terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Pink Floyd - The Division Bell

Quem acompanha o mundo da música por longos anos acaba descobrindo que certas coisas simplesmente não fazem muito sentido. Recentemente chegou no mercado com grande sucesso de crítica e público o CD "The Endless River" do Pink Floyd. Até aí tudo bem. O problema é que esse álbum é basicamente um resgate do material que foi gravado e deixado de lado na elaboração do disco "The Division Bell" de 1994. Então se as "sobras" andam tão elogiadas era de se esperar que a melhor parte dessas sessões, que foram incorporadas ao disco original há vinte anos, também fossem tratadas como obras primas do Floyd. Nada mais longe da realidade. Quando "The Division Bell" chegou nas lojas há duas décadas levou pauladas de todos os lados, principalmente da imprensa especializada da Inglaterra. Para muitos o álbum não passava de um trabalho solo de David Gilmour usando o nome mágico da banda por motivos puramente comerciais. As viúvas de Roger Waters nunca vociferaram tão forte como no lançamento de "The Division Bell". Hoje, ironicamente, declamam rios de elogios para o "novo" Pink Floyd que está fazendo bonito nas paradas de sucesso inglesas.

Particularmente confesso, sigo a linha daqueles que nunca tiveram esse CD como referência em termos de sonoridade Floydiana. Algo não me parece bem nessas faixas. Sempre considerei "A Momentary Lapse Of Reason" um trabalho mais enxuto, com mais qualidade e melhor bem conceituado. Foi o melhor disco da banda em sua fase Gilmour. "The Division Bell" sofre por ser excessivo! Talvez por receios ou insegurança o produtor Bob Ezrin acabou criando um monstro musical, exagerado, barroco e cansativo. São onze faixas (muito em termos de Floyd), dezenas de músicos de estúdio contratados, centenas de horas de gravação e muito excesso nos arranjos finais. O que era simples e altamente eficiente em "A Momentary Lapse Of Reason" aqui se tornou pesado, exaustivo, paquidérmico! As letras também não evocam em nada os grandes momentos do Pink Floyd em seu passado glorioso. E para piorar tudo, quando se pensa que se ouvirá maravilhosos solos de guitarra do mestre David Gilmour, nada surge nos ouvidos que nos faça lembrar o grande instrumentista que ele sempre foi. "The Division Bell" foi um disco que ouvi em meus tempos de universidade, mas que pouco cativou, não deixando marcas na alma. Assim com o tempo foi sendo deixado de lado. É de surpreender agora que todos estejam fazendo louvações aos seus resquícios sonoros deixados pelo chão da sala de edição de Bob Ezrin! Vai entender a cabeça dessa gente...

Pink Floyd - The Division Bell (1994)
Cluster One
What Do You Want from Me
Poles Apart
Marooned
A Great Day for Freedom
Wearing the Inside Out
Take It Back
Coming Back to Life
Keep Talking
Lost for Words
High Hopes

Pablo Aluísio.


Pink Floyd - PULSE

O Pink Floyd morreu e ressuscitou várias vezes. Morreu quando Syd Barrett resolveu abandonar o grupo, enlouquecido com LSD. Renasceu pela primeira vez logo depois quando Roger Waters e David Gilmour decidiram levar o Floyd em frente o transformando em um conjunto de rock progressivo (o maior de todos os tempos é bom dizer). Voltou a morrer quando Waters declarou o fim depois do fracasso do álbum "The Final Cut". Amargurado deixou a banda batendo a porta atrás de si. Pois bem, o segundo renascimento deu-se logo após a saída de Waters. Gilmour e os demais decidiram continuar mais uma vez. PULSE é justamente um dos últimos suspiros dessa última fase da banda. O disco foi gravado ao vivo durante a turnê de promoção do álbum "The Division Bell" na Europa e nos Estados Unidos nos meses de março a outubro de 1994. Escrevo as palavras "últimos suspiros" porque realmente foi um dos últimos projetos concluídos da história do Pink Floyd. Foi o canto do cisne. Acontece que "The Division Bell" foi bem criticado em seu lançamento. Acusaram até mesmo de não ser um disco legítimo do Pink Floyd mas sim um trabalho solo de Gilmour que utilizou o nome da banda apenas por motivos comerciais. Sem dúvida uma visão exagerada, diria até preconceituosa contra Gilmour e o resto do grupo.

Acuado, o líder do Floyd resolveu responder às acusações colocando mais um álbum na praça, que foi justamente esse, todo gravado ao vivo. Justamente para calar a boca de quem dizia não ser o Pink Floyd verdadeiro. Para isso Gilmour resolveu colocar em prática um velho sonho que tinha: gravar ao vivo todas as canções do disco "The Dark Side of the Moon"! Sinceramente, quem é fã do Pink Floyd de longa data (como eu) pode dizer que ouvir pela primeira um show com esse histórico álbum tocado da primeira à última faixa ao vivo foi realmente de arrepiar. E se engana quem pensa que foi algo fácil de reproduzir. Como todos sabemos "Dark Side" foi fruto de um longo processo de gravação, que durou meses, usando as melhores técnicas sonoras da época. Trazer aquele som único gravado em Abbey Road (o histórico estúdio inglês da EMI Odeon) para o palco foi realmente um feito digno dos maiores aplausos. É incrível inclusive notar a extrema perfeição dos músicos da banda em cada detalhe. Eu sempre digo, em termos de virtuose instrumental poucos grupos de rock da história podem rivalizar com o Pink Floyd porque eles sempre foram grandes músicos, talentosos e perfeitos ao vivo (para tirar suas dúvidas ouça qualquer registro do Floyd ao vivo para conferir). Quando PULSE foi lançado muitos esnobes torceram o nariz desmerecendo o disco, o qualificando apenas como "mais um disco ao vivo de uma banda decadente". Bom, quem pensou assim certamente reveu seus conceitos uma vez que PULSE realmente mexeu com o mundo da música. Infelizmente  depois de PULSE o Pink Floyd nada mais fez de relevante. Ficaram anos hibernando até que alguns anos atrás David Gilmour finalmente decretou o fim do maior grupo de rock progressivo da história. É uma grande pena. De qualquer forma é como diz o ditado, nada dura para sempre.

Pink Floyd - PULSE (1995)
Shine On You Crazy Diamond
Astronomy Domine
What Do You Want From Me
Learning to Fly
Keep Talking
Coming Back to Life
Hey You
A Great Day for Freedom
Sorrow
High Hopes
Another Brick in the Wall (Part Two)
Speak to Me
Breathe
On the Run
Time
The Great Gig in the Sky
Money
Us and Them
Any Colour You Like
Brain Damage
Eclipse
Wish You Were Here
Comfortably Numb
Run Like Hell

Pablo Aluísio.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Pink Floyd – The Final Cut

Algumas bandas de rock não conseguiram sobreviver a certos discos. O Pink Floyd, por exemplo, saiu destruído de “The Final Cut”, a mais louca egotrip da vida de Roger Waters. Essa história na realidade começa com o álbum anterior da banda, o famoso “The Wall”. Nesse projeto Roger Waters já tinha dominado completamente o poder dentro do grupo. Ele fazia as composições, os arranjos e se enfurecia com qualquer sugestão que não fosse de seu agrado. Por essa época ele passou a hostilizar abertamente o tecladista Richard Wright, que enfrentava problemas pessoais e de saúde. Sua dependência química o impedia de ser um membro mais produtivo e assim Waters se viu no direito de literalmente o expulsar do grupo, embora ele fosse um dos fundadores do Pink Floyd. Mesmo com tantos problemas “The Wall” se tornou um enorme sucesso popular, louvado e reverenciado pela crítica especializada trazendo assim um  enorme poder a Waters dentro do grupo, que a partir daí não poderia mais ser contestado. Os executivos da gravadora só tinham ouvidos a ele e assim o músico começou a se sentir o verdadeiro “dono” do Pink Floyd. Quando começaram as sessões de “The Final Cut” os demais membros restantes do Floyd encontraram um Roger Waters ainda mais alucinado, egocêntrico, centralizador, agindo como um verdadeiro ditador, nem um pouco disposto a ouvir os demais integrantes. Assim como havia feito em “The Wall” ele começou a destratar na frente de todos o guitarrista David Gilmour e o baterista Nick Mason. Sua opinião sobre a forma como as músicas deveriam ser gravadas tinham ganhado status de lei dentro do estúdio. As brigas eram enormes e violentas e Waters não queria ouvir mais ninguém. Ele trouxe todo o repertório do disco já previamente composto, avisou aos demais membros que iria cantar todas as músicas e teria a direção musical completa do novo álbum. Aos demais só restava seguir suas instruções ao pé da letra. Obviamente que Mason e Gilmour se uniram contra tamanha dominação. Não adiantou muito.

“The Final Cut” foi gravado praticamente como um disco solo de Roger Waters. Aproveitando algumas canções do “The Wall” que tinham sido arquivadas com material novo que ele compôs, Waters criou uma homenagem ao seu pai que havia morrido durante a II Guerra Mundial. A própria capa era significativa nesse ponto, reproduzindo as medalhas que seu pai havia recebido por bravura no campo de batalha. Tratando os demais membros do Floyd como seus meros empregadinhos, Waters teve mais uma vez a certeza que estava gravando outra obra prima suprema do rock progressivo inglês. Estava enganado. O disco se mostrou desastroso, considerado um dos piores do grupo em muitos anos. O vocal de Waters surgia mais insuportável do que nunca e como ele havia colocado Gilmour para escanteio o resultado final em termos de instrumentação e arranjos soavam ridículos. Desesperado pela péssima reação de público e crítica, Waters surpreendeu a todos com o anúncio do fim do Pink Floyd! A declaração era um absurdo pois Wright, Gilmour e Mason jamais tinham sido consultados sobre isso! O que se seguiu foi a implosão do Pink Floyd. Gilmour, Mason e Wright de um lado e Waters do outro. Eles foram à imprensa para informar que o grupo seguia em frente, agora sem Roger Waters. Como não poderia deixar de ser tudo foi parar nos tribunais com todos processando a todos. Seria o fim da maior banda de rock progressivo da história? Felizmente não. Os três integrantes unidos venceram Waters no processo em que se discutia a propriedade do nome Pink Floyd. Apesar de Waters pensar que era o proprietário e dono da marca a justiça decidiu que ela pertenceria na verdade aos três remanescentes membros do conjunto. Ainda bem, pois começava ali uma nova fase, mais democrática e mais igualitária, com David Gilmour como líder. Sim, Roger Waters tentou destruir a banda com “The Final Cut” mas eles conseguiram sobreviver, mais uma vez.

Pink Floyd - The Final Cut (1983)
The Post War Dream
Your Possible Pasts
One of the Few
The Hero's Return
The Gunner's Dream
Paranoid Eyes
Get Your Filthy Hands Off My Desert
The Fletcher Memorial Home
Southampton Dock
The Final Cut
Not Now John
Two Suns in the Sunset

Pablo Aluísio.

Pink Floyd - Animals

Em 1977 o Pink Floyd lançou seu álbum mais político, “Animals”. O disco tinha todo um conceito levemente inspirado na obra de George Orwell e se utilizava de várias metáforas para criticar abertamente o capitalismo selvagem que imperava dentro da Inglaterra. A idéia foi de Roger Waters que pensou numa forma de fazer o Floyd se pronunciar através de sua música sobre os problemas sociais e políticos pelos quais vinha passando a Grã-Bretanha na época. Desemprego, pobreza e toda uma nova geração de jovens que não pareciam ter qualquer perspectiva, qualquer futuro pela frente. Assim Waters dividiu a sociedade de seu país em basicamente três tipos de animais. Primeiro havia os cães, que dominavam os demais setores da sociedade com violência e intimidação. Obviamente aqui o Pink Floyd estava se referindo ao governo inglês e sua burocracia sem limites. Além é óbvio de seu poder militar. Suas garras estavam fincadas em todos os cantos do pais. Logo abaixo vinham os porcos – mais uma metáfora bem clara sobre os grandes empresários, industriais que junto aos setores dominantes (cães) sugavam todas as riquezas em seu próprio beneficio. A própria capa trazia um porco gigante atrelado a uma grande indústria. Por fim havia as ovelhas, ou de maneira mais clara, o próprio povo que apenas servia aos demais animais dentro dessa sociedade capitalista selvagem cada vez mais desigual. E como ovelhas todas iam de forma mansa e pacífica para o abate generalizado.

A critica gostou de “Animals” mas quase entendeu a mensagem do Pink Floyd como um manifesto socialista! Havia toda aquela retórica que parecia sair da mente de algum esquerdista rançoso. Waters resolveu não dar maiores explicações, já que há tempos vinha percebendo uma mudança dentro do cenário musical inglês. Por essa época ganhava espaço o chamado movimento Punk. Composto basicamente por jovens desempregados ingleses o Punk surgiu com novas propostas, incentivando uma sonoridade muito básica, com poucos acordes e letras diretas e viscerais – tudo o que o Pink Floyd não era! Não tardou para que o Rock Progressivo e o próprio Pink Floyd virassem alvo de críticas por parte das bandas punks. O grupo foi tachado de chato, incompreensível e pretensioso. Os músicos punks abominavam o som extremamente bem trabalhado do Floyd e suas letras enigmáticas e abertas a inúmeras interpretações. Foi dentro desse verdadeiro cenário de guerra dentro da música britânica que “Animals” chegou nas lojas. Os membros do Pink Floyd por sua vez preferiram evitar a polemica e o bate boca desnecessários. Fizeram muito bem. Hoje em dia “Animals” é reverenciado como um dos melhores álbuns da história do rock inglês. Mais um marco de imensa qualidade e inteligência do Pink Floyd que conseguiu resistir a tudo, até mesmo aos ataques do movimento Punk que aos poucos foi se esvaziando e sumindo. Já “Animals” ficou, demonstrando toda a virtuose desse grupo de músicos fantástico que foi o Pink Floyd.

Pink Floyd – Animals (1977)
Pigs on the Wing (Part I)
Dogs
Pigs (Three Different Ones)
Sheep
Pigs on the Wing (Part II)

Pablo Aluísio.

domingo, 20 de dezembro de 2015

John Lennon - John, o músico

É curioso que John Lennon sempre teve uma postura de modéstia em relação aos seus talentos como instrumentista. Em várias entrevistas ele deixou claro que não se considerava um grande músico, um grande guitarrista e nem muito menos um pianista talentoso. Na verdade se considerava bem sofrível. Em um momento de rara sinceridade disparou: "Eu não sou um grande instrumentista. Eu não sei tocar guitarra maravilhosamente bem, meu ritmo é estranho mas mesmo assim consigo fazer uma banda de rock pulsar!". Sobre o piano ele declarou: "Eu sou pior pianista do que guitarrista. Eu mal sei as notas de um piano por isso minhas composições ao piano sempre saem diferentes das que faço no violão. É como um pintor que tem menos cores para pintar um quadro. Acho que por isso que saem tão boas as músicas que faço no piano! rsrs"

Na maior parte de sua vida Lennon compôs usando piano e violão. Ele explicou que suas canções no álbum branco tinham sido todas compostas ao violão pois esse era o único instrumento que ele dispunha quando estava na Índia quando os Beatles foram para lá fazer um curso com o Maharishi Mahesh Yogi. Já o álbum "Imagine", seu grande êxito na carreira solo, foi composto totalmente em piano pois Lennon mantinha um belo instrumento de calda, todo branco, em seu apartamento de Nova Iorque.

Essa sua suposta falta de habilidade se tornava mais clara nos shows dos Beatles nos EUA como ele próprio confessou. "Os shows dos Beatles eram muito ruins. Não tínhamos como ouvir o retorno por causa da gritaria e por isso na maioria das vezes tocávamos qualquer coisa... eu olhava para o George e sabíamos que estava uma merda. Era algo do tipo bleng, bleng, não dava para tocar bem". Curiosamente quando a platéia era mais calma as coisas também não iam bem para John. "Em Paris o público era bem mais calmo. A gente subia no palco e ouvíamos palmas comportadas. De vez em quando alguns caras gritavam, acho que eram bichas ao lado do palco mas as coisas também não iam bem pois o público podia notar todos os nossos erros".

Talvez por isso os Beatles decidiram cair fora das turnês. "As turnês eram horríveis. A imprensa divulgou que George gostava de jujubas (um tipo de balinha) e os fãs começaram a jogar jujubas em nós no palco. O problema é que nos EUA essas balas eram duras como pedras e nos machucavam". Para John o maior show da história dos Beatles aconteceu no Shea Stadium em Nova Iorque. "O Paul estava se cagando de medo nos bastidores. Mas foi um show para entrar na história. Não sabíamos que podíamos lotar um estádio inteiro, foi um marco". No fim da vida John tencionava voltar aos shows ao vivo. "Quero lançar mais um disco antes de contratar aqueles músicos caros para cair na estrada. Não quero subir no palco para cantar Yesterday ou outras velharias dos Beatles. Penso em me apresentar em lugares menores mesmo sabendo que os caras vão dizer que eu não tinha mais condições de lotar um grande lugar". Infelizmente nenhum desses planos foi em frente pois Lennon foi assassinado antes que isso tudo se concretizasse.

Pablo Aluísio.

sábado, 19 de dezembro de 2015

John Lennon - (Just Like) Starting Over

Esse foi o último single da carreira de John Lennon. Em poucas semanas ele seria morto na frente do prédio Dakota onde morava em Nova Iorque. A letra resume tudo muito bem. Depois de ficar cinco anos fora dos estúdios de gravação e da vida pública para se dedicar a criação de seu filho Sean, ele retornou para gravar o disco "Double Fantasy" ao lado de Yoko Ono. A maioria das letras são bucólicas, falando de um sujeito normal que curtia a vida de casado ao lado da esposa e do pequeno filho. Para Lennon os Beatles tinham sido maravilhosos, mas naquela altura de sua vida ele não tinha mais nada a ver com aquele jovem de vinte e poucos anos de franjinha e terninho que virou um ídolo internacional. E por falar em ídolos, Lennon também afastava esse rótulo sempre que era possível pois ele literalmente achava uma bobagem se espelhar em ídolos, fossem da música, da política ou de qualquer outro setor da vida. A figura do ídolo era sinal de imaturidade e de uma mente pouco desenvolvida, como bem salientou em várias entrevistas. Lennon não queria também mais saber das tietes gritantes dos tempos dos Beatles. Em sua forma de ver ele agora cantava para casais adultos, como ele e Yoko e não mais adolescentes ruidosas. Isso ficara para trás definitivamente.

Para John Lennon o que importava naquela fase de sua vida era ficar o mais distante possível desse tipo de gente louca que cultuava ídolos em geral. Ironicamente e desgraçadamente acabou sendo morto por tudo aquilo que tanto rejeitava. De uma forma ou outra o que importava era mesmo ter uma família e viver feliz. Aqui temos também outra ironia do destino. Os Beatles foram considerados por anos os símbolos de uma mudança de perspectiva, de novos tempos, da ideologia hippie e do amor livre, sem culpas e sem amarras. Era a contracultura a todo vapor. Mas os próprios membros do grupo demonstraram que havia muita bobagem nesse tipo de pensamento, uma vez que assim que se estabeleceram nas carreiras foram atrás de vidas completamente conservadoras e quadradas. John se casou ao velho estilo com Yoko e depois foi levar uma vidinha completamente comum de todo Nova Iorquino, indo em restaurantes e andando pelo Central Park de vez em quando. Nada de loucuras, nada de exageros ou maluquices, como pregava a ideologia do Flower Power. No final das contas a tia Mimi e seus conselhos conservadores prevaleceram em sua vida!

Pablo Aluísio.

John Lennon - Contradições de um Beatle

John Lennon - Contradições de um Mito
John Lennon nunca foi um cara muito amável. Ele mesmo não queria e nem tinha interesse de passar a imagem errada. Fruto de um relacionamento complicado de seus pais, John só veio a desfrutar de uma vida estável quando foi morar com sua tia. A mãe morreu jovem, vítima de um motorista embriagado. O pai sumiu, marinheiro não queria problemas e nem responsabilidades. Assim John foi meio que criado solto, sem muitos exemplos familiares positivos a seguir. Essa sua personalidade complicada acabou também sendo passada para seus filhos. Não faz muito tempo vazou na internet um longo e revelador depoimento de seu filho, Julian. Nele o filho de John resolveu falar de alguns aspectos nada lisonjeiros de seu pai. Lennon é retratado como um pai distante, insensível e nas poucas vezes que conviveu com o filho, muito áspero e até mesmo raivoso. Nada parecido com a imagem de paz e amor que tantos se acostumaram a associar a ele. Na verdade John Lennon nunca foi uma pessoa muito fácil de conviver. Segundo as próprias palavras de Paul McCartney: "John Lennon era um gênio, mas não um santo!"

Dentro dos Beatles John também não foi de convivência muito fácil. O fato é que inegavelmente a fama lhe subiu à cabeça, o que fez com que John começasse a uma competição de falar bobagem. Mal lhe colocavam um microfone em sua frente John começava a opinar sobre tudo e todos, muito embora não tivesse preparo intelectual e técnico para emitir esse tipo de opinião sobre os mais variados assuntos. Por isso também acabou ficando em maus lençóis, principalmente quando desandava a falar de religião. Sua frase mais infame nesse aspecto foi "Os Beatles são mais populares do que Jesus Cristo". Isso irritou meio mundo e causou tamanho problema que o próprio John depois teve que vir a público pedir desculpas, afirmando que havia sido mal interpretado.

Sim, John era um ser humano e como tal tinha defeitos e muitos. A despeito de tudo isso também se tornou um artista genial. Muitas vezes a personalidade contraditória e cheia de complexidades acaba dando origem a manifestações culturais e artísticas maravilhosas. Seres humanos torturados acabam se tornando artistas geniais. John tinha traumas pela morte precoce da mãe, rancor pelo abandono de seu pai e indiferença com seu filho. Isso tudo porém gerou o caldeirão de sinceridade na qual Lennon iria escrever algumas de suas melhores canções, algumas realmente imortais. Certamente John Lennon não era bem um exemplo de pessoa, gostava de brigar em bares e boates, fumava, bebia e usava drogas. Mesmo assim, com tanta coisa contra, jamais deixou de ser um artista genial. Afinal de contas como ele mesmo dizia a "genialidade é uma espécie de loucura". É mesmo John, concordo plenamente.

Pablo Aluísio. 

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

John Lennon - The Collected Artwork

John Lennon: The Collected Artwork
Desde que John Lennon morreu muitos de seus desenhos e gravuras viraram ícones da indústria de consumo. Seus rabiscos estão em cartões, camisetas, livros, discos e até mesmo brinquedos. Agora procurando levar mais a sério a produção artística visual de Lennon um livro chamado "John Lennon: The Collected Artwork" pretende reunir o melhor de sua produção em suas 204 páginas. A reunião dos esboços vai até o passado, na infância de John, e resgata alguns de seus desenhos mais antigos, vários inspirados em Ivanhoe e outras obras literárias juvenis que fizeram a cabeça do garoto de Liverpool. No começo da década de 1960 ele ousou até mesmo a tentar uma carreira como chargista, mas a ideia ficou pelo meio do caminho por causa da música e de sua banda, os Beatles. Seus desenhos porém sobreviveram ao tempo e estão na publicação. Fechando a exposição o livro ainda traz desenhos feitos por Lennon nos anos 1970, quando ele retratou seu casamento com Yoko Ono e aspectos cotidianos de seu filho Sean.

Essa insistência em pintar e desenhar vem de longe. Na juventude John Lennon foi um dos alunos do Liverpool College of Art onde ele procurou desenvolver seu gosto pelos desenhos e quadros de artes plásticas. Foi justamente lá que ele desenvolveria uma grande amizade com outro jovem entusiasta dos pincéis, Stu Sutcliffe. Ele, mais do que qualquer outra amizade que John tenha feito nessa época em sua vida, foi o mais querido amigo de seu ciclo de pessoas próximas naqueles tempos pioneiros. Os especialistas porém concordam que ao contrário de Stu, que era realmente um bom pintor, John Lennon na verdade não tinha tanto jeito assim para desenhar e pintar. Por isso a guitarra acabou sendo a grande válvula de escape. Se ele não era nenhum Picasso podia ao menos tentar seguir os passos de seus ídolos na música. O importante era viver expressando sua arte de alguma forma. Deu no que deu.


Em sua "obra" John Lennon poderia ser considerado um minimalista. Ele procurava o máximo de efeito com o mínimo de traços e linhas. Seus temas eram geralmente sentimentais, tristes ou até mesmo bobos. O importante para John era se sentir conectado com o desenho ou a pintura que acabara de produzir. Era uma forma também de aliviar o stress depois de demoradas sessões de gravações ou composições que exigiam muito dele, tanto do ponto de vista físico como emocional. Em muitas ocasiões John mandava cartas visuais para seus amigos, praticamente sem texto, apenas com figuras. Era uma forma diferente de se expressar. O livro é muito bom no geral, mas como foi financiado em parte por Yoko Ono há um certo exagero em seu texto, que tenta colocar John Lennon como algum tipo de gênio dos pincéis. Não vamos chegar a tanto, não é mesmo?

Pablo Aluísio.

John Lennon - Happy Xmas (War Is Over)

1971 foi um ano e tanto para John Lennon no mercado porque ele conseguiu emplacar três singles de sucesso na parada. "Power to the People" foi o primeiro. Depois veio "Imagine", seu single mais vendido na carreira solo. No final do ano Lennon emplacou mais um enorme sucesso, a canção "Happy Xmas (War Is Over)", uma canção sobre os rumos que o mundo vinha tomando, com muitas guerras e pouco espírito natalino de paz e amor para com o próximo. Aqui vale duas observações interessantes. Lennon não se considerava um cristão, isso tomando essa palavra no mais estrito sentido dela.

Lennon oscilava entre declarações polêmicas e brigas com religiosos e sempre que era perguntado sobre qual seria sua verdadeira religião dizia que era na realidade um adepto do zen budismo (seja lá o que isso queira dizer). Quando seu single natalino chegou nas lojas muitos ficaram intrigados, pois não era comum ver uma pessoa que não se considerava um cristão colocando no mercado uma gravação natalina. Era uma contradição certamente.

Outro fato que chamou a atenção foi a campanha que Lennon levou para as ruas chamada "War Is Over" que tinha como lema a frase "A Guerra termina se você quiser!". Nem é necessário explicar que isso mexeu com muita gente poderosa. Para os republicanos Lennon deveria ficar de bico calado, afinal de contas ele não passava de um estrangeiro com visto provisório nos Estados Unidos. Por que ficava se metendo a toda hora nos assuntos internos dos americanos, já que era inglês? Essa foi uma das razões que sua barra iria pesar nos anos seguintes. Além disso John Lennon, sempre polêmico, resolveu que não precisava de estúdio nenhum para gravar o disco. Chamou o coro da comunidade negra do Harlem e mandou ver, quase de forma amadora.

E por incrível que pareça a gravação ficou realmente ótima! O produtor excêntrico Phil Spector foi contratado para embelezar ainda mais a faixa. No lado B o single trazia outra faixa natalina, "Listen, the Snow Is Falling". Depois que o compacto chegou nas lojas Lennon teve que encarar todas aquelas críticas venenosas, inclusive algumas o chamando de "tolo" e "palhaço" por promover tão singela campanha de paz. John deu de ombros e de seu modo característico declarou: "Não me importo de ser um palhaço em um mundo onde as pessoas ditas sérias estão enviando jovens para morrerem em guerras sem sentido".

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

The Beatles - Words of Love

Durante essa época de sua carreira os Beatles estavam com agenda cheia, muitos shows, gravações de singles e viagens. Para cumprir contrato com a Emi Odeon eles tiveram que recorrer novamente a covers, algo que sempre fizeram ao longo da carreira, mas que foi deixado de lado, pelo menos provisoriamente, na trilha sonora de "A Hard Day´s Night". Quando entraram novamente em estúdio para a produção de mais um LP não houve saída. Eles tiveram mesmo que usar material alheio pois simplesmente não tinham músicas próprias suficientes para completar o disco. Entre as canções escolhidas estava justamente essa linda, terna e romântica "Words of Love", ótima composição de Buddy Holly. Provavelmente se você gosta de conhecer a história do rock se lembrará de Buddy. Ele foi um compositor excepcional que morreu muito jovem durante aquele trágico acidente de avião que também vitimou Ritchie Valens (De "La Bamba" entre outros clássicos da primeira geração roqueira). Como convinha a um artista de seu estilo e época, Buddy cantava as coisas simples de um namoro entre adolescentes. Em suas letras pequenos momentos a dois ganhavam um significado todo especial. Junte-se a isso a própria inocência da idade e você terá uma bela obra prima escrita por ele. A letra é tão simples, direta, como afetuosa.

A versão dos Beatles veio somente cinco anos depois da morte precoce de Buddy Holly. Esse fato demonstrou duas grandes qualidades do grupo inglês. O primeiro é que eles não estavam interessados apenas em apresentar músicas vocacionadas para o sucesso imediato. "Words of Love" já tinha esgotado sua capacidade de causar impacto nas rádios. Isso também demonstrava em segundo plano que os Beatles eram bem conscientes de suas influências e as respeitava muito, a tal ponto de gravar em um disco oficial uma faixa como essa. Isso jamais deixou a mentalidade do grupo. Ao longo dos anos John Lennon estava sempre se referindo aos velhos discos de rock de sua juventude, afirmando que os Beatles sempre tentaram captar aquele sentimento que havia de certa forma se perdido no tempo. Aliás basta pegar qualquer CD de Paul nos tempos atuais para perceber que isso ainda segue muito válido. Sempre que possível o ex-beatle traz de volta à vida velhas canções roqueiras dos anos 1950. Além de homenagear todos aqueles artistas também é uma maneira de apresentar esse material para as novas gerações que muitas vezes sequer sabem o nome desses pioneiros do rock ´n´ roll. Então fica aqui minha dica de uma ótima baladinha, escrita por um jovem para sua namorada de colégio, tudo tão despretensioso, mas que a despeito de tudo contra, conseguiu vencer a barreira do tempo e do espaço.

Words of Love
(Buddy Holly).
Hold me close and tell me how you feel
Tell me love is real
Words of love you whisper soft and true
Darling, I love you

Let me hear you say the words I long to hear
Darling, when you're near
Words of love you whisper soft and true
Darling, I love you

Pablo Aluísio. 

The Beatles - Ed Sullivan Presents The Beatles

Título no Brasil: Ed Sullivan Presents The Beatles
Título Original: Ed Sullivan Presents The Beatles
Ano de Produção: 2003
País: Estados Unidos
Estúdio: CBS Productions
Direção: Andrew Solt
Roteiro: Ed Sullivan, Rick Starkey
Elenco: John Lennon, Paul McCartney, Ringo Starr, George Harrison, Ed Sullivan

Sinopse:
Esse DVD reúne as quatro apresentações históricas que os Beatles realizaram no programa americano "Toast of the Town", apresentado por Ed Sullivan. Na ocasião todos os recordes de audiência da TV americana foram batidos, por causa do enorme interesse despertado no país pela turnê do famoso grupo inglês.

Comentários:
Para quem é fã dos Beatles esse é um item indispensável. O DVD traz as famosas apresentações dos Beatles no programa de Ed Sullivan nos anos de 1964 e 1965, ou seja, bem no auge da Beatlemania. É curioso notar que esse é aquele tipo de evento que foi mais comentado do que efetivamente assistido durante muitos anos, fruto da dificuldade de ter acesso aos shows por meios oficiais (na pirataria certos trechos vinham sendo comercializados há anos). Finalmente após um intenso trabalho de pesquisa na emissora os tapes originais foram encontrados e passaram por um trabalho de restauração e aprimoramento. O resultado se vê logo na tela, um dos melhores DVDs sobre a história do rock que já tive o prazer de assistir. Todo o clima e empolgação da presença dos Beatles em Nova Iorque foi captado pelas câmeras. Um registro muito importante que merece fazer parte de toda coleção dos Beatles que se preze.

Pablo Aluísio.

The Beatles - All You Need is Love

Em 1967 ocorreu a primeira transmissão ao vivo por satélite da história. O evento contou com a presença dos Beatles que naquela ocasião cantaram uma música inteiramente composta apenas para a apresentação: All You Need is Love. A canção pacifista e lírica trazia uma mensagem positiva por parte do grupo britânico ao mundo. A transmissão foi gerada diretamente pela BBC de Londres para 26 países ao redor do mundo. Anos depois Elvis Presley utilizaria da mesma tecnologia para cantar ao vivo ao mundo em seu show Aloha From Hawaii. Vendo a repercussão da transmissão a Capitol correu e colocou no mercado o single "All You Need Is Love / Baby You're a Rich Man". O lado B fazia parte da trilha sonora do telefilme "Magical Mystery Tour". A mensagem dos Beatles certamente repercutiu, pois foi justamente em 1967 que aconteceu o famoso verão do amor (The Summer of Love). Em poucos meses de intervalo um grande grupo de artistas surgiu e outros, já consagrados, lançaram discos fenomenais, gerando na música mundial uma verdadeira transformação cultural. O Rock deixou seu lado mais juvenil de lado e investiu pesado no psicodelismo. O álbum primordial nessa transformação foi justamente o antológico LP dos Beatles, Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band. Esse disco certamente mudou o mundo da música para sempre, pois da noite para o dia o Rock, antes um gênero visto com reservas pela crítica musical, passou a servir de referência e paradigma do bom gosto e qualidade sonora. Porém a revolução não parou no quarteto britânico. Outros grupos essenciais ao psicodelismo surgiram com seus primeiros álbuns comerciais nas lojas: Pink Floyd e The Doors.

O Pink Floyd, liderado pelo enigmático (e alucinado) líder Syd Barrett, chegava aos ouvidos do grande público com um disco diferente de tudo o que havia no mercado: The Piper At The Gates of Dawn. Embora o grupo se tornasse nos anos que viriam o maior símbolo do Rock Progressivo, em 1967 ele ainda era na essência um grupo psicodélico por excelência. Outro grupo também rompeu barreiras sonoras: Os Doors. Investindo fundo em poesia, o grupo de Jim Morrison trazia em suas letras temas que jamais antes havia sido explorado pelo mundo do Rock. Para muitos críticos 1967 significou antes do que qualquer coisa uma verdadeira virada artistica do mundo da música. A lista de grandes astros que surgiu nesse ano fala por si: Jimi Hendrix, Janis Joplin, The Velvet Underground, David Bowie, Jimi Hendrix, Bee Gees, Creedence Clearwater Revival e Genesis. Em poucos períodos da história tivemos a oportunidade de ver tanta gente talentosa surgindo ao mesmo tempo. Realmente 1967 foi um ano especial que jamais será esquecido pelos fãs do bom e velho rock´n´roll..

Pablo Aluísio.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

The Beatles - With The Beatles

A primeira composição de George Harrison a entrar em um álbum dos Beatles foi justamente essa gravação de "Don't Bother Me" que ouvimos nesse disco. Claro que com os anos George iria melhorar muito em termos de melodia e letra, mas aqui já demonstra bons sinais de seu talento. Não é uma grande canção, diria que é até mesmo uma criação básica, mas que serviu para quebrar o gelo. Além disso trazia em sua letra aspectos da própria personalidade do "Beatle quieto", afinal uma música que tinha uma mensagem de "Não me perturbe" não poderia ser mais característica do Beatle. Enquanto Paul sempre trazia o lado mais romântico e otimista e John surgia com o rock mais ácido e pessimista, George fazia contrabalanço aos dois, tentando aparecer e se esconder ao mesmo tempo no meio dos dois gênios.

"All My Loving" provavelmente seja uma das canções mais populares desse álbum. Embora muitos a associem a Paul exclusivamente, essa foi uma criação a quatro mãos, com Paul e John trocando ideias face a face. Claro que a letra foi criada quase que exclusivamente por McCartney, baseada em seu relacionamento com a atriz Jane Asher, porém John apareceu dando importantes dicas no desenvolvimento da melodia em si. Para John a canção tal como fora apresentada pela primeira vez por Paul nos estúdios Abbey Road ainda não tinha o pique necessário. Foi John então que a acelerou um pouco, trazendo mais vida para a música. Ficou excelente após a colaboração de Lennon. George Martin decretou após ouvir o primeiro ensaio: "É isso, está perfeita, vamos gravar!". Voltando para a letra seria interessante dar uma olhada em seus versos: "Feche os olhos e eu te beijarei / Amanhã sentirei sua falta / Lembre-se que sempre serei verdadeiro / E quando eu estiver longe / Vou te escrever todo dia / E mandar todo meu amor pra você / Vou fingir que estou beijando / Os lábios dos quais sinto falta / E torcer para meus sonhos virarem realidade".

Eu poderia classificar esse tipo de sentimento presente na letra como um amor adolescente, algo que poderia ter sido escrito por um colegial apaixonado pela garota da escola. Não estou escrevendo isso para desmerecer Paul como letrista, mas sim para salientar como é também arriscado escrever canções de amor para o público jovem. Paul, como bem demonstrou o sucesso da balada, acabou acertando em cheio. Até porque o público dos Beatles por essa época era formado basicamente por jovens histéricas que gritavam pelos membros do grupo nos shows. Foi justamente para essas fãs que Paul escreveu essas palavras. Nada mais complicado do que captar o sentimento dessas garotas em versos e melodia.

Desde o primeiro álbum os Beatles sempre deixavam uma música, geralmente a mais simples, para o baterista Ringo Starr cantar. Virou uma tradição que foi sendo seguida até o último disco. Embora Ringo não tivesse um grande talento vocal, seu timbre de voz era interessante, ideal para rocks mais agitados ou então músicas com sabor country and western. No caso do "With The Beatles" Paul e John reservaram para ele a agitada "I Wanna Be Your Man" que inclusive acabou virando um ponto alto também nos concertos ao vivo do grupo. Ringo sempre muito animado criava um verdadeiro frisson entre as fãs quando mandava ver na apresentação dessa canção. O interessante é que os Beatles não foram os primeiros a gravarem a canção. John Lennon havia dado de presente aos Rolling Stones a música. Eles a gravaram e a lançaram em fins de 1963.

O single com "Not Fade Away" no Lado A foi um dos primeiros sucessos do grupo de Mick Jagger. Talvez esse sucesso todo tenha incomodado um pouco John que resolveu que os Beatles iriam colocá-la em seu novo álbum, algo que os Stones não esperavam. Em entrevistas feitas anos depois John Lennon deixou escapar um certo ressentimento pelo fato dos Rolling Stones terem feito sucesso com uma canção escrita por ele. Chegou até mesmo a desmerecer a música, dizendo que nunca daria algo realmente bom para os Stones gravarem. Foi algo meio rude de sua parte.

"Roll Over Beethoven" era um cover dos Beatles para um velho sucesso de Chuck Berry. Não era surpresa para ninguém que os Beatles adoravam a primeira geração do rock americano, com destaque para Elvis Presley, Little Richard, Buddy Holly e claro o próprio Chuck Berry. A letra era uma gozação de Berry para com os críticos da época que diziam que o Rock ´n´ Roll era um tipo de música muito simples, com letras fracas e melodias primárias. Tudo isso era compensado com a vibração da canção. O interessante é que os Beatles poderiam ter incluído nas faixas do disco dois dos maiores sucessos da banda na época como "She Loves You" e "I Want To Hold Your Hand". O problema é que as gravadoras não incluíam músicas lançadas em singles nos álbuns, nos LPs. Um erro que atingiu a discografia não apenas dos Beatles, mas de outros grandes artistas do rock também. Uma forma de pensar equivocada. Sem ter músicas originais inéditas para tantos lançamentos o jeito foi mesmo gravar esse cover, que aliás ficou excelente, recebendo elogios do próprio Chuck Berry.

"Little Child" era uma composição de Paul McCartney, ou como gostava de dizer John Lennon "Uma filha de Paul". O tema romântico, com temática adolescente, era bem a marca registrada do baixista dos Beatles por essa época. Inicialmente Paul pensou em dar a música para Ringo cantar, mas depois desistiu. A letra começa simples, com o autor em primeira pessoa pedindo para dançar com uma garota. Letra simples, bem derivativa dos temas da época. Poderia ter contado com alguma contribuição de John, mas para falar a verdade ele era cínico demais para temas tão pueris como esse."Hold Me Tight" tinha uma pegada bem mais forte. Outra faixa que muitos autores atribuem ao próprio Paul McCartney, muito embora aqui John Lennon também tenha contribuído mais intensamente. Nessa época os Beatles estavam preocupados mesmo em escrever sucessos de rádio, por isso as músicas seguiam uma certa fórmula. Nessa faixa em particular eles repetiram o uso de palmas pontuando o ritmo da canção. O vocal de Paul intercala com John, dividindo o mesmo microfone. Uma música que sempre me agradou, tendo inclusive feito parte também do raro disco "Beatles Again".

"You Really Got a Hold on Me" era um cover. Nesses primeiros álbuns do grupo havia mesmo a necessidade de cantar canções de outros artistas já que os Beatles não tinham tantas músicas prontas para fazer parte do repertório. Paul e John eram até muito produtivos, o que significavam que compunham muitas músicas juntos, mas também tinham um senso crítico muito forte o que deixavam muitas delas fora dos discos. Só entrava o que eles consideravam ter qualidade. A faixa começa com George solando sua guitarra. O ritmo é cadenciado, com toques mais românticos. Algo até esperado já que a música original dos Miracles vinha da safra de artistas negros da Motown, um verdadeiro celeiro de talentos de Detroit, uma gravadora que os Beatles particularmente gostavam muito. A letra é praticamente uma carta de amor de alguém apaixonado por uma garota que não corresponde a esse sentimento (bem adolescente). "Você realmente me pegou" é uma frase que resume. Eu não deveria amar você por tudo, mas quem controla as próprias emoções? Pois é... complicada a situação.

Esse álbum "With The Beatles" tem uma sonoridade tão agradável de se ouvir. Mesmo após tantos anos ainda considero um prazer colocar esse álbum para apreciar as músicas. O grupo também parecia extremamente entrosado, efeito, é claro, de uma banda que vivia na estrada fazendo shows ao vivo. A prática, já dizia o sábio, leva à perfeição. A excelente qualidade do conjunto, do repertório das músicas, começava já desde a primeira faixa. Bastava colocar a agulha no LP, no vinil, para começar a ouvir os primeiros acordes. "It Won't Be Long" é um reflexo desse entrosamento do quarteto. Eles gravaram essa música, que pode até ser considerada um pouco complicada de tocar, em poucos takes. Sua estrutura rítmica sui generis levou um crítico americano a dizer que a canção tinha "cadências elóicas"

A estranha designação virou uma piada dentro da banda, entre os próprios Beatles. John e Paul, autores da música, não tinham a menor ideia do que isso significava. Brincando sobre o fato Paul ironizou, muitos anos depois, dizendo que a crítica não fazia o menor sentido e que ele, mesmo após anos de carreira, continuava sem saber do que se tratava! Brincadeiras à parte, é inegável reconhecer que se trata de uma excelente gravação do grupo. Eles estavam tinindo nos estúdios Abbey Road quando gravaram essa canção. Já "Please Mister Postman" era um cover do som da Motown. Quem diria, os ingleses brancos revisitando a música negra americana. Eles curtiam muito a sonoridade dos artistas da gravadora de Detroit. A música já vinha sendo apresentada pelo grupo desde os primeiros shows na Alemanha, em Hamburgo, sendo por isso uma opção natural para compor esse segundo álbum dos Beatles. Seria mais fácil de gravá-la após tantos anos e era uma maneira de agradar os americanos, pois o empresário Brian Epstein já estava de olho no mercado dos Estados Unidos. Se os Beatles conquistassem seu lugar ao sol dentro da terra do Tio Sam nada mais poderia parar seu sucesso. Algo que se confirmaria no ano seguinte quando o grupo finalmente aterrissou no país de forma gloriosa para dar o pontapé inicial na Beatlemania que conquistaria o mundo.

Essa canção "All I've Got To Do" fez parte do disco "With The Beatles", o segundo álbum do grupo na Europa. Já nos Estados Unidos ela foi lançada como parte do LP "Meet The Beatles". Como se sabe no começo da carreira dos Beatles havia uma diferença entre a discografia inglesa e americana. Só tempos depois é que tudo foi unificado, sendo os discos lançados na Inglaterra considerados os oficiais. A canção conta com o vocal principal de John Lennon, com aquela voz bem característica que todos os fãs conhecem. O curioso é que Lennon explicaria anos depois que a música tinha sido uma influência do chamado "som da Motown", a gravadora americana especializada em música negra. John diria que ele estava tentando trazer um pouco da sonoridade de Smokey Robinson, do grupo The Miracles, para os discos dos Beatles. Penso que embora tenha sido esse o objetivo, essa canção romântica tem identidade própria, que resultou igualmente numa boa gravação por parte do quarteto. É simples, romântica e muito eficiente, funcionando muito bem dentro do repertório do disco.

De autoria do compositor Meredith Willson temos "Till There Was You". Ele era conhecido na época de sua auge de sucesso como o "The Music Man" pois era conhecido por escrever grandes sucessos musicais para a Broadway em Nova Iorque e para a indústria do cinema americano na costa oeste. Ele era talentoso e muito solicitado. Acabou se tornando um dos compositores mais ricos da indústria fonográfica americana. Quem trouxe essa bela balada para o disco dos Beatles? Certamente foi Paul McCartney que adorava seu estilo mais Old School. Lembrando que ela ganhou também um belo arranjo nos estúdios Abbey Road, com destaque para o inspirado violão solado por George Harrison e a percussão providenciada por Ringo Starr.

De certa maneira tem um estilo que nos lembra os antigos boleros caribenhos, que naquela época, não podemos deixar de lembrar, estavam em alta, inclusive na Europa e Estados Unidos. Havia muitas boates de sucesso que apelavam justamente para esse lado mais hispânico, caliente, algo que se pode ver em qualquer registro cinematográfico daquele período. Basta lembrar de casas noturnas de sucesso por todos os Estados Unidos como a Tropicana. a Copacabana e a Tropical de Nova Iorque. Será que os Beatles estavam de olho nesse tipo de mercado? Afinal eles vinham de Hamburgo onde trocaram em muitos locais parecidos. É de se pensar nessa hipótese.

Esse segundo disco dos Beatles foi gravado em uma época que o grupo estava cumprindo uma série de obrigações contratuais. Além dos shows havia um contrato onde os Beatles tocavam na rádio BBC de Londres. Assim, para que tudo coubesse dentro dessa agenda apertada, os Beatles decidiram facilitar as coisas. E isso significava usar algumas músicas covers que eles estavam tocando na BBC em seu novo disco. Afinal essas músicas já estavam ensaiadas e os Beatles devidamente familiarizados com essas faixas, poderiam gravar tudo de forma mais rápida. No estúdio não haveria tanto problema em finalizá-las.

"Devil in Her Heart" era um cover nessa linha. Quem sugeriu a gravação foi Paul McCartney. Esse tipo de música os Beatles utilizavam em suas apresentações, pois tinha aquele jeitão de bolero, ideal para os clubes em que os Beatles se apresentavam em seus primeiros anos de carreira. Era aquele tipo de baladona usada para que todos dançassem de rostinho colado. Bem de acordo com os clubes noturnos por onde eles passavam. Tempos duros, mas também de aprendizado nesse tipo de palco. Se a música anterior era romântica e nostálgica, essa "Money" era puro rock ´n´roll, ideal para John Lennon desfilar sua marra de rebelde ao estilo James Dean. Com letra cortante e direta, era aquele tipo de som usado nos shows em inferninhos, quando os Beatles queriam incendiar a apresentação, colocando todos para dançar. Curiosamente "Money" acabou sendo comparada a "Twist and Shout" do primeiro disco. Realmente havia muitas semelhanças. Além de ser um rock pra cima, ainda contava com uma vocalização bem parecida com John Lennon cantando com a voz bem rouca e surrada.

"Not a Second Time" era uma original dos rapazes, com autêntico selo de originalidade da dupla Lennon e McCartney. Houve uma certa discussão dentro do estúdio sobre qual seria o melhor arranjo para a música. Nesse caso George Martin, o produtor das sessões, foi figura importante, dando dicas e contribuindo pessoalmente na seleção de instrumentos, inclusive ajudando em um belo solo no meio da música, algo que a marcou muito. Basta ouvir essas notas, seja tocada em piano ou violão, para reconhecer imediatamente a faixa. O vocal principal ficou com John Lennon, embora a música também fosse ideal para Paul McCartney, caso ele quisesse cantar a música no estúdio.

Panlo Aluísio.

The Beatles - A Hard Day's Night

Esse álbum foi lançado bem no auge da Beatlemania. Para as fãs que gritavam pelo grupo nos shows foi um deleite ter à disposição 13 novas canções inéditas, todas elas escritas pela dupla Lennon e McCartney. De fato foi um dos álbuns mais vendidos dos Beatles, até porque as vendas foram impulsionadas pelo sucesso do filme. O público via os Beatles nas telas de cinema e depois comprava essa trilha sonora nas lojas de discos. Era a dobradinha comercial perfeita na visão do empresário Brian Epstein e da gravadora EMI.

E o disco vinha mesmo cheio de novidades interessantes, músicas que iam do mais puro rock, passando pelo pop, indo parar no lado mais romântico da banda. Na coleção de belas baladas nenhuma se comparava a "If I Fell", um dos grandes sucessos do álbum. Essa foi uma composição conjunta entre John e Paul. Essa balada ganhou bastante destaque no filme, em uma boa cena, bem elaborada pelo diretor Richard Lester. O cineasta quis trazer algo de casual, como se os Beatles ainda estivessem se preparando para a apresentação, numa espécie de ensaio, onde John ao violão dava os primeiros acordes enquanto Ringo ainda motava sua bateria. Funcionou, embora os Beatles não fossem atores profissionais conseguiram fazer a cena sem problemas, sem doses excessivas de canastrice.

Outra música escrita por Paul que fez muito sucesso foi "Can't Buy Me Love". Na edição original ela vinha como a última faixa do Lado A do disco, por isso não se esperava muito dela em termos de sucesso nas rádios. Só que nos Estados Unidos ela foi escolhida praticamente como o carro-chefe do disco, se tornando um dos grandes hits dos Beatles na terra do Tio Sam.  Os executivos da Capitol (a gravadora americana que lançava os discos dos Beatles na América) tinham uma visão mais apurada de seu mercado do que os ingleses. John Lennon chegou a colaborar em sua criação, porém em pequenas doses, conforme ele mesmo diria anos depois numa entrevista. Para Paul foi gratificante ver seu sucesso no outro lado do Atlântico. Era a prova de que ele sabia fazer, mesmo sem querer, grandes sucessos, aquelas músicas que não cansavam de tocar nas rádios. Um hit perfeito.

E mostrando que Paul realmente dominou em termos de composições para esse álbum, vale destacar outra bela canção romântica chamada "And I Love Her". Era uma criação de Paul McCartney, o eterno romântico dos Beatles. A bonita letra foi escrita para Jane Asher, a namorada de Paul, a garota ruiva que todos pensavam iria se tornar sua esposa em poucos anos. É incrível que seu relacionamento com Jane, que serviu de inspiração para tantas músicas românticas dos Beatles, não tenha se transformado em casamento. Em algum momento a coisa desandou entre o casal, para decepção de muita gente que vivia ao lado deles naquela época. O próprio John Lennon (que já era casado) tinha certeza que isso iria acontecer. Outra composição que Paul McCartney fez praticamente sozinho, levando ela praticamente pronta para os estúdios de Abbey Road em Londres. Essa rotina de Paul levar novas músicas de amor já compostas integralmente levou John Lennon anos depois a pensar sobre esse período, essa fase dos Beatles. Ele disse: "Parecia que Paul sempre surgia como o Beatle romântico, com alma de veludo e que eu só tinha rocks vibrantes para apresentar ao grupo. Era alto natural que acontecia. Eu tinha que fazer um contrabalanço a Paul. Já que ele compunha muitas canções românticas eu tinha que cuidar do lado mais roqueiro dos discos. Por isso fiquei com essa imagem nos primeiros LPs dos Beatles".

Os Beatles gravaram esse álbum no meio de uma correria sem fim. Eles tinham turnês para fazer, cenas para filmar e além de tudo encontrar tempo para gravar as canções do disco que futuramente seria a trilha sonora original. E mais curioso de tudo é que todas as músicas seriam compostas pela dupla Lennon e McCartney. Mesmo que ainda fossem jovens eles já sabiam do valor de seu trabalho musical e por isso determinaram que não haveria músicas de outros nesse álbum.

E no meio de toda essa agitação eles ainda tinham fôlego para compor belas baladas como "I Should Have Known Better". Essa música seria usada como faixa 2 do lado A do disco original britânico, ou seja, os Beatles colocavam fé na música. Acertaram bem no alvo pois a música se tornou um hit, um sucesso instantâneo do grupo assim que chegou nas rádios inglesas e americanas. O tema era de arrependimento, porém obviamente numa levada mais juvenil, adolescente, afinal esse era o público dos Beatles na época. Jovens não pensam muito bem em seus atos, são impulsivos, mas era melhor pensar um pouco melhor antes de fazer alguma bobagem. Esse era o tema da música.

Embora George Harrison não tenha composto nenhuma música para esse disco, John Lennon o escalou para cantar a bucólica "I'm Happy Just to Dance with You". Tema simples, bem romântico, ideal para bailinhos, onde o sujeito apaixonado ficava feliz apenas por dançar com a garota que amava. A voz de George e sua conhecida timidez que lhe valeu o apelido de "O Beatle quieto" combinou bem com a letra e a melodia. Os Beatles porém pouco trabalharam em cima dessa canção, se tornando apenas um bom complemento para o disco de uma forma em geral.

E fechando o lado A do disco original britânico surgia a boa faixa "Tell Me Why" onde o destaque vinha dos vocais dos Beatles. Todo mundo cantando junto em Abbey Road. Imagine um casal de adolescentes em crise. Ele quer saber porque o relacionamento vai tão ruim, por que ela o trata tão mal. Afinal o que ele fez? Um tema ideal para as fãs que gritavam pelos Beatles na época, ou melhor dizendo, para os fãs, uma vez que a letra vinha em primeira pessoa, de um namorado perplexo pelo que vinha acontecendo nos últimos dias. Pelo visto o pobre coitado acabou mesmo sem respostas...

Esse álbum dos Beatles levou muito tempo para ficar pronto. Eles levaram praticamente seis meses para completar o disco. Não que os Beatles tivessem ficado todo esse tempo dentro do estúdio gravando as canções. Pelo contrário. Eles tiveram que cumprir tantos compromissos que ficou complicado para eles terminarem o álbum. Só para se ter uma ideia eles tiveram que interromper as gravações para sua primeira turnê americana, a mesma que deu origem à Beatlemania nos Estados Unidos e no mundo.

E a correria foi tão grande que quando as filmagens de seu primeiro filme terminaram eles não tinham sequer gravado a música título do disco, a canção "A Hard Day's Night". Por essa razão não existe nenhum cena no filme mostrando os Beatles tocando essa música. Eles simplesmente não tinham gravado a faixa durante as filmagens. Só depois de pronta é que os editores a colocaram no filme, mas apenas nos créditos iniciais. Uma loucura incrível. E como todos sabemos a música também foi composta meio às pressas, em quartos de hotel das turnês. Quem deu a dica foi Ringo, exausto de tantos compromissos. Ele apenas fez um trocadilho espirituoso em cima da maneira de falar e pensar de John Lennon. Deu certo.

"You Can't Do That" também foi gravada na pressa. A EMI queria lançar um single o mais rapidamente possível. Já que o disco não conseguia ficar pronto era necessário colocar alguma coisa nova no mercado para faturar em cima da imensa popularidade dos Beatles. Assim eles se reuniram de forma urgente dentro da EMI e gravaram essa música que seria colocada como Lado B de  "Can't Buy Me Love". Como se pode perceber a pressão em cima do grupo era grande, principalmente por parte da gravadora. Eles tinham que compor e gravar em ritmo quase industrial. Manter o pique para tantas solicitações de material era complicado.

Quando chegou em junho de 1964 o filme estava praticamente pronto, mas o disco ainda não. Os Beatles precisavam gravar ainda cinco ou seis faixas para o lado B do disco. John e Paul tinham decidido não colocar nenhum cover no álbum, mas apenas composições próprias. Então eles correram para criar um lado inteiro para o que seria a trilha sonora do filme. "Things We Said Today" foi composta dentro dos estúdios da BBC, onde os Beatles tinham seu próprio programa musical, onde tocavam e conversavam com os ouvintes e o DJ. Enquanto estavam esperando sua vez de entrar, eles apressadamente fizeram a música. Depois foi uma questão de tempo para finalizá-la em Abbey Road, poucos dias depois.

Um aspecto curioso desse disco dos Beatles é que no Brasil resolveram fazer algumas modificações na capa do LP. Nos Estados Unidos e Europa a trilha sonora chegou com aquela direção de arte que todos conhecemos, com várias fotos dos Beatles, com expressões diferentes e ao fundo uma bela tonalidade de azul. No Brasil o fundo foi mudado para vermelho, seguindo a mesma cor de um EP (compacto duplo) que foi lançado na Inglaterra. Por que razão mudaram a cor? E por qual razão continuaram a insistir no disco vermelho, até mesmo nas versões reeditadas, como a dos anos 80? Complicado de entender.

Já a seleção de faixas foi mantida, pelo menos isso. Até porque não havia como ser diferente já que o disco era lançado no mercado como a trilha sonora oficial do filme "Os Reis do Ié, Ié, Ié". Aliás, devo dizer, esse título nacional nunca me desceu pela garganta. É muito ruim, muito tosco. Melhor seria ou manter o nome original em inglês mesmo, ou então algo mais criativo, que não fosse tão ruim, não é mesmo? Infelizmente os distribuidores de cinema e as representantes das companhias cinematográficas no Brasil tinham tradição em criar títulos nacionais medonhos de ruim. Os Beatles foram apenas mais uma de suas vítimas.

Pois bem, o Lado B do disco "A Hard Day's Night" trazia uma boa coleção de composições de Lennon e McCartney. Essas canções não faziam parte do filme, para falar a verdade. Foram gravadas apenas para completar o disco, encher o LP original. Não foram usadas no filme e tampouco ganharam os palcos depois. Apesar de belas faixas os próprios Beatles apenas a gravaram em estúdio e depois meio que se esqueceram delas. Uma pena, pois como já escrevi, são boas criações de John e Paul. Mereciam melhor sorte.

Veja o caso de "Any Time at All"  que abria o Lado B do vinil original. Sempre considerei uma faixa forte, com um marcação de ritmo bem singular e característica. Poderia ser até mesmo lançada como single que não faria feio para os Beatles na época. Um aspecto curioso dessa letra é que ela pode ser interpretada tanto do ponto de vista romântico, como uma letra que fala de um casal, em que um namorado diz para sua garota que ela pode lhe ligar a qualquer hora caso precisasse de apoio, que ele estará a disposição, como também sob um ponto de vista de pura amizade. Um amigo que precisa do outro para que esse lhe dê uma força. Quem escreveu essa letra? Penso que pelo otimismo em suas palavras pode ter sido Paul McCartney. Afinal não vejo o estilo ácido de John nessa mensagem poética.

Por fim, para finalizar essa análise da trilha sonora do filme "A Hard Day's Night" cabe tecer alguns comentários sobre duas canções do lado B do disco de vinil original. "I'll Cry Instead" tem um arranjo muito bom, um pouco puxado para o country norte-americano. Não sei como não deram essa para o Ringo Starr cantar. O vocal principal ficou com John Lennon e alguns instrumentos extras foram adicionados à gravação. Os Beatles praticamente nunca usaram essa canção em seus shows, demonstrando que era uma música gravada especialmente para completar o LP com a trilha sonora do filme, embora essa faixa também não tenham sido aproveitada em nenhuma cena da produção cinematográfica.

Embora a letra e a música tenham sido assinados por Lennon e McCartney, acredito que grande parte da letra tenha sido escrita exclusivamente por John Lennon. Há um toque de "vingança" daquele que é abandonado e que diz claramente que vai se vingar em outras garotas, decidido a destruir os sentimentos delas, como o seu próprio sentimento foi destruído, que sempre me soou muito Lennon. Que coisa não? Penso que algo tão mordaz assim só poderia ter sido escrito por John Lennon que tinha mesmo esse lado mais ácido.

"I'll Be Back" era a última música do disco original, lá no finalzinho do lado B do vinil. Novamente um belo arranjo, o que demonstra um capricho maior da banda em seu execução. Aqui George Harrison foi ao violão para executar seus famosos solos, todos bem pontuais, bem colocados dentro da música. O vocal principal novamente ficou com John Lennon, mas também com bastante ênfase em coro ao lado de Paul McCartney por toda a faixa. Ficou bonito, sem dúvida.

Essa é uma letra do namorado persistente. Ele diz claramente que mesmo que o romance chegue ao fim, ele retornará. Rapaz insistente esse, vou te contar. É o apaixonado resistente, que está disposto a fincar o pé e tentar de todas as formas segurar um caso amoroso. Tem cara de Paul McCartney, o eterno romântico dos Beatles. Embora não concorde em nada com a letra, pois acredito que quando um caso chega ao fim, não se deve insistir, a letra é adequada para os namoros adolescentes da época. Só não precisa forçar ao limite essa situação, vamos ser sinceros. Nem sempre é o ideal voltar, forçar uma barra. Muitas vezes o fim é o melhor caminho mesmo. Coisas da vida.

Pablo Aluísio.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

The Beatles - Magical Mystery Tour

Título no Brasil: Magical Mystery Tour
Título Original: Magical Mystery Tour
Ano de Produção: 1967
País: Inglaterra
Estúdio: Apple Studios.
Direção: Bernard Knowles
Roteiro: Paul McCartney, George Harrison, John Lennon
Elenco: John Lennon, Paul McCartney, Ringo Starr, George Harrison

Sinopse: 
Um grupo de pessoas dos mais variados tipos compra uma passagem para participar de uma viagem mágica e misteriosa em um ônibus. No caminho encontram todos os tipos de situações fora do comum, como uma competição de velocidade, um teatro de atrações bizarras, uma corrida de anões e um show de cantores canastrões ao lado de garotas de strip-tease, tudo embalado com o som dos Beatles e sua música psicodélica.

Comentários:
Especial produzido pelos Beatles para a TV britânica em 1967. Antes de mais nada é importante avisar a quem for assistir que não adianta procurar muito sentido no roteiro. A linguagem é de psicodelismo, com várias sequências sem lógica. De certa forma pode-se até lembrar das comédias do grupo Monty Python mas isso seria simplificar demais. Na verdade a ideia partiu de Paul McCartney que se inspirou em um programa que era muito popular entre moradores pobres de Liverpool. Eles alugavam um ônibus e iam ida e volta até a cidade vizinha de Blackpool. Com que finalidade? Nenhuma. Tudo não passava de um pretexto para que todos enchessem a cara durante a viagem que por si só também não tinha muito sentido. Partindo disso Paul pensou em algo mágico, fantástico, uma viagem realmente psicodélica. Funcionou? Apenas em termos. Há gags engraçadas como a de Lennon vestido de garçom servindo toneladas de comida numa pá para uma mulher gorda mas mesmo essas cenas não são hilariantes, são apenas divertidas e curiosas. No geral tudo soa muito disperso, sem rumo, mostrando que no final das contas a única coisa que presta realmente é a música dos Beatles, essa de fato especial e mágica. Destaco "I Am The Walrus" um dos sons mais alucinados escritos por John Lennon e "The Fool on The Hill", bela balada composta por Paul. Ringo interpreta um sujeito que viaja com sua tia gorda e tem problemas com ela enquanto essa flerta com um senhor idoso que pensa ser uma ave de rapina (Não disse que nada faz sentido?). O único que não parece participar ou ter qualquer entusiasmo com tudo ao redor é George Harrison que apresenta uma canção solo e nada mais. Em resumo "Magical Mystery Tour" é isso, um pequeno tropeço maluco na gloriosa carreira dos Beatles.

Pablo Aluísio.