segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Manuscritos de um Vampiro

Manuscritos de um Vampiro
Segue abaixo mais um lote de manuscritos encontrados nas catacumbas de Paris no final dos anos 1920. Reza a lenda que seria de um Lord Vampiro, há muito desaparecido...

Capítulo 1 - Mil Demônios em seu leito fétido...
Paris, 12 de outubro de 1801
Estive lembrando de novo de uma figura imunda que cruzou meu caminho. Mulher de baixos instintos. Soube que ainda está viva, para minha surpresa. Sim, velha, sim, decrépita, mas ainda respirando. Aliás ela e seus irmãos, todos patifes da pior laia, ainda vivem e andam sobre a Terra. Daí eu me pergunto, como isso seria possível... Volto a dizer, que não existe nada. Nem um céu acima de nós e nem um inferno abaixo de nossos pés. É tudo invenção, tudo mitologia. 

Caso existisse algo desse tipo, mulheres como essa, que se dizem crentes em Deus, mas que no fundo são hipócritas malditas, já teriam virado pó. Um pastiche cremoso, feito de suas visceras. Mas como nada existe mesmo, elas caminham sobre a Terra de forma livre, leve e solta. Ainda são imundas, mesmo com o passar dos anos. Como são velhas de decrepitude a carne fede, os homens pegam nojo, ainda mais com suas personalidades cheias de preconceito, racismo e escrotidão. São mulheres escrotas no mais alto nível que você possa imaginar. Duas irmãs que vivem na sarejta moral e espiritual. 

De qualquer forma como sou um vampiro, que muitas pessoas não acreditam existir, vou deixar aqui uma oração negra de maldição, velha tradição da literatura do mal-dizer, muito em voga em eras passadas. Era uma forma de amaldiçoar o próximo ou a próxima. Eis minhas palavras nesse sentido, dirigidas para HM. Queima freira do Diabo, queima...

"Oh, seres das trevas...
Amaldiçoem as pegadas dessa velha imunda
Que Mil Demônios avancem sobre ela, de noite, de dia, a qualquer hora...
Que suas imundicies que saem de sua boca voltem para ela...
Que a miséria de sua alma fétida corroe suas entranhas...
Que o sono fique perturbado, que seja feito de pesadelos...
E que pela manhã o câncer que já esteve em seu corpo avance...
Avance, tome os órgãos, todos eles...
Destrua a imunda, destrua, por dentro, em todo lugar...
Coma suas vísceras, como o verme come os corpos apodrecendo nas covas do cemitério...
A carne fedendo, as unhas pretas, o cheiro de podridão...
E que ela seja enviada para seu lugar natural...
A mais baixa profundida do infernos...
Onde beijará as placas ardentes do submundo do reino das trevas...

Está lançada a praga, está lançada a maldição eterna..." 

Capítulo 2 - Encontro noturno em Portugal
Lisboa, 15 de dezembro de 1802
Eu estive em Portugal poucas vezes em minha vida. Hoje estou aqui. Ontem me encontrei com um senhor vampiro chamado Andrade Soarez. Ele é um velho vampiro, de muitos séculos de existência. Visualmente parece ser um senhor distinto, cabelos grisalhos e tudo mais. E realmente é uma presença agradável. Sabe aquelas pessoas gentis que você reconhece até mesmo em pequenos gestos. Pois bem, era o caso dele. Fomos para uma pequena cantina numa alameda do centro de Lisboa e conversamos durante duas horas naquela noite. Ele reclamou bastante dos jovens da noite, vampiros com menos de 200 anos de existência. Para ele era um bando sem salvação, um bando de vagabundos!

Não que não houvesse vampiros ruins no passado, ele confessou que havia. Foi mais além e disse que determinadas casas ou clãs eram formadas apenas por gente de esgoto, asquerosos, gente sem nenhum tipo de valor humano ou inumano. Era a escória em sua palavra. Citou um velho vampiro muito antigo de uma casta tradicional. Disse que o chefe desse clã era miserável e avarento e que todos os seus 11 filhos eram seres desprezíveis. Ele perdeu o filho mais velho, que acabou caindo dentro de sua própria armadilha. Depois disso assumiu a coordenação do clã o segundo mais velho. Um homem impotente e que por baixo de uma aparência de vampiro honrado, era ladrão e golpista. 

Os demais não valiam muito. Havia três irmãs mais velhas, três víboras. Uma era mística fanatizada, a outra uma megera incurável e a mais jovem uma canalha pérfida. Mulheres da noite tão feias que não arranjaram pretendentes. Pareciam morcegos atrofiados, aleijados. Os demais irmãos mais novos eram em essência patifes. Todos envolvidos em redes de prostituição, bebedeiras e crimes dos mais diversos tipos. Um deles precisou fugir acusado de roubo de dinheiro público. Terminou sua vida (ou morte, já que vampiros supostamente teriam vida eterna) como um aleijão que mal conseguia se levantar de uma cadeira. Mesmo debilitado e sem forças, continuava o mesmo ser desprezível. 

Esse clã familiar vampiro não resistiu ao tempo. Demorou, mas aos poucos todos foram desaparecendo. Uma ninhada de ratazanas. O senhor então bebeu sua última gota de vinho e me confessou que a tal vida eterna também havia se tornado um fardo, ainda mais agora que ele finalmente compreendia que o ser humano era um projeto que deu errado. Passavam os séculos e os mesmos erros eram cometidos, inclusive na sociedade, dentro da política, das comunidades de uma maneira em geral. Agora, com séculos nas costas ele só queria desapatecer de uma vez por todas, numa esquina escura de uma cidade portuguesa. E foi justamente isso que ele fez após se despedir da minha presença, com breves palavras finais. 

Capítulo 3 - Oh Morte, Venha a ela...
Paris, 8 de janeiro de 1824
Oh Helena, pessoa sórdida e vil!
Que sua boca seja invadida por sangue de hemorragia, que a luz de seus olhos se apaguem, que você sofra todos os males possíveis e imagináveis. Que se afogue em seu próprio sangue e perversidade, que o mau cheiro de suas entranhas entre em suas narinas e de lá nunca mais saiam... Que você sofra muito em suas últimas horas nessa existência miserável que você vive. Que os vermes decompositores rejeitem sua carne podre no caixão!

Que ao morrer seus restos mortais de chorume cadavérico sejam jogados numa caçamba de lixo e não em um túmulo, pois nem isso você merecerás! Joguem no lixo essa pessoa imunda, esse ser humano de quinta categoria, esse estrume, escória, imundície suprema... Que o lixo e a lama sejam seus últimos companheiros nessa vida desgraçada que levas...

Eu estarei na beira de seu túmulo onde vou me encher de pus fédido para cuspir em seus dejetos cadavéricos. Aquele pus amarelo fedorento escorrendo de sua foto péssima... Eu anseio por esse momento... Vou cuspir, cuspir e cuspir em sua memória... Que você morra muito em breve, que tenha muito sofrimento, que caia no descrédito e na humilhação coletiva, que seu nome seja motivo de escárnio e ofensa pelos séculos que virão...

Tu não és nobre, tu és lixo putrefato... Eu como vampiro vou olhar para você em seu último refúgio e cuspirei em seus restos mortais, Oh Helena, morra, morra eternamente na escuridão de sua própria imundície pessoal e que leve com você todos esses seres sórdidos que você chama de família... Oh Helena, apodreça, apodreça...

Capítulo 4 - Helena
Paris, 11 de janeiro de 1824
Ontem reencontrei um velho amigo, Lord Constance. Como sempre estava muito elegante e charmoso. Velhos vampiros não aprendem truques novos, muito embora educação e elegância já não tenham a mesma força atrativa para essas jovens de hoje, todas muito frívolas e superficiais. Pois bem, foi um breve, mas traumático encontro. Não pela presença de Constance, pois sempre gostei muito dele como Lord das trevas e tudo mais, mas sim pelo que ele me contou, quase no final da nossa conversa, quando já estava colocando seu bonito chapeu para se retirar. Eles se virou para mim e fez a pergunta fatal: 

- Você soube de Helena Margot?

Fiz cara de surpresa, mas escondendo fúria e raiva incontroláveis pois Helena era o nome proibido no meu caso, ainda mais depois de tudo o que aconteceu...

- Não estou sabendo de nada...

Constance então colocou as mãos em meus ombros, como se estivesse me preparando para a informação que iria me abalar. Ele olhou em meus olhos fixamente e disparou...

- Helena Margot morreu ontem em Paris. Ela estava com 94 anos de idade! Estava com demência avançada, além de Mal de Parkinson e havia sido abandonada em um asilo nos arredores da cidade pelos últimos familiares que lhe restavam...

Foi como receber uma estaca final em meu coração! Senti o sangue jorrar de meu coração falecido... Foi muito doloroso... Fiz rosto de pessoa consternada, um pouco teatral, mas foi isso... Não me veio mais nada à mente... Estava chocado demais para reagir, para falar algo que fosse minimamente coerente ou complexo... 

Ele então, percebendo que eu tinha ficado abalado, pediu desculpas, falou que tinha que ir e que havia sido muito bom me reencontrar... Com os olhos marejados, úmidos, ainda consegui dizer a ele:

- Claro Constance, o prazer foi todo meu... - Então ele virou-se e foi embora. 

Fiquei sozinho olhando o luar. Estava arrasado... Eu havia amaldiçoado o nome de Helena Margot por muitas décadas, mas a verdade é que a simples citação de seu nome ainda me abalava. Eu estava em choque! 

Helena, Helena... Nunca houve uma beleza como Helena... A amei e a odiei em doses extremas, sem meio termo... Ódio e Amor nas mesmas proporções... Provavelmente o único amor que tive em toda a minha existência... Eu tenho que enfrentar meus demônios interiores e contar nossa história, o que ocorreu no passado. Quero deixar registrado no papel nossa história. E é o que farei, nobre amigo, nas próximas cartas que irei lhe escrever...

Capítulo 5 - O Baile
Paris, 23 de janeiro de 1824
De acordo com o que lhe escrevi na última carta aqui vao algumas recordações que tenho de Helena Margot, que ja amaldiçoei em inúmeras vezes nas noites eternas em que vago sem rumo pelas ruas desertas e escuras em Paris. Hábito que admito, amo de coração, acaso tivesse eu ainda um coração batendo em meu peito de puro vácuo. Eu me recordo que a vi pela primeira vez em um salão de festas, um baile dado em homenagem ao filho de um conde que estava se formando em letras jurídicas. Não lembro mais o nome desse nobre. O tempo joga suas areias em nossas lembranças, mesmo as mais marcantes. 

Estava eu andando pelo baile, falando com as damas de ocasião quando surgiu Helena em minha frente. Uma doce donzela na flor de seus 16 anos de idade. Pele maravilhosa, olhos profundamente azuis, cabelos longos, ondulados e loiros como as mais puras e intocadas divindades nórticas. Estava conversando com uma amiga, dando risadinhas, contando alguma coisa engraçada entre elas. Pareciam muito felizes e contentes. E eu, literalmente falando, esbarrei nela sem querer. Estava de costas, bebendo, quando de repente percebi que havia batido em alguém de forma involuntária. O salão estava cheio, era inevitável esse tipo de situação!

- Oh, perdão, senhorita, não foi minha intenção - lhe disse assim que tomei par da situação um tanto embaraçosa...

- Não, tudo bem, fique tranquilo - ela me disse.

- Espero que não tenha derramado o seu copo em seu lindo vestido... - Uma observação pertinente enquanto a olhava de cima a baixo. Na verdade estava inebriado com sua beleza. Com o falso motivo de estar procurando por alguma gota em seu vestido, pude apreciar todas as suas curvas, a beleza de seus seios, a pela de porcelana....

- Não,  não me molhou... até porque se tivesse caído alguma bebida em meu vestido eu estaria louca, louca... - Ela disse sorrindo, aliás dentes perfeitos, brancos, maravilhosos... Fiquei inebriado...

Então puxamos algum tipo de conversa banal, apenas para tentarmos nos conhecer melhor. 

Pude perceber que ela tinha tiradas ótimas, de puro humor, sobre os vestidos das demais damas. Não era algo de maldade, achei tudo de um bom humor realmente cativante. Fiquei muito interessado nela. 

Não era uma adolescente comum. Ela era muito inteligente. Devo dizer que era mais inteligente do que eu, haja visto que ela fez algumas piadas comparando os convidados com alguns personagens de literatura que eu já ouvira falar, mas que não tendo lido os livros me deixou numa situação de humildade intelectual que raras vezes senti. Uma mulher assim era algo notável. Conhecer ela naquela noite me marcou. E não demoraria para nos vermos novamente, em outras situações mais do que interessantes...

Pablo Aluísio. 

domingo, 6 de dezembro de 2009

O Vampiro de Versalhes

Cap I - Um Conto Vampiresco
Louis de Bourges foi um jovem afortunado. Nasceu em uma família nobre, pertencente da Casa de Boubon. Foi criado brincando nos jardins de Versalhes com o pequeno Luís. Quem seria esse amigo de infância no futuro? Ora, seria o futuro rei Luís XVI, de triste memória, pois o destino quis que ele se tornasse o último monarca da França pré-revolução. O adolescente Bourges também foi grande amigo de juventude de Maria Antonieta. Quando ela foi para Versalhes, vinda de sua terra natal Áustria, a garota tinha apenas 14 anos de idade. Mal sabia falar a língua de seu futuro marido. Na época era comum as casas nobres trocarem casamentos entre seus membros. Era uma forma de selar a paz entre países e nações.

Sua vida humana foi no luxo, na fartura e na festa, isso na corte mais luxuosa e excêntrica da Europa. Memoráveis as festas à fantasia promovidas pela amiga Antonieta, onde todos os membros da corte surgiam em fantasias belíssimas, com muita pompa e elegância. Tempos maravilhosos. Bourges não tinha muitos talentos pessoais, não era particularmente estudioso e tampouco se preocupava em construir o futuro com seus próprios méritos. Isso não existia, em absoluto. Só pelo fato dele ser um nobre já o definia como um homem bem sucedido. E o fato de ter sido amigo pessoal do casal que reinava na França o qualificava para qualquer cargo público que quisesse, onde pretendesse e com o salário que pedisse. Era assim naquele mundo de altos privilégios.

Só que a besta foi solta. E o que era a besta? Era a revolta do povo francês. Durante anos o povo foi esmagado por uma grande crise financeira. Enquanto o povo passava fome a corte de Versalhes se banhava em festas cada vez mais extravagantes. A Rainha Maria Antonieta desfilava com seus vestidos maravilhosos e seus excêntricos penteados ao estilo Poof. Havia ai uma tensão. O povo sustentava a classe nobre parasita enquanto mal conseguia colocar um prato de comida para seus filhos. Maria Antonieta e os nobres viviam de pura ostentação. O rei Luís XVI logo ganhou uma fama de fraco e impotente pois não conseguia consumar seu casamento para gerar um herdeiro. Havia um clima de panela de pressão prestes a explodir a qualquer momento.

Louis de Bourges não parecia preocupado. Com 19 anos de idade ele estava mais preocupado em levar para a cama as moças da pequena nobreza. Nem é preciso lembrar que a devassidão sexual imperava em Versalhes. Todas as mulheres eram de todos os homens. E algun homens também eram homens de outros homens. Embora a monarquia passasse a imagem oficial de católica e conservadora, o fato é que a luxúria imperava. A Rainha Maria Antonieta logo ganhou fama de devassa, com gravuras pornográficas sendo vendidas em toda Paris. Bourges não se importava. Ele detestava política, além disso estava em uma fase de vício em sexo, de todas as maneiras, de todas as formas. Sua pecadora existência porém estava prestes a chegar ao final. Em pouco tempo a Revolução Francesa bateria à porta de sua tranquila e perfeita vida. O mundo estava prestes à virar de ponta-cabeça.

Fazia quantos anos que Louis havia visitado Versalhes pela última vez? Essa conta não se faz com anos, mas com séculos. Fazia seguramente mais de 2 séculos que ele havia atravessado aquelas portas... e agora tudo parecia tão diferente. Não havia mais toda aquela elegância das pessoas da nobreza andando por seus corredores. Não havia a pompa e o luxo de Versailhes. Não havia mais nada. As pessoas que agora andavam por aqueles corredores eram turistas com suas bermudas e máquinas de filmar. Gente gorda, com os dedos sujos de batata frita. Um horror!

Louis voltava para Versalhes para um exercício de nostalgia. E deveria estar morto há séculos. Todas as pessoas que ele conheceu deveriam estar mortas. Ele havia visitado há pouco o túmulo de Maria Antonieta. Pobrezinha. Cortaram sua cabeça, jogaram seu corpo em uma vala comum, jogaram cal por cima de seu rosto lindo. Um fim de vida trágico.

Louis, o vampiro, tinha sido seu amigo. Agora de volta a Versalhes ele revia todos os salões, todas as salas, que um dia vivenciaram uma linda história da monarquia francesa. O Palácio com seus inúmeros espelhos realmente representavam um desafio a um ser cuja imagem não se refletia neles. Porém Louis era cuidadoso. Ele ficava parado sem passar na frente de um espelho se houvesse muitas pessoas próximas. Não queria dar sopa ao azar.

E ao adentrar o quarto que um dia pertenceu a Maria Antonieta, ele chorou. Chorou não apenas pela dor da morte horrível da amiga, chorou pela morte de toda uma era. Chorou pelo fim das grandes festas. Chorou ao saber que nunca mais iria fazer parte de uma corte tão maravilhosa como aquela. O mundo em que ele agora existia era sem brilho e sem glamour. Os revolucionários franceses envenenaram a alma dos homens. E Louis havia vivido toda essa história na pele. Ele estava na Rússia quando a revolução dos comunistas tomou o poder. Ele viu o sangue escorrendo da montanha mais uma vez... E ele chorou novamente por lembrar disso.

Cap. II - Valerie de Versalhes
Louis ainda se lembra da primeira vez que bebeu sangue. Foi na velha casa que servia de "fazendinha" para Maria Antonieta. Não poderia haver coisa mais inusitada. Enquanto os verdadeiros camponeses franceses sofriam com a grave crise econômica, muitos deles passando fome com suas famílias, a rainha brincava de camponesa em uma fazendinha de mentira perto do Petit Trianon, seu palácio privativo perto em Versalhes. Nesse lugar tinha tudo que uma verdadeira fazenda francesa tinha, como bois, porcos, aves, peixes. Só não tinha camponeses de verdade. Quem frequentava aquele lugar era a nobreza entediada que precisa preencher seus dias de tédio com alguma diversão.

Louis conheceu a jovem Valerie ali. Era filha de um dos serviçais de Versalhes. Uma mulher de longos cabelos pretos cacheados, carnes fartas, com jeito de ser muito quente na cama. Carnuda e muito sensual, Val pecava pela dentição ruim e feia. Ali ela se revelava mesmo uma senhorita das classes inferiores. Tinha dois dentes centrais prejudicados, chegando a serem ridículos. Louis porém não estava interessado em sexo. Ele poderia satisfazer sua lascívia entre as pernas da mulher quando bem entendesse. Só que ele não queria sua vagina, mas sim sua jugular. Louis queria sangue para se alimentar.

E o mais estranho é que ele nem tinha tido consciência ainda que havia se tornado um vampiro, uma criatura da noite. Não sabia quem o havia mordido, provavelmente na madrugada anterior, numa orgia no templo do amor, onde nobres e garotas da plebe se entregavam ao máximo da luxúria. Onde ninguém era de ninguém, onde todos beijavam todos, chupando todos os membros sem se importar quem era os seus donos. Na orgia de sexo e bebidas provavelmente perdeu a consciência. Com o pescoço à mostra foi infectado, virando para sempre um desgraçado filho de Satã que jamais encontraria a morte... ou a vida!

Val pensou que Louis queria transar com ela. Levantou as saias, mostrou as coxas carnudas. Louis deu um salto, tal com um ente predador que ataca sua caça. Ela mal teve tempo de reação. Seus olhos abriram com espanto, tentou dar um grito, mas Louis tapou sua boca e em um ato de extrema violência quebrou seu pescoço. O sangue de presas vivas sempre foi mais saboroso para os vampiros. Eles conseguiam sentir o pulso de seus corações no delicioso líquido vermelho, mas como Louis ainda era um novato nem pensou muito nisso. Preferia matar, ante de ingerir. O inesquecível para ele nessa noite nem foi o sangue dela corrente em seus caninos, mas sim a sensação única de ver a vida de sua vítima escoar pelas pupilas dilatadas. A morte chegando e a vida indo, lhe trouxe um enorme prazer.

Cap. III - Anne de Bourbon
Em 1982 uma velha agenda foi desenterrada nos amplos jardins de Versalhes. Estava debaixo de uma pequena cerca. Corroída pelo tempo, conseguiu resistir ao tempo por causa das areias onde foi enterrada. Enterrada ou perdida? Não se sabe ao certo. O que se sabe é que em suas páginas havia um conteúdo inacreditável. Ao ler página após página o leitor iria chegar na conclusão que era o diário de um vampiro! Estranho não é mesmo? Assinando apenas como "Lobo da Noite" essa figura era na realidade Louis, um jovem que circulava na nobreza de Versalhes nos tempos de Maria Antonieta.

A primeira página era reveladora. O autor confessava sua própria situação ao escrever: "Estou morto! Minha temperatura corporal é nula. Minha pele vai perdendo a elasticidade se eu não for atrás do néctar dos deuses. O que é o Néctar dos deuses? É sangue humano, meu caro. Eu preciso de sangue humano. Não importa, se de jovem ou velho, homem ou mulher. O sangue humano é preciso para que o corpo não entre em decomposição. Alguns disseram que ratos e animais inferiores eram o bastante. Não são! Só o sangue de um ser humano restaura a beleza da juventude. Eu sou um animal e preciso abater um animal da mesma espécie para continuar existindo".

E havia mais nesse desabafo: "As pessoas gostam de ver vampiros como seres nobres. Não são! São monstros. Se há alguma elegância, se há alguma educação ou modos finos, isso tudo é apenas a antevéspera do ataque. Eu quero morder o pescoço, eu quero quebrar a coluna de quem estou matando. Eu sou um predador e eu sou um imundo das trevas. Todos os vampiros que tive o desprazer de conhecer eram seres repugnantes. Asquerosos... asquerosos! Fingiam ser até mesmo religiosos, mas no fundo eram seres forjados no ódio. Não havia finesse, havia sede de sangue!".

Muitas vezes a ira soltava das páginas: "Eu quero triturar essa vadia, eu quero matar ela. É bonita? Se acha superior? Eu quero mostrar a ela quem é o superior! Eu sou superior, eu sou eterno! A escrota se chamava Anne Bourbon. Depois de virar mãe solteira, ao ser usada como vasilha de esperma de um médico arrogante e insensato, ela ficou grávida. Ele a largou.  Quando eu era mortal havia gostado dela. Fui desprezado. Mais do que isso, fui ridicularizado! Maldita, maldita! Agora veja essa vadia. Largada, abandonada. Mãe solteira. Tu não vale nada, mas eu vou sair com você. Eu vou te seduzir na calada da noite. Vou te fazer sentir uma deusa, como nos velhos tempos quando eras jovem e bonita. Porém eu vou te destroçar quando levá-la a um quarto de quinta categoria de um bordel imundo de Paris. Eu vou te matar, mas antes vou fazer com que se sinta especial. Depois vou sugar seu sangue, cravar minhas unhas em sua pele bronzeada e vou tirar sua vida.  Com prazer enorme vou te jogar na lata de lixo! Pensa que me desprezou no passado e vai ficar por isso mesmo? Eu vou te destruir, eu vou sugar sua vida, sua desgraçada miserável". O amor não correspondido pode mesmo facilmente ser transformado em puro ódio irracional.

 Segundo consta nos registros policiais o corpo de Anne de Bourbon foi encontrado numa velha casa no dia 12 de dezembro de 1799. Ela tinha a cabeça decepada e vários cortes em todo o seu corpo. Pelo tamanho das feridas havia sido atacada por um animal feroz, provavelmente um lobo ou um urso selvagem. Mas quem poderia imaginar um urso andando por Paris? Não havia sentido nisso. Por essa razão o inquérito ficou por anos sem solução até ser arquivado definitivamente cinco anos depois.

Se o que estava escrito era verdade ou não, o autor vampiro revelava tudo. O texto contava sobre a morte de Anne: "Eu a encontrei por volta das oito horas. Apesar dos anos passados ela ainda poderia ser vista como uma mulher desejável. Claro, dois filhos depois seus seios já não eram os mesmos. Ela também não era uma atleta e por isso gorduras denunciavam o passar dos anos. Seus dedos, tantos dos pés como das mãos, sempre foram horríveis. Parecia algo mal feito, de segunda mão. Era o que denunciava suas origens pobres, de gente que foi subindo aos poucos na escala social. Ela era inicialmente filha de um militar de terceiro escalão. Depois que ficou grávida do tal médico melhorou um pouco seu status".

E continuou: "Depois de bebermos vinho por toda a noite, a convidei para ir a um quarto ali perto. Ela já estava um pouco embriagada. Foi fácil levar aquela jovem senhora, já se tornando velha snehora, para aquele lugar escuro. Ao colocar esse corpo feminino na cama pensei como eu era tolo aos 19 anos de idade. Pensando que aquilo ali tinha algum valor maior. Não tinha, era carne de segunda. Olhei para ela e disse falsamente como ela era bonita. Nisso a Anne deu um sorriso. Em fúria rasguei seu rosto com minhas mãos. O sangue jorrou por todo o quarto..."

"Ela quis gritar, mas eu dei um forte soco em sua cara. Ela não chegou a perder os sentidos, mas ficou zonza... não perdi mais tempo e avancei em seu pescoço. Não foi uma mordida, foi uma carnificina! Eu arranquei grandes nacos de sua carne... o sangue me lambuzou todo... eu fiquei em êxtase... queria uivar como um lobo... e continuei a cortar e cortar... tome sua vadia, sua puta! É isso o que você merece... um morte indigna... Eu quis lhe dar seu amor, mas você não quis... Agora pagará, MORRA CADELA, MORRA CADELA... eu amei cada segundo da morte daquela mulher. Bebi e bebi seu sangue até me fartar..."

Os detalhes combinavam com o que estava descrito pela polícia. Foi uma morte digna de Jack, o Estripador. Aliás para os investigadores que estiveram na cena do crime foi muito além disso. O pescoço estava em frangalhos. Sua cabeça foi separada do corpo não por um corte de espada ou faca, ou algo equivalente, mas sim por mordidas, cada vez mais profundas e violentas... algo que destruiu suas estrutura física. Depois de tudo o assassino havia jogado sua cabeça dentro do vaso sanitário imundo que havia naquele quarto infecto. Havia ali claro sinais de fúria e vingança. Depois que o vampiro aniquilou e humilhou sua vítima ele ainda se virou para dar uma última cuspida naquela carcaça sem vida. "IMUNDA, IMUNDA... " - Foram suas últimas palavras antes de virar sua capa e sair pela noite adentro.

Essa foi a segunda morte da não vida vampiresca de Louis de Bourges.

Cap. IV - A Condessa Russa
Em meados de 1820 o vampiro Louis ouviu falar que a condessa russa Raissa estava em Paris. Uma mulher fabulosamente rica, única herdeira de um militar que havia caído nas graças do czar. Com sua morte ela teria herdado milhões em joias, propriedades e dinheiro, depositado nos mais exclusivos bancos da Europa. Apesar de toda a riqueza, a condessa era uma pessoa desprezível. Ela era uma mulher feia. Apesar de possuir olhos verdes, todo o conjunto era tenebroso. Ao invés de ter curvas, como convém a uma bela mulher, ela tinha o corpo quadrado. Não havia seios. Era magra em demasia. Os dentes estavam amarelados pelo fumo. O conjunto era ruim. Era uma mulher feia por fora e por dentro.

Ela procurava compensar sua feiura indo atrás de belas jovens. Era lésbica. Porém ao invés de se relacionar com essas moças, que eram lindas, mas pobres, a condessa abusava de todas elas. No começo enchia todas dos mais belos vestidos. Das mais belas joias. Depois quando começavam a se sentir belas, a condessa começava a tirar tudo. Era um jogo psicológico doentio. Ela queria humilhar, desprezar a juventude a a beleza dessas mulheres. Na Rússia se dizia que ela havia matado algumas de suas servas. Não por acaso as mais belas. Ela tinha complexo de inferioridade perante aquelas belas jovens. Como era feia e ruim, queria destruir a beleza feminina da face da terra.

Quando as mortes começaram a incomodar, por terem caído na boca do povo, a condessa decidiu ir embora para Paris. Só que na capital francesa ela não perdeu o gosto pela morte. Em poucas semanas já surgia como suspeita da morte de uma jovem empregada. Só que Paris não era São Petersburgo. Na capital francesa ela seria investigada e se seus crimes fossem descobertos, seriam punidos. O Lord Louis a desprezava. Em pouco tempo procurou se aproximar dela. Com seu eterno corpo de 19 anos (idade em que se tornou um vampiro, um ser da noite), ele seduziu uma das damas de companhia da condessa. Em pouco tempo foi apresentado a ela. Na verdade o vampiro só queria matar aquela mulher.

Numa noite, conversando com a condessa, Louis descobriu que ela realmente era uma pessoa asquerosa. A condessa desfilou todos os seus preconceitos. Odiava negros e pessoas de cor. Era racista. Preconceito racial. Achava os homossexuais aberrações, isso apesar de ser uma lésbica violenta e possessiva. Como se pode perceber tinha preconceito sexual, ao mesmo tempo sendo a pessoa mias hipócrita da Europa. Dizia ser religiosa, mas sua vida pessoal era de pura devassidão. Mais uma prova de sua hipocrisia. E para fechar o quadro geral, odiava pessoas pobres. Tinha preconceito social contra as pessoas mais humildes. Era a mulher mais asquerosa da Europa. Seu destino era de morte. Louis estava pronto para cumprir esse destino.

O vampiro, com os longos anos passado, acabou se tornando uma pessoa culta. Era ótimo na conversação envolvendo livros, artes e história. Afinal ele tinha sido uma testemunha ocular de todos os acontecimentos desde os tempos de Maria Antonieta. Durante uma das noites a condessa o convidou para ir ao teatro com ela. Iriam de carruagem. Aliás a carruagem da condessa, vinda da Rússia, chamava atenção por onde passava. Era puro luxo e ostentação. E seria dentro dessa gaiola de ouro que o Lord vampiro iria atuar.

Já era tarde da noite quando saíram do teatro. Ao entrarem numa rua escura de Paris, Louis não perdeu tempo. Ele imediatamente deu uma pausa, olhou para a condessa e disse: "Seu destino chegou!". A condessa riu e perguntou: "O que você está querendo dizer com isso?"... mal houve tempo dela terminar a frase. Com suas garras de vampiro, Louis rasgou seu rosto. Ela ainda deu um grito, o que levou o condutor da carruagem parar para ver o que estava acontecendo. Ao descer e olhar pela janela ele viu Louis já sugando a jugular da condessa dentro da carruagem.

"Meus Deus! O que é isso?" - gritou o empregado. Louis percebendo que ele poderia criar problemas pulou fora da carruagem em um piscar de olhos. Com uma barra, tirada da lateral da carruagem, atingiu em cheio a cabeça do homem. Esse caiu imediatamente, seu sangue jorrava pela calçada escura e molhada da ruela. A condessa ainda respirava. Louis teria que matá-la, caso contrário ela iria virar uma vampira. Imagine uma pessoa ruim como aquela com os poderes de um ser da noite! Com a mesma barra que estava em mãos Louis nem pensou duas vezes e cravou ela no peito da nobre russa, destruindo seu coração com o impacto. O cenário foi desolador. A condessa destroçada, com o corpo arruinado e seu condutor afogado no próprio sangue. Louis então viu que ambos estavam mortos. Ele calmamente pegou seu elegante chapéu, sua capa e sua bengala sueca e saiu, tranquilamente pela rua, encoberto pela noite, que agora, após tantos anos como vampiro, aprendera a amar mais do que tudo nessa existência noturna.

Cap. V - A Jovem Estefânia
Depois de encontrar vários textos avulsos fui nas principais bibliotecas nacionais em busca de manuscritos. Quem sabe poderia haver algo sobre esse estranho personagem chamado Louis de Bourges. Acabei me deparando com uma série de manuscritos que podem ser catalogados em ordem cronológica. Muitos deles com informações preciosas. A maioria deles datam a pattir de 1850 e são creditados a uma suposta família Bourges. Ali estão registros de avô, pai e filho. Minha opinião? Todos foram escritos pelo próprio Louis, que ia assumindo novas identidades conforme o tempo ia passando. Assim Louis I era o mesmo Louis II e Louis III. Era a mesma pessoa, o mesmo vampiro, escrevendo suas experiências enquanto as areias do tempo iam se acumulando em sua existência.

O tal de Louis Bourges II surge por volta de 1850. Ele se auto denomina estudante de direito, indo pela primeira vez para a Universidade Jurídida de Paris. É curioso. O Louis original nada mais tinha sido do que um devasso na corte de Maria Antonieta. Agora, passados décadas da morte da rainha, ele parecia se inclinar para os estudos. A leitura de livros era o seu foco. Se tornar um jovem e promissor advogado um de seus objetivos. Sobre isso, datando de março de 1850, o novo Louis escrevia em uma carta enviada para uma tal senhorita Estafânia ou Estefânia (a letra estava bem ruim, borrada pelo tempo): "Eu quero um novo recomeço em minha existência. Os dias de loucos parasitas ficaram para trás. Se há algo que aprendi nessa minha vida é que os livros engrandecem o homem. A busca pelo saber e pela sabedoria é o grande desafio. Oh, como eu tinha uma vida tola! Agora... novos tempos, novos desafios..."

Esse Louis II era bastante empenhado na sua nova profissão. Ele se tornou advogado pela luta dos trabalhadores pobres. Quem diria que um antigo nobre, da corte mais luxuosa e fútil da história da Europa, iria se dedicar tanto ao campo das lutas sociais? Em um texto que encontrei na biblioteca o jovem jurista Louis proclama por igualdade: "Os trabalhadores, que geram toda a riqueza, vivem na mais completa pobreza. Uma classe de novos burgueses, sugam toda a riqueza da nação." Quem diria mesmo. Os ideais de um socialismo utópico agora calavam alto no peito daquele jovem homem de estudos jurídicos.

Mas os sonhos, pelas minhas pesquisas, iriam durar pouco. O jovem Louis II foi preso e julgado pelo crime da morte de uma jovem chamada Estefânia Saint - o mesmo nome que encontrei na carta citada. Ela foi encontrada na beira de uma estrada de terra, mordida no pescoço. Pelo visto Louis não conseguiu conter seus impulsos vampirescos e colocou tudo a perder. Ele foi visto subindo na carruagem da jovem donzela pouco antes de seu corpo ser encontrado sem vida. Embora fosse um bom advogado ele não conseguiu convencer os jurados de sua inocência. Acabou sendo condenado pela morte da garota, pegando 40 anos de prisão em uma cadeia de Nice. Depois de poucos meses ele fugiu e desapareceu para sempre das páginas dos jornais.

Foi então que Louis III apareceu. Ele dizia ser o filho de Louis II (balela, era a mesma pessoa). Através de um rápido inventário herdou todos os bens e imovéis do suposto pai. Vendeu tudo e foi embora de Paris para sempre. Ao que me consta esse terceiro Louis foi para a Romênia, onde comprou uma grande propriedade rural, que contava inclusive com um castelo medieval. Estaria Louis agora pensando em levar uma vida de Conde Drácula, igual ao famoso personagem da literatura? É possível. Por isso nem pensei duas vezes e fui até a região onde ele morou até, segundo meus registros preliminares, 1880. Estaria eu seguindo as pistas certas? Veremos no próximo capítulo.

Cap. VI - Londres, 1888
Um dos escritos mais interessantes do Lord Vampiro se refere a Jack, o Estripador. Isso mesmo. Colocarei aqui suas impressões na íntegra: "Em 1888 eu fui até Londres. Quando estava em Paris soube que havia um assassino insano nas ruas da cidade, em um bairro pobre, cheio de prostitutas, chamado Whitechapel. Em um primeiro momento pensei se tratar de um membro da minha linhagem, um desgraçado chupador de sangue, que havia enlouquecido, matando e estuprando mulheres que eram conhecidas como desafortunadas, mulheres pobres, com problemas de alcoolismo, que vagavam pelas ruas e ofereciam seus corpos a quem estivesse interessado. Pobres mulheres perdidas nesse mundo vil e violento, devo dizer que senti pena delas.

Infelizmente, para meu infortúnio, descobri que as mortes tinham cessado quando finalmente coloquei os pés naquela cidade suja, sempre com céu nublado e muita neblina asfixiante. Apesar de todo o glamour e pompa da rainha Vitória, devo dizer que viver ali naquela pocilga não era a melhor coisa do mundo. Sempre preferi o belo litoral do sul da França, isso apesar de como é óbvio, não poder desfrutar das praias ensolaradas daquela região. Mas voltemos, voltemos, porque tenho uma revelação a fazer. Muito provavelmente ninguém vai resgatar esses meus escritos das areias do tempo, mas vou escrever, porque hoje é uma noite particularmente sombria.

O verdadeiro Jack, o Estripador era um pobre coitado corroído pela doença mental chamado Aaron Kosminski. Ele era um imigrante polaco, de origem judaica, que foi para Londres atrás de seu irmão mais velho que abriu um pequeno comércio de vendas de roupas para mulheres. O Aaron era o filho mais jovem dessa família. Ele foi criado sem pai, pois esse morreu muito cedo. Os judeus sofriam forte perseguição na Polônia. Por isso parte da família Kominski se mandou para a Inglaterra. Lá eles mudaram seus nomes para Abrahams. Primeiro porque era mais fácil de pronunciar na língua. Segundo, porque eles tinham medo de serem reconhecidos como judeus que eram. O medo era grande naquela época.

Aaron Kosminski matou aquela mulheres porque estava em surto psicótico. Ele tinha esquizofrenia e iria passar o resto de sua miserável vida em um hospício imundo. Ele nunca escreveu aquelas cartas para a polícia de Londres se auto denominando Jack, o Estripador. Ele era analfabeto. Quem escreveu as cartas foi um jornalista que queria afinal de tudo vender jornais. Era o seu negócio. Penso até que esse louco do Kosminski sequer sabia o que estava fazendo. Ele não tinha consciência de seus crimes. Quando cheguei a Londres fui com o objetivo de trucidar o assassino Jack, mas quando descobri a verdade, simplesmente desisti. Não valia a pena. Eu tive pena e nojo dessa criatura.

Por fim mais uma revelação. Os judeus de Londres sabiam que Aaron Kosminski era Jack, mas esconderam a verdade. Por qual razão? Eles tinham receios que uma onda de violência contra judeus iria explodir depois que a verdade fosse espalhada. Por isso decidiram resolver a questão de uma forma menos escandalosa. A família de Aaron Kosminski o levou até um hospício e de lá ele nunca mais saiu. Morreu pesando 30 quilos, completamente louco, envolto em sua própria mente doentia. E isso foi tudo. Queria saber quem foi Jack, o Estripador? Está aí toda a verdade, pobre mortal..."

Cap. VII - Estrasburgo, 1899
Entre os escritos há uma carta não enviada pelo Lord Vampiro. Está endereçada a uma tal Thatiana. Provavelmente um amor do passado. Segue seu texto: "Estrasburgo, 2 de janeiro de 1899. Querida Thatiana, lhe escrevo para contar minhas últimas novidades. Recebi sua carta no último fim de semana e decidi responder, afinal sou um cavalheiro. Estou no momento nesse bonita cidade na fronteira com a Alemanha. Há meses fico na dúvida se devo ultrapassar a fronteira. Não gosto muito da cultura alemã, nem de sua culinária. Na dúvida fica onde estou, curtindo o tempo passar, enquanto faço mil planos.

Viver, de certa maneira, é fazer planos. Alguns dão certo e outros dão terrivelmente errados. Soube que você se casou com aquele sujeito. Olha, vou ser indelicado. Aquele não é homem para você. Além de já ter traído sua confiança, é um homem sem estudos, sem formação cultural. Fruto de uma cidadezinha do interior, rude e desprezível. Penso que ele vai ser um estorvo por toda a sua vida. Você vai carregar esse indíviduo nas costas, por toda a vida. Ele até pode ser bonito no momento, mas o tempo vai passar. Ele vai ficar gordo e tudo o que vai sobrar em sua vida é um homem ignorante e estúpido que você vai sustentar. Estou sendo rude? Pode ser, porém não tão rude como será seu casamento com ele. Essa é minha opinião sincera. Lamento dizer.

Em relação a mim, adotei a solteirice completa. Ser solteiro é ter liberdade. Hoje estou aqui, amanhã... não sei. Possa ser que acorde e decida fazer uma viagem. Ninguém vai ter nada a ver com isso. Não terei que dar explicações a ninguém. Tenho uma prima. Ela reclamava de que seus pais a prendiam muito. Então se casou precocemente "para ter liberdade". Pobre mulher! Saiu das algemas de pais opressivos para uma nova jaula, agora controlada pelo marido. Triste destino. O homem solteiro vive por si. Tem suas próprias aventuras. Curte a noite, saboreia o luar. Casamento é uma das piores invenções humanas. Aprisiona em correntes, quase sempre enferrujadas. É um contrato. E como todo contrato a pessoa só  assina se quiser. Prefiro não colocar minha assinatura em um papel desses. Prefiro ter minha carta de alforria.

Sobre os amigos dos tempos da faculdade, nunca mais vi ninguém. Devo dizer que sinceramente falando muitos deles eu apenas suportava. Era muita conversa vazia sobre esportes. Você descobre o quão um homem é vazio pelo teor de suas conversações. Se ele só fala em times e jogos, pode ter certeza que há um idiota na sua frente. A maioria dos que conheci na universidade eram assim. Uma gente bem decepcionante, devo confessar. Os suportava na época do curso de direito, mas agora não preciso mais suportar aquela gente. Com a graduação fiquei livre de todos eles, graças a Deus! E pensar que outro dia um velho conhecido me enviou uma carta de Toulouse me convidando para uma reunião de velhos alunos. Deus me livre de um destino desses! Não quero... não quero... não desejo mal nenhum para aquelas pessoas, mas ao mesmo tempo também não quero eles por perto. Aguentar cinco anos de sua companhia já foi o bastante... Hoje só sento para conversar com quem tem algo interessante a dizer. Falar sobre cultura, artes e filosofia. Todo o resto me parece tempo perdido. Então é isso minha cara amiga. Desejo tudo de bom para ti e suas filhas. Abraços de seu eterno amigo Louis."

Cap. VIII - O Vampiro Guitage
Por volta de 1904 ou 1905, o Lord Vampiro Louis conheceu um curioso vampiro latino-americano conhecido nos meios obscuros das ruas sombrias de Lisboa simplesmente como Guitage, ou resumidamente Gui. E quem era essa criatura das trevas? Não se sabe ao certo. Ele ficou obcecado por sangue de lindas virgens da capital portuguesa. Por seu sotaque e forma de agir ele provavelmente tinha origem além-mar, talvez no distante e exótico Brasil. Só que Gui não falava sobre seu passado, como se escondesse algo trágico. E quando não se fala muito sobre o que passou, se abrem janelas para especulações.

Era um vampiro antigo, provavelmente trezentos anos. Dizia-se que havia sido mercador de escravos para o nordeste brasileiro. Outras fontes diziam que havia criado uma rede de masoquismo no novo continente, o que fez com que fosse perseguido pelos colonos. De uma maneira ou uotra, por volta do século XVIII ele finalmente subiu em uma velha nau holandesa de madeira e foi para a Europa. Essa estranha figura se instalou em Lisboa, onde abriu uma taverna que só funcionava a partir do crepúsculo. Ali, dizia-se (sempre muito boatos envolvidos) que ele mantinha uma casa de tolerância com beldades inglesas que importava para Lisboa. Esse vampiro - sim, eu o conheci e sei do que estou falando - tinha mesmo preferência por mulheres jovens a quem podia sugar o sangue, participando de orgias sexuais sem fim.

A vida devassa e inescrupulosa de Guitage fez com que Louis cruzasse seu caminho. Havia um código de ética entre vampiros europeus e essa sombra noturna estava violando todas essas regras não escritas. Havia rumores que Gui estava transformando algumas de suas raparigas em vampiras, o que ia contra todo o protocolo de comportamento de um nobre bebedor de sangue humano. Assim Louis resolveu visitá-lo, como se fosse um mero cliente de seu estabelecimento de prostituição sádica.

Louis, que havia vivido na luxuosa corte de Maria Antonieta, achou o cabaré de Gui um verdadeiro horror estético. Com cortinas vermelhas escuras, clima de pura decadência moral, não era o lugar adequado para se levar alguém de bom gosto e valores morais. Gui sentava-se ao centro do grande salão e comandava suas prostitutas de inferno. Logo Louis percebeu que pelo menos duas ou três delas já estavam transformadas. Um absurdo vampiresco, transformar aquelas cadelas em nobres de sangue. Ele obviamente deveria ser punido.

Guitage, o vampiro-gigolô, havia cruzado um limite. E eu sabia que deveria eliminá-lo depois daquela noite. Houve uma grande surpresa na noite que Louis adentrou aquele recinto. Todas as noites um baile Dantesco era realizado, onde todos os convidados ficavam completamente nus. Era engraçado e mórbido nas mesmas proporções. Certo, as mulheres propiciavam uma bela vista, pois eram mulheres bonitas, de seios fartos. Já os homens, gordos e de barrigas salientes, destruíam a imagem global daquele festim de horrores. E no bordel de Gui havia dois tipos de homens. Os ricos estavam ali para depois realizar favores de corrupção para aquele ser da noite. Já os pobres e mais jovens seriam sua janta, já na alta madrugada. Afinal Gui também não tinha reserva de apetite para sua sede de sangue humano.

Louis ficou em sua mesa, olhando ao redor. Ele apenas ficou olhando pelo canto do olho enquanto tomava um vinho do Porto de boa procedência. Gui se aproximou e quis conhecer aquele cavalheiro estranho que ele nunca havia visto. Pelo seu sentido de ser da noite sabia, mesmo que de forma inconsciente, que era um de seus pares. Apresentações formais foram feitas e Guitage sentou alguns instantes com aquele nobre com sotaque francês. Algo soava no ar, um estranho clima de doce veneno. Aqueles seres sabiam que em pouco tempo haveria um jogo de vida e morte prestes a começar sob a luz da lua cheia.

Cap. IX - Ruas Sangrentas de Lisboa
O Lord Louis tinha planos de matar Guitage, mas decidiu que deveria ser algo bem planejado, sem pressa, tudo deveria ser executado de forma minuciosa. Para sua surpresa, enquanto tecia planos e mais planos em sua mente, o vampiro Gui foi encontrado morto em sua taverna esfumaçada e escura. As investigações apontavam para uma certa mademoiselle Cuca. Essa jovem moça era uma das escravas sezuais do vampiro. Uma pessoa que sofreu atrozes torturas em suas mãos por anos e anos. Depois de muitos abusos, o caldeirão um dia iria entornar. Ela o havia matado com requintes de crueldade.

Guitage foi encontrado pelos policiais completamente calcinado. Impossível reconhecer. Porém havia dois detalhes determinantes que chamaram muito a atenção de Louis na noite seguinte quando leu os jornais com as notícias. Em volta do pescoço de Gui havia um arame farpado que o prendia a um crucifixo. E em seu peito uma grande estaca havia sido fincada. Isso provava duas coisas importantes. Primeiro que Guitage estava definitivamente morto. Nenhum vampiro iria sobreviver aquele tipo de agressão com ares de culto religioso, seguindo bem de perto o manual dos matadores de vampiros. Segundo, o mais importante, é que quem o matou sabia que estava matando um vampiro. Teria sido apenas a mademoiselle Cuca ou alguém com os adequados conhecimentos a havia lhe ajudado?

De uma maneira ou outra, Louis comprou uma passagem de viagem para a Espanha naquele mesmo dia. Lisboa era uma bonita cidade, mas o excesso de igrejas e catolicismo o incomodava muito. Nas pequenas ruas de pedras seculares sempre havia uma procissão passando, gente rezando. Para falar a verdade ele nunca havia conhecido um povo tão religioso como aquele. E isso, para um vampiro, era a pior parte. Ter que ficar ouvindo aquelas ladainhas, aquelas orações que pareciam nunca chegar ao final, o incomodava bastante. Era muita carolice para um vampiro velho como aquele.

Assim que anoiteceu ele então subiu na carruagem e foi embora rumo à Espanha. Essa seria a última vez que Louis iria fazer uma longa viagem com carruagem. A modernidade havia chegado também na Europa. Os carros estavam dominando as estradas. O próprio Louis achava aquela máquina algo intrigante. Ele costumava zombar um pouco, dizendo que eram carruagens sem cavalos, porém quem poderia deter o progresso? Ao longo dos séculos ele nunca havia visto uma prova concreta da existência de Deus, mas todos os dias se espantava com a capacidade da ciência em inovar e trazer melhorias para a sociedade. Seria a ciência o verdadeiro Deus da humanidade? De vez em quando ele se pegava com esse tipo de questionamento passando por sua mente.

Cap. X - Perdido nas areias do tempo...
Depois de muitas pesquisas só uma velha carta, amarelada pelo tempo, foi encontrada desse singular personagem. Era o ano de 1914, não por acaso o ano em que explodiu a primeira guerra mundial. Depois dessa data e dessa carta nada mais foi encontrada sobre o Lord vampiro Louis em bibliotecas da Europa continental. O que terá acontecido? Por onde andou? Estaria ainda vagando nas noites escuras? Pela importância do registro histórico passo a seguir a publicar na íntegra a carta escrita pelo ser noturno.

"La Rochelle, 28 de julho de 1914. Prezado Lobothan, Pelo visto a guerra eclodiu de vez em nossa querida Europa. Não há mais heróis e nem vilões. O morticínio será trágico e de proporções imprevisíveis. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde a Casa de Habsburgo iria levar todos para a ruína completa. Nunca gostei dessa gente, são seres desprezíveis. Além de parasitas inomináveis, também são gigolos de suas próprias filhas. Desde os tempos anteriores a Maria Antonieta, todas as arquiduquesas eram prostituítas pelas casas reais afora. Os cretinos até mesmo diziam que deveria se fazer casamentos, ao invés de guerras. Sempre foram gananciosos e facínoras, isso sim! Nunca me enganaram.

E agora todos esses jovens vão para os campos de batalhas, onde morrerão por coisa nenhuma. O patriotismo é uma estupidez. O militarismo só bate forte em mentes de debeis mentais. Morrer pelo quê? Morrer por quê? As guerras são lugares terríveis onde jovens morrem através de outros combatentes que não conhecem e nem odeiam, tudo por causa de velhos políticos que se conhecem e se odeiam. Coloquem todos esses patifes em ringues de lama e lá que eles resolvam seus problemas pessoais e políticos. Não enviem jovens para o campo da morte. É isso o que penso sobre tudo o que está acontecendo... Assinado, cordialmente, por seu amigo Louis"

Há um obituário em nome de Louis datada de meados de 1916, nessa mesma cidade de La Rochelle. Esse nobre senhor foi encontrado morto em sua pequena cabana nos arredores da cidade. Morreu tranquilamente enquanto lia um livro de ciência política. O senhor Jean Lobothan cuidou de seu funeral. Ninguém apareceu, apenas o padre Mckenzie que leu alguns salmos, enquanto o caixão de Louis descia em sua cova. Era uma manhã gelada de inverno. A senhora Eleanor, que havia sido sua governanta nos últimos meses jogou um pequeno buquê de flores violetas. Depois todos se cumprimentaram e deram as costas, deixando Louis para a eternidade. E os flocos de neve começaram a cair suavemente em seu ataúde preto com detalhes dourados...

Pablo Aluísio.

Cartas Vampirescas

Cap. 1 - Eu, o Vampiro...
Eu, Lord de Stlevanisk, figura antiga, figura que cruzou os séculos, deixo aqui alguns registros do que vi com meus próprios olhos. Me tornei vampiro há séculos, já andei com patifes, piratas, homens do governo, políticos ditos respeitados, chefes de governo e Estado e posso dizer que todos são iguais. A raça humana é escória, imundície. Não valem nada. Me tornei vampiro ao renegar a cruz de Cristo. Ele era um bosta, um revolucionário fracassado do século I, não tinha nada de sagrado e nem de Deus. Uma mentira, uma farsa que enganou milhões e continua enganando. A mente humana é ridicularmente medíocre e obtusa. Os romanos mostraram a ele como se trata de terrorismos em geral. Levou uma surra enorme, depois morreu pendurado numa cruz. Os abutres comeram sua carne, o resto caiu no chão para os cães comerem. Ressuscitou nada, quando falam isso eu dou uma grande gargalhada...

Estava com sede. Ontem de madrugada visitei o apartamento de uma velha professora. Deveria ser uma pessoa inteligente, mas me deparei com uma mulher burra e grosseira, de baixos instintos. Não era bonita, embora fosse vaidosa. Tinha os cabelos nada naturais, cafonas, banhados em química por décadas para tentar preservar uma juventude que não mais existia. Pessoa patética. Você nunca mais será jovem! Já é uma velha decrépita. Ninguém mais lhe quer. Seu futuro será o frio túmulo, sendo corroída por vermes decompositores que certamente vomitarão ao consumir sua carne fétida e imunda.

Imunda a define bem! Uma fascista imunda! Adepto de torturas e porões da ditadura. Quando soube que gostava de torturas lhe dei um gostinho do que é uma tortura. A massacrei lentamente, tirando inicialmente sua pele, como se faz a um coelho abatido. Pele de gente velha, cheia de manchas e rugas. Não servia para nada aquela pele. Joguei no lixo. Com a sua carne viva resolvi me divertir. Joguei sal em cima. os gritos dela foram bem interessantes, me divertiram um pouco. Voz feia, voz de gente velha. Ninguém liga se grita. Acham que é uma louca tendo crises. E no fundo ela era uma louca mesmo! Pensei em fazer um serviço de reciclagem para melhorar o mundo! 

Depois disso cortei seus dedos, orelhas e seios. O sangue jorrou. Bebi um pouco e me arrependi. Como era uma velha tomava muitos remédios. O sangue ficou com gosto péssimo. Como não servia mais para nada arranquei sua cabeça em um só golpe. Existem pessoas que não servem mais para nada, nem para jogos mortais com um velho vampiro que sou! Decidi que só vou atrás das mulheres jovens daqui em diante. Chega de velharias inúteis. Eu quero é sangue jovem! Etarismo? Pois é, palavra nova para velhos preconceitos. Eu me tornei vampiro para nunca perder a minha vida e a minha juventude. Devo ser mesmo um bastardo preconceituoso. Minha mentalidade é de séculos atrás, por isso não me julguem. Enquanto penso isso limpo meu elegante terno do sangue daquela velha imunda. Ah, os ossos do ofício... 

Cap. 2 - Velhas Cartas...
Encontrei velhas cartas no porão, algumas banalidades, mas algumas com aspectos interessantes, lembranças de um tempo passado que jamais voltará novamente... Passa a transcrevê-las a partir de agora...

Londres, 19 de setembro de 1873
Chuvas noturnas, ruas escuras, coração entristecido. Ando por essas ruas sombrias lembrando do amor que nunca veio. Era uma mentira. A doce pela qual estava apaixonado era uma fraude. Não era a bela mulher de meus sonhos, ao contrário disso era uma vulgar. De classe social superior se achava mais importante, mais relevante, certamente se considerava superior à minha pessoa. Só que na verdade era uma figura lamentável, feia de corpo, baixos instintos. O rosto poderia ser considerada bonito, com muita boa vontade, mas no geral era bem mal organizada. O amor veio da minha própria solidão e não daquele ser que hoje sei ser abjeto. 

Porca imunda, coberta de sífilis e outras doenças sexualmente transmissíveis. Morta moral, rameira suprema. Fizeste de seu corpo um playground para qualquer um. Imunda faceira, rosnando na areia de vômito e gozo de outros. E pensar que nutri bons sentimentos por esse tipo de pessoa asquerosa. Teu futuro virá e será triste. Mando mil demônios em sua direção. Lepra será bem-vinda depois de saberes o mal que lhe desejo. Amaldiço seu passado, presente e futuro. Que seu espírito sempre imundo seja acompanhado em suas carnes decompostas. Vaca de brejo imundo. 

Riu de mim naquele salão vitoriano. Rirei de você em meus pensamentos. Não terás filhos, todos serão mal formados de suas mpurezas. Vermes estarão nas tuas entranhas. De suas raízes nada brotará, a não ser infâmia, desabor e decepção. Quero ir em sua cova dar uma cusparada eterna. O cadarro escoerá de sua foto bem posada. Nada sobrará de sua existência. O esquecimento será sua última químera. Bons ventos a aguarda nas profundezas do inferno mais vil. Morra, apodreça, finde para todo o sempre! Imunda, imunda...

Cap. 3 - O Túmulo dos Mares
Paris, 16 de abril de 1912
Cá estava eu em uma belo café de Paris quando me deparei, lendo o jornal daquele dia, que o navio HMS Titanic afundou no Atlântico Norte, levando para o fundo do mar mais de 1500 almas! Que desperdício de alimento, meu caro Azmodeus! E tudo aconteceu porque o maldito navio bateu em um iceberg naquelas águas geladas! Pois é, a maioria das pessoas morreram congeladas mesmo. Ao cair naquele oceano frio não restou outra chance para elas. Vão com Deus, os pobres. Vão com o Diabo, os ricos. Afinal não foi o Nazareno que disse que era mais fácil um camelo entrar no buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus? Então, estão todos fritando agora. Imagine que destino, morrer na água gelada, pagar seus pecados no inferno em chamas. Só dando risadas! 

A ironia pessoal é que quase comprei um ticket do Titanic quando estava pensando em viajar para os Estados Unidos. Desisti na última hora, após ver algumas fotos de cowboys! Gente suja aquela! Obviamente não conseguem ter um dente na boca. Cheiram a bosta de vaca, passam anos sem tomar banha. Detesto gente mal cheirosa. Assim, desisti daquela terra de bárbaros e vim para Paris onde posso desfilar com minhas roupas finas, meu monóculos elegante e minha bengala com esquifes de leões de marfim. 

Viro a página e vejo que a polícia de Paris procura por uma modelo francesa desaparecida na calada da noite. Hahahahaha... Não vão achar, crianças de azul. Ela esteve em meu menu ontem à noite. Confesso que foi mais do que um lanchinho e menos do que um cardápio refinado. Ela não era de alta estirpe. De certo modo era uma mulherzinha pé de chinelo que fazia muita força para parecer da alta sociedade. Eu a degustei como quem devera uma comida de rua. Estava com fome. Nem sempre comemos os mais finos pratos franceses. Algumas vezes nos contentamos com comida rápida! 

Ser imortal tem seus problemas. Não faça amizades íntimas, não seja amigo de ninguém, prefira a solitude. Viver sozinho, quando você tem vida interior rica e extensa, pode ser o maior dos prazeres. Por isso, faminto vampiro, adquira cultura! Vá aos museus, leia os melhores livros, visite os mais requintados teatros - e os populares também, para falar mal. Adquira cultura que você no final de tudo nunca estará realmente sozinho...

Cap. 4 - Sangue sobre a Alemanha
Berlim, 30 de janeiro de 1933
Estou em Berlim, onde vim passar um fim de semana agradável em meu hotel preferido da cidade. Assim pensava eu. Quando cheguei na cidade, já tarde da noite, encontrei um clima realmente péssimo. Chove muito e está frio, mas não é nada disso o que estou tentando descrever. A Alemanha tem um novo chanceler, um sujeitinho ridículo chamado Hitler. Esse é daqueles que não tem vergonha de ser bestial. Só defende as bandeiras erradas e para minha surpresa nessa culta e sofisticada Alemanha muitos o seguem de forma fanatizada. Estou impressionado com a perversidade desses nazistas. Nenhum vampiro se equivale. Sao malvados e perversos, cheios de preconceitos e muito ódio, ódio visceral é bom esclarecer. 

Odeiam judeus, mas não apenas eles. Odeiam qualquer um que não seja alemão, loiro e alto. São assumidamente racistas e escrotos e muitos dos mais velhos o seguem despudoradamente. Esses velhos se dizem conservadores, andam com o livro sagrado nas mãos, rezam de forma fervorosa. Rezam para que os diferentes sejam mortos. São pessoas péssimas, sinceramente falando. O velho JC ficaria horrorizado em ver no que sua mensagem se transformou na mente desses idiotas violentos...

Nunca pensei que gente culta, com nível educacional superior, iria se prestar a uma coisa dessas, mas é a pura verdade. Eu confesso que a Europa caminha mal tendo uma de suas principais nações nas mãos desses loucos. O que poderá vir pela frente? Eu não sei, mas sei que boa coisa não virá...

Com essa nova ideologia perversa as ratazanas saíram dos esgotos. Nem disfarçam mais como pensam ou o que querem. Desejam morte, clamam pela morte. Eu tenho quinhentos anos de existência e nunca vi nada igual. E tudo potencializado por um sistema de propaganda política poderosa, que aliena, faz lavagem cerebral e aprisiona mentalmente o sujeito. Quem já tinha propensão à doença mental então, nem se fala. Loucura... essa é a definição do que ocorre na Alemanha nos dias de hoje, no dia em que escrevo essa carta. Prevejo em breve um mar de sangue por toda a Europa...

Cap. 5 - A Cruz e o Vampiro
Roma, 19 de junho de 1878
Eu sou um vampiro. As pessoas podem perguntar se eu tenho medo da cruz. Tenho nada! Isso é coisa da literatura. Não tem porque ter medo da cruz. O JC foi um revolucionário judeu que tentou lutar contra a dominação romana e se deu mal. Vamos encarar a realidade. Ele não era aquilo que as pessoas pensam. Hoje em dia a palavra Messias nos leva a uma ideia de algo espiritual, de ser superior nesse sentido. Nos tempos do JC ser Messias significava ser um líder político. O Messias era o Rei. O filho de Deus era um título dado ao Rei. JC queria ser o Rei Judeu que expulsou os romanos. Se deu mal. Foi preso, crucificado e morto. Não teve isso de ressurreição. Cresçam meninos. Nenhum homem jamais ressuscitou na história da humanidade!

Outra coisa: a cruz era um instrumento de tortura usado pelos romanos para matar os inimigos do Estado. Nada mais do que isso. JC ficaria certamente horrorizado se soubesse que a cruz daria origem a uma religião em seu nome. Seria o fim para ele. Era como se um enforcado fosse representado religiosamente por sua forca. Um absurdo completo, vamos falar a verdade. 

Assim, diante de todos esses argumentos, porque diabos eu teria medo da cruz? Não. não tem nenhuma lógica nisso tudo. Além disso geralmente o crucifixo é levantado por membros do clero católico. Hei, psiu, vou te contar um segredo: Tem poucos santos dentro desse clero. Quase nenhum! O que existem são muitos homossexuais embaixo das batinas. Ande de madrugada pelas ruas próximas ao Vaticano. Você vai encontrar vários desses religiosos do clero em busca de uma companhia masculina. Sim, a maioria é homossexual! 

Então eu vou sair correndo por causa de um homossexual cheio de pecados (dentro da doutrina que eles mesmos dizem seguir), segurando uma representação de um instrumento de tortura romano, símbolo de uma religião criado por um insurgente judeu contra os romanos no século I? Mas que lógica existe nisso? Por favor me poupe de suas crendices bobobas...

Cap. 6 - Jack de Whitechapel
Londres, 10 de novembro de 1888 
A cidade só fala nisso. Jack, o Estripador, voltou a matar na noite anterior. Antes de mais nada devo defender a minha classe. Não, Jack não é um vampiro. É apenas um porco sádico e demente. Vampiros são elegantes e matam para sobreviver, afinal precisamos do sangue quente dos seres humanos. Esse Jack é claramente um doente mental. ele mata essas pobres mulheres que vivem pelas ruas como prostitutas, tentando de forma desesperada ganhar a vida e depois as mutila de forma horrenda. Eu nunca faria aquilo com uma mulher que morderia seu pescoço. Tem que respeitar a vítima. 

Dentro da nossa comunidade sabemos quem é Jack, o Estripador. Os vampiros sabem tudo o que acontece na noite. Só que não ajudaremos aos policiais, esses porcos que muitas vezes nos perseguem sem razão alguma. Eu me lembro do que aconteceu com Lara, uma jovem vampira que foi massacrada por esses imundos. Não, não faremos nada para facilitar seus trabalho. Trabalhem porcos, trabalhem...

Mas como essa é uma carta confidencial direi a você quem é Jack, afinal devemos nos informar. Ele é um sujeito que sempre viveu ao lado do irmão em um dos bairros mais pobres de Londres. Ele é um imigrante de uma família que veio da Polônia em busca de trabalho e de uma vida melhor. Seu nome é Aaron Kosminski. Trabalha como barbeiro e açougueiro em espeluncas de Whitechapel. É um tipo rude, porcalão, vulgar e sofrendo de uma grave doença. 

O dito cujo contraiu sífilis de prostitutas londrinas. Por isso as odeia, por isso quer matar todas elas. A doença esta corroendo seu cérebro. Ele está enlouquecendo aos poucos. Vai terminar seus dias em uma instituição para loucos, urinado em si mesmo, comendo fezes pensando ser comida. Esse é o tal Jack, o Estripador. Não tem nenhum glamour nele. Apenas miséria, pobreza e desespero insano. E assim caminha a humanidade. 

Cap.7 - Asas Sobre a América
New Orleans, 23 de janeiro de 1940
O mundo está novamente em guerra. Quando afirmo que a humanidade não vale nada, falo com convicção, minhas queridas criaturas da noite. Há um cheiro de falso moralismo e patriotismo verdadeiro no ar. O presidente americano reluta em entrar na guerra, principalmente em uma guerra na Europa onde não faz muito tempo muitos jovens americanos perderam suas vidas. Se a Europa tem problemas, que eles mesmos venham a resolver seus problemas, assim afirmam os que defendem a neutralidade dos Estados Unidos na guerra. 

Em New Orleans fui apresentado à religião Vodu. Acho tudo um grande simbolismo, mas destituído de valores práticos. Ninguém fará mal a outro apenas confeccionando bonequinhos de argila para causar sofrimento alheio. É tudo simbólico, mas não passa mesmo de pensamento mágico. Agora, gostei da comunidade vampiresca na cidade, principalmente de lady Anne. Uma francesa muito bem educada, jovial, ali na casa dos 200 anos de idade. 

Ela me ofereceu uma recepção em sua casa ao estilo colonial. Não faz muito tempo e escravos trabalhavam acorrentados naquelas plantações de algodão. Pobre gente negra. Foram escravos por muitos séculos, tratados como animais. Depois dizem que os vampiros são perversos... nenhum vampiro escraviza outro vampiro, mas os seres humanos certamente escravizaram seus semelhantes. 

De minha parte a conversação à mesa foi agradável. Ela é uma anfitriã de mão cheia. É a tal coisa, boa postura e elegância vem de um berço aristocrático. Gente grossa com dinheiro é apenas gente grossa. Elegância e fino trato social é outra coisa. Falamos sobre tudo, mas principalmente da lástima que a Europa se tornou. Penso até mesmo em deixar o velho continente para trás... Quem sabe eu possa me estabelecer na jovem América, passando temporadas entre Estados Unidos e Canadá, que é um país dos mais agradáveis para se viver. Até porque adoro clima frio. 

Cap. 8 - Psicótico Perverso
Paris, 5 de outubro de 1823
Eu fui um ser humano normal, ha muitos anos, há muito tempo. Era jovem e cheio de vida, pensando que meu futuro iria ser brilhante. Quando me tornei vampiro, deixei as lembranças do jovem de lado Meus pensamentos sao outros. O que me levou a escrever essa cartas de lembranças foi deixar registrado na tinta da pena de meu lápis um pouco das lembranças dos meus entes familiares que como meros mortais estão todos mortos. Não tenho saudades de nenhum deles. Era um grupo de patifes da pior espécie, gente que nunca prestou! 

Eu poderia definir todos eles cmo psicóticos perversos! Hoje em dia, analisando tudo com coerência a paciência não teria outra definição para aquela gente. O grande patriarca da família, o meu avô, era um sujeito asqueroso. Batia na esposa (minha avó, claro!) e a deixava em cárcere privado. Louvado hoje em dia em prosa e verso, era em essência um tremendo de um canalha. Naqueles tempos não havia direitos da mulher e o marido podia ser o abusador supremo, que nada acontecia. Com um bando de filhos covardes, deu no que deu. Todos foram crescendo com sérios problemas emocionais. Alguns foram em vida bem doidos mesmo. O meu próprio pai não era o que se podia considerar de um sujeito normal e o pior de tudo é que ele amava aquele velho bastardo que era o seu pai. Até hoje nunca entendi como um filho que sofreu tanto nas mãos do próprio pai conseguia ter tanto afeto com ele! 

Eu não tive muito contato com esse meu avô. morava em cidades diferentes. No pouco contato que tive, criei a impressão de que ele era mesmo um sujeito estranho. Não parecia ser nada inteligente. Parecia ser rude e burrão. Não formulava nenhum tipo de pensamento mais bem elaborado. era rude e grosseiro. Eu me lembro dele cuspindo dentro de casa e isso para mim era a maior das seboseiras. Não parecia muito limpo e não era. Na família se dizia que ele nunca tomava banho. Tinha grande pés que arrastava pela casa. Não demonstrava qualquer tipo de empatia com o próximo, nem com a esposa que maltratava, nem com os filhos que ele expulsava de casa assim que atingiam a maioridade. Certamente tinha algum distúrbio mental. Provavelmente estava no espectro autista, mas naqueles tempos as pessoas comuns nem sabiam o que era isso. 

Nunca pareceu gostar de ninguém. Suas demonstrações de afeto eram estranhas. Ele tinha um cavalo que gostava muito quando jovem. Quando esse morreu, ele trouxe os ossos para os fundos de um cômodo da sua própria casa. Imagine ter um esqueleto de um bicho desses dentro de casa. O velho era muito estranho. Quando a esposa morreu, ele pareceu comemorar pois haveria um prato a menos na mesa, menos despeas. Ela havia doado toda a sua vida para viver ao lado desse velho asqueroso e ao morrer ele não demonstrava nenhum tipo de sentimento humano. Era ou não era um psicótico pervero? Depois eu é que sou chamado de monstro por ser um vampiro. Seres humanos são bem piores, pode ter certeza disso. 

O fim do velho foi trágico. Ele viveu muito, chegando a 96 anos de idade! Vaso ruim não quebra, dizia a sabedoria humana. Já tinha perdido a razão, vivia quase nu, gritando dentro de casa. A família nem tinha coragem de interná-lo em um asilo e nem tampouco de levar ele para a rua. Viveu seus últimos dias preso dentro de casa. Até que a revolução francesa eclodiu. Ele tinha títulos de nobreza e não escapou da turba. Eles o pegaram e o levaram para a guilhotina. O velho nem tinha forças mais para andar. Em poucos segundos sua cabeça rolou. Uns garotos que estavam ao pé do cadafalso jogaram bola com ela. O velho teve o fim que merecia. Depois sua carcaça foi jogada numa caçamba de lixo. Bom final para o tipo de ser humano que ele foi em vida. 

Cap. 9 - Lena, Filha de Paul 
Paris, 14 de outubro de 1890
Vampiras, de modo em geral, são mais sádicas e perversas que vampiros. Isso a experiência de séculos me ensinou. Veja o caso de Lena, filha de Paul. Uma mulher que poderia ser dita como bela, mas longe dos padrões de beleza das grandes modelos clássicas. Ele era alta, longos cabelos castanhos e belas pernas. Também destacaria seus quadris, ótimos para despertar o desejo dos homens como se falava entre os humanos. Era bem branca e tinha uma bela voz. Tinha um semblante que despertava meus desejos mais íntimos e era conhecida como Thatiana entre os mais próximos. Eu me lembro de imaginar várias vezes ela em minha cama, completamente nua. 

Só havia um problema com Lena. Ela só amava cretinos. Quanto mais imbecil e idiota fosse o homem, mais ela parecia ficar perdidamente apaixonada. Isso me fazia duvidar de seus dotes intelectuais, afinal se fosse uma mulher realmente inteligente jamais iria se encolver com aquele bastardos. O homem com quem se casou era uma piada ambiente. Um soldado raso, imbecil até dizer chega. Uma daquelas figuras que você não conseguiria nem ter uma conversação amigável de trato social. Ao que me consta ela ficou fisurada nele por causa de seus dotes penianos. Dizem que homens são escravos de vaginas bem delineadas. Ora meu caro, mulheres também se tornam escravas de homens com penis robustos. 

De qualquer maneira ela selou seu destino. Casou com ele, teve duas filhas. Entrou para um ramo protestante conhecido também pela idiotice. De bela mulher se tornou uma crente das mais feiosas. Parou de se cuidar. Ficou feita mesmo, desleixada, com seu apelo sexual indo pelo ralo depois de duas maternidades. Ainda assim eu cheguei a desejá-la alguns anos depois quando a reencontrei por acaso. Era uma ruína de mulher, não parecia nada com o tesão que conheci pela primeira vez em uma prestigiada e tradicional faculdade de direito em Paris. 

Com uma certa pena a mordi e a transformei em uma vampira. Meus caros, ela virou uma das vampiras mais perversas que se tem notícia. Lena, filha de Paul, ficou falada entre as criaturas da noite. Todos queriam saber seus últimos crimes, suas últimas atrocidades. Ela chegou a levar 20 homens negros para a cama e depois os esquartejou sem dó e piedade. E tudo com aquela imagem de garota da vizinhança. Era mesmo sedenta por sexo e sangue. Tenho que voltar a encontra-la pois como a transformei em vampira sou responsável por ela. Tenho que parar a Thatiana mais cedo ou mais tarde. Tenho que destrui-la. Sei que farei isso algum dia...

Cap. 10 - O Medíocre por Opção
Paris, 1 de outubro de 1823
O meu pai nasceu nos tempos da revolução francesa. Era um homem inteligente, mas embora tenha nascido na época certa, onde a educação e o conhecimento estava ao alcance de todos, ele nasceu no lugar errado e na família errada. Veja, meu pai era um homem inteligente, mas nasceu no meio de gente tosca, ignorante e perversa, a começar pelo próprio pai dele que mal sabia ler e escrever e era um perverso de carteirinha, que batia na esposa, filhos e até empregados com requintes de crueldade. Era obviamente um psicótico não diagnosticado! Os irmãos dele eram todos brutalizados, rudes, figuras grotescas. Assim ele deixou seu potencial de lado para afundar no meio dessa família de asnos, que apesar das injustiças que sofreu ao longo de sua vida, sempre os amou profundamente. 

Dessa forma ele que parecia ser a única pessoa inteligente no meio daqueles imbecis, acabou também se tornando um asno, deixando a escola e o saber de lado, abraçando a negatividade e burrice de todos aqueles parentes asquerosos dele. Foi um caso de história trágica mesmo. Depois, mais velho, adquiriu uma doença grave e nunca mais se recuperou. Foi definhando com essa doença grave e sem cura até a morte. Morreu abraçando a estupidez, ignorância e idiotice de seus familiares obtusos. 

Eu e meus irmãos fomos pessoas inteligentes, mas obviamente sofremos por causa da pobreza que as escolhas de nosso pai sempre fez ao longo de sua vida. Ao invés dele procurar se instruir, se formar, ele viveu de empregos medíocres e funções subalternas, algo que não era para ele por causa de sua inteligência que ele de fato nunca desenvolveu. Lutamos para subir na vida, mas sempre houve limites para pessoas pobres como nós. O pai muitas vezes pode destruir não apenas os seus sonhos, mas os de seus filhos também. 

Quando jovem eu tive muitas vezes raiva do meu pai. Muitas vezes foi grosseiro e estúpido comigo e tudo feito de forma gratuita. Quando era jovem e bem de saúde era igualmente um escroto de marca maior. Infelizmente seguiu os passos de meu avô, um sujeito pra la de tacanho. Com a velhice e a doença passei a ter piedade e compaixão. De certa maneira ele foi mesmo uma vítima, de todos aqueles parentes estúpidos, daquela mentalidade medíocre que existia entre sua própria família. Sobre eles eu sempre quis distância. Era mesmo gente rasteira, do esgoto produndo. É o tipo de gente que nunca quis ao meu redor, em nenhuma época de minha vida. 

Pablo Aluísio. 

sábado, 5 de dezembro de 2009

Patrulha Policial

Cap. I - Cemitério de Ossos
O xerife Tom Oxford foi até o cemitério. Seu objetivo era acompanhar o enterro da chamada "Assassina das Estradas", uma prostituta violenta que matava clientes e quem mais cruzasse seu caminho. Oxford queria monitorar para ver quem comparecia. Talvez um comparsa, um sócio do crime. Ele queria dar uma dura em quem aparecesse no enterro. Ninguém apareceu, nem o padre para encomendar o corpo podre daquela criminosa. Um coveiro apenas foi ao local. Para surpresa de Oxford ela foi enterrada como indigente. Sem direito a caixão. O corpo enrolado em um lençol, ou melhor dizendo, uma mortalha, foi jogada na terra crua.

O policial Oxford acendeu um cigarro. As primeiras pás de terra foram jogadas no corpo. Oxford então foi girando o corpo, em 360 graus, para dar uma geral no cemitério. Talvez alguém estivesse escondido entre as árvores. Talvez uma prostituta conhecida da assassina. Porém tudo o que ele viu foram corvos, daqueles de asas bem negras, acompanhando o funeral. Provavelmente as aves, em seus instintos, acreditassem que o corpo da assassina fosse deixado ao céu aberto. Seira uma boa refeição para aquelas figuras aladas. Elas e seus primos, os abutres, certamente teriam um banquete.

Por Oxford a assassina teria sido deixada no bosque para apodrecer, tal como havia acontecido com algumas de suas vítimas, senhores de idade que pagavam por companhia e algum carinho feminino. Só que ao invés disso sentiram uma bala atravessar seus crânios calejados pelo tempo. Para o xerife veterano havia o mal no mundo. Essa psicopata que estava sendo enterrada era parte desse mal. E como o bem deveria sempre vencer, ela teria que ser eliminada mesmo, de qualquer jeito. Para o mal prevalecer bastava apenas que o bem ficasse de braços cruzados. Não era o caso de Oxford. Ele sempre poderia mandar uma bala no mal. Sempre que isso fosse necessário.

O coveiro avisou que o trabalho estava feito. Ela estava enterrada. Agora seria comida de decompositores em geral. Vermes, bactérias, seres microscópios teriam o que comer. Não era curioso? Era o ciclo da vida. A morte de alguns significava a vida para outros. A carcaça da assassina era panetone de natal, peru do dia de ação de graças, pernil de ano novo. Para seus iguais, era apenas carne apodrecida pelo crime, que deveria ser esquecida para todo o sempre. Que o Diabo, esse ser da mitologia cristã, a carregasse nos braços até os portões do inferno.

Oxford pigarreou. Ele tinha esse problema de garganta. Poderia ser bem irritante para quem não o conhecia. Para quem era íntimo significava que ele estava estressado. O pigarro era seu jeito de dizer "Que merda de vida". Pois é, o velho xerife estava pronto para mais um dia de trabalho. A criminosa estava enterrada. Terra para todo lado, nos braços, nas pernas, no rosto, no cabelo, nos olhos. Ela já era! Página virada, assunto encerrado. Agora era chegado o momento de seguir em frente. Prender alguns maconheiros, dar um corretivo nos vagabundos. Vida que segue. 

Cap. II - O Inseto
A rotina policial de um xerife numa cidade do interior não se diferenciava muito do cotidiano que um homem da lei em um passado recente. Alguns dias passavam em branco, sem nenhum chamado. Em outros havia um ou outro caso mais fora dos padrões, como por exemplo, resgatar cobras venenosas que apareciam nos quintais das pessoas. Era um trabalho variado. Naquela cidade os crimes nao eram de maior importância. Na maioria das vezes eram meras contravenções penais. Nem chegavam a crime.

Na categoria crimes havia bastante ocorrências dos chamados crimes menores, tais como dano, brigas, bebedeiras, ofensas pessoais. Em um bar cheio de trabalhadores braçais as coisas poderiam sair um pouco do controle quando dois valentões,  já embriagados, se olhavam torto entre si. As menores coisas poderiam dar origem a brigas generalizadas. Um esbarrava no outro. Esse não gostava. Soltava uma piadinha... pronto, socos cruzados, garrafas quebradas, dentes caindo pela boca. Era assim no interior.

A cidade ficava na Rota 66, então era comum a chegada de forasteiros, alguns fugitivos de outras cidades. Geralmente esses criminosos de alta patente passavam direto pelas ruas da cidade. Não queriam problemas. Mas como tudo na vida havia algumas exceções que terminavam em problemas mais complexos. Foi assim no caso da Assassina das estradas. Ela fugiu e foi parar ali na jurisdição do xerife Oxford. E quando isso acontecia ele tinha que sair da zona de conforto. Fazer valer o brilho de sua estrela de homem da lei.

Na década de 1940 chegaram as drogas em larga escala. A rota 66 virou rota de tráfico de drogas entre as costas oeste e leste. Virou um corredor nacional para grandes quadrilhas de traficantes. E onde havia drogas, havia a máfia italiana. Os chefões mais velhos, que não queriam envolvimento com o tráfico de drogas, foram perdendo espaço para os mais jovens que ansiavam pelo dinheiro que esse mercado gerava. Nessa luta de poder dentro da máfia muitos chefões de famílias tradicionais foram mortos. Alguns com requintes de crueldade, fuzilados.

O xerife Oxford sabia que mais cedo ou mais tarde iria ter problemas com essa gente. Numa manhã de domingo, em um dia que havia tudo para ser tranquilo, ele viu um carrão com placa de Nova Iorque atravessar a principal rua da cidade. Em sua mente ficou torcendo para que eles passassem direto pela cidade, mas para seu azar o carro parou.

As quatro portas do carro se abriram. Eram todos italianos. Dava para perceber pelas roupas e pela pinta de mafiosos que exibiam. Então desceu o chefe deles. O xerife ficou vendo tudo de longe. O "capo" entre eles lhe chamou a atenção imediatamente. Ele jurava que já tinha visto aquele homem antes. Cabelo puxado para trás com brilhantina. chapéu Panamá de estilo, roupas impecáveis. Eram criminosos, mas bandidos que se vestiam muito bem.

Oxford pensou em ir até lá para saber o que eles queriam. Mas depois desistiu. Aqueles homens não tinham feito nada fora da lei. Apenas pararam na cidade. Compraram cigarros na banca de jornais e olharam em volta. O Xerife estava estrategicamente atrás de um poste, para não chamar a atenção. Porém ele não tirava os olhos daqueles homens. Até que sua memória lhe deu a resposta que vinha martelando em sua mente. Sim, ele conhecia aquele homem. Ele já tinha visto cartezes de "procura-se" com aquele sujeito. Era ninguém mais, ninguém menos do que o conhecido mafioso Benjamin Siegel, mais conhecido como Bugsy Siegel, ou melhor dizendo, o "inseto" Siegel. As coisas começavam a complicar.

Cap. III - Companhia de Assassinos
Benjamin Siegel era um assassino profissional da máfia de Nova Iorque. Ninguém sabia ao certo de onde ele viera, quem eram seus pais, quais eram suas origens. Alguns diziam que era judeu. Outros que seus pais tinham imigrado da Polônia. Quem poderia dizer algo com certeza? Ninguém! Bugsy era um assassino e como tal escondia seus rastros. Seu passado era incerto e seu futuro também. Nesse meio tempo ele matava. Nada pessoal, apenas cumpria os serviços pelos quais eram contratado. E ele era conhecido um dos mais eficientes do ramo. Se você quisesse matar alguém, sem deixar pistas e provas, Bugsy era o homem a se contratar.

Embora não tivesse sangue italiano ele era conhecido por ser membro da famosa família mafiosa Genovese. Era longa a lista de serviços sujos que havia feito para esses italianos mafiosos. Sua especialidade porém era uma só: enfiar uma bala no meio da testa de seu alvo. Se esse era um serviço pelos quais os mafiosos pagavam, então Bugsy aceitava o serviço sem problemas. E ele se considerava muito bom naquilo que fazia.

Ele certamente havia saído de Chicago e estava indo em direção a Los Angeles. Dizia-se na boca pequena que iria pegar dinheiro para levar ao deserto de Nevada. Estava construindo um hotel em Las Vegas com o nome de Flamingo. Claro que aquilo tudo era dinheiro da máfia. Os mafiosos procuravam por empreendimentos que lavassem seu dinheiro captado no submundo do crime, ao mesmo tempo em que tentavam abrir negócios legítimos, legais. Era um bando de carcamanos espertalhões.

Ter um bandido como Bugsy em sua cidade era problema na certa. O xerife Tom Oxford sabia disso. Ele queria que aqueles mafiosos fossem embora de sua cidade. Por isso deixou um certo receio de lado e começou a andar em direção aos gângsters. Tom Oxford não tinham poder de fogo para encarar aqueles criminosos, que muito provavelmente tinham várias metralhadoras nos porta-malas de seus carros novinhos em folha.

Então ele foi lentamente em direção aos criminosos. Eles notaram a aproximação do homem da lei. Bugsy, com aquele olhar de peixe morto, foi o primeiro a estender a mão ao xerife. Fingindo ter um sorriso sincero, que no fundo mais parecia a face da morte, ele trocou algumas palavras com o policial.

- Olá oficial, tenha um bom dia! - Disse Bugsy.

Tom Oxford não mostrou simpatia e nem sinais de ser um bom anfitrião. Foi logo tocando no ponto, sendo o mais objetivo possível.

- Olá rapazes. O que fazem por aqui? Estão esperando por alguém?

- Não, não... - Bugsy olhou para seus capangas que estavam atrás de si, dois armários italianos - Estou apenas olhando o céu, que está bonito... É um lindo dia, não é mesmo? O céu está lindamente azul...

- Pretendem ficar por aqui? - Continuou interrogando o xerife

- Calma xerife, não queremos encrenca, estamos só de passagem. Desci do carro para estirar as pernas... respirar um pouco de ar puro... quem sabe... estou vendo o tempo passar, vendo as rodas girarem...

Tom Oxford não gostou nada dos rumos daquela conversa.

- Espero que partam logo... - Falou firmemente Tom.

- Ora, ora, calma lá xerife... temos nossos direitos constitucionais. Não estamos fazendo nada de errado. Temos o direito de ir e vir e também de ficarmos, se quisermos... - Bugsy podia aguentar muita coisa, mas certamente não iria aceitar pressões de um xerife do interior que ele considerava um verdadeiro caipira.

Com aquela resposta Tom Oxford decidiu seguir em frente com sua ronda policial. Ele parou alguns instantes, olhou fixamente nos olhos de Bugsy e terminou o assunto dizendo:

- Pois muito bem. E assim como você possuem seus direitos, eu também possuo os meus. Sou a autoridade policial máxima dessa cidade e não quero  problemas com forasteiros, entenderam? Espero ter sido bem claro.

Bugsy deu um sorriso de puro cinismo. Ele ficou calado, enquanto o xerife se distanciava. Depois virou para seus capangas, disse algo baixinho e todos riram.

Tom Oxford, o xerife, sabia que vinha chumbo quente por aí. 

Cap. IV - As Garotas de Las Vegas
O que Bugsy queria mesmo naquela cidadezinha era recrutar algumas garotas bonitas para que elas fossem trabalhar em Las Vegas como dançarinas e prostitutas. Bugsy sabia que em toda pequena cidade dos Estados Unidos havia garotas lindas e... pobres! Então era só uma questão de jogar a conversa certa, colocar elas dentro de um carro Ford e levar as beldades para a tão conhecida cidade do pecado! O segredo para convencer essas jovens? Ora, o mesmo argumento de sempre: Dinheiro!

Bugsy tinha uma visão de homem de negócios, embora também fosse um criminoso, um assassino profissional à serviço da Máfia. Bugsy racionalizava aquela situação toda da seguinte forma: Qual era o futuro dessas mulheres se ficassem nas cidades onde nasceram? Ora, com alguma sorte iriam casar com algum homem local e com sorte esse homem teria algum emprego qualquer. Elas iriam passar a vida toda lavando e passando a roupa desses sujeitos. Depois iriam passar a outra parte da vida passando e lavando a roupa de seus filhos. Quando chegassem aos 40 anos de idade estavam com a vida acabada!

A beleza teria ido embora, as linhas e curvas da juventude se acabariam e só restaria mesmo uma senhora obesa, fumante inveterada, extremamente frustrada pela vida que teve, odiando o marido por décadas e nada mais. Era um estilo de vida triste esse de mulher casada. E o que aconteceria com elas se fossem para Las Vegas? Ora, seriam mulheres do show business, seriam estrelas do palco, iriam levar a vida dançando, tendo fortes emoções, talvez, quem sabe, iriam cair nas graças de algum milionário do Texas e teriam vida de esposas de fazendeiros pelo resto de suas vidas. Era um destino melhor, vamos falar a verdade.

Com essa narrativa Bugsy convencia todas as garotas a entrarem em seu Cadillac rumo a Vegas. Até porque havia um grande fundo de verdade nas comparações que ele fazia. Muitas daquelas mulheres iriam mesmo desperdiçar suas vidas atrás de um tanque de roupas sujas ou fazendo faxinas eternamente em suas casinhas poeirentas na beira da estrada 66. Se toda vida é uma perda de tempo, pelo menos era melhor perder o tempo restante de suas vidas nos palcos de Las Vegas. Outra coisa: essas meninas tinham mães e elas conheciam melhor do que ninguém sobre o futuro delas. Era o mesmo futuro de suas mães. Uma coisa horrorosa de se pensar.

As mães dessas garotas eram senhoras mal humoradas, que tinham almas enegrecidas pelas experiências ruins de vida. Muitas deles tinham que prover seu próprio sustento porque seus maridos não encontravam trabalho. O desemprego era uma chaga social. E muitos maridos perdiam o tempo de vida se tornando alcoólatras, afogando suas mágoas em bares locais, bebendo para não encarar a vida real, o mundo real. Elas também já tinham presenciado muita violência doméstica, quando seus pais agrediam suas mães dentro de casa.

Com isso tudo Bugsy fazia a festa e podia escolher. Ele costumava brincar dizendo: "Sabe aquela garota que você se está apaixonado na escola? Aquela linda loirinha de olhos azuis que todo fim de semana canta no coral da igreja? E aquela ruivinha maravilhosa, muito dócil e meiga que tem olhos azuis faiscantes? Pois é meu chapa, todas elas estão loucas para trabalharem ao meu lado nos hotéis de Las Vegas!". E dizendo isso ele jogava uma moeda para cima. Não importava se fosse dar cara ou coroa. Uma coisa era certa, nesse jogo Bugsy sempre sairia vencedor. 

Cap. V - Nina, Nina...
O xerife Tom Oxford tinha uma paixão secreta por uma garota chamada Nina Ann Hartley. Baixinha, loirinha, muito bem feita de corpo, com pernas grossas e bumbum de outro planeta. Era uma pequena deusa. Embora de família desestruturada, pois seu pai era um jogador inveterado que geralmente deixava sua família sem ter o que comer, ela procurava levar uma vida, digamos, cristã, de bons modos, de boa conduta.

Pois Bugsy colocou os olhos justamente na pequena Nina. E ficou louco por ela. Seria uma garota para faturar alto em seu cassino em Las Vegas. Ela poderia trabalhar como stripper e também como garota de programa. Para a máfia não importava de onde ela vinha, para onde ela ia e coisas do tipo. Para a máfia só interessava explorar sexualmente aquela garota de alguma forma, fazer dinheiro com suas curvas. Ah, isso sim era o importante.

Tom Oxford ficou maluco quando soube que Bugsy estava tentando colocar as patas justamente naquela garota. Oxford era um homem tímido, que tinha dificuldades de chegar nas mulheres. Ele levou anos para conhecer melhor Nina, dar alguns pequenos presentes e até se considerou muito ousado quando lhe ofereceu flores. Depois de tantos anos a cortejando com todo o cuidado, agora via tudo ruir com a conversa mole de um rato como Bugsy.

E Bugsy agiu rápido e Nina aceitou seu convite também rapidamente. Mulheres que homens pensam que são valorosas, mas que no fundo não passam de mulheres sem muito valor. Acontece muito na vida cotidiana de muitas pessoas. Pouco mais de cinco horas após Bugsy conhecer Nina pela primeira vez e ter trocado as primeiras palavras com ela, a pequena loira já estava em sua cama no pequeno hotel da cidade.

Mulheres, pensava Tom Oxford, se deslumbram facilmente por dinheiro. Bastou Bugsy estacionar seu carrão com placa de Los Angeles perto de Nina para ela se desmanchar completamente. E Bugsy quis conferir tudo o que aquela garota tinha a lhe oferecer em relação a cama. Em pouco tempo estava fazendo anal furioso com ela. Imagine o pobre Tom Oxford, que lhe mandava flores e tímidos recadinhos de paixão quase adolescente. Enquanto ele mordia seu chapéu de policial na frente do hotel, Bugsy lá em cima desfrutava de sua paixão, das formas mais sacanas que se possa imaginar. Não há salvação mesmo para os homens mais inocentes...

Cap. VI - Dor da Alma
O Xerife Oxford ficou furioso com Bugsy. Porém ficou mais decepcionado com Nina. Foi uma dor emocional que atingiu seu coração como uma flecha Apache. Aquele tipo de sentimento que dói na alma, mas que também deixa sequelas físicas. Oxford começou a sentir um pequeno, mas perceptível, desconforto no peito. Poderia ser algo relacionado a uma dor muscular peitoral, mas também poderia ser um problema no coração. Ele nunca havia sentido aquilo antes. No fundo estava arrasado por tudo o que havia acontecido. Também se sentiu um idiota por amar aquela mulher e testemunhar tudo, toda a sordidez dela, em minúcias que ele jamais poderia imaginar. Triste aquilo.

Há tempos o xerife vinha descobrindo a realidade por trás das pessoas. E isso não se referia apenas à Nina. O mesmo acontecia com seus parentes. Ele não era muito próximo deles porque no fundo eram pessoas tóxicas. Alguns deles inclusive tinham tido problemas com a lei. Eram sórdidos na mesma situação que Nina. Pessoas que ele pensava ser até boas pessoas, mas que no fundo da alma eram sujeitos da mais profunda sordidez. Criminosos em potencial, almas fascistas, gente escrota, enfim.

O pior para Oxford é que ele não conseguia colocar as mãos em Bugsy. Sim, ele era um gângster conhecido, tanto  na costa oeste, como na costa leste. Um assassino frio da máfia de Chicago. Só que nas entranhas dos tribunais, nos diversos processos que respondia, ele havia conseguido deter o longo braço da lei. Havia tantas medidas cautelares nos tribunais que garantiam sua liberdade, que o xerife ficava de mãos atadas. Enquanto não pegasse Bugsy em algum crime cometido na sua cidade, não poderia prender aquele criminoso contumaz. Era enervante a situação.

Bugsy estava pensando em usar aquela cidadezinha com ponto de apoio para seus contrabandistas de whisky. Porém havia problemas. O xerife Tom Oxford já havia demonstrado que não o queria lá. Bugsy preferia atuar em cidades onde os policiais pudessem ser corrompidos. Tiras corruptos, era isso o que ele procurava. Com Oxford isso não iria dar certo. Não apenas pelo caso envolvendo a antiga amada Nina, mas também pelo fato de que o xerife Oxford realmente não era um homem corrupto. Pelo contrário. Era tão fiel cumpridor da lei que até mesmo seus parceiros de patrulha o consideravam exagerado demais nesse campo.

Após desfrutar do corpo e da alma de Nina, finalmente Bugsy saiu do hotel. Ele mastigava chicletes. Uma das poucas pistas de sua verdadeira sordidez. Por fora era pura elegância. Ternos finamente cortados, chapéu Panamá importado de Paris. O cara sabia se vestir com elegância. Só que não havia finesse verdadeira. Bugsy era pura maldade, pura vilanice. Não havia nada de bom nele. Tanto que assim que saiu de cima de Nina, meio que a desprezou. Jogou uma nota de 10 dólares sobre a cama e disse que ela deveria procurar por Johnny "Rato", que estava lá embaixo. Nina já agia como uma prostituta e deveria ser tratada assim dali em diante. E Bugsy não costumava dar muita confiança para putas em geral. Elas eram apenas suas empregadas.

Nina ficou um pouco chocada com o desdém do gângster. Porém o que ela esperava? Um buquê de flores como aqueles que Oxford lhe presenteava? Não, nada disso. Ela deveria ser tratada mesmo pelo que era... puro lixo caipira. Aquele tipo de beleza do interior que fazia a festa dos prostíbulos das grandes cidades. Seu destino seria Las Vegas. Ela se juntaria a outras rainhas da beleza de cidades do interior que iriam trabalhar para Bugsy dali em diante. Iria se deitar com todos os tipos de homens que iriam fazer fila para sexo com ela. Trinta por cento desse dinheiro ganho com prostituição ficava com a garota. Os outros setenta por cento iria para Bugsy. E se ela ousasse reclamar ou chamar os policiais, sua carcaça seria enterrada em alguma cova rasa no meio do deserto. Com Bugsy era assim. Afinal ele era acostumado a matar mafiosos perigosos. Sumir com uma garota como aquela seria extremamente fácil para ele e seus capangas. Quem sai na chuva é para se molhar. 

Capítulo Final - Pobre Alma Perdida
Depois de alguns dias Siegel e sua quadrilha da morte simplesmente entraram em um carro e foram embora para Las Vegas. A amada Nina também foi embora. O velho xerife que tanto gostava dela saberia alguns anos depois sobre o seu destino. Nina se prostituiu por muitos anos em Nevada. Depois de algum tempo foi parar em um desses ranchos prostíbulos, bem populares naquele estado único, onde a prostituição já era legalizada.

Depois de mais um programa um fazendeiro gordo, cheio de feridas pelo corpo a teria esfaqueado no pescoço. A razão foi que ela riu quando ele se mostrou impotente na cama. Acostumado a abrir um grande leitão de cabo a rabo com um facão, ele fez o mesmo procedimento com Nina. A levantou pelo pescoço e deferiu facadas, primeiro em seu lindo pescoço e depois disso se fartou com mais facadas em sua barriga. O quarto se encheu de sangue. Jorrou sangue pelas paredes. E Nina berrou como uma porca enquanto estava sendo assassinada.

- Tome, sua cadela! Tome outra facada! - E continuou a apunhalar a pobre Nina que morreu poucos segundos depois.

O xerife recebeu essas notícias com indignação. Apesar de tudo ele ainda tinha bons sentimentos com aquela mulher. Porém é a tal coisa, cada um escolhe seu próprio destino, não é mesmo? Ela poderia ter vivido longos anos, ter ficado velhinha, sendo a querida esposa de um homem da lei. Entretanto quis seguir por outro caminho. Quis ser prostituta. Ao invés de ter apenas um homem honesto, leal e parceiro, decidiu que iria fazer sexo por dinheiro, ficando com um homem diferente todas as noitas. Cafajestes, bêbados, seres asquerosos. Até que riu na hora errada e pagou caro por isso. Pagou com a própria vida.

Nina foi enterrada em uma cova sem identificação em um cemitério para pobres no meio do deserto. Depois de três anos seu corpo foi retirado e seus ossos jogados em um ossário imundo, onde de noite os chacais famintos vinham fazer suas refeições. Depois de algum tempo apenas o xerife que a amava lembrava dela. Todo mundo já havia esquecido que um dia ela tinha existido. Seus ossos foram levados de madrugada por esses velhos cães sarnentos do deserto hostil.

E o Bugsy? O que aconteceu com ele? Acabou sendo morto pela própria máfia. Em determinado momento ele se deslumbrou com as luzes, fama e dinheiro de Hollywood. Saiu com atrizes, com starlets, virou um playboy que aparecia quase todos os dias nas colunas sociais. A máfia não queria esse tipo de publicidade. O administrador dos cassinos tinha que levar uma vida das mais discretas. Nada de ostentação. Só que Bugsy queria mais. Logo surgiram denúncias que ele estaria roubando os chefões mafiosos. Um tiro na cabeça encerrou tudo. Ele estava bebendo em sua sala cheia de quadros de arte e móveis caros, quando recebeu um tiro certeiro na cabeça. Esse é sempre o destino de quem ousa desafiar a Cosa Nostra.

E o xerife Tom Oxford? Que fim levou? Ele morreria no final da década de 1950. Já era um homem aposentado, com vários quilos a mais. Teve uma velhice de tranquilidade e paz. Morreu solteiro, mas passava longe de ser um homem triste ou qualquer coisa que o valha. Era um homem feliz, ao seu jeito. De vez em quando lembrava de Nina. Acendia um grande charuto, olhava o horizonte e pensava:

- Pobre alma perdida...

Pablo Aluísio.