas que pelo menos serve para levantar interessantes tópicos como esses para discussão.

Candidato Aloprado (Man of the Year, EUA, 2006) Direção: Barry Levinson / Roteiro: Barry Levinson / Elenco: Robin Williams, Christopher Walken, Laura Linney, Jeff Goldblum, Tina Fey, Amy Poehler, Lewis Black, Rick Roberts / Sinopse: Um comediante (Williams) resolve se candidatar à Presidência dos Estados Unidos e descobre que seu modo sincero de falar a verdade acaba conquistando eleitores em todo o país, o tornando favorito para vencer as eleições presidenciais. Filme indicado ao prêmio da Political Film Society. 

Pablo Aluísio.

Segurança de Shopping

O sonho de Paul Blart (Kevin James) sempre foi o de entrar para a polícia de New Jersey, mas com problemas de peso e hipoglicemia nunca conseguiu ser aprovado nos testes e exames de admissão da corporação. Assim ele acaba arranjando emprego em um shopping center como segurança. O salário não é bom, mas é algo em que ele possa trabalhar. Divorciado e com uma pequena filha que torce para ele arranjar um novo amor, Blart acaba se interessando pela vendedora de perucas Amy (Jayma Mays). Seus sonhos românticos porém são interrompidos quando uma quadrilha de roubo de senhas de cartões de crédito invade o shopping onde ele trabalha. Agora Blart terá que provar que pode deter os criminosos ao mesmo tempo em que salva a vida de todos os reféns daquele grupo criminoso.

Comédia bem mediana estrelada pelo humorista Kevin James. Ele é até carismático, tem boa vontade, mas o roteiro definitivamente não o ajuda muito. Aqui os roteiristas criaram um filme bem tolinho mesmo, ao estilo Sessão da Tarde. Nenhum tipo de situação pode apresentar carga dramática um pouquinho mais acentuada (nem para os padrões das comédias americanas) e o resultado é um produto completamente descartável. Começa como draminha, se desenvolve como uma comediazinha e termina como um fitinha de ação. Com tantos "inhas" não é de se admirar que não consiga acertar em muita coisas. Mesmo assim o americano médio se identificou de alguma forma fazendo com que o filme tivesse uma sequência em 2015. A produtora pertence ao também comediante Adam Sandler o que talvez justifique seu insosso resultado final. Nos tempos das locadoras era aquele típico filme que você levava para casa quando não havia mais absolutamente nada para locar. É isso, só arrisque a assistir se você não tiver mais nada para ver e o mais importante de tudo: não espere por muita coisa, assim a decepção será menor.

Segurança de Shopping (Paul Blart: Mall Cop, EUA, 2009) Direção: Steve Carr / Roteiro: Kevin James, Nick Bakay / Elenco: Kevin James, Keir O'Donnell, Jayma Mays / Sinopse: Um segurança de Shopping precisa conquistar o coração da garota que ama ao mesmo tempo em que tenta deter um grupo de criminosos que invadiu o lugar em busca de senhas de cartão de credito fazendo de reféns sua filha e um grupo de pessoas. Filme indicado ao Teen Choice Awards na categoria comédia.

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Equilibrium

Depois da Terceira Guerra Mundial grande parte da humanidade está morta por causa do holocausto nuclear. Os que sobreviveram resolvem se submeter a um Estado autoritário que comanda cada aspecto pessoal dos súditos a ele submetido. Dentro dessa nova ideologia chega-se a conclusão que as emoções humanas causaram a guerra que destruiu grande parte da civilização. Para manter a paz então todos devem suprimir qualquer tipo de sentimento ou emoção. Drogas são usadas para isso e para manter a ordem, evitando o afloramento de emoções, é criado um grupo especializado chamado de "clérigos", cujo objetivo principal é caçar todo elemento subversivo aos mandamentos do Estado. Entre eles está John Preston (Christian Bale). Sua mulher foi incinerada pelos clérigos após demonstrar emoções humanas em relação ao próprio marido. O mundo começa a mudar para Preston quando ele acidentalmente deixa de usar sua droga diária de supressão emocional. Ao se sentir novamente como um ser humano capaz de experimentar emoções como no passado, ele começa a entender o absurdo da situação em que vive.

Essa ficção me lembrou muito de um clássico chamado "Fahrenheit 451" de François Truffaut. Tal como lá, aqui também temos um Estado opressivo que não abre margens para a liberdade individual. A simples posse de um livro de poesias, por exemplo, pode significar a eliminação completa do grupo, resultando em uma execução sumária. Literatura, filmes e música também são proibidos. A arte em geral é vista como algo extremamente nocivo pois faz aflorar os sentimentos e emoções tão inerentes aos seres humanos que esse Estado autoritário quer de todas as formas eliminar da sociedade. Embora tenha uma premissa realmente excelente o filme também faz inúmeras concessões comerciais para o deixar mais palatável ao público jovem que frequenta os cinemas. Assim sai uma abordagem mais intelectual da questão para se priorizar várias cenas de ação - muito bem realizadas, é bom frisar.  Christian Bale está muito adequado em seu papel. Ele é realmente o ator indicado para interpretar tipos como o do filme, inicialmente frios e sem emoção e que depois precisam lidar com uma nova forma de enxergar o mundo ao seu redor. Com boa direção de arte (que investe em cenários assépticos e desprovidos de alma) e um bom argumento, "Equilibrium" é certamente uma das ficções mais interessantes dos últimos anos. Inteligente e bem perspicaz.

Equilibrium (Equilibrium, EUA, 2002) Direção: Kurt Wimmer / Roteiro: Kurt Wimmer / Elenco: Christian Bale, Sean Bean, Emily Watson, William Fichtner, Sean Pertwee / Sinopse: Em um mundo que tenta se reconstruir após uma guerra nuclear, a sociedade resolve se submeter a um Estado totalitário que prega a supressão de todas as emoções humanas para se chegar na verdadeira paz entre os homens. Filme indicado ao American Choreography Awards e à Phoenix Film Critics Society Awards.

Pablo Aluísio.

Tempestade de Gelo

Drama familiar que tenta resgatar um período histórico bem preciso: a década de 1970. Perante os anos 60 aquela década pareceu bem opaca, tanto culturalmente como politicamente. O presidente Nixon perdia a presidência por causa do escândalo Watergate e a música passava por uma fase ruim, infestada pela modinha discoteque e ritmos derivados. Parecia que toda a revolução ocorrida uma década antes havia sido em vão. É justamente nesse clima de falta de esperanças, monotonia e tédio que o diretor Ang Lee desenvolveu um de seus mais bem elaborados filmes. O clima é um tanto sufocante e a falsa promessa de casamentos felizes começa a pesar para os casais do enredo, já com os filhos tomando seus rumos na vida, cansados da rotina de casamentos infelizes e estafantes.

Em termos de elenco temos uma mescla de estrelas do passado com um grupo de jovens atores que iriam despontar nos anos seguintes. Assim convivem em cena veteranos do cinema como Sigourney Weaver, naquela altura tentando se dissociar do legado da franquia Aliens (procurando ser levada mais à sério como atriz) e Kevin Kline (também na luta para emplacar em dramas mais pesados) contracenando com uma garotada promissora formada pela trio Tobey Maguire (o futuro Peter Parker dos milionários filmes do "Homem-Aranha"), Elijah Wood (que iria se consagrar com a trilogia de "O Senhor dos Anéis") e Christina Ricci (que se tornaria atriz indie e cult depois de fazer sucesso em filmes comerciais como "A Família Adams"). O resultado é um tanto melancólico, diria até triste, mas com um bom resultado final. É aquele tipo de filme mais indicado para pessoas mais sensíveis que estejam em busca de um roteiro mais profundo que lide com questões complexas de relacionamento.

Tempestade de Gelo (The Ice Storm, EUA, 1997) Direção: Ang Lee / Roteiro: James Schamus, baseado na novela de Rick Moody / Elenco: Sigourney Weaver, Kevin Kline, Tobey Maguire, Christina Ricci, Elijah Wood, Joan Allen / Sinopse: Em 1973, nos subúrbios de Connecticut, famílias de classe média passam por experiências, desilusões e desencontros emocionais. Filme indicado ao Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz (Sigourney Weaver). Premiado pelo BAFTA Awards na mesma categoria.

Pablo Aluísio.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

O Grinch

Sempre achei meio horrível esse filme, mas é claro que tem seus defensores, seus fãs, e isso é inegável. Na realidade as crianças brasileiras não conhecem muito os personagens do Dr. Seuss, um autor de livros infantis que é extremamente adorado e popular só que nos Estados Unidos. O universo do Dr. Seuss em seus livros não deixa de ser bem curioso e interessante, mas para uma criança brasileira tudo soará um pouco bizarro demais da conta. O grande atrativo desse filme é obviamente a presença do comediante Jim Carrey. Usando uma forte maquiagem de borracha e látex ele aproveitou para se esbaldar nas caretas e nos maneirismos. Chega inclusive a ser mais caricatural do que algumas outras animações que tive a oportunidade de assistir com esse personagem verde.

Bom, se você nunca ouviu falar sobre o Grinch do Dr. Seuss, ele é uma criaturinha de sentimentos ruins e mesquinhos que deseja estragar o natal das crianças. Para isso ele usa de todas as artimanhas para que a época natalina seja um enorme fracasso, principalmente para a criançada. Claro que todo esse sentimento de ódio e raiva com o espírito natalino tem origem no passado, lá atrás, quando o Grinch era apenas um garotinho infeliz. Talvez o grande mérito desse pequeno conto de fadas às avessas seja mesmo justamente ensinar as crianças que por trás de uma aparência assustadora pode também existir um bom coração que só age de forma má e ruim por causa de inúmeras decepções e mágoas que sofreu em sua vida. E é justamente por causa dessa lição de vida que o conto sobreviveu tantos anos. Para quem tem crianças em casa não deixa de ser uma boa opção de uma fábula que diverte e ensina ao mesmo tempo alguns valores importantes para a meninada.

O Grinch (How the Grinch Stole Christmas, EUA, 2000) Direção: Ron Howard / Roteiro: Jeffrey Price, baseado no livro infantil escrito pelo  Dr. Seuss / Elenco: Jim Carrey, Taylor Momsen, Kelley / Sinopse: O Grinch (Jim Carrey) é uma criaturinha verde e estranha que só tem um desejo em sua vida: destruir o natal de todas as crianças do mundo. Filme vencedor do Oscar na categoria de Melhor Maquiagem (Rick Baker e Gail Rowell-Ryan). Também indicado na categoria de Melhor Figurino.

Pablo Aluísio.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Paul McCartney - Venus and Mars

O álbum "Band on the Run" foi um dos maiores sucessos da carreira de Paul McCartney. Suceder a um disco tão bom, tanto do ponto de vista artístico como comercial, certamente não seria algo fácil. Assim chegou nas lojas o tão novo aguardado dos Wings, "Venus and Mars". Inicialmente parte da crítica torceu um pouco o nariz para o resultado final e eles tinham sua dose de razão. Embora com excelentes canções o disco soava apenas razoável. A mais simples verdade é que Paul não tinha nada muito além de um punhado de faixas soltas, algumas que tinham sido descartadas para o álbum anterior. Pois é, mesmo os gênios passam por esgotamentos de criatividade de tempos em tempos. Assim o ex-beatle resolveu entrar em estúdio para trabalhar melhor cada canção, escrevendo arranjos mais bem elaborados, unindo canções diversas em longos pout pourris. Depois voltou atrás, gravou faixas independentes e no meio de todo esse vai e vem o disco foi finalmente nascendo. As novidades não paravam por aí. Paul também trouxe mais dois novos integrantes ao Wings, o guitarrista Jimmy McCulloch e o baterista Geoff Britton. Também resolveu tomar uma decisão que surpreendeu a todos, escolhendo estúdios em New Orleans, nos Estados Unidos, para as gravações. Paul sempre havia gravado todos os seus discos anteriores em Londres. Essa mudança de rota era encarada por Paul como uma forma de aproveitar a excepcional musicalidade da cidade americana. O lugar escolhido foi o Wally Heider Studios, muito popular entre artistas de jazz.

Uma coisa é certa, essa proximidade com a música negra americana acabou gerando pelo menos um grande clássico absoluto no repertório de Paul, a maravilhosa "Listen to What the Man Said" que acabou se tornando o carro chefe do disco e o principal single de divulgação, que aliás estourou em todas as rádios americanas e europeias. Pena que fora ela nenhum outro som consegue se sobressair dentro da seleção. Como estava numa fase muito generosa, Paul abriu espaço no disco para duas composições de membros de sua banda. "Medicine Jar" de Jimmy McCulloch é um dos exemplos. Apesar de tantas novidades devo confessar que "Venus and Mars" nunca esteve entre os meus preferidos. Certamente é um disco excepcionalmente muito bem gravado, com ótimos arranjos (principalmente de guitarras, que estão em destaque e com presença forte e marcante em praticamente todas as faixas), mas a despeito de tudo isso não consegue marcar como outros trabalhos de Paul McCartney. As letras, de maneira em geral, também não são exuberantes. Ao que tudo indica Paul preferiu mesmo investir mais na instrumentalização, em belos arranjos, do que em mensagens edificantes. Assim "Venus and Mars" fica mesmo nesse meio-termo entre uma sonoridade bonita, mas nada fenomenal, e músicas bem escritas, mas fora de figurarem entre os grandes momentos do cantor e compositor.

Paul McCartney - Venus and Mars (1975)
Venus and Mars
Rock Show
Love In Song
You Gave Me The Answer
Magneto and Titanium Man
Letting Go
Venus and Mars Reprise
Spirits of Ancient Egypt
Medicine Jar
Call Me Back Again
Listen to What the Man Said
Treat Her Gently/Lonely Old People
Crossroads Theme

Pablo Aluísio.

The Doors - Mr. Mojo Risin' - The Story of L.A. Woman

Jim Morrison costumava citar um trecho poético que dizia basicamente que os excessos, de todos os tipos, levavam aos palácios da sabedoria. Quando ele começou a gravação do último álbum dos Doors já havia cometido todos os excessos. Em pouco mais de três anos Morrison havia transformado sua imagem de  símbolo sexual do rock em uma insana caricatura de decadência pura - gordo, barbado, bêbado, chapado e com aspecto ruim, tal como um Rei Lear à beira de seu destino trágico. O interessante é que ao encontrar uma fã da banda em um aeroporto ela lhe disse que Jim estava acabado pois Rock era sexo, ao que Morrison rebateu imediatamente afirmando que Rock era morte. Coisas do King Lizard. Eu já escrevi alguns textos sobre L.A. Woman, por isso não me repetirei aqui com todas aquelas informações. Vou apenas deixar a preciosa dica desse documentário televisivo chamado "Doors: Mr. Mojo Risin' - The Story of L.A. Woman". Como o próprio título já deixa mais do que claro o foco é destrinchar e revelar todos os segredos de gravação do último álbum dos Doors, o blueseiro e mitológico "L.A. Woman". Entre vários depoimentos (de gente extremamente importante na história do grupo como os produtores Paul A. Rothchild e Bruce Botnick) somos ainda presenteados com revelações surpreendentes como quando o tecladista Ray Manzarek confessa que a grande influência para "Riders on the Storm" foi uma velha canção country and western chamada "Ghost Riders in the Sky" de 1948. Quem diria? O mais tradicional dando origem aos delírios psicodélicos de Morrison e cia!

Ao lado da análise das músicas em si ainda há um precioso resgate histórico de tudo o que estava acontecendo com Morrison e o grupo naquela época. Os problemas de Jim com a lei, as turnês canceladas, o tédio dos estúdios de gravação e os problemas de todos eles entre si. O que salvou os Doors naquele momento final quando tudo parecia desmoronar foi novamente a música. Um dos aspectos mais interessantes do documentário é mostrar a forma como as canções eram criadas e gravadas dentro dos estúdios. Realmente um trabalho coletivo, onde cada um trazia o melhor de si para o resultado final. E por falar em final a única crítica que teria a fazer diz respeito justamente ao fim de Morrison, à sua morte. O documentário se mostra bem genérico sobre isso, com até receio maior de entrar em detalhes (provavelmente como precaução legal contra a família Morrison que certamente não queria que os problemas com drogas de Jim fossem explorados em demasia). Mesmo com esse certo puritanismo fora de lugar não deixarei de recomendar o filme que é realmente excelente e muito perspicaz em revelar os bastidores de um dos melhores grupos de rock da história.

Doors: Mr. Mojo Risin' - The Story of L.A. Woman (EUA, 2012) Direção: Martin R. Smith / Roteiro: Martin R. Smith / Elenco: Jim Morrison, Ray Manzarek, Robby Krieger, John Densmore, Paul A. Rothchild, Bruce Botnick, Jim Ladd / Sinopse: Documentário sobre as gravações do álbum dos Doors chamado "L.A. Woman", lançado originalmente em 1971.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

The Beatles - This Boy

Na foto os Beatles apresentam a canção "This Boy" em um show na França. É curioso, o grupo tinha tantas músicas em repertório, compunham tanto e em tão pouco tempo, que eles se davam ao luxo de deixar uma pequena obra prima dessas de lado, a lançando apenas discretamente como Lado B em um single. A canção foi composta ainda nos tempos de Hamburgo (afirmam alguns autores que ela foi criada apenas por John).

A letra é de uma singeleza absurda. Em primeira pessoa o narrador lamenta o fato de que a paixão de sua vida foi levada por outro garoto, aquele garoto que provavelmente a machucará. São três estrofes de apenas  três linhas e um refrão ainda mais simples (um garoto poderia ter composto essa letra, vamos convir), mas que ecoa maravilhosamente bem aos ouvidos por causa da sua linda melodia (que definitivamente apenas Lennon e McCartney poderiam ter composto, temos que admitir).

Após gravá-la em Abbey Road o produtor George Martin, soterrado por farto material do grupo (eles estavam no auge da criatividade), não sabia muito bem o que fazer com ela pois nem havia espaço suficiente para colocá-la no próximo álbum dos Beatles. Foi então que John Lennon sugeriu que a lançasse como Lado B da música que se tornaria grande sucesso das rádios,  "I Want to Hold Your Hand" (primeiro lugar nos EUA, a primeira dos Beatles a chegar no topo).

O single vendeu milhões de cópias, mas conforme o mercado fonográfico ia mudando (com o fim dos compactos) a canção praticamente desapareceu do mapa. Só a coletânea "Past Masters" lançada ainda nos tempos do vinil a reabilitou, deixando a música novamente acessível aos fãs do conjunto. Em tempos de internet, onde você pode ouvi-la a qualquer momento até mesmo no Youtube, fica complicado entender mesmo como era difícil arranjar uma canção como essa quando as lojas de discos só tinham à venda a discografia oficial de álbuns dos Beatles (onde ela não se encontrava). Ecos de um passado que (felizmente) não existe mais.

Pablo Aluísio.

The Beatles - Abbey Road Sessions

Há muitos anos que tenho o CD The Beatles Anthology 3, mas nunca tinha parado para ouvir com maior atenção. É praticamente um bootleg oficial do grupo. Como você bem sabe material desse tipo é muito comum em se tratando de Elvis Presley, por causa do selo FTD, mas no caso dos Beatles é bem mais raro e inacessível. Basicamente temos aqui versões cruas das sessões dos álbuns "White Album", "Let It Be" e "Abbey Road". Eu queria me concentrar de mais forma mais específica nas gravações desse último disco. "Abbey Road" é considerado uma verdadeira obra prima, o álbum final do grupo. Parece que todos eles já estavam conscientes que os Beatles iriam se separar e por essa razão capricharam bastante tanto em termos de composições como de gravação. Até mesmo as demos ou takes alternativos são extremamente ricos em termos musicais - poderiam inclusive entrar nos discos oficiais sem problemas.

Como sabemos Paul fez um grande trabalho ao colocar várias canções compondo um grande medley, um verdadeiro carrossel sonoro, no lado B do disco. Todas aquelas canções surgem no disco oficial como momentos breves, quase links entre uma música e outra. O grande legado desse Anthology 3 é justamente resgatar a individualidade dessas canções. O maior exemplo é "She Came in Through the Bathroom Window" que aqui surge na íntegra. No Abbey Road ele é uma das mais completas, mas nada que se compare com esse ensaio (praticamente perfeito) com Paul nos vocais e os demais Beatles mandando muito bem nos arranjos. É uma gravação saborosa que infelizmente nunca foi aproveitada totalmente na discografia dita oficial. No final ainda temos uma pequena canja com Paul e John trocando ideias sobre a harmonia da música. Para um fã dos Beatles é um presente e tanto.

"Mean Mr. Mustard" é outra que foi despedaçada no medley do disco. Aqui temos a oportunidade de ouvir John cantando a canção com uma levada mais blues, menos apressada do que conhecemos da versão oficial. Praticamente temos John fazendo contra voz a si mesmo, apenas ele e sua guitarra com efeitos sonoros mínimos de estúdio (até porque é uma demo caseira de Lennon). Teria muito potencial se tivesse sido mais individualizada. O interessante é que " Polythene Pam", por outro lado, parece já ter nascida e criada como uma musiquinha ligeira, rápido no gatilho, para fazer parte mesmo de um medley maior e mais complexo. Essa certamente ficou muito bem colocada no medley original pois com poucas notas e letra sucinta provavelmente não chamaria a atenção se não estivesse envolta numa nuvem sonora diversificada. Composta por John foi certamente uma das que inspiraram Paul ao tecer aquela colcha de retalhos sonora que é o B Side do Abbey Road.

Já os takes 2 e 8 de ”Octopus's Garden” deixa claro para o ouvinte que a música já estava pronta desde as primeiras tomadas. Uma das melhores interpretações de Ringo - que precisava de canções assim para dar certo como vocalista - a faixa é até hoje uma deliciosa brincadeira de trocadilhos vocais e sonoros. George Harrison também se destaca em seus econômicos, mas eficientes solos (aqui ele sola em praticamente toda a faixa). O mesmo não acontece com o take 5 de ”Maxwell's Silver Hammer”. Fica claro desde os primeiros acordes que Paul ainda não havia encontrado o ritmo certo para a canção. Ela está sem vida, quase parando, excessivamente melancólica (o que definitivamente não combinava com a proposta da música em si). A alegria tão característica da versão oficial também se mostra ausente. Era preciso melhor e muito - e Paul, gênio como sempre foi, a trabalhou no fim de semana, tudo resultando na ótima faixa do disco que até hoje impressiona pela criatividade e imaginação.

"Come Together" de John é um marco. Até hoje soa atual, como se tivesse sido gravada ontem. Nesse CD temos o primeiro take. John surge com um vocal visceral, completamente diferente da versão oficial. Seu estilo, quase desesperado, de mastigar as palavras chegou até mesmo a me lembrar da versão de "Twist and Shout" do "Please Please Me". Pena que depois na gravação definitiva John tenha deixado esse estilo de interpretação de lado. Acredito que a garganta dele não aguentou a puxada mais forte. Já em termos de arranjo achei maravilhosa a guitarra mais pesada de George nesse take. Cheia de personalidade, se destaca completamente dos demais instrumentos. Era algo que deveria ter sido levado para a versão oficial. E por fim chegamos em uma versão muito louca e alucinada de "The End" (que no disco original surge daquela forma tão singela). Aqui nada de timidez, as guitarras estão explodindo, extremamente fortes. Na versão original tudo foi amenizado. Com apenas um verso, "The End" é uma daquelas criações singelas que serviam para deixar claro como os Beatles realmente foram geniais em estúdio durante sua carreira.

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

The Beatles - Rubber Soul

Outro álbum que ando ouvindo com certa frequência ultimamente é Rubber Soul dos Beatles. Conheci o disco ainda na infância pois ele fora comprado por um dos meus irmãos mais velhos quando eu deveria ter entre seis ou sete anos de idade. Então estamos falando de um trabalho dos Beatles com quem tenho profunda ligação, até mesmo emocional e afetiva. Depois de alguns anos sem ouvir voltei a curtir esse que para mim é um dos trabalhos mais consistentes e únicos do grupo de Liverpool. É inegavelmente um álbum de transição onde os Beatles iam deixando para trás sua fase Yeah, Yeah, Yeah para entrar de cabeça nas experiências sonoras revolucionárias que iriam desenvolver na fase psicodélica da banda. Assim Rubber Soul é ao mesmo tempo a despedida aos anos iniciais do conjunto e o ponto de chegada numa nova era que os iriam consagrar para sempre no mundo da música. E também por essa razão você vai encontrar na seleção musical do álbum desde canções mais pueris até sons altamente bem trabalhados em estúdio, tanto do ponto de vista instrumental, como de letras. Não é à toa que Rubber Soul costuma ser um álbum que consegue agradar tanto aos fãs dos anos pioneiros como os que curtem Revolver e seus derivados da psicodelia. Certa vez assisti uma entrevista de George Harrison afirmando que Rubber Soul e Revolver deveriam ter feito parte de um único disco duplo e que isso havia sido cogitado na EMI durante as gravações. Na verdade Revolver é bem mais revolucionário, já é inegavelmente um disco da segunda fase dos Beatles enquanto Rubber Soul é bem mais pé no chão, já com inovações, mas sem ainda chutar o balde completamente.

Um exemplo é a faixa que abre o disco, "Drive My Car". Essa música poderia fazer parte tranquilamente de qualquer disco da fase primeira dos Beatles. Não é em nada inovadora, chega até mesmo a ser juvenil. A letra é uma brincadeira criada por Paul com John que só foi aprender a dirigir bem mais velho, justamente na época em que os Beatles gravavam esse disco. Como nunca havia dirigido um carro na adolescência e juventude, John sempre andou de ônibus. Quando os Beatles estouraram então ele comprou seu primeiro carro, mas não sabia dirigir! Só em 1965 John finalmente entrou na autoescola, mas mesmo após tirar sua carteira nunca mais conseguiu dirigir sem medo. Em meados dos anos 70 ele juraria nunca mais dirigir na vida após atropelar um gato!  Talvez a canção mais conhecida do disco, pelo menos para os brasileiros, seja "Girl" que na época da jovem guarda ganhou versões em língua portuguesa. A suposta garota citada por Lennon na letra não era uma mulher real, mas sim uma idealização do que seria a garota perfeita para ele. Era um sonho, uma garota simplesmente maravilhosa e sem defeitos (ou em poucas palavras, puro platonismo romântico!). O interessante é que quando a compôs Lennon já era um homem casado, mas não sentia que tinha encontrado o grande amor da sua vida que viria a ser Yoko Ono. Aliás numa entrevista na década de 70 o próprio John Lennon diria justamente tudo o que escrevi aqui. "Girl" acabaria sendo mesmo Yoko Ono, a mulher de sua vida. Alguém para finalmente dividir sua vida, sem culpas ou arrependimentos.

Por falar em John Lennon aqui temos algumas das músicas mais autorais de sua carreira até aquele momento, algo que havia acontecido timidamente em "I´m a Loser" do "Beatles For Sale" voltava com força total nesse álbum. Lennon estava disposto a escrever músicas que falassem sobre sua vida, sem malabarismos ou artifícios. "Norwegian Wood (This Bird Has Flown)" era sobre um caso extraconjugal que John estava tendo na época e "In My Life" era uma viagem emocional ao passado, onde procurava lembrar dos amigos e amores que tinham ficado para trás. Essa música é certamente uma das mais significativas da história dos Beatles, sob qualquer ponto de vista que você venha a adotar. A única composição de Lennon que ele depois repudiaria seria a boa (mas nada excepcional) "Run for Your Life". O próprio John reconheceria que ela teria sido criada, meio às pressas e sem capricho, apenas para cumprir tabela, para completar cronologicamente o disco. Era um tanto vazia e sem alma em seu modo de pensar. Esse estilo de compor seria deixado para trás para sempre por Lennon a partir daqui. Ele queria acima de tudo expor o que pensava, da forma mais honesta possível.

E Paul McCartney? Com tantas faixas fortes era de esperar que ele ficasse ofuscado pela genialidade de John Lennon. Ao contrário de John, Paul praticamente nunca se expunha pessoalmente em suas criações. Ele escrevia sobre personagens de ficção, puramente imaginários. Um exemplo disso vem com a bela "Michelle". Paul havia ficado tão encantado com a melodia natural do idioma francês quando os Beatles estiveram se apresentando em Paris que resolveu compor uma música para uma linda dama francesa chamada Michele (que não era uma pessoa real, ao contrário do que muitos pensam). Ficou linda, apesar de ser puramente ficcional. Aliás Paul nesse disco contribuiu efetivamente nas criações de John, tanto que se empenhou muito para que "Nowhere Man" apresentasse aquele arranjo simplesmente fantástico. A letra, tipicamente Lenniana, encontrou o tom certo na melodia criada por Paul. Essa é verdadeiramente uma obra prima de Lennon e McCartney, feita face a face, sem enganações ou ressentimentos e mostra que Paul, ao contrário do que muitas vezes disse John, também podia ser muito generoso em relação ao trabalho dos demais Beatles. 

Completam ainda "Rubber Soul" as canções "Think for Yourself" de George Harrison, onde se nota que ele ainda não havia amadurecido completamente como compositor; a excelente "The Word" com uma das melhores letras do disco; "What Goes On", a faixa obrigatória onde Ringo cantava e soltava o vozeirão e "I'm Looking Through You", outra que poderia fazer parte de qualquer álbum Yeah, Yeah, Yeah da primeira fase dos Beatles. Enfim, basta ouvir "Rubber Soul" para entender bem a força da música dos Beatles. Muitas pessoas ainda não entendem porque eles foram considerados a melhor banda de rock de todos os tempos! Sério mesmo?! Basta ouvir um álbum desses, uma verdadeira preciosidade do Rock, para tirar todas as dúvidas! Cinquenta anos depois de ser gravado o álbum ainda soa jovial e perfeito. Impossível não adorar!

Pablo Aluísio.

The Beatles - Help!

Domingão preguiçoso à tarde, nada melhor do que ouvir um bom disco de rock. Assim aproveito para tecer alguns comentários sobre o álbum "Help!" dos Beatles (que inclusive está tocando nesse momento, enquanto vou escrevendo o texto). Antes de mais nada é importante deixar um conselho: fique longe do filme que é definitivamente uma grande porcaria. A única coisa que se salva são os momentos em que os Beatles tocam - todo o resto (roteiro, direção, elenco) é um completo lixo! Se você vive reclamando dos filmes de Elvis Presley espere para ver essa bomba cinematográfica. Enfim, esqueça! Ouça a trilha sonora e fuja do cinema!

O álbum é uma maravilha. É a tal coisa, certa vez John Lennon resumiu tudo muito bem isso ao dizer:"Os Beatles são músicos, não atores!". Um exemplo que deveria ter sido passado para o colega Elvis que ficou dez anos perdendo tempo em Hollywood. Mas enfim... voltemos ao disco. Esse álbum é, em minha visão, o último grande disco dos Beatles em sua fase Ié, ié, ié (que muitos preferem chamar apenas de primeira fase). É uma coleção magnífica de grandes composições, aliados a um trabalho primoroso de produção por parte de George Martin, um trabalho digno de todos os aplausos. Ele introduziu novos instrumentos, novas sonoridades, sem nunca descaracterizar o som único dos Beatles. Isso fica óbvio logo na primeira faixa, "Help!", uma composição de Lennon com um refrão forte e marcante. Como John sempre gostou de analisar sua própria vida ele anos depois diria que a música era realmente um pedido de socorro pois ele se sentia sufocado com o sucesso absurdo que os Beatles tinham alcançado. Os gritos, as turnês e a pressão quase o levaram a ter um colapso nervoso.

"The Night Before" de Paul já era um pouco mais amena. Gosto bastante do ritmo dessa música - perceba que ela já começa numa tonalidade única que vai até o fim da canção, sem variações. O vocal de Paul está dobrado, o que traz uma ótima sensação ao ouvinte. McCartney na letra está obviamente falando da vida noturna de Londres, de suas boates e amores fugazes. Imagine conhecer uma bela garota numa sexta à noite e no dia seguinte descobrir que nada daquilo significou alguma coisa. Aliás Paul e John eram grandes frequentadores de clubes noturnos desde os tempos de Hamburgo. Quando ficaram famosos a coisa toda ficou maior e mais agitada. Na letra Paul então escreveu uma pequena crônica sobre isso, sobre as noites nas baladas e as manhãs seguintes. E para manter a dobradinha entre Lennon e McCartney logo após entra Lennon em tom de leve melancolia na ótima "You've Got to Hide Your Love Away", A letra é de um pessimismo e uma sinceridade que chegaram a assustar as adolescentes fãs dos Beatles da época. Lennon soava até mesmo depressivo. Esse tipo de atitude  certamente não combinava com os gritinhos das jovens (algo que Lennon particularmente detestava!).

Depois de um momento tão surpreendente como esse, eis que o ouvinte é convidado a dar uma chance a George Harrison em "I Need You". Essa é uma composição menor de uma fase em que George ainda tentava respirar no meio de dois gênios que eram Paul e John. A música é sincera, com boa letra e uma guitarra sempre solando uma nota só (o que se torna a grande característica da faixa). Para suavizar ainda mais o disco, a música "Another Girl" de Paul vem logo a seguir e propõe acertar contas com um velho amor do passado, deixando claro que superou tudo e está de novo amor, numa boa. Decepções amorosas são dolorosas, mas precisam ser superadas. Chega o momento de seguir em frente, ter novas paixões, viver novas emoções. Paul assim propõe deixar a tristeza de lado de uma vez por todas e partir para outra. Belo conselho.

"You're Going to Lose That Girl" tem ótimos solos de guitarra e um arranjo diferenciado onde Ringo deixou a bateria de lado para investir em velhos bongôs cubanos. Essa foi uma sugestão de George Martin. Casualmente ele foi informado que o filme teria cenas filmadas nas Bahamas. Nada melhor do que dar um pequeno toque caribenho ao álbum. A composição é de John e ele novamente se mostra um grande letrista. Depois de "Help!" o grande sucesso desse disco foi "Ticket to Ride". Poucos sabem, mas essa canção foi composta por Paul e John na Alemanha, em Hamburgo, quando eles ainda formavam uma banda desconhecida de jovens ingleses. A expressão "Ticket to Ride" era usada em prostíbulos da cidade, era o nome que era dado aos ingressos para entrar nesses cabarés localizados no porto de Hamburgo. Traduza a expressão e entenda o sentido malicioso das palavras! Essa piada interna por parte dos Beatles só seria revelada muitos anos depois por John em uma entrevista. Até aquele momento todos pensavam que os Beatles estavam sendo apenas "poéticos"! Não, eles estavam sendo vulgares mesmo! Coisas de jovens da idade deles.

Já "Act Naturally" foi colocada para abrir o Lado B do antigo vinil. Era a sempre reservada faixa para Ringo Starr exercitar seus limitados dotes vocais. Em faixas como essa, animadinhas e nada complexas, ele até que se saía muito bem - vamos reconhecer. Nada importante, nada mais do que um momento divertido do disco. Pura diversão mesmo. Encerrada ela vem os primeiros acordes de "It's Only Love", outro momento cortante de John Lennon. A canção foi escrita para sua esposa da época. Ele tentava de alguma forma reacender seu amor por ela - algo que não daria muito certo pois o casamento estava praticamente arruinado. Em um dos versos ele pergunta: "Brigamos todas as noites?". Estava mesmo complicada a vida do casal Lennon.

"You Like Me Too Much" é a segunda faixa composta e cantada por George Harrison. Essa é bem melhor do que a anterior. John está nos teclados, o que dá um sabor diferente para os arranjos da canção. George Harrison também pediu a George Martin que dobrasse seu vocal, assim ele faz dueto consigo mesmo. Ficou bonita, principalmente os solos do meio. Não é nenhuma obra prima, mas é bonita e tem bela harmonia. "Tell Me What You See" que vem logo a seguir talvez seja a única composição realmente de Lennon e McCartney do disco, já que na época eles já procuravam escrever seus próprios trabalhos, sem necessariamente contar com a ajuda do outro. A letra é basicamente de Paul, com pequenos toques de Lennon. É engraçado porque fica até fácil descobrir quem escreveu cada linha. Geralmente Paul surgia com alguma frase mais otimista, enquanto John respondia com sua acidez habitual.

"I've Just Seen a Face", por outro lado, foi escrita apenas por Paul. Ele inclusive se esmerou em escrever um belo arranjo, com um belo dedilhado em seu começo. Essa melodia inclusive me passa um sabor country - não sei se apenas eu penso assim. Aquele violão solando, aquele ritmo, parece até que foi gravada em Nashville. Ecos dos pioneiros do sul dos Estados Unidos que inspiraram os Beatles. Depois dela vem o grande clássico do disco, a imortal "Yesterday", a música que mais ganhou versões na história. Esqueça os Beatles. Essa é uma criação de Paul McCartney, única e exclusivamente. O próprio Lennon dizia que as pessoas sempre o estavam parabenizando por essa canção, mas que ela era na verdade "filha de Paul". Em entrevista John Lennon reconheceu isso ao dizer: "Nunca pensei em escrever nada parecido com aquilo". Os Beatles não participam da sessão de gravação da faixa oficial. Apenas Paul toca violão, acompanhado de um quarteto de cordas providenciado por George Martin. O resultado ficou inesquecível. Clássico absoluto!

Talvez para contornar a extrema doçura e ternura de "Yesterday", John Lennon resolveu encerrar o disco com a paulada de "Dizzy Miss Lizzy", um cover estridente de Larry Williams. A guitarra, no último volume, vai estourar seus tímpanos - por isso tenha cuidado! A razão da gravação dessa canção seria explicada por John na entrevista que deu na Playboy no começo dos anos 80, pouco antes de sua morte. Na ocasião ele desabafou: "As pessoas sempre me viram como o roqueiro dos Beatles. Enquanto Paul escrevia belas baladas de amor eu sempre aparecia com as faixas ao estilo pauleira. Talvez elas tenham razão. Eu sou assim. Uma velha orquestra de Rock ´n´Roll".

Pablo Aluísio.