sábado, 2 de janeiro de 2010

O Selvagem da Motocicleta

Um dos melhores filmes já feitos sobre delinquência juvenil e isso não é pouco já que existem clássicos absolutos sobre o tema (vide O Selvagem, Juventude Transviada e Vidas Amargas, entre outros). Coppola novamente dá show de direção com imagens inovadoras em cada cena (o filme tem tiradas ótimas como os peixes coloridos em um filme totalmente preto e branco e as nuvens marcando a passagem do tempo etc). Embora seja estrelado pelo ídolo dos anos 80, Matt Dillon, quem se destaca mesmo, com uma interpretação a la Actors Studio, é Mickey Rourke.

Interpretando um personagem chamado apenas de "Motorcycle Boy", Rourke desfila todo seu talento, mostrando um jovem sem perspectivas, melancólico, introspectivo e completamente cool. Na época de lançamento do filme foi comparado aos grandes ídolos do passado como Marlon Brando e James Dean. Outro destaque fica com Dennis Hooper, fazendo um pai ausente, com problemas de alcoolismo e totalmente fracassado. Diane Lane, muito jovem e linda, e Nicolas Cage (com vasta cabeleira) completam o talentoso grupo de atores e de quebra demonstram como o tempo muda as pessoas. A trilha sonora é de Stewart Copeland, do The Police, o que traz uma ótima atmosfera própria para o filme.

O Selvagem da Motocicleta (Rumble Fish, Estados Unidos, 1983) Direção: Francis Ford Coppola / Roteiro: Francis Ford Coppola, S. E. Hinton / Trilha Sonora: Stewart Copeland / Elenco: Matt Dillon, Mickey Rourke, Diane Lane, Dennis Hopper, Diana Scarwid, Vincent Spano, William Smith, S. E. Hinton, Sofia Coppola, Chris Penn, Michael Higgins, Nicolas Cage, Tom Waits, Laurence Fishburne / Sinopse: Jovem motoqueiro desiludido (Mickey Rourke) tenta ajudar seu irmão e seu pai após se tornar um ícone dos jovens moradores do local.

Pablo Aluísio.

Quando os Jovens se Tornam Adultos

Assisti Diner há muitos anos. Hoje resolvi assistir de novo. Engraçado mas muitas vezes esquecemos os filmes, mesmo quando gostamos deles. É mais ou menos o que aconteceu comigo em relação a esse filme. Nada como uma revisão para refrescar a memória. O elenco é muito bom com vários atores que estavam quase "chegando lá" (todos eles acabariam fazendo uma ou outra coisa marcante em suas carreiras nos anos que viriam). Dentre eles Steve Gutemberg (creditado como o principal ator do elenco e que estrelaria duas franquias de sucesso, Loucademia de Policia e Cocoon), Kevin Bacon (antes de estourar nas bilheterias com Footloose) e até Paul Reisner (que iria fazer sucesso anos depois na série de TV "Louco por Você").

Embora todos eles sejam talentosos o destaque principal do elenco é mesmo Mickey Rourke. Fazendo um jovem que se mete em apuros por dever a um apostador, Mickey rouba literalmente todas as cenas em que aparece. Com nuances à la James Dean, Rourke (na época apenas um jovem promissor vindo do Actors Studio) faz jus ao seu talento de bom ator. O roteiro é centrado em diálogos bem bolados do grupo de amigos que estão numa fase em que não são mais jovens demais e devem decidir o rumo de suas vidas (o título nacional resume bem a situação). Além disso é semi biográfico por parte do diretor Barry Levinson, que aqui narra histórias de sua juventude na sua querida Baltimore. Enfim, é um filme excelente para quem quiser conferir boas atuações, tudo com leveza e um fino bom humor

Quando os Jovens se Tornam Adultos (Diner, Estados Unidos, 1982) Direção: Barry Levinson / Produção: Jerry Weintraub / Roteiro: Barry Levinson / Fotografia: Peter Sova / Trilha Sonora: Bruce Brody, Ivan Kral / Elenco: Steve Guttenberg, Daniel Stern, Mickey Rourke, Kevin Bacon, Tim Daly, Ellen Barkin, Paul Reiser, Kathryn Dowling, Michael Tucker / Sinopse: Cinco amigos na década de 50 em Baltimore passam pelas dificuldades e dramas típicos de suas idades.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Filmografia Comentada: Mickey Rourke

Mickey Rourke estourou nos anos 80. Na época foi indicado como o mais promissor sucessor da geração de Brando, Dean e Clift. Sua filmografa naquela década foi realmente formada por excelentes filmes como "Coração Satânico", "Barfly", "O Ano do Dragão" e tantos outros. Após abandonar o cinema para se dedicar ao boxe a carreira de Rourke entrou em parafuso nos anos 90. Apenas recentemente o ator deu a volta por cima por seu papel em "O Lutador" ao qual venceu o Globo de Ouro e concorreu ao Oscar. Segue abaixo algumas resenhas sobre filmes de Mickey Andrew Rourke.

O Selvagem da Motocicleta
Um dos melhores filmes já feitos sobre delinquência juvenil e isso não é pouco já que existem clássicos absolutos sobre o tema (vide O Selvagem, Juventude Transviada e Vidas Amargas, entre outros). Coppola novamente dá show de direção com imagens inovadoras em cada cena (o filme tem tiradas ótimas como os peixes coloridos em um filme totalmente preto e branco e as nuvens marcando a passagem do tempo etc). Embora seja estrelado pelo ídolo dos anos 80, Matt Dillon, quem se destaca mesmo, com uma interpretação a la Actors Studio, é Mickey Rourke. Interpretando um personagem chamado apenas de "Motorcycle Boy", Rourke desfila todo seu talento, mostrando um jovem sem perspectivas, melancólico, introspectivo e completamente cool. Na época de lançamento do filme foi comparado aos grandes ídolos do passado como Marlon Brando e James Dean. Outro destaque fica com Dennis Hooper, fazendo um pai ausente, com problemas de alcoolismo e totalmente fracassado. Diane Lane, muito jovem e linda, e Nicolas Cage (com vasta cabeleira) completam o talentoso grupo de atores e de quebra demonstram como o tempo muda as pessoas. A trilha sonora é de Stewart Copeland, do The Police, o que traz uma ótima atmosfera própria para o filme.

Quando os Jovens se Tornam Adultos
Assisti Diner há muitos anos. Hoje resolvi assistir de novo. Engraçado mas muitas vezes esquecemos os filmes, mesmo quando gostamos deles. É mais ou menos o que aconteceu comigo em relação a esse filme. Nada como uma revisão para refrescar a memória. O elenco é muito bom com vários atores que estavam quase "chegando lá" (todos eles acabariam fazendo uma ou outra coisa marcante em suas carreiras nos anos que viriam). Dentre eles Steve Gutemberg (creditado como o principal ator do elenco e que estrelaria duas franquias de sucesso, Loucademia de Policia e Cocoon), Kevin Bacon (antes de estourar nas bilheterias com Footloose) e até Paul Reisner (que iria fazer sucesso anos depois na série de TV "Louco por Você"). Embora todos eles sejam talentosos o destaque principal do elenco é mesmo Mickey Rourke. Fazendo um jovem que se mete em apuros por dever a um apostador, Mickey rouba literalmente todas as cenas em que aparece. Com nuances à la James Dean, Rourke (na época apenas um jovem promissor vindo do Actors Studio) faz jus ao seu talento de bom ator. O roteiro é centrado em diálogos bem bolados do grupo de amigos que estão numa fase em que não são mais jovens demais e devem decidir o rumo de suas vidas (o título nacional resume bem a situação). Além disso é semi biográfico por parte do diretor Barry Levinson, que aqui narra histórias de sua juventude na sua querida Baltimore. Enfim, é um filme excelente para quem quiser conferir boas atuações, tudo com leveza e um fino bom humor

O Ano do Dragão
Um dos grandes sucessos de Mickey Rourke no mercado de VHS que naquele momento estava invadindo todos os lares aqui no Brasil e lá fora. A fita, um policial movimentado e com ares de fita de ação, caiu bem em cheio no gosto popular. O Ano do Dragão foi dirigido pelo cineasta Michael Cimino que já havia trabalhado com Mickey Rourke em um dos maiores fracassos de sua carreira: o caro e mal sucedido O Portal do Paraíso. O roteiro é de Oliver Stone, na época apenas um roteirista de sucesso que iria em breve estourar com o grande sucesso Platoon que mostrava as vísceras da Guerra do Vietnã. Curiosamente o policial interpretado por Rourke aqui também é veterano do Vietnã e odeia asiáticos em geral. Numa das cenas mais famosas ele desdenha de um oriental que tenta lhe explicar a importância da cultura milenar do oriente. Mickey Rourke surge em cena com os cabelos pintados de branco e seu personagem se chama Stanley White (branco) - seria mais uma reafirmação implícita do poder da raça branca sobre a amarela proposta discretamente por Oliver Stone em seu texto? Quem sabe o que se passava afinal na cabeça dele, só podemos mesmo deduzir sobre todas essa mensagens subliminares presentes no roteiro.

9 1/2 Semanas de Amor
Mickey Rourke foi um dos maiores símbolos sexuais do cinema nos anos 80. Sabia disso? Hoje ele está com sua aparência prejudicada por várias cirurgias plásticas mal realizadas mas há vinte anos o ator era considerado um sex symbol absoluto. Ele inclusive ditou moda no jeito de se vestir, andar, se comportar, sempre surgindo com barba por fazer dando aquele toque desleixado que as mulheres adoravam. Ninguém era mais cool do que Mickey Rourke em Hollywood. Esse "9 1/2 Semanas de Amor" foi feito para capitalizar em cima dessa imagem. Basicamente o filme não possui muita substância ou conteúdo, sendo mesmo uma produção que apela para a sensualidade, para o instinto do espectador. O roteiro tem ecos de "O Último Tango em Paris" pois as situações são muito parecidas entre si. Duas pessoas se conhecem, se envolvem e ignoram todos os demais fatores como convenções sociais, tabus e preconceitos. Eles se bastam a si mesmos. No fundo somos levados a presenciar apenas o encontro avassalador entre um homem e uma mulher que levam a paixão até suas últimas consequências. É em essência a adoração do corpo, do prazer sexual, sem culpa, sem mancha, sem medo. A paixão se bastando a si mesma. Como é um filme sensorial não existem grandes falas ou teses em debate, nada disso. A paixão não precisa ser intelectual, bastando a química funcionar entre os dois corpos e nada mais. Nada de conversas intelectuais ou algo do tipo. É de pele, calor, sensualidade, que o filme trata. Nesse ponto o diretor Adrian Lyne foi muito feliz pois realizou uma metáfora do desejo sexual livre de tabus ou sentimentos de culpa. Tudo muito simples. Um homem, uma mulher e a paixão que dura exatamente nove semanas e meia de amor. Tudo tão simples (e definitivo). Quem nunca passou por uma paixão assim? Essas geralmente são justamente as que mais duram pois a aventura traz um sabor todo especial para o libido tanto masculino quanto feminino. Casamentos são chatos e aborrecidos. Relacionamentos sérios demais também. Bom mesmo é se entregar de corpo e alma a momentos assim, sem se preocupar com o dia de amanhã! Depois desse filme Mickey Rourke fez filmes bem melhores como "Coração Satânico" ou "Barfly", por exemplo, mas nunca mais conseguu repetir o fenômeno comercial e social de "9 1/2 Semanas de Amor " que ficou em cartaz em São Paulo por anos a fio, se tornando o maior cult movie de sua carreira. As cenas viraram referências e influenciaram comercias de tv, videoclips e muito mais. Kim Basinger também nunca mais esteve tão bela e sensual como aqui. É aquela coisa, certos filmes se tornam a cara de uma geração justamente por terem sido realizados em determinada época. Esse é um caso típico. Amado por uns, odiado por outros, o fato é que a áurea de cult permanece intacta. Em sua simplicidade viril e instintiva o filme conseguiu atingir o público de forma muito especial. Era um reflexo da cultura sexual de sua época. Só isso já é o bastante para transformar a produção em um marco do cinema dos anos 80.

Coração Satânico
O filme definitivo de Mickey Rourke na década de 1980. Aqui ele interpreta o detetive de New Orleans Harry Angel que é contratado pelo misterioso Louis Cypher (Robert De Niro) para localizar um músico chamado Johnny Favorite que lhe deve algo (não se sabe o quê exatamente). Ao longo da investigação Angel vai descobrindo um sórdido mundo de feitiços, bruxarias e mortes. Sem entender exatamente o que está acontecendo ao seu redor ele cai em uma complicada teia de mentiras e falsas pistas que acabará o levando a descobrir um terrível segredo sobre si mesmo. Esse é seguramente um dos melhores filmes de Mickey Rourke onde tudo funciona excepcionalmente bem. O roteiro é um primor e a ambientação em New Orleans é simplesmente perfeita. A cidade, uma das mais interessantes dos EUA pois tem um cultura bem peculiar e própria, acaba virando também um dos principais elementos que rondam o mistério que o detetive Angel tenta desvendar. As cenas em que Rourke e De Niro contracenam são maravilhosas e ficaram marcadas como algumas das melhores do cinema dos anos 80. Robert De Niro inclusive colocou por conta própria vários elementos para a caracterização de seu personagem. Seu figurino, maquiagem, cabelos e trejeitos são criações do próprio ator. Aqui fica provado de uma vez por todas o excepcional talento do diretor Alan Parker em construir filmes marcantes e edificantes. Um cineasta bastante autoral que enfrentou ao longo de sua carreira vários problemas com os estúdios. Na época do lançamento o filme teve que lidar com a classificação etária por causa de cenas consideradas violentas ou explícitas demais. Há inclusive uma cena de sexo ardente onde as paredes começam a sangrar em profusão. O estúdio então ordenou a Parker que realizasse um novo corte para que o filme não se tornasse proibido a menores de 18 anos. Para evitar que isso acontecesse então Parker promoveu algumas alterações mas nada que maculasse o filme em si. Mesmo assim o resultado nas bilheterias não foi muito satisfatório. O tempo porém consagrou "Angel Heart" é hoje o filme é considerado uma obra prima, uma das melhores produções ao estilo noir feitas na era moderna. Cult por excelência, "Coração Satânico" é uma preciosidade, não deixe de assistir ou rever sempre que possível.

Prece Para um Condenado
Um dos melhores filmes da carreira de Mickey Rourke também é um de seus mais subestimados. Nesse excelente filme o ator interpreta um terrorista do IRA (Exército Revolucionário Irlandês) que entra em crise existencial após um atentado mal sucedido aonde pessoas e crianças inocentes morreram. Rourke ficou tão comovido pela luta dos irlandeses contra os ingleses que acabou tatuando a sigla do grupo em seu próprio braço. Nas filmagens deu entrevistas corajosas defendendo a causa do IRA mesmo sabendo que tais declarações iriam mais cedo ou mais tarde se voltarem contra ele. As filmagens não foram simples. Logo no primeiro dia de trabalho Rourke entrou numa série briga com um dos produtores executivos. Acontece que Mickey aceitou realizar o filme baseado em um roteiro que o estúdio queria mudar de última hora. Com medo de perdas financeiras os produtores queriam deixar a crise existencial do personagem de Rourke de lado para investir em mais ação. O ator ficou possesso. Numa das entrevistas que deu para a agência Reuters atacou o produtor do filme: "Esse cara pousou de pára quedas no primeiro dia de gravação e disse que o roteiro estava muito introspectivo e sem movimento. Então quis mudar tudo, tirando o drama para colocar cenas de tiroteio e ação. Era atroz! Ele queria um filme de Chuck Norris! Eu falei que se mudassem iria embora naquele mesmo dia. Se você estiver lendo essa entrevista saiba que você não passa de um imbecil!". A briga de Rourke pareceu surtir algum efeito mas os problemas com o filme continuaram. Pelo tema polêmico a produção enfrentou sérios problemas com o estúdio antes de seu lançamento. Foi proposta uma mudança de edição, numa tentativa de amenizar o tom provocativo do roteiro. Rourke entrou na briga novamente e foi aos jornais denunciar o que estavam fazendo com o filme. No meio da confusão o filme foi mal lançado e distribuído, o que talvez explique o fato de ser tão pouco conhecido. Rourke também ficou revoltado com o corte final dado pelos produtores. Em sua forma de pensar muito do potencial do filme foi simplesmente jogado fora. De qualquer forma a fita chegou ao mercado de vídeo no Brasil na época e alcançou um relativo sucesso em nossas locadoras no encalço de "Coração Satânico". Hoje é um filme complicado de se achar mas merece ser conhecido pelo tema importante e pela ótima atuação de Rourke, em um de seus momentos mais inspirados. Certamente poderia ter sido melhor se não tivesse enfrentado tantos problemas mas pela coragem de Rourke vale muito a pena ser redescoberto.

Barfly
"Barfly" (literalmente "mosca de bar") foi baseado nos escritos do autor maldito Charles Bukowski. Seu foco se concentra nos chamados "losers" da sociedade americana, os pobres, os marginalizados, os alcoólatras, as prostitutas e os moradores de rua. Ele própria definiu Barfly como uma crônica de muitas de suas noites de bebedeiras na juventude. Aqui Mickey Rourke encarna o próprio alter ego de Bukowski em uma caracterização brilhante que injustamente não foi indicada ao Oscar! Ele se despe de qualquer inibição e surge em cena barbado, gordo, decadente, bêbado. Contracenando com ele a grande atriz Faye Dunaway em delicada atuação. O filme tem um clima de melancolia e falta de esperanças que incomoda mas ao mesmo tempo consegue criar lirismo e afeição do espectador com os personagens, por mais complicados que eles sejam. Rourke para melhor atuar passou a frequentar o submundo de Los Angeles bem antes do começo das filmagens. Também procurou conhecer o autor. Em entrevista Mickey explicou que teve um certo receio em encontrar-se pessoalmente com Bukowski pois podia não ir com sua cara e isso prejudicaria sua atuação e o filme em si. Mas depois ponderou e decidiu que seria melhor o encontrar cara a cara. Depois de apresentações formais Rourke então o chamou para tomar todas num boteco perto do set de filmagens e assim acabaram se aproximando. Não demorou para que uma simpatia mútua surgisse entre eles. O filme foi dirigido pelo mestre Barbet Schroeder que já havia mostrado seu grande talento em vários filmes de grande sensibilidade emocional. Sua direção é concisa mas marcante. "Barfly" é uma produção indispensável para quem admira o trabalho de Mickey Rourke, um filme que é uma das maiores obras primas de sua filmografia. Imperdível.

Homeboy
Lutador fracassado de boxe tenta se redimir em sua vida profissional e afetiva participando de uma última luta decisiva em sua vida. "Homeboy" é provavelmente o filme mais pessoal da carreira de Mickey Rourke mas é pouquíssimo conhecido entre o público em geral. O roteiro foi escrito por ele usando de um pseudônimo (Eddie Cook). Quem apreciou "O Lutador" com o ator vai certamente apreciar também "Homeboy". Eu tenho uma entrevista antiga do ator feita no lançamento de "Coração Satânico" em que ele diz que seu próximo filme seria a realização de um de seus sonhos, um roteiro que mostrava a vida de um lutador de boxe fracassado que queria mostrar seu valor mas ao mesmo tempo era manipulado por um sujeito que queria ganhar as apostas das lutas que ele fazia. Pois bem era justamente de "Homeboy" que Rourke se referia naquela ocasião. Porque Mickey Rourke teve tanto interesse em filmar "Homeboy"? Ora. por causa da própria vida do ator. Ele tinha sido lutador de boxe antes de estourar como intérprete e tinha esse desejo de ter vencido no esporte que adorava. Infelizmente os palcos trouxeram a Rourke um meio de vida que o boxe não lhe proporcionava. Interessante é que após filmar "Homeboy" ele ficou tão influenciado pelo personagem que resolveu voltar aos ringues na vida real, volta essa que só durou algumas lutas já que sua idade não permitia continuar. O ritmo de "Homeboy" é lento, bastante contemplativo. Rourke desfila seu estilo próprio numa caracterização bem sutil. O filme foi dirigido por Michael Seresin, que havia trabalhado como diretor de fotografia de "Coração Satânico". O curioso é que esse aliás foi o único filme dirigido por Seresin pois ele na verdade sempre preferiu trabalhar como diretor de fotografia. Talvez essa falta de intimidade com a direção de atores tenha deixado "Homeboy" um pouco mais lento do que seria adequado mas mesmo assim nada que comprometa o resultado final. O elenco de apoio conta com a sempre interessante participação de Christopher Walken. Debra Feuer, a atriz que contracena com Rourke era sua namorada na época. Enfim fica a dica para os fãs de Rourke."Homeboy", um filme que diz muito sobre a vida e a personalidade do próprio ator. Uma produção pouco conhecida que merece ser redescoberta.

Francesco
Uma ideia no mínimo inusitada: colocar o ator outsider Mickey Rourke para interpretar São Francisco de Assis. O mais interessante é que tudo acaba dando certo. Rourke se mostra dedicado em cena encarnando um dos personagens mais importantes do Cristianismo, um homem rico de família influente que na Idade Média resolve largar tudo isso para se dedicar aos fundamentos mais profundos dos ensinamentos de Cristo: o amor ao próximo, a caridade, o despojamento do mundo material e a busca pela elevação espiritual. Seja você católico ou não o fato é que a história desse homem realmente impressiona. Na época Mickey Rourke foi bastante elogiado pela sua sensível atuação, principalmente na cena final quando o santo finalmente recebe os sinais de consagração que tanto almejava em vida.

Um Rosto Sem Passado
Um bom thriller de suspense e ação aonde Rourke interpreta Johnny Handsome (algo como Johnny "bonitão") um sujeito que muda seu rosto para fugir de seu passado de crimes e contravenções. Aqui Rourke foi dirigido pelo correto cineasta Walter Hill. Contracenando com ele a linda e muito sensual Ellen Barkin, na época no auge de sua carreira. A produção não fez muito sucesso nos cinemas mas conseguiu um relativo sucesso no mercado de vídeo quando lançado depois. Não é um filme com a mesma qualidade que Rourke vinha mantendo em sua carreira mas pelo menos é digno, não chegando a comprometer.

Orquídea Selvagem
Tentativa muito mal sucedida de reprisar o sucesso de Nove Semanas e Meia de Amor. Aqui Rourke se une ao roteirista do filme de Adrian Lyne para voltar ao velho argumento que tentava trazer para as telas uma sensualidade à flor da pele. Rodado no Brasil onde Rourke criou todo tipo de atrito com a imprensa local o filme não se traduziu em um bom produto. O roteiro é sem foco, disperso e cheio de furos. Não há uma boa estória e o personagem de Rourke é vazio e sem propósito. Nem a bonita presença de Jacquelne Bisset salva o filme de ser o primeiro grande abacaxi da carreira de Mickey Rourke. Esse pelo menos parece ter gostado das filmagens pois se apaixonou por Carré Otis, a modelo que era sua partner nas cenas mais sensuais. Anos depois se casaria com ela. No final Wild Orchid não fez o menor sucesso, apesar de que no Brasil conseguiu uma melhor repercussão em termos comerciais.

Horas de Desespero
Refilmagem de um antigo sucesso com Humphrey Bogart. No filme Rourke interpreta um dos assaltantes que invadem uma casa e fazem seus moradores de reféns. Contracenando com ele o grande Anthony Hopkins. Dirigido pelo cineasta Michael Cimino (o mesmo de O Ano do Dragão) o filme tentava repetir o bom resultado do anterior. Apesar da boa produção e dos diálogos bem trabalhados o filme não conseguiu alcançar um bom resultado comercial. Além disso em decorrência dos constantes atritos de Rourke com a imprensa ele acabou sendo "premiado" com uma indicação ao Framboesa de Ouro por sua atuação aqui. Certamente uma injustiça pois sua atuação é correta, sem máculas. O que pareceu mesmo foi tudo não passar de um ato de vingança dos jornalistas contra Rourke por algumas de suas atitudes fora das telas.

Harley Davidson & Marlboro Man
Depois de vários anos revi esse filme cujo nome mais parece comercial de empresas: Harley Davidson & Marlboro Man. Curiosamente não parece ser o caso pois as próprias empresas colocaram um aviso logo no começo do filme explicando que não se tratava de marketing disfarçado. Na realidade o uso dessas marcas vem de encontro à proposta de se criar personagens de estilo. Tanto o Cowboy (Don Johnson) quanto o Motoqueiro (Mickey Rourke) são apenas estereótipos na realidade. O mesmo vale para os bandidos, em casacos de couro à la Matrix eles também são puro design, sem qualquer tipo de profundidade por trás. O filme foi dirigido por Simon Wincer que havia se destacado pelo estranho filme "DARYL" e que curiosamente iria dirigir seu maior sucesso após esse aqui, o filme sessão da tarde "Free Willy". "Harley Davidson & Marlboro Man" é uma fita assumidamente simples (apesar de todo o estilo) e investe basicamente em várias cenas de ação - com destaque para o salto na piscina em um hotel de Las Vegas e o tiroteio em um cemitério de aviões da força aérea americana. Mickey Rourke e Don Johnson estão em seus tipos habituais. Na verdade fizeram o filme porque a carreira de ambos começava a declinar e tentavam emplacar um sucesso de bilheteria. Não conseguiram. O filme rendeu pouco e não conseguiu se pagar nos cinemas (a coisa só melhorou um pouco depois no mercado de vídeo). Enfim é isso, apesar de ter sido rodado nos anos 90 o filme mais parece um produto da década de 80. Se você gosta de filmes daqueles anos pode se divertir sem problemas.

Areias Brancas
Depois de alguns fracassos de bilheteria Mickey Rourke tentou recuperar o antigo sucesso com mais um thriller de ação e suspense. O filme foi dirigido pelo bom cineasta Roger Donaldson. Mickey Rourke interpreta um perigoso traficante de armas e drogas que é caçado por um xerife feito por Willem Dafoe. O elenco ainda contava com Samuel L. Jackson em boa atuação como um agente federal também em busca de Rourke. O filme tem bom ritmo e excelentes tomadas de ação. É um policial dos bons mas infelizmente não conseguiu alcançar bom resultado comercial. Chegou a ser lançado nos cinemas brasileiros mas também repetiu o resultado morno das bilheterias norte-americanas.

FTW
Produção classe B com Rourke no meio do universo country norte-americano. O título do filme, as iniciais FTW (Fuck The World), foram consideradas de extremo mal gosto na época. O roteiro foi escrito pelo próprio Mickey Rourke que trouxe para dirigir o filme o desconhecido Michael Karbelnikoff. Não conseguiu espaço nos cinemas brasileiros sendo lançado diretamente no mercado de vídeo. O argumento não é dos melhores. Rourke interpreta Frank Wells que após um período na prisão tenta reerguer sua vida como peão de rodeios. Apesar de curioso por explorar esse mundo de competições de rodeio o filme não consegue decolar, não conseguido atingir qualquer repercussão, seja do público, seja da crítica.

Brincando com o Perigo
Mais uma tentativa de Rourke em voltar a realizar bons filmes. A produção B tem jeito de telefilme e Rourke aceitou trabalhar por um cachê bem abaixo do que ele vinha recebendo desde então. Apesar das boas intenções o filme não funciona. Lidando com roubos a bancos, quadrilhas de assaltantes e muita ação a fita não consegue convencer. Apesar disso até que conseguiu um modesto resultado nas bilheterias americanas embora no Brasil não tenha conseguido espaço no circuito comercial ficando inédito por aqui.

Bullet
Outro filme que segue praticamente desconhecido do público brasileiro. É uma modesta produção rodada em Nova Iorque. No filme Rourke interpreta um ex presidiário (de novo?) que se torna joalheiro no Brooklin, um bairro negro da cidade. O que vale mesmo aqui é o elenco de apoio que conta com os bons Adrien Brody e o rapper Tupac Shakur que depois seria assassinado se tornando um ídolo do gênero musical que o consagrou. Tupac era amigo pessoal de Rourke e esse sentiu bastante sua morte.

Traído Pela Paixão
Péssimo filme que Rourke só topou fazer por causa do cachê mesmo. Na trama ele interpreta o psiquiatra Ed Altman que se vê envolvido em uma teia de conspirações de assassinato e morte envolvendo seus pacientes. O roteiro chato e confuso não leva a lugar nenhum. O filme ainda tenta extrair alguma sensualidade de algumas cenas mais sensuais mas tudo é em vão. Um dos piores momentos de Rourke em sua carreira. Essa é outra produção com Mickey Rourke que permaneceu inédito no Brasil sendo desconhecido do grande público.

A Colônia
Com a carreira em frangalhos Mickey Rourke aceitou dar uma força ao amigo Jean Claude Van Damme participando desse filme. Ser vilão em filmes de pancadaria com Van Damme não era bem o que se esperava do "ex-futuro Marlon Brando" mas como ele vinha de uma sucessão de filmes sem expressão até que trabalhar nesse tipo de filme, que era muito popular na época, não parecia assim uma má idéia. De qualquer forma a Colônia tem seus méritos pois foi dirigido pelo cineasta Hark Tsui um mestre no gênero. A produção fez relativo sucesso e serviu para lembrar aos produtores que Rourke ainda era um nome a se levar em conta na escalação de elenco de filmes populares, pelo menos.

9 1/2 Semanas de Amor 2
Em uma tentativa desesperada de emplacar algum sucesso em sua cambaleante carreira, Mickey Rourke aceitou fazer essa continuação de um de seus maiores sucessos. O projeto soava como oportunismo puro e tirando Rourke nenhum membro do filme original estava envolvido. Nenhum sinal de Kim Basinger ou Adrian Lyne. Como era de se esperar de um filme assim tudo deu errado. Foi massacrado pela crítica e um tremendo fracasso de bilheteria. Mesmo que a produção procurasse ser de bom gosto, com finas locações em Paris nada conseguiu salvá-la do desastre completo. Rourke continuava sem sorte e com o nome associado a filmes que não conseguiam fazer sucesso nos cinemas.

O Homem Que Fazia Chover
Nessa altura da carreira Mickey Rourke tinha duas opções a seguir: continuar a estrelar produções B em que seu nome aparecia como o astro principal ou aceitar fazer personagens coadjuvantes em filmes melhores. Felizmente ele tentou o segundo caminho aqui. Fazendo um papel secundário nesse excelente drama de tribunal dirigido pelo grande diretor Francis Ford Coppola. O personagem de Rourke é um presente após tantos filmes sem expressão. Aqui ele interpreta um advogado "tubarão" chamado Bruiser Stone. Um profissional nada ético que vive de dar golpes em seguradoras. O Homem Que Fazia Chover foi um oásis no meio dos filmes de segundo escalão que Rourke vinha participando. Um de seus melhores momentos em anos nas telas.

O Implacável
Mickey Rourke volta a ser vilão em um filme de ação. Aqui ele é o antagonista para o astro Sylvester Stallone. O filme é um remake de um antigo filme estrelado por Michael Caine. O personagem de Rourke, Cyrus, não é muito relevante. Na realidade a produção foi uma tentativa de levantar a carreira de Stallone que parecia ter perdido o brilho para excelentes bilheterias. Aqui ele está em cena com um cavanhaque fora de moda em atuação muito fraca. O filme não fez sucesso e foi mal recebido pela crítica. Como o personagem de Rourke não era central ele pelo menos foi poupado de ser acusado de ser o culpado por mais esse fracasso em sua filmografia.

A Promessa
Curiosamente um filme que apesar de seus méritos segue pouco conhecido e comentado. Em "A Promessa" o diretor Sean Penn mostra que tem bastante talento em contar enredos edificantes. Jack Nicholson está excelente na pele do policial Jerry Black, um sujeito que em plena aposentadoria resolve solucionar o último caso de sua carreira, custe o que custar. O filme lida com um serial killer pedófilo especializado em assassinar garotinhas de nove anos. Seu modus operandi é sempre o mesmo e com base nisso o personagem de Nicholson não medirá esforços para pegar o verdadeiro assassino. Sua caça beira às raias da obsessão pessoal e o diretor joga muito bem com essa dualidade, deixando o espectador sem saber se o tira está realmente chegando perto do verdadeiro psicopata ou se está simplesmente enlouquecendo! O elenco é excepcionalmente bom. Jack Nicholson deixa seus personagens de sorriso maluco para trás e aqui interpreta um sujeito sério, um tanto angustiado e pouco amistoso. Seu trabalho é contido e na minha opinião de excelente nível. Já o elenco coadjuvante conta com nomes especiais. O principal deles é Mickey Rourke. Contracenando pela única vez ao lado de Jack em uma cena muito tocante (embora de curta duração). Vanessa Redgrave, Helen Mirren, Harry Dean Stantom e Benicio Del Toro também marcam presença, com participações pequenas mas importantes dentro da trama. É isso, "A Promessa", dez anos após seu lançamento, merece ser revisto mais uma vez pois funciona tanto como policial como drama existencial. Assista!

Spun - Sem Limites!
Filme com edição alucinada que retrata a vida de um grupo de viciados em drogas pesadas como Metanfetamina. Mickey Rourke faz o papel de um "cozinheiro" da droga que acaba tendo problemas com o "cozimento" da mesma. Spun é uma produção estranha, com personagens bizarros em excesso. Talvez por isso tenha chamado certa atenção da crítica especializada. Era para ser um documentário mas o diretor acabou optando por criar uma filme ao estilo convencional. Produção independente feita com doações de amigos do cineasta Jonas Åkerlund, Spun acabou permanecendo inédito no Brasil mas conseguiu espaço na TV a cabo sendo exibido pelos canais HBO.

Sin City
Muitos atribuem o renascimento da carreira de Mickey Rourke ao filme O Lutador. Antes disso esquecem que Rourke fez esse Sin City, filme que teve grande repercussão, levantando a carreira de Mickey de uma forma muito positiva. Baseado em famosa Graphic Novel, Sin City mostra várias estórias paralelas, uma delas focada em Marv (Mickey Rourke) um sujeito durão mas de bom coração. Sob forte maquiagem o ator realizou uma excelente caracterização de seu personagem. Ao lado de outros astros (Bruce Willis, Clive Owen) contribuiu para o grande sucesso de público e crítica da produção. O filme rendeu mais de 250 milhões de dólares e reconciliou Rourke com os grandes sucessos de bilheterias após vários anos de vacas magras nesse aspecto.

O Lutador
O filme que marcou o verdadeiro renascimento artístico do ator Mickey Rourke. Com roteiro sensível e humano e direção do talentoso cineasta Darren Aronofsky, O Lutador se tornou um dos filmes mais badalados de 2008. Aqui Mickey Rourke interpreta o tocante papel de Randy 'The Ram' Robinson, um decadente lutador de luta livre cuja glória há muito passou em sua vida. Vivendo de empregos medíocres Randy tenta reencontrar a felicidade e o caminho do sucesso de outrora. O argumento obviamente trazia muitas semelhanças com a própria vida de Mickey Rourke que conheceu ao longo de sua vida tanto a glória como o fracasso completo. Desprezado ousou manter sua dignidade intacta mesmo quando todos o abandonaram. A interpretação de Mickey Rourke aqui foi realmente fenomenal e valeu a ele indicações aos principais prêmios do cinema. Venceu o Globo de Ouro de Melhor Ator mas perdeu o Oscar para Sean Penn apesar de ter sido apontado como o favorito. Não faz mal, O Lutador é uma obra prima que trouxe de volta ao primeiro time esse ator tão especial.

Homem de Ferro 2 
Depois de vários dias hoje finalmente consegui assistir Homem de Ferro 2. Não tive nenhuma surpresa. O filme é praticamente igual ao primeiro com apenas algumas inovações, algumas bem desperdiçadas. O mais gritante foi a falta de aproveitamento de Mickey Rourke no filme. Veja, geralmente em filmes baseados em quadrinhos os vilões acabam roubando o show. Foi assim em Batman e por isso eu esperava que algo parecido acontecesse aqui. Me enganei. Mesmo tendo no elenco um ator de primeira fazendo o vilão nada ou muito pouco foi aproveitado. Mickey tem poucas cenas onde teria oportunidade real de mostrar seu talento. Infelizmente nem mesmo seu confronto com Robert Downey Jr na cena da cela é aproveitada. Enfim, um tremendo desperdício. Se as cenas são tão escassas e vazias não precisava chamar um ator do quilate de Mickey Rourke, qualquer ator comum daria conta do recado. Além disso não gostei de Robert Downey Jr. Esse ator anda extremamente repetitivo em suas atuações, cheio de maneirismos pessoais o que não acrescenta em nada ao filme. Talvez tenha sido os anos de abuso em drogas mas o fato é que Robert não consegue sair do tipo estressadinho, nervosinho, prestes a dar um chilique. Ele já foi bom ator no passado mas depois que saiu a fazer um blockbuster atrás do outro virou um intérprete vazio, repetitivo e o que é pior, muitas vezes ignorando completamente o personagem que está interpretando. No fundo ele só faz um papel sempre, o dele mesmo em cena. Não importa se é o Homem de Ferro ou o Sherlock Holmes, Robert Downey Jr sempre surge como Robert Downey Jr em qualquer filme que faça. Achei que o filme também não cumpriu as expectativas no quesito Efeitos Especiais. Todas as principais cenas com o Homem de Ferro são mostradas à noite onde pouca ou quase nada se vê (geralmente só se consegue visualizar pontos de luz indo de lá pra cá). Os robôs vilões também são outra decepção. Seu visual é completamente ultrapassado e retrô, nada originais. Em relação ao restante do elenco não há muito o que dizer: Gwyneth Paltrow está patética, dando gritinhos nervosos a todo momento, se tornando aborrecida e irritante e Scarlett Johansson entra muda e sai calada (sua dublê até que luta direitinho). Enfim, o diretor Jon Favreau realizou um filme burocrático, quase uma cópia fiel do primeiro (com efeitos especiais inferiores) De maneira geral achei um filme bem clichê, sem nenhum traço de personalidade.

Os Mercenários
Stallone não desiste. Já prestes a entrar na terceira idade o ator não se rende ao peso dos anos, sempre procurando se reinventar. Quem diria que nessa altura de sua vida ele conseguiria emplacar uma nova franquia de sucesso? Pois é, ele conseguiu. Se não já bastassem as franquias Rocky e Rambo, o idoso astro emplaca agora mais esse "Os Mercenários". De certa forma o grande problema aqui é o atraso. Essa produção deveria ter estreado há 25 anos pelo menos, em pleno anos 80. Se tivesse sido lançado naquela época seria um estouro certamente. Maior do que foi agora. Claro que na época seria impossível reunir tantos astros de ação em apenas um filme pois na década de 80 eles ganhavam cachês milionários (algo que hoje em dia não se repete mais). Lançado agora o filme soa apenas como uma aventura retrô, com muita testosterona mas pouquíssima qualidade cinematográfica. De certa forma ele só funciona como produto de nostalgia para quem era jovem ou criança na década de 80 e cresceu assistindo aqueles filmes violentos de ação de Stallone e cia. É curioso porque naqueles tempos Stallone lutava muito para trazer melhores roteiros para seus filmes que sempre eram criticados severamente nesse aspecto. Em uma atitude quase de mea culpa Stallone literalmente jogou o balde aqui e resolveu assumir esse tipo de defeito em "Os Mercenários" pois o roteiro é tão fraquinho! Basicamente se trata de uma premissa bem básica para servir de estopim para a pancadaria e as pirotecnias habituais. Praticamente não há atuação ou qualquer argumento mais trabalhado. O único ator que traz alguma coisa próxima de uma "atuação" é Mickey Rourke (em determinada cena ele mostra seu grande talento e declama o texto mais longo do filme enquanto Stallone fica olhando com cara de bobão). Há ainda a reunião tão falada dos três maiores ícones dos filmes de ação dos anos 80: Sylvester Stallone, Arnold Scharzenegger e Bruce Willis. Para quem é fã do estilo isso era algo esperado há muitos anos. A cena em si é até bacaninha mas menos engraçada ou marcante do que poderia ser. O resto do filme é pura action movie ao estilo anos 80 (muito tiro, chute, explosões e inimigos morrendo a atacado). Quando o personagem de Stallone resolve matar ele detona uns 400 caras de uma vez só! Me lembrou até de "Comando Para Matar" o mais exagerado filme daquela década. É aquele tipo de coisa que todo já viu e reviu muitas e muitas vezes, então sem surpresas. Senti falta também de vilões melhores. Eric Roberts é muito sem expressão e o general do terceiro mundo (obviamente uma caricatura) não consegue ser marcante. No mais uma curiosidade: nos últimos 25 minutos de filme quase não há diálogos - só porrada. É isso, "Os Mercenários" é um filme da década de 80 que não foi produzido nos anos 80. Vale como nostalgia mas com cara de prato requentado. E que venha a continuação agora, com o Chuck Norris! Pelo menos promete ser bem mais divertido do que esse primeiro.

Passion Play
Acabei de conferir esse bizarro, para dizer o mínimo, filme. Eu sinceramente gostaria de conhecer o produtor que teve a coragem de investir tempo e dinheiro em uma coisa tão idiota como essa! O argumento não tem a menor lógica: Garota com asas, Megan Fox (que atriz péssima, vou te contar), é resgatada de um circo de quinta categoria por um músico fracassado (Mickey Rourke, totalmente deformado e com um figurino de assustar de tanto mal gosto). Juntos iniciam um romance de meia tigela que não convence ninguém - e pra piorar são perseguidos por um criminoso local (Bill Murray, em péssima atuação - será que o sujeito tá falido pra entrar em um mico desses?). A produção é ridícula - totalmente fake, com uso de pavorosos efeitos (ou seria defeitos) especiais. Lamento por nomes como Mickey Rourke e Bill Murray estarem no meio desse abacaxi. Mickey inclusive já soltou farpas contra o filme em algumas entrevistas dizendo que é uma bomba. Devo discordar dele, o filme não é apenas uma bomba mas sim uma bomba nuclear! Já a Megan Fox é uma coisa mesmo. Provavelmente seja a atriz mais medíocre do mundo - não consegue fazer uma expressão convincente - a mulher é uma pata!. Ver ela ao lado de Mickey Rourke é uma coisa mais bizarra que o próprio filme. Em poucas palavras: Passion Play é um pavor de ruindade. Lixo!

13
Vamos aos fatos: quando esse filme foi anunciado eu pensei sinceramente que fosse uma tremenda porcaria. Bom, as aparências enganam. Como fui com expectativas baixas acabei me surpreendendo de forma positiva. Eu pensei de forma equivocada que a simples presença de Jason Statham no elenco já qualificaria o filme como mais uma de suas fitas de pura ação sem cérebro. Estava errado. O filme é um thriller rápido mas envolvente que mostra um tenebroso torneio de roleta russa no submundo de Chicago. Grande parte do filme realmente gira em torno da tal "competição" e por isso muitos bons atores que estão no filme realmente não tem grande coisa a fazer em cena. Mickey Rourke, por exemplo, pouco acrescenta, não passando de um coadjuvante de luxo. Mais deformado do que o habitual o ator novamente desfila sua coleção de roupas e acessórios bizarros e apesar de seu personagem prometer muitos nas cenas iniciais não se desenvolve, desaparecendo sem alarde no terceiro ato do filme, o que não deixa de ser algo decepcionante do roteiro. Para quem gosta de seriados, duas surpresas: as presenças de David Zayas (de Dexter) e Alexander Skarsgård (o vampiro de True Blood). Ben Gazarra, muito envelhecido, também dá o ar da graça assim como o rapper 50 Cent (que é péssimo ator). Enfim, o filme é bom apesar disso e tem um final realista e cruel que acrescenta muitos pontos em seu saldo final. Vale a pena conferir.

Imortais
Fui assistir a esse filme com o fiasco de "Fúria de Titãs" na cabeça. Por isso não tinha a menor fé em nada - pensei que seria mais um lixo Hollywoodiano. Para minha surpresa acabei achando interessante. Talvez por estar com expectativas quase a zero acabei ao final achando um blockbuster decente. Obviamente não aconselho aos estudiosos de mitologia grega, esses ficarão desapontados. O roteiro toma enormes liberdades com os mitos originais. Teseu, por exemplo, virou um rebeldinho revoltado, sem consistência. Monstros famosos como o Minotauro foram relegados a um simples grandalhão com máscara de touro feito de gravetos e por aí vai. O que salva "Imortais" do desastre é em primeiro lugar a linda direção de arte do filme e em segundo a presença sempre muito bem-vinda do ator Mickey Rourke. O filme é o que gosto de chamar de produção de luxo. Claro que praticamente todo ele foi gerado digitalmente mas mesmo assim achei tudo de muito bom gosto, sua fotografia em tons dourados, as cores gritantes das capas e uniformes. Até mesmo o figurino, que foi tachado de brega e excessivo em algumas resenhas, acabou me agradando. Já Mickey Rourke é um capítulo à parte. Esse é o tipo de ator forjado no Actors Studio que consegue sobreviver a (quase) tudo. Não escondo de ninguém que sou admirador de carteirinha dele. Aqui temos o típico caso de ator maior que o filme. Seu personagem, o rei Hyperion, não é nem melhor e nem pior que outros vilões que enchem os blockbusters americanos todos os anos, a diferença é que Rourke declama até os mais simples diálogos com cuidado, capricho, e isso é sem dúvida uma grande diferença com os canastrões de hoje em dia. E por falar em canastrão o tal de Henry Cavill (que faz Teseu) é de uma nulidade gritante. Sem carisma, mono facial e sem graça quase leva tudo a perder. Se não fosse Rourke segurando as pontas o quesito atuação do filme seria simplesmente desastroso. Enfim, gostei de Rourke, da direção de arte e do bom gosto. Desgostei do Cavill, dos deuses (medíocres) e dos Titãs (esses últimos parecem zumbis de quinta categoria). Apesar de tudo no fim das contas vale uma espiadinha.

Pablo Aluísio.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O Vampiro de Versalhes - Parte 8

Ruas Sangrentas de Lisboa
Estrada para Lisboa, 2 de fevereiro de 1890
Prezada Estefânia,
Eu realmente tinha planos de matar Valentino, mas decidi que deveria ser algo bem planejado, sem pressa, tudo deveria ser executado de forma minuciosa. Para minha surpresa, enquanto tecia planos e mais planos em minha mente, soube que Valentino foi encontrado morto em sua taverna esfumaçada e escura. As investigações apontavam para uma certa mademoiselle Lisa. Essa jovem moça era uma das escravas sexuais do vampiro. Uma pessoa que sofreu atrozes torturas em suas mãos por anos e anos. Depois de muitos abusos, o caldeirão um dia iria entornar. Ela o havia matado com requintes de crueldade.

Valentino foi encontrado pelos policiais completamente calcinado. Impossível reconhecer. Porém havia dois detalhes determinantes que chamaram muito a minha atenção na noite seguinte quando li os jornais com as notícias. Em volta do pescoço dele havia um arame farpado que o prendia a um crucifixo. E em seu peito uma grande estaca havia sido fincada. Isso provava duas coisas importantes. Primeiro que Valentino estava definitivamente morto. Nenhum vampiro iria sobreviver aquele tipo de agressão com ares de culto religioso. Segundo, o mais importante, é que quem o matou sabia que estava matando um vampiro. Teria sido apenas a mademoiselle ou alguém com os adequados conhecimentos a havia lhe ajudado?

De uma maneira ou outra, comprei uma passagem de viagem para Lisboa. Era uma bonita cidade, mas o excesso de igrejas e catolicismo me incomodava muito. Nas pequenas ruas de pedras seculares sempre havia uma procissão passando, gente rezando. Para falar a verdade eu nunca havia conhecido um povo tão religioso como aquele. E isso, para um vampiro, nem era a pior parte. Ter que ficar ouvindo aquelas ladainhas, aquelas orações que pareciam nunca chegar ao final, me incomodava bastante. Era muita carolice para um vampiro velho como esse que lhe escreve.

Assim que anoiteceu subi na carruagem e fui embora rumo ao meu destino. Essa seria a última vez que iria fazer uma longa viagem com carruagem. A modernidade havia chegado também na Europa. Os carros estavam prestes a surgir nas estradas. Eu achava aquela máquina algo de intrigante. Eu costumava zombar um pouco, dizendo que eram carruagens sem cavalos, porém quem poderia deter o progresso? Ao longo dos séculos nunca havia visto uma prova concreta da existência de Deus, mas todos os dias me espantava com a capacidade da ciência em inovar e trazer melhorias para a sociedade. Seria a ciência o verdadeiro Deus da humanidade? De vez em quando eu me pegava com esse tipo de questionamento passando por minha mente.

O Clero
Lisboa, 10 de fevereiro de 1890
Estefânia, minha querida...
Após várias tentativas finalmente consegui ser recebido pelo Cardeal Bragança, o membro do clero católico que poderia me dar informações sobre o Livro de Sangue. Eu não menti, me apresentei como especialista em antiguidades e expert em livros raros, algo que sou realmente. Apresentei meus documentos de identificação que me qualificavam como um autêntico pesquisador. 

Ele era um homem fino e educado. Esperava exatamente por isso. O clero católico sempre foi muito culto e versado. Em termos religiosos nenhuma outra seita ou religião chegava perto nesse aspecto. Ele me disse que estava curioso em saber por que eu queria pelo menos ver o tal Livro de Sangue. Era uma obraa medieval, até hoje pouco conhecida ou entendida. Havia muitas lendas envolvidas sobre ela, mas fatos concretos, muito pouco havia o que falar. 

Tendo ganhado sua confiança ele começou a me explicar sobre o Livro de Sangue. 

- Essa é uma obra que nasceu e foi escrita dentro daquele caldeirão cultural que virou uma verdadeira febre na Idade Média, com toda aquela busca pelos milagres que a Alquimia tanto prometia aos desejosos de transformar qualquer metal em ouro...

Ele acendeu um pequeno cigarro muito fino e continuou sua explicação...

- A alquimia medieval em si nunca foi uma ciência, mas de certa maneira inspirou o surgimento da ciência tal como a conhecemos. E suas premissas básicas, de que haveria possibilidade de mudança dos elementos químicos foi confirmada pelos cientistas séculos depois. Os alquimistas assim não eram tolos... Eles realmente tinham as premissas adequadas...

Fiquei prestando atenção na importante explicação daquele homem realmente culto, então resolvi perguntar: 

- Você leu o livro? Ele é basicamente um livro de alquimia?

Ele parou por alguns instantes, deu uma baforada na fumaça do cigarro e continuou a explicação...

- Não diria que é apenas um livro de alquimia. Há muitos elementos religiosos e de saber sobrenatural envolvidos. Há coisas estúpidas escritas no livro, como transformar vampiros em mortais novamente, mas isso é parte do folclore da época... E existe, claro, estranhos experimentos afirmando que seria possível mesmo transformar qualquer metal em ouro puro... Enfim, conjunturas, conjunturas.... De minha parte apreciei um pequeno glossário sobre demônios que o livro traz... Eu sempre tive particular interesse em demonologia e nesse aspecto esse livro antigo traz informações importantes..

Fiquei ouvindo com atenção. Pouco me importava a parte sobre demônios. Eu queria mesmo era ler a parte do livro que tratava dos vampiros. Fiquei muito pensativo sobre a possibilidade de se reverter o processo do vampirismo. Isso seria realmente genial, embora eu não estivesse com planos concretos de voltar a ser um mortal.

De repente o religioso se levantou e me dispensou. 

- Lamento, tenho que interromper nossa conversação. Tenho agenda cheia amanha. Irei trabalhar administravelmente na diocese e irei celebrar missas logo pela manhã, às sete. De qualquer forma agradeço seu interesse. 

Perguntei como seria possível ter acesso ao Livro de Sangue. 
Ele respondeu:

- O livro está atualmente no Vaticano, guardado a sete chaves. Não é fácil chegar nele, mas é possível. Você terá que fazer um requerimento por escrito à Santa Sé, mostrando os motivos de seu interesse, a linha de pesquisa que está sendo seguida. O Vaticano é aberto para pesquisadores, não para meros curiosos, por isso aconselho que apresente uma carta de recomendação da universidade pelo qual você está fazendo sua pesquisa. 

Puxa, aquele era um problema e tanto que eu teria que resolver dali em diante...

Maximilian.

O Destino de Maximilian
Eu, o historiador Pierre, concluo o meu trabalho de pesquisa agora. A carta anterior datada de 10 de fevereiro de 1890 foi a última encontrada. Essa então será, de certa maneira, uma pesquisa inconclusiva. Até que tenhamos acesso a novas cartas, tudo terá se perdido nas areias do tempo...

Depois dessa data e dessa carta nada mais foi encontrado sobre esse nobre vampiro em bibliotecas da Europa continental. Pelo menos, por enquanto. Cartas mais recentes podem existir, mas não foram encontradas, essa é a verdade. O que terá acontecido? Por onde andou? Estaria ainda vagando nas noites escuras? Pela importância do registro histórico passo a pensar em seu destino.

Ele estava prestes a ir para o Vaticano... será que realmente viajou até lá?... Em extensas pesquisas o máximo que encontrei foram pistas que reproduzo abaixo. 

Há um obituário em nome de um certo homem chamado Louis Maximilian datada de meados de setembro de 1916, na cidade de La Rochelle. Esse nobre senhor foi encontrado morto em sua casa nos arredores da cidade. Morreu tranquilamente enquanto lia um livro de alquimia medieval. Esse detalhe foi o que mais me chamou a atenção.

O senhor Jean Lobothan cuidou de seu funeral. Nenhum parente apareceu, apenas o padre Mckenzie que leu alguns salmos, enquanto o caixão de Louis descia em sua cova. Era uma manhã gelada de inverno. A senhora Eleanor, que havia sido sua governanta nos últimos meses, jogou um pequeno buquê de flores violetas. 

Teria ele encontrado mesmo o caminho de retorno para a mortalidade e a partir dali envelheceu e esperou por sua morte, pela paz eterna? Não sabemos...

O que descobri pela leitura do velho jornal amarelado pelo tempo é que seu funeral foi breve e rápido. O padre disse algumas breves palavras. Viemos do pó e ao pó voltaremos. Depois todos se cumprimentaram e deram as costas, deixando Louis para a eternidade. 

E os flocos de neve começaram a cair suavemente em seu ataúde preto com detalhes dourados...

Pablo Aluísio.

O Vampiro de Versalhes - Parte 7

O Livro de Sangue
Londres, 19 de janeiro de 1890
Prezada Estefânia,
Como você pode prever, estou de volta e continuo em Londres. Não por causa de assassinos em séries deselegantes, que mais parecem açougueiros de bairros sujos, mas pela simples razão de que encontrei uma boa amizade na cidade. Estou apreciando a companhia de Lord Lancaster, um homem fino e elegante que tem proporcionado à minha pessoa momentos de prazer, pois é um daqueles lords britânicos com ótima conversação. 

Já é um senhor idoso, já passou dos 80 anos, mas penso que tem mais de 500 anos! Ok, você não acredita quando falo que sou um vampiro, porque, como você mesmo não cansa de repetir em suas cartas, vampiros não existem! Tudo bem, respeito seu ponto de vista, mesmo que ele esteja errado. Então imagino agora sua expressão ao ler essa linhas, pelo simples fato de que agora vou afirmar que não apenas eu sou um vampiro, mas meu nobre colega, Lord Lancaster, também é! 

Ele é seguramente um dos vampiros mais antigos da Europa. Um ser que já enfrentou todos os tipos de perseguições e batalhas. Um sobrevivente de nossa classe. Ele não abriu o jogo logo que nos conhecemos. Fui até sua bela casa de interior para tentar adquirir algumas peças antigas, mas acabei me tornando de fato seu amigo. E após muitas noites de diálogos mais do que prazerosos, onde conversamos sobre tudo, de arte a antiguidades, de religião, filosofia, passando até por gastronomia, ele finalmente me contou que era, assim como eu, um vampiro... 

Na verdade ele só me contou tudo porque descobriu antes que eu era uma criatura da noite. Deixou pequenas armadilhas para confirmar suas suspeitas e teve todas as provas de que necessitava. Foi até um momento de puro humor negro britânico quando finalmente nos olhamos e nos deixamos levar pela confissão maior de nossa raça...

- Sim, eu sou um vampiro! - confessei, dando de ombros... Um leve sorriso irônico acompanhou a frase, além do olhar para os lados, afinal o que mais eu poderia fazer naquele tipo de situação?

- Então somos primos, meu amigo! - Disse Lord Lancaster levando ao alto sua taça...

Rimos muito naquele momento... risos sinceros... eu estava mesmo precisando de algo assim...

E assim finalmente relaxamos. Entre as coisas importantes que ele me contou está a existência de uma antiguidade cobiçada pelos vampiros europeus. Trata-se de uma antiga publicação conhecida apenas como "O Livro de Sangue". 

Provavelmente foi escrita e confeccionada na Idade Média. O Lord Lancaster me disse que provavelmente é um livro que data entre 520 a 530 da era comum. Ou seja, tem quase 1500 anos de existência!

Historiadores especializados em Idade Média porém acreditam que esse livro pode ser muito mais velho. Essa fata inicial é apenas a referência do primeiro registro histórico de sua existência. Trata-se de um documento da Igreja Católica. O livro havia sido achado na cabana de uma senhora que estava sendo acusada de bruxaria. 

Ela foi morta na fogueira, pobrezinha, mas o livro acabou sendo levado para o Vaticano. Curiosamente esse precioso e raro livro acabou sobrevivendo às chamas das grandes fogueiras onde a Igreja lançava os livros que entendia ser blasfemos e hereges. Até hoje se discute porque a Igreja não destruiu o livro...

Lord Lancaster acredita que o livro trazia informações preciosas e importantes para o clero católico, informações que ajudariam a Igreja a lutar contra as forças do mal. Por isso seu original foi preservado, para estudos e aprofundamentos por parte dos chamados estudiosos do alto clero do catolicismo.

Como um expert em antiguidades daria tudo, mas tudo mesmo, para colocar minhas mãos nessa preciosidade da literatura medieval. Seria uma peça de extremo valor em minha coleção particular. Eu estava disposto a estudar cada linha de suas páginas, cada detalhe de sua produção medieval. Fiquei muito empolgado ao saber de sua existência!

O Lord Lancaster então me deu uma informação importante. 

- Vá para Madrid, conheça o vampiro Valentino, ele sabe por onde começar suas buscas. Vou lhe escrever uma cartão de recomendação, ele o receberá bem...

E assim foi feito. Lord Lancaster foi mais do que um amigo, foi uma descoberta maravilhosa. Ninguém poderia pensar que um inglês e um francês pudessem se dar tão bem. Estamos acima desse tipo de bobagem de patriotismo. 

Fiz minhas malas imediatamente. Já sabia para onde iria viajar em seguida, após deixar Londres para trás...

Maximilian. 

O Vampiro Valentino
Madrid, 1 de Fevereiro de 1890
Querida Estefânia,
Estou finalmente nessa bela cidade espanhola. Parece minha querida Paris, há arte e história em todos os lugares para onde se olha. Os velhos monumentos, os antigos prédios do passado, tudo ainda está de pé. Deveria ter vindo nessa cidade há muitos anos. Fiquei realmente maravilhado com a arquitetura, com as pessoas, com tudo. Madrid brilha de noite, é uma visão magnífica. 

Há muitos motivos para se conhecer tão belo lugar, mas no meu caso, estou aqui para conhecer Valentino. Quero informações sobre o livro de Sangue, penso que ele, por indicação do Lord Lancaster, poderia me ajudar nessa busca que agora se tornou um tipo de boa obsessão pessoal de minha parte. Temos que ter bons motivos para continuar em frente. Arranjei um novo e muito bom. Está me motivando como há muito tempo não acontecia. 

E afinal quem seria esse Valentino?

Valentino era bem conhecido nos meios obscuros das ruas sombrias da velha Europa. Não se sabe ao certo suas origens. Das informações que obtive, vou aqui deixar um pequeno resumo de suas trajetória. Assim que se tornou um ser da noite ficou obcecado por sangue de lindas virgens. Por seu sotaque e forma de agir ele provavelmente tinha origem além-mar, talvez no distante e exótico Norte da África. Isso talvez explique uma das formas como é conhecido, ou seja, o mouro! Só que Valentino não falava sobre seu passado, como se escondesse algo trágico. E quando não se fala muito sobre o que passou, se abrem janelas para especulações.

Valentino era um vampiro antigo, provavelmente trezentos anos. Dizia-se que havia sido mercador de escravos. Outras fontes diziam que havia criado uma rede de masoquismo no novo continente, o que fez com que fosse perseguido pelos colonos. De uma maneira ou outra, por volta do século XVII ele finalmente subiu em uma velha nau holandesa de madeira e foi para a Europa. 

Essa estranha figura se instalou inicialmente em Lisboa, onde abriu uma taverna que só funcionava a partir do crepúsculo. Ali, dizia-se (sempre muito boatos envolvidos) que ele mantinha uma casa de tolerância com beldades inglesas que importava para Lisboa. Esse vampiro - sim, eu sei do que estou falando - tinha mesmo preferência por mulheres jovens a quem podia sugar o sangue, participando de orgias sexuais sem fim.

A vida devassa e inescrupulosa de Valentino fez com que muitos cruzassem seu caminho. Havia um código de ética entre vampiros europeus e essa sombra noturna estava violando todas essas regras não escritas. Havia rumores que Valentino estaria transformando algumas de suas jovens em vampiras, o que ia contra todo o protocolo de comportamento de um nobre bebedor de sangue humano. 

Fui até onde ele morava. Eu que havia vivido na luxuosa corte de Maria Antonieta, achei seu cabaré  um verdadeiro horror estético. Com cortinas vermelhas escuras, clima de pura decadência moral, não era o lugar adequado para se levar alguém de bom gosto e refinamento. Era sem dúvida um ambiente vulgar!

Valentino sentava-se ao centro do grande salão e comandava suas prostitutas de inferno. Logo percebi que pelo menos duas ou três delas já estavam transformadas. Um absurdo, transformar aquelas mulheres em nobres de sangue. Ele obviamente deveria ser punido.

Valentino havia cruzado um limite. E eu sabia que deveria eliminá-lo depois daquela noite. Mas antes disso, precisava de informações. Fui até onde ele se encontrava e apresentações formais foram feitas. Devo dizer que não gostei de sua presença, não gostei de seu modo de agir. Isso iria facilitar depois quando eu resolvesse lhe atacar...

Ele era alto, tinha cabelos longos ao estilo Louis XIV. Vestia-se bem, mas era facilmente perceptível que não trocava muito a roupa. Parecia suja e surrada. Suas unhas e dedos das mãos eram extremamente grandes. Nos dedos muitos anéis. Parecia um cigano que havia perdido o caminho da volta de seu clã. 

- Então você quer saber sobre o Livro de Sangue? - Perguntou Valentino com olhos semicerrados...

Ele havia acabado de ler a carta de recomendação que Lord Lancaster havia lhe escrito. Acredito que só falou comigo por causa disso. Parecia arrogante e nada amistoso com desconhecidos. 

- Sim, gostaria de saber onde poderia encontrar essa raridade... - Respondi, de forma educada, mas sem exagerar muito na ansiedade. 

- Olha só, por alguns anos esse livro circulou entre vampiros ricos e influentes de Portugal. O elo de conexão foi a Igreja Católica. O original pode estar bem escondido nas profundezas da biblioteca do Vaticano... Eu tive acesso a manuscritos que traziam partes e capítulos copiados diretamente do livro.. nada mais...

- E o que você leu naquelas páginas? - Eu estava obviamente curioso...

- O livro está escrito em latim, mas em uma linguagem mais influenciada também por línguas dos reinos bárbaros que começavam a destruir o poder do império romano...

Ele deu uma pausa e bebeu um pouco do cálice vermelho...

- Basicamente, das coisas que li, era um tipo de alquimia do sangue. Prometia, entre outras coisas. desfazer o vampirismo... Tornar um vampiro em mortal novamente... uma espécie de cura...

Valentino não parecia muito convencido...

- Acho que são velhas bruxarias sem muito valor. Crendices talvez... mesmo que alguns vampiros influentes em nossa comunidade acreditem naquelas velhas palavras medievais... Eu não faço parte desse grupo. Eu achei tudo apenas fantasia. Pensamento mágico, se é que você me entende...

Esse foi um primeiro encontro. Valentino me convidou a ir mais vezes em seu leito de festas e orgias eternas. Era assim que ele parecia querer existir, cercado de belas mulheres nuas fazendo sexo. Cada um sabe o que lhe convém...

Houve uma grande surpresa na noite em que retornei naquele recinto. Todas as noites um baile Dantesco era realizado, onde todos os convidados ficavam completamente nus. Era engraçado e mórbido nas mesmas proporções. Nada excitante em meu ponto de vista! Certo, as mulheres propiciavam uma bela vista, pois eram mulheres bonitas, de seios fartos. Já os homens, gordos e de barrigas salientes, destruíam a imagem global daquele festim de horrores. 

E no bordel de Valentino havia dois tipos de homens. Os ricos estavam ali para depois realizar favores de corrupção para aquele ser da noite. Já os pobres e mais jovens seriam seu jantar, já na alta madrugada. Afinal Valentino também não tinha reservas de apetite para sua sede de sangue humano. Ele queria se alimentar todas as noites. Do excesso, ele tornou seu estilo de vida.

Eu fiquei em sua mesa, olhando ao redor, mas sem participar da festa. Ele apenas ficou olhando pelo canto do olho enquanto tomava um vinho do Porto de boa procedência. Valentino se aproximou e quis conhecer aquele cavalheiro estranho que ele nunca havia visto. Pelo seu sentido de ser da noite sabia, mesmo que de forma inconsciente, que eu era um de seus pares. 

Ele ficou curioso comigo, com aquele nobre sotaque francês antigo. Algo soava no ar, um estranho clima de doce veneno. Aqueles seres sabiam que em pouco tempo haveria um jogo de vida e morte prestes a começar sob a luz da lua cheia.

Mas antes disso ele se virou em minha direção e disse: 

- Procure pelo cardeal Alfredo de Bragança em Lisboa. Ele sabe tudo sobre esse livro que você está procurando. Eu tive um certo interesse por ele, mas depois de algum tempo deixei tudo de lado. A Igreja tem todas as respostas que você precisa...

Ele foi sincero naquele momento. Era algo que eu sempre suspeitei. Mesmo com o passar dos séculos, o Livro de Sangue ainda estava de posse da Igreja Católica Apostólica Romana. Isso me lembrou de uma velha frase espirituosa que dizia: "Eu não acredito em Deus, mas acredito na Igreja.." Aquela velha instituição religiosa tinha mesmo muitos segredos milenares. 

E assim descobri que teria que viajar mais uma vez, dessa forma fui até a estação. Portugal era o meu novo destino...

Abraços cordiais,
Max. 

Pablo Aluísio.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O Vampiro de Versalhes - Parte 6

Londres, 1888
Um dos escritos mais interessantes do Lord Vampiro se refere a Jack, o Estripador. Isso mesmo, o infame assassino em série que colocou a Inglaterra em pânico com seus crimes em plena era vitoriana. Colocarei aqui as impressões de Maximilian na íntegra, a seguir. O texto foi retirado, mais uma vez, de uma de suas cartas enigmáticas. 

Pierre, Historiador.  

Londres, 16 de agosto de 1889
Prezada Estefânia,

Em 1888 eu fui até Londres. Quando estava em Paris soube que havia um assassino insano nas ruas da cidade, em um bairro pobre, cheio de prostitutas, chamado Whitechapel. Em um primeiro momento pensei se tratar de um membro da minha linhagem, um desgraçado chupador de sangue, que havia enlouquecido, matando e estuprando mulheres que eram conhecidas como desafortunadas, mulheres pobres, com problemas de alcoolismo, que vagavam pelas ruas e ofereciam seus corpos a quem estivesse interessado. Pobres mulheres perdidas nesse mundo vil e violento. Devo dizer que senti pena delas. Imagine ser uma mulher pobre, sem recursos sequer para provir sua alimentação diária. Precisando se prostituir para sobreviver. Até a dignidade de uma mulher é perdida em uma situação tão triste como essa! 

Infelizmente, para meu infortúnio, descobri que as mortes tinham cessado quando finalmente coloquei os pés naquela cidade suja, sempre com céu nublado e muita neblina asfixiante. Apesar de todo o glamour e pompa da rainha Vitória, devo dizer que viver ali naquela pocilga não era a melhor coisa do mundo. Sempre preferi o belo litoral do sul da França, isso apesar de, como é óbvio, não poder desfrutar das praias ensolaradas daquela região. Mas voltemos, voltemos, porque tenho uma revelação a fazer. Muito provavelmente ninguém vai resgatar esses meus escritos das areias do tempo, mas vou escrever, porque hoje é uma noite particularmente sombria.

O verdadeiro Jack, o Estripador era um pobre coitado corroído pela doença mental chamado Aaron Kosminski. Ele era um imigrante polaco, de origem judaica, que foi para Londres atrás de seu irmão mais velho que abriu um pequeno comércio de vendas de roupas para mulheres. O Aaron era o filho mais jovem dessa família. Ele foi criado sem pai, pois esse morreu muito cedo. Os judeus sofriam forte perseguição na Polônia. Por isso parte da família Kominski se mudou para a Inglaterra. Lá eles mudaram seus nomes para Abrahams. Primeiro porque era mais fácil de pronunciar na língua. Segundo, porque eles tinham medo de serem reconhecidos como judeus que eram. O medo era grande naquela época. O preconceito contra judeus era o normal. Eles meio que se escondiam para tentar sobreviver dentro daquela sociedade de castas. 

Aaron Kosminski matou aquelas mulheres porque estava em surto psicótico. Ele tinha esquizofrenia e iria passar o resto de sua miserável vida em um hospício imundo. Ele nunca escreveu aquelas cartas para a polícia de Londres se auto denominando Jack, o Estripador. Ele era analfabeto. Quem escreveu as cartas foi um jornalista que queria afinal de tudo vender jornais. Era o seu negócio. Penso até que esse louco do Kosminski sequer sabia o que estava fazendo. Ele não tinha consciência de seus crimes. Quando cheguei a Londres fui com o objetivo de trucidar o assassino Jack, mas quando descobri a verdade, simplesmente desisti. Não valia a pena. Eu tive pena e nojo dessa criatura.

Os judeus de Londres sabiam que Aaron Kosminski era Jack, mas esconderam a verdade. Por qual razão? Eles tinham receios que uma onda de violência contra judeus iria explodir depois que a verdade fosse espalhada. Por isso decidiram resolver a questão de uma forma menos escandalosa. A família de Aaron Kosminski o levou até um hospício e de lá ele nunca mais saiu. Morreu pesando 30 quilos, completamente louco, envolto em sua própria mente doentia. E isso foi tudo. Queria saber quem foi Jack, o Estripador? Está aí toda a verdade, pobre mortal...

Nas cartas você me faz diversas perguntas sobre Deus! Qual Deus, eu devo perguntar. Sim, porque ao longo da história muitos deuses foram criados pela mente humana. Centenas deles, milhares de deuses. Esse tipo de deus mais abstrato que você e sua família ocidental certamente seguem é uma invenção cultural recente, minha cara. Os deuses da antiguidade não eram seres abstratos. Pelo contrário, eles eram bem concretos. Desciam do monte onde habitavam, seduziam as mulheres, faziam sexo com elas, tinham filhos, etc. O deus da antiguidade tinha que ser viril, guerreiro, sexualmente ativo, caso contrário seria considerado um fraco e não seria seguido por absolutamente ninguém. 

Esse Deus (com D maiúsculo) que é seguido pelo mundo ocidental era, em seus primórdios, um típico deus da antiguidade. Ele tinha cabeça bovina, corpo humano e um pênis gigantesco que usava para arar a Terra, trazendo alimento e vida para todos os povos que viviam na Judéia nos tempos antigos. E o "Deus" também tinha nome. Ele se chamava Yaweh. A maioria dos cristãos nunca ouviu esse nome, no máximo conhecem o nome latinizado Jeová. O mesmo aconteceu com o próprio Jesus que aliás não se chamava Jesus. Seu nome real era Yeshua. Espero que um dia as igrejas tragam de volta os nomes verdadeiros desses seres supostamente divinos. 

Então, estou escrevendo tudo isso, para deixar claro que os deuses são invenções humanas, produtos culturais. Essa coisa de deus único também não é novidade na história. No Egito antigo já havia surgido um faraó muito louco que baniu todos os deuses do Egito e decretou que a partir dali só haveria um deus, o deus Sol, o círculo solar. Em minha opinião a ideia de monoteísmo que depois iria invadir o Judaísmo veio justamente dai. O faraó Aquenáton fez escola e em termos de pensamento religioso foi um dos homens mais influentes da história. Ainal, os judeus estavam escravizados no Egito e certamente conheceram toda essa revolução religiosa que surgia naquele momento.

Então é isso. Deus não salvou aquelas pobres mulheres da mão de Jack, simplesmente porque ele não existe. É um pensamento aterrorizador para determinadas pessoas, eu sei. Outras vão dizer que cheguei nessa conclusão porque afinal sou um vampiro e esses são seres do mal... aquelas coisas... mas eu não acredito no deus bovino e nem no diabo caprino. Tudo soa apenas como mitologia em meu entendimento. 

Abraços bovinos do amigo,
Max. 

Estrasburgo

Estrasburgo, 2 de janeiro de 1889. 

Querida Estefânia, 
Eu lhe escrevo para contar minhas últimas novidades. Recebi sua carta no último fim de semana e decidi responder, afinal sou um cavalheiro. Lamento muito saber que você andou doente. Eu sei que você não acredita em mim quando digo que sou um vampiro. Você ri e faz graça. Tudo normal, eu também dou minhas risadas noite adentro. Só que bem sei que nunca ficarei doente como você, pois vampiros são imortais e também super saudáveis, mesmo sabendo que algumas pessoas acreditam que estamos mortos! Eita gente sem noção! 

Estou no momento nesse bonita cidade na fronteira com a Alemanha. Há meses fico na dúvida se devo ultrapassar a fronteira. Não gosto muito da cultura alemã, nem de sua culinária. Na dúvida fica onde estou, curtindo o tempo passar, enquanto faço mil planos.

Viver, de certa maneira, é fazer planos. Alguns dão certo e outros dão terrivelmente errados. Soube que você se casou com aquele sujeito. Olha, vou ser indelicado. Aquele não é homem para você. Além de já ter traído sua confiança, é um homem sem estudos, sem formação cultural. Fruto de uma cidadezinha do interior, rude e desprezível. Penso que ele vai ser um estorvo por toda a sua vida. Você vai carregar esse indíviduo nas costas, por toda a vida. Ele até pode ser bonito no momento, mas o tempo vai passar. Ele vai ficar gordo e tudo o que vai sobrar em sua vida é um homem ignorante e estúpido que você vai sustentar. Estou sendo rude? Pode ser, porém não tão rude como será seu casamento com ele. Essa é minha opinião sincera. Lamento dizer.

Espero que não corte os laços de amizade que tenho com você após escrever essas linhas que, admito, são brutalmente sinceras...

Em relação a mim, adotei a solteirice completa. Ser solteiro é ter liberdade. Hoje estou aqui, amanhã... não sei. Possa ser que acorde e decida fazer uma viagem. Ninguém vai ter nada a ver com isso. Não terei que dar explicações a ninguém. Tenho uma amiga. Ela reclamava de que seus pais a prendiam muito. Então se casou precocemente "para ter liberdade". Pobre mulher! Saiu das algemas de pais opressivos para uma nova jaula, agora controlada pelo marido. Triste destino. O homem solteiro vive por si. Tem suas próprias aventuras. Curte a noite, saboreia o luar. Casamento é uma das piores invenções humanas. Aprisiona em correntes, quase sempre enferrujadas. É um contrato. E como todo contrato a pessoa só assina se quiser. Prefiro não colocar minha assinatura em um papel desses. Prefiro ter minha carta de alforria sempre debaixo do meu braço.

Sobre os amigos dos tempos da juventude, estão mortos. Os que conseguiram sobreviver à matança da revolução francesa, tiveram um fim de vida muito miserável. Devo dizer que sinceramente falando muitos deles eu apenas suportava. Era muita conversa vazia sobre nada. Você descobre o quão um homem é vazio pelo teor de suas conversações. Se ele só fala em tolices e futilidades, pode ter certeza que há um idiota na sua frente. A maioria dos que conheci em Versalhes eram assim. Uma gente bem decepcionante, devo confessar. 

Os suportava na época da nobreza, mas agora não preciso mais suportar aquela gente. Com a revolução fiquei livre de todos eles! Tinha que existir alguma coisa boa no meio de toda aquela atrocidade, não é mesmo? Quando a revolução destruiu o sistema e classes sociais privilegiadas os nobres que sobreviveram à guilhotina ficaram sem ter como sobreviver. Eles não sabiam fazer absolutamente nada! Nunca tinham trabalhado na vida, eram uns inúteis em termos de trabalho e tirar o sustento com o suor do próprio rosto. Muitos acabaram se matando pois não conseguiam nem plantar batatas para ter o que comer. Em um dia eram condes, viscondes, barões. No outro dia se tornaram mendigos de rua. Realmente é algo que a mente humana não consegue absorver. 

E pensar que dez anos após a revolução um velho conhecido me enviou uma carta de Toulouse me convidando para uma reunião de velhos amigos. Deus me livre de um destino desses! Não quero... não quero... não desejo mal nenhum para aquelas pessoas, mas ao mesmo tempo também não quero eles por perto. Aguentar aqueles anos de sua companhia já foi o bastante... Eu era jovem e tolo, então nem percebia a inutilidade de tudo aquilo. Hoje só sento para conversar com quem tem algo interessante a dizer. Falar sobre cultura, artes e filosofia. Todo o resto me parece tempo perdido. Então é isso minha cara amiga. Desejo tudo de bom para ti e suas filhas!

Abraços de seu eterno amigo.Maximilian. 

Pablo Aluísio. 

O Vampiro de Versalhes - Parte 5

Sobre a Vida (ou a Morte)
Normandia,  2 de março de 1883
Faz mais de um ano que deixei Paris. Eu sempre amarei essa cidade, estará sempre em meu coração, mas devo seguir em frente. Algumas vezes percebemos que o ambiente está saturado, que não há mais como respirar em determinados lugares. Não é a cidade em si, mas as pessoas que moram nela. Dentro de duas ou três gerações eu poderei voltar, quem sabe, quando todos esses moradores estiverem com a morada nas catacumbas da cidade. Simplesmente não quero ver mais essa gente. 

Aliás já parou para pensar que a maioria das pessoas que habitam suas lembranças nem existem mais? E não estou falando apenas de pessoas que morreram, mas também das pessoas que mudaram sua aparência. Sabe aquela paixão da adolescência? Esqueça! Ela é outra pessoa agora, muito provavelmente completamente mudada. As pessoas mudam. Por isso as suas lembranças são povoadas de pessoas que simplesmente não existem mais. Eis uma realidade. E nem precisa ser imortal para bem entender isso. 

Ora, daqui cem anos ninguém mais saberá quem você foi. Isso se você for uma pessoa comum e não o Alexandre, o Grande, ou o Júlio César. Esses sempre serão lembrados pela história. Mas você aí, que tem um trabalho simples, que leva uma vida bem anônima, não se engane, uma ou duas gerações após sua morte ninguém mais se lembrará que um dia você exisitu. A vida é muito efêmera, muito passageira. A maioria das pessoas, a imensa maioria dos seres humanos, não importa muito. O tempo, senhor de tudo, jogará as areias dos anos sobre suas lembranças. Nem seus parentes distantes saberão que voce um dia existiu e isso é tudo. Faça o teste. Procure se lembrar de seus antepassados de três ou quatro gerações passadas. Não vai dar... Eles foram esquecidos. Lamento. 

E não me venha com histórias envolvendo a imortalidade da alma. Isso não existe. O conceito de Alma foi inventado pelos gregos. Nem os judeus antigos, do velho testamento, sabiam o que era alma. Se algum religioso lhe ensinou o contrário, saiba que ele lhe enganou, ou por ser um picareta mesmo ou por ser um ignorante. As duas situações não são nada boas! 

O conceito de Alma é puramente filosófico. Os gregos eram mestres em filosofia, em pensamento abstrato. Então diante da efemeridade da existência eles criaram um pensamento que trouxesse algum conforto para pessoas que estavam vivendo o luto. No conceito de Alma ninguém morrerá jamais. A Alma do seu parente morto viverá para sempre! É um pensamento que reconforta, mas que também não tem base nenhuma na esfera da ciência. 

E por falar em religião as pessoas comuns pensam que os vampiros são seres religiosos que acreditam em céu e inferno, que são seguidores do Diabo e tudo mais. Que bobagem! Sabe aquela história boboca de que um vampiro sempre sairá correndo quando confrontado com uma cruz cristã? É uma grande lorota disseminada pelos livros góticos. 

Durante praticamente toda a minha existência vivi trabalhando como especialista em antiguidades, inclusive peças e obras de arte religiosas. Nunca aconteceu nada comigo, nunca me fizeram mal nenhum. Pelo contrário, sou até admirador de arte sacra, vejam só! E tomei gosto por arte antiga, tanto que continuo trabalhando como antiquário, mesmo sendo podre de rico com a fortuna da condessa russa. E você pode se perguntar porque ainda faça esse trabalho? Bom... é um hobbie dos mais agradáveis... Adoro colocar as mãos em peças antigas, estudá-las, catalogar uma coleção. Isso é cultura, é arte. Nada mais prazerosos do que lidar com esse tipo de coisa. É um dos prazeres da minha existência. 

Então tudo o que se lê nos livros e se vê nas peças teatrais é pura mentira? Nem tanto. Temos problemas com a luz solar. Eu não posso andar pelas ruas da cidade com sol a pino, no calor do meio-dia. Se eu fizer algo assim certamente vou queimar até os meus ossos virarem pó. Não sei a razão. Provavelmente o vampirismo seja alguma modificação genética causada por algum tipo de vírus. Eu não sou cientista, mas tenho vontade de estudar o tema. O problema é que a maioria dos cientistas acredita que essa coisa de vampiro é pura cultura pop, que não passa de folclore. Ninguém pode condená-los por pensar assim. Esses conceitos todos são bem absurdos, vamos ser bem sinceros nessas linhas.

E aqui entro, mesmo que brevemente, na questão alimentar. Veja, em minha existência não preciso de uma montanha de corpos humanos ao meu redor. Isso seria intolerável. Nada é mais complicado do que se livrar de um corpo humano. Pesam demais, começam rapidamente a cheirar mal. Um horror estético, devo dizer. É a parte de ser um vampiro que menos aprecio. Um único ser humano alimenta um vampiro equilibrado por cerca de 30 dias. Numa continha rápida, só preciso me alimentar 12 vezes ao ano, algo que sigo na regra, na risca, sem exageros. 

E também não gosto de caçar muito os seres humanos. Basicamente sou um oportunista da noite. Não fico fazendo emboscadas, só quando odeio minha presa. Na maioria das vezes apenas fico ciente que está chegando o dia que devo me alimentar e vou ficando mais atento com as oportunidades que a noite traz. 

Não adiante sair matando, causando caos nos lugares e cidades por onde se passa. Pelo contrário. Quando me fixo em algum lugar prefiro me alimentar na cidade vizinha ou em outras regiões. Não quero a polícia me investigando, me cercando. 

E também jamais ataco pessoas que conheci recentemente ou que se mostraram boas amigas. Não subestime o poder de uma amizade, principalmente envolvendo pessoas do interior. Você sempre vai precisar de alguma ajuda, de algum serviço. Por isso trato todas essas pessoas muito bem, de forma sincera. Não são meu alimento. São pessoas que merecem respeito e dignidade. 

Acredite em mim, no fundo eu sou um cara legal...

Maximilian,

Os livros, Os Deuses e as Mentiras...
Normandia, 20 de abril de 1884
Olá bela Estefânia, 
Então, você escreveu me pedindo conselhos sobre comprar aquela bela residência nos arredores de Paris. Eu lhe digo que aquela seria, sem dúvida, uma bela aquisição para seus bens imóveis. Lugar bonito, solar, mas que fica essencialmente belo nas noites de lua cheia. Inclusive fiquei tão interessado nessa bela casa que permita-me a ousadia, se você não comprar essa casa, eu o farei, com enrome prazer. Preciso de um lugar fixo para morar. Um belo lugar para passar os dias e as noites sem fim da minha existência. O tempo, penso eu, pode ser infinito. Então que fiquemos por anos e anos em um belo lugar para se viver e quem sabe, em um dia qualquer, morrer...

Eu quero um novo recomeço em minha existência. Os dias de loucos parasitas ficaram para trás. Se há algo que aprendi nessa minha vida é que os livros engrandecem o homem. A busca pelo saber e pela sabedoria é o grande desafio. Oh, como eu tinha uma vida tola! Agora... novos tempos, novos desafios...

E essa bela casa, prezada senhorita, tem uma bela biblioteca, com coleções e mais coleções de livros raros. Só aqueles livros já dariam uma boa quantia caso fosse de seu desejo vendê-los. Eu não o faria. Sempre fui um leitor convicto, adoro ler, por isso não me furtaria a passar horas e mais horas prazerosas a me afundar naquelas páginas amareladas pelo tempo. A sabedoria, por outro lado, nunca ficará obsoleta ou envelhecida. Pelo contrário, o tempo traz a força dos anos passados. Um livro que jamais perde sua força é a maior prova de existência em suas páginas de muita sabedoria de vida de seus autores. Eu adoro ler livros antigos. Eu compraria a casa apenas pela coleção de livros que ali estão. 

Você me pergunta em sua carta sobre aquela edição muito antiga da Bíblia de Gutenberg. Analisei a obra com todo o cuidado e posso lhe garantir, é uma edição legitima, real e vale alguns milhões. Tudo nela está correta, em minha opinião. Há pequenos detalhes que comprovam sua veracidade. A forma como foi confeccionada, o estilo das letras imprensas, as costuras das páginas, a própria capa que sobreviveu ao tempo, tudo comprova que é mesmo uma edição histórica dos tempos em que foi editada. 

Talvez os atuais donos daquela preciosidade nem saibam do que ela se trata. A ignorância parece prevalecer nos dias de hoje e os ricos atualmente são tão ignorantes! E são por conta própria pois não procuraram pela cultura, pelo saber. Não existe nada mais embaraçoso do que uma pessoa extremamente rica e extremamente ignorante, boçal! Quero mais é distância desse tipo de gente. 

Em relação a Bíblia em si, eu não gosto da forma como foi montada. A Bíblia foi escrita em forma de rolos de textos, livros independentes. Nunca passou pela cabeça desses antigos escribas que a escreveram, por volta de seis ou cinco séculos antes de Cristo, que esses velhos livros, tão diferentes entre si, iriam se unir em um único livro chamado Bíblia. Isso é até mesmo um absurdo!

Esses textos tinham personalidade própria, estilos próprios, autores dos mais diversos. Entre um livro e outro inclusive decorreram séculos de diferença. Então o que hoje se chama Bíblia nada mais é do que um absurdo editorial que inclusive é rejeitado pelo povo que o escreveu, o povo judeu. Eles conhecem os textos por si. O resto é invenção de cristão boboca e sem cultura. 

O Velho Testamento é muito mal escrito. Fruto de uma época muito remota da história. Não é culpa dos escribas que escreveram esses textos. Eles apenas não tinham as ferramentas necessárias. Os textos mais antigos não contavam sequer com as vocais! Não tinham sido criados pela humanidade, imagine você! Já o Novo Testamento é coisa de grego nos tempos da era romana. Eram bem mais preparados intelectualmente e criaram uma teologia que, ao meu ver, é pura mitologia, mas que apresenta um pensamento coeso, bem criado. Eram autores inteligentes, abstratos e versados em filosofia. Deu no que deu...

O próprio conceito de sacríficio humano do Jesus na cruz, limpando os pecados do mundo, é bem inteligente. Ele foi o cordeiro máximo! O mesmo vale para aquela coisa toda de ressurreição. O medo da morte atormenta a vida dos seres humanos desde as eras mais primordiais. Ter uma teologia que pregasse a vida eterna, onde o cristão iria vencer até mesmo a morte, era algo absolutamente revolucionário e do ponto de vista humano, algo absolutamente irresistível. O sucesso do cristianismo vem desse pensamento sutil, que conquista corações até os dias atuais...

Eu penso que Jesus foi um homem real que viveu mesmo na Judéia ocupada pelos romanos. Só que ele tentou subverter a ordem política e se deu mal. O termo Messias era usado naqueles tempos como um título de luta política e não espiritual. Messias seria aquele que iria expulsar o invasor romano das terras dos judeus. Apenas isso. Depois ele governaria como um Rei. Não deu certo e ele foi morto na cruz. Não houve ressurreição pois ninguém jamais ressuscitou na história, mas ainda assim devo dizer que a teologia que foi criada em torno disso é algo, como eu disse, bem sutil e inteligente. Acabou criando a maor religião da história. 

Culturalmente estou mais interessado atualmente em livros de economia. Não se engane, a principal motivação dos seres humanos é econômica. Os casamentos, a formação de famílias, as sociedades, as uniões afetivas, tudo passa por fatores econômicos. Os trabalhadores, que geram toda a riqueza, vivem na mais completa pobreza. Uma classe de novos burgueses, sugam toda a riqueza da nação. Nisso sempre concordaram os grandes mestres dessa nova ciência interessante, a economia.

Mas enfim, fica assim minha avaliação. Compre a casa e cuide muito bem de sua rica biblioteca. 

Abraços, 
Maximilian.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O Vampiro de Versalhes - Parte 4

A Morte na Madrugada
Paris, 29 de dezembro de 1880
Estamos chegando ao final de mais um ano. Você pediu e eu vou trazer mais detalhes sobre os acontecimentos, mesmo sabendo que eu sei que no fundo você não vai acreditar em nada do que vou escrever aqui nessas breves linhas...

Eu a encontrei por volta das oito horas. Apesar dos anos passados ela ainda poderia ser vista como uma mulher desejável. Claro, dois filhos depois seus seios já não eram os mesmos. Ela também não era uma atleta e por isso gorduras denunciavam o passar dos anos. Seus dedos, tantos dos pés como das mãos, sempre foram horríveis. Parecia algo mal feito, de segunda mão. Era o que denunciava suas origens, de gente que foi subindo aos poucos na escala social. Ela era inicialmente filha de um militar de terceiro escalão. Depois que ficou grávida do tal médico melhorou um pouco seu status.

Depois de bebermos vinho por toda a noite, a convidei para ir a um quarto ali perto. Ela já estava um pouco embriagada. Foi fácil levar aquela jovem senhora, já se tornando velha snehora, para aquele lugar escuro. Ao colocar esse corpo feminino na cama pensei como eu era tolo aos 19 anos de idade. Pensando que aquilo ali tinha algum valor maior. Não tinha, era carne de segunda. Olhei para ela e disse falsamente como ela era bonita. Nisso a Anne deu um sorriso. Em fúria rasguei seu rosto com minhas mãos. O sangue jorrou por todo o quarto...

Ela quis gritar, mas eu dei um forte soco em sua cara. Ela não chegou a perder os sentidos, mas ficou zonza... não perdi mais tempo e avancei em seu pescoço. Não foi uma mordida, foi uma carnificina! Eu arranquei grandes nacos de sua carne... o sangue me lambuzou todo... eu fiquei em êxtase... queria uivar como um lobo... e continuei a cortar e cortar... tome sua vadia, sua puta! É isso o que você merece... um morte indigna... Eu quis lhe dar seu amor, mas você não quis... Agora pagará, MORRA CADELA, MORRA CADELA... eu amei cada segundo da morte daquela mulher. Bebi e bebi seu sangue até me fartar...

Depois que o vampiro aniquilou e humilhou sua vítima ele ainda se virou para dar uma última cuspida naquela carcaça sem vida. "IMUNDA, IMUNDA... " - Foram suas últimas palavras antes de virar sua capa e sair pela noite adentro...

Acho que fui um pouco longe demais. De fato, quando a fúria vampira se manifesta, toda a educação e boas maneiras se vão juntas. E eu contei um pouco mais do que devia aqui. Não deveria ter ido tão longe nesses detalhes sórdidos. Lamento. 

Feliz Ano Novo,
Maximilian.

Pesquisa Histórica - Relatório 002
Os detalhes combinavam com o que estava descrito pela polícia. Foi uma morte digna de Jack, o Estripador. Aliás para os investigadores que estiveram na cena do crime foi muito além disso. O pescoço estava em frangalhos. Sua cabeça foi separada do corpo não por um corte de espada ou faca, ou algo equivalente, mas sim por mordidas, cada vez mais profundas e violentas... algo que destruiu suas estrutura física. 

Depois de tudo o assassino havia jogado sua cabeça dentro do vaso sanitário imundo que havia naquele quarto infecto. Havia ali claro sinais de fúria e vingança. Essa foi a segunda morte relatada pelo autor, supostamente vampiro. O segundo crime da vida vampiresca de Maximilian.

Infelizmente não consegui localizar nada da morte do primeiro relato, das primeiras cartas. Pelo visto o caos da Revolução Francesa encobriu todos os rastros. 

A Condessa Russa
Paris, 13 de janeiro de 1882
Você ainda está viva? Faço essa pergunta porque faz algumas décadas que nos correspondemos, mas minhas últimas cartas não encontram resposta de sua parte. Provavelmente você já morreu... Muitas vezes esqueço como a vida humana é fugaz, como os seres humanos são frágeis. Morrem por qualquer coisa, por qualquer acidente banal. Nesses momentos até fico feliz por ter me tornado um vampiro. Claro, há dias em que isso de sair atrás de presas humanas é mortalmente chato e enfadonho, ainda mais quando o tempo vai se acabando, o sol vai nascendo e você precisa se alimentar de qualquer um que cruze seu caminho... Já cheguei até mesmo a me alimentar de um morador de rua... Eu sei, eu sei... é complicado... mas tenho que viver e o sangue é precioso, seja de quem for...

Vamos em frente, quero te contar mais uma história de Maximilian... Eu vou contar essa historia como se fosse na terceira pessoa simplesmente porque parece que nem vivenciei isso, parece um livro que li há muitos anos e que agora me recordo como se fossem minhas lembranças, mas que não são e ao mesmo tempo são.. Delírios, devaneios de uma mente vampiresca, mas chega disso, deixa eu te contar como aconteceu...

Em meados de 1820 o vampiro Maximilian ouviu falar que a condessa russa Raissa estava em Paris. Uma mulher fabulosamente rica, única herdeira de um militar que havia caído nas graças do czar. Com sua morte ela teria herdado milhões em jóias, propriedades e dinheiro, depositado nos mais exclusivos bancos da Europa. 

Apesar de toda a riqueza, a condessa era uma pessoa desprezível. Ela era uma mulher cruel. Apesar de possuir olhos verdes, todo o conjunto era tenebroso. Ao invés de ter curvas, como convém a uma bela mulher, ela tinha o corpo quadrado. Não havia seios. Era magra em demasia. Os dentes estavam amarelados pelo fumo. O conjunto era ruim. Era uma mulher feia por fora e por dentro.

Ela procurava compensar sua feiura indo atrás de belas jovens. Era lésbica. Porém ao invés de se relacionar com essas moças, que eram lindas, mas pobres, a condessa abusava de todas elas. No começo enchia todas dos mais belos vestidos. Das mais belas jóias. 

Depois quando começavam a se sentir belas, a condessa começava a tirar tudo. Era um jogo psicológico doentio. Ela queria humilhar, desprezar a juventude a a beleza dessas mulheres. Na Rússia se dizia que ela havia matado algumas de suas servas. Não por acaso as mais belas. Ela tinha complexo de inferioridade perante aquelas belas jovens. Como era feia e ruim, queria destruir a beleza feminina da face da terra.

Quando as mortes começaram a incomodar, por terem caído na boca do povo, a condessa decidiu ir embora para Paris. Só que na capital francesa ela não perdeu o gosto pela morte. Em poucas semanas já surgia como suspeita da morte de uma jovem empregada. Só que Paris não era São Petersburgo. Na capital francesa ela seria investigada e se seus crimes fossem descobertos, seriam punidos. 

Maximilian a desprezava. Em pouco tempo procurou se aproximar dela. Com seu eterno corpo de 19 anos (idade em que se tornou um vampiro, um ser da noite), ele seduziu uma das damas de companhia da condessa. Em pouco tempo foi apresentado a ela. Na verdade o vampiro só queria matar aquela mulher e tomar posse de seus bens e sua fortuna.

Uma riqueza como aquela poderia sustentar uma vida de luxos por alguns séculos. A necessidade de dinheiro para manter um alto padrão de vida foi uma das minhas preocupações constantes. A troca de identidades de tempos em tempos para não despertar suspeitas também era um desafio. Penso inclusive que já deveria ter ido embora de Paris há muitos anos. Ficar morando na mesma cidade, mesmo que seja uma grande cidade, pode ser fatal para uma criatura da noite. As pessoas mais velhas, idosas, começam a dizer que havia conhecido um jovem que era a minha cara.... Tadinhas das vovós, mal sabiam elas que era eu mesmo que havia conhecido elas na sua perdida juventude... 

Mas voltemos à história...

Eu sempre me apresentava para essas pessoas imensamente ricas como um especialista em antiguidades. Como havia vivido muito, sabia e conhecia reconhecer peças antigas, artigos de Versalhes, seus móveis, etc. 

Muita coisa foi roubada do Palácio de Versalhes durante a revolução. Aqueles ladrões jogaram todas aquelas peças preciosas no mercado negro... Jóias e móveis maravilhosos que inclusive tinham pertencido à rainha Maria Antonieta passaram a ser vendidas na feiras mais vagabundas de Paris... Esses ditos revolucionários não passavam de ladrões, é o que sempre digo...

Numa noite, conversando com a condessa, descobri que ela realmente era uma pessoa asquerosa. A condessa desfilou todos os seus preconceitos. Odiava negros e pessoas de cor. Era racista. Preconceito racial. Achava os homossexuais aberrações, isso apesar de ser uma lésbica violenta e possessiva. Como se pode perceber tinha preconceito sexual, ao mesmo tempo sendo a pessoa mias hipócrita da Europa. 

Dizia ser religiosa, mas sua vida pessoal era de pura devassidão. Mais uma prova de sua hipocrisia. E para fechar o quadro geral, odiava pessoas pobres. Tinha preconceito social contra as pessoas mais humildes. Era a mulher mais asquerosa da Europa. Seu destino era a morte. Eu estava pronto para cumprir esse destino.

Maximilian, com os longos anos passados, acabou se tornando uma pessoa culta. Era ótimo na conversação envolvendo livros, artes e história. Afinal ele tinha sido uma testemunha ocular de todos os acontecimentos desde os tempos de Maria Antonieta. 

Durante uma dessas noites a condessa o convidou para ir ao teatro com ela. Iriam de carruagem. Aliás a carruagem da condessa, vinda da Rússia, chamava atenção por onde passava. Era puro luxo e ostentação. E seria dentro dessa gaiola de ouro que o Lord vampiro iria atuar.

Já era tarde da noite quando saíram do teatro. Ao entrarem numa rua escura de Paris, Maximilian não perdeu tempo. Ele imediatamente deu uma pausa, olhou para a condessa e disse: "Seu destino chegou!". A condessa riu e perguntou: "O que você está querendo dizer com isso?"... mal houve tempo dela terminar a frase. 

Com suas garras de vampiro, Maximilian rasgou seu rosto. Ela ainda deu um grito, o que levou o condutor da carruagem parar para ver o que estava acontecendo. Ao descer e olhar pela janela ele viu Maximilian já sugando a jugular da condessa dentro da carruagem.

"Meus Deus! O que é isso?" - gritou o empregado. Maximilian percebendo que ele poderia criar problemas pulou fora da carruagem em um piscar de olhos. Com uma barra, tirada da lateral da carruagem, atingiu em cheio a cabeça do homem. Esse caiu imediatamente, seu sangue jorrava pela calçada escura e molhada da ruela. 

A condessa ainda respirava. Maximilian teria que matá-la, caso contrário ela iria virar uma vampira. Imagine uma pessoa ruim como aquela com os poderes de um ser da noite! 

Com a mesma barra que estava em mãos ele nem pensou duas vezes e a cravou no peito da nobre russa, destruindo seu coração com o impacto. O cenário foi desolador. A condessa destroçada, com o corpo arruinado e seu condutor afogado no próprio sangue. 

Maximilian então viu que ambos estavam mortos. Ele calmamente pegou seu elegante chapéu, sua capa e sua bengala sueca e saiu, tranquilamente pela rua, encoberto pela noite, que agora, após tantos anos como vampiro, aprendera a amar mais do que tudo nessa existência noturna.

E depois de uma semana lá estava o belo Maximilian alegando que era o sobrinho da condessa morta. Como ele não tinha filhos e nem parentes na França, foi relativamente fácil se tornar o único herdeiro de toda aquela riqueza que parecia não ter fim...

Ah, Maximilian, seu danadinho... tenho muito o que lhe agradecer...

O sobrenome russo que adotei era simplesmente horroroso e por uma questão de segurança jamais irei revelar aqui nessas páginas. 

O mais importante de saber é que fiquei imensamente rico. Vendi algumas propriedades da condessa e coloquei o dinheiro em seguros bancos suíços. Estava decidido a viajar pelo mundo... Deixando Paris para trás...

E com a minha cidade querida ficando no passado, ficaram também todos os que havia conhecido enquanto ser humano e enquanto ser da noite...

Pablo Aluísio.