domingo, 6 de dezembro de 2009

Cartas Vampirescas

Cap. 1 - Eu, o Vampiro...
Eu, Lord de Stlevanisk, figura antiga, figura que cruzou os séculos, deixo aqui alguns registros do que vi com meus próprios olhos. Me tornei vampiro há séculos, já andei com patifes, piratas, homens do governo, políticos ditos respeitados, chefes de governo e Estado e posso dizer que todos são iguais. A raça humana é escória, imundície. Não valem nada. Me tornei vampiro ao renegar a cruz de Cristo. Ele era um bosta, um revolucionário fracassado do século I, não tinha nada de sagrado e nem de Deus. Uma mentira, uma farsa que enganou milhões e continua enganando. A mente humana é ridicularmente medíocre e obtusa. Os romanos mostraram a ele como se trata de terrorismos em geral. Levou uma surra enorme, depois morreu pendurado numa cruz. Os abutres comeram sua carne, o resto caiu no chão para os cães comerem. Ressuscitou nada, quando falam isso eu dou uma grande gargalhada...

Estava com sede. Ontem de madrugada visitei o apartamento de uma velha professora. Deveria ser uma pessoa inteligente, mas me deparei com uma mulher burra e grosseira, de baixos instintos. Não era bonita, embora fosse vaidosa. Tinha os cabelos nada naturais, cafonas, banhados em química por décadas para tentar preservar uma juventude que não mais existia. Pessoa patética. Você nunca mais será jovem! Já é uma velha decrépita. Ninguém mais lhe quer. Seu futuro será o frio túmulo, sendo corroída por vermes decompositores que certamente vomitarão ao consumir sua carne fétida e imunda.

Imunda a define bem! Uma fascista imunda! Adepto de torturas e porões da ditadura. Quando soube que gostava de torturas lhe dei um gostinho do que é uma tortura. A massacrei lentamente, tirando inicialmente sua pele, como se faz a um coelho abatido. Pele de gente velha, cheia de manchas e rugas. Não servia para nada aquela pele. Joguei no lixo. Com a sua carne viva resolvi me divertir. Joguei sal em cima. os gritos dela foram bem interessantes, me divertiram um pouco. Voz feia, voz de gente velha. Ninguém liga se grita. Acham que é uma louca tendo crises. E no fundo ela era uma louca mesmo! Pensei em fazer um serviço de reciclagem para melhorar o mundo! 

Depois disso cortei seus dedos, orelhas e seios. O sangue jorrou. Bebi um pouco e me arrependi. Como era uma velha tomava muitos remédios. O sangue ficou com gosto péssimo. Como não servia mais para nada arranquei sua cabeça em um só golpe. Existem pessoas que não servem mais para nada, nem para jogos mortais com um velho vampiro que sou! Decidi que só vou atrás das mulheres jovens daqui em diante. Chega de velharias inúteis. Eu quero é sangue jovem! Etarismo? Pois é, palavra nova para velhos preconceitos. Eu me tornei vampiro para nunca perder a minha vida e a minha juventude. Devo ser mesmo um bastardo preconceituoso. Minha mentalidade é de séculos atrás, por isso não me julguem. Enquanto penso isso limpo meu elegante terno do sangue daquela velha imunda. Ah, os ossos do ofício... 

Cap. 2 - Velhas Cartas...
Encontrei velhas cartas no porão, algumas banalidades, mas algumas com aspectos interessantes, lembranças de um tempo passado que jamais voltará novamente... Passa a transcrevê-las a partir de agora...

Londres, 19 de setembro de 1873
Chuvas noturnas, ruas escuras, coração entristecido. Ando por essas ruas sombrias lembrando do amor que nunca veio. Era uma mentira. A doce pela qual estava apaixonado era uma fraude. Não era a bela mulher de meus sonhos, ao contrário disso era uma vulgar. De classe social superior se achava mais importante, mais relevante, certamente se considerava superior à minha pessoa. Só que na verdade era uma figura lamentável, feia de corpo, baixos instintos. O rosto poderia ser considerada bonito, com muita boa vontade, mas no geral era bem mal organizada. O amor veio da minha própria solidão e não daquele ser que hoje sei ser abjeto. 

Porca imunda, coberta de sífilis e outras doenças sexualmente transmissíveis. Morta moral, rameira suprema. Fizeste de seu corpo um playground para qualquer um. Imunda faceira, rosnando na areia de vômito e gozo de outros. E pensar que nutri bons sentimentos por esse tipo de pessoa asquerosa. Teu futuro virá e será triste. Mando mil demônios em sua direção. Lepra será bem-vinda depois de saberes o mal que lhe desejo. Amaldiço seu passado, presente e futuro. Que seu espírito sempre imundo seja acompanhado em suas carnes decompostas. Vaca de brejo imundo. 

Riu de mim naquele salão vitoriano. Rirei de você em meus pensamentos. Não terás filhos, todos serão mal formados de suas mpurezas. Vermes estarão nas tuas entranhas. De suas raízes nada brotará, a não ser infâmia, desabor e decepção. Quero ir em sua cova dar uma cusparada eterna. O cadarro escoerá de sua foto bem posada. Nada sobrará de sua existência. O esquecimento será sua última químera. Bons ventos a aguarda nas profundezas do inferno mais vil. Morra, apodreça, finde para todo o sempre! Imunda, imunda...

Cap. 3 - O Túmulo dos Mares
Paris, 16 de abril de 1912
Cá estava eu em uma belo café de Paris quando me deparei, lendo o jornal daquele dia, que o navio HMS Titanic afundou no Atlântico Norte, levando para o fundo do mar mais de 1500 almas! Que desperdício de alimento, meu caro Azmodeus! E tudo aconteceu porque o maldito navio bateu em um iceberg naquelas águas geladas! Pois é, a maioria das pessoas morreram congeladas mesmo. Ao cair naquele oceano frio não restou outra chance para elas. Vão com Deus, os pobres. Vão com o Diabo, os ricos. Afinal não foi o Nazareno que disse que era mais fácil um camelo entrar no buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus? Então, estão todos fritando agora. Imagine que destino, morrer na água gelada, pagar seus pecados no inferno em chamas. Só dando risadas! 

A ironia pessoal é que quase comprei um ticket do Titanic quando estava pensando em viajar para os Estados Unidos. Desisti na última hora, após ver algumas fotos de cowboys! Gente suja aquela! Obviamente não conseguem ter um dente na boca. Cheiram a bosta de vaca, passam anos sem tomar banha. Detesto gente mal cheirosa. Assim, desisti daquela terra de bárbaros e vim para Paris onde posso desfilar com minhas roupas finas, meu monóculos elegante e minha bengala com esquifes de leões de marfim. 

Viro a página e vejo que a polícia de Paris procura por uma modelo francesa desaparecida na calada da noite. Hahahahaha... Não vão achar, crianças de azul. Ela esteve em meu menu ontem à noite. Confesso que foi mais do que um lanchinho e menos do que um cardápio refinado. Ela não era de alta estirpe. De certo modo era uma mulherzinha pé de chinelo que fazia muita força para parecer da alta sociedade. Eu a degustei como quem devera uma comida de rua. Estava com fome. Nem sempre comemos os mais finos pratos franceses. Algumas vezes nos contentamos com comida rápida! 

Ser imortal tem seus problemas. Não faça amizades íntimas, não seja amigo de ninguém, prefira a solitude. Viver sozinho, quando você tem vida interior rica e extensa, pode ser o maior dos prazeres. Por isso, faminto vampiro, adquira cultura! Vá aos museus, leia os melhores livros, visite os mais requintados teatros - e os populares também, para falar mal. Adquira cultura que você no final de tudo nunca estará realmente sozinho...

Cap. 4 - Sangue sobre a Alemanha
Berlim, 30 de janeiro de 1933
Estou em Berlim, onde vim passar um fim de semana agradável em meu hotel preferido da cidade. Assim pensava eu. Quando cheguei na cidade, já tarde da noite, encontrei um clima realmente péssimo. Chove muito e está frio, mas não é nada disso o que estou tentando descrever. A Alemanha tem um novo chanceler, um sujeitinho ridículo chamado Hitler. Esse é daqueles que não tem vergonha de ser bestial. Só defende as bandeiras erradas e para minha surpresa nessa culta e sofisticada Alemanha muitos o seguem de forma fanatizada. Estou impressionado com a perversidade desses nazistas. Nenhum vampiro se equivale. Sao malvados e perversos, cheios de preconceitos e muito ódio, ódio visceral é bom esclarecer. 

Odeiam judeus, mas não apenas eles. Odeiam qualquer um que não seja alemão, loiro e alto. São assumidamente racistas e escrotos e muitos dos mais velhos o seguem despudoradamente. Esses velhos se dizem conservadores, andam com o livro sagrado nas mãos, rezam de forma fervorosa. Rezam para que os diferentes sejam mortos. São pessoas péssimas, sinceramente falando. O velho JC ficaria horrorizado em ver no que sua mensagem se transformou na mente desses idiotas violentos...

Nunca pensei que gente culta, com nível educacional superior, iria se prestar a uma coisa dessas, mas é a pura verdade. Eu confesso que a Europa caminha mal tendo uma de suas principais nações nas mãos desses loucos. O que poderá vir pela frente? Eu não sei, mas sei que boa coisa não virá...

Com essa nova ideologia perversa as ratazanas saíram dos esgotos. Nem disfarçam mais como pensam ou o que querem. Desejam morte, clamam pela morte. Eu tenho quinhentos anos de existência e nunca vi nada igual. E tudo potencializado por um sistema de propaganda política poderosa, que aliena, faz lavagem cerebral e aprisiona mentalmente o sujeito. Quem já tinha propensão à doença mental então, nem se fala. Loucura... essa é a definição do que ocorre na Alemanha nos dias de hoje, no dia em que escrevo essa carta. Prevejo em breve um mar de sangue por toda a Europa...

Cap. 5 - A Cruz e o Vampiro
Roma, 19 de junho de 1878
Eu sou um vampiro. As pessoas podem perguntar se eu tenho medo da cruz. Tenho nada! Isso é coisa da literatura. Não tem porque ter medo da cruz. O JC foi um revolucionário judeu que tentou lutar contra a dominação romana e se deu mal. Vamos encarar a realidade. Ele não era aquilo que as pessoas pensam. Hoje em dia a palavra Messias nos leva a uma ideia de algo espiritual, de ser superior nesse sentido. Nos tempos do JC ser Messias significava ser um líder político. O Messias era o Rei. O filho de Deus era um título dado ao Rei. JC queria ser o Rei Judeu que expulsou os romanos. Se deu mal. Foi preso, crucificado e morto. Não teve isso de ressurreição. Cresçam meninos. Nenhum homem jamais ressuscitou na história da humanidade!

Outra coisa: a cruz era um instrumento de tortura usado pelos romanos para matar os inimigos do Estado. Nada mais do que isso. JC ficaria certamente horrorizado se soubesse que a cruz daria origem a uma religião em seu nome. Seria o fim para ele. Era como se um enforcado fosse representado religiosamente por sua forca. Um absurdo completo, vamos falar a verdade. 

Assim, diante de todos esses argumentos, porque diabos eu teria medo da cruz? Não. não tem nenhuma lógica nisso tudo. Além disso geralmente o crucifixo é levantado por membros do clero católico. Hei, psiu, vou te contar um segredo: Tem poucos santos dentro desse clero. Quase nenhum! O que existem são muitos homossexuais embaixo das batinas. Ande de madrugada pelas ruas próximas ao Vaticano. Você vai encontrar vários desses religiosos do clero em busca de uma companhia masculina. Sim, a maioria é homossexual! 

Então eu vou sair correndo por causa de um homossexual cheio de pecados (dentro da doutrina que eles mesmos dizem seguir), segurando uma representação de um instrumento de tortura romano, símbolo de uma religião criado por um insurgente judeu contra os romanos no século I? Mas que lógica existe nisso? Por favor me poupe de suas crendices bobobas...

Cap. 6 - Jack de Whitechapel
Londres, 10 de novembro de 1888 
A cidade só fala nisso. Jack, o Estripador, voltou a matar na noite anterior. Antes de mais nada devo defender a minha classe. Não, Jack não é um vampiro. É apenas um porco sádico e demente. Vampiros são elegantes e matam para sobreviver, afinal precisamos do sangue quente dos seres humanos. Esse Jack é claramente um doente mental. ele mata essas pobres mulheres que vivem pelas ruas como prostitutas, tentando de forma desesperada ganhar a vida e depois as mutila de forma horrenda. Eu nunca faria aquilo com uma mulher que morderia seu pescoço. Tem que respeitar a vítima. 

Dentro da nossa comunidade sabemos quem é Jack, o Estripador. Os vampiros sabem tudo o que acontece na noite. Só que não ajudaremos aos policiais, esses porcos que muitas vezes nos perseguem sem razão alguma. Eu me lembro do que aconteceu com Lara, uma jovem vampira que foi massacrada por esses imundos. Não, não faremos nada para facilitar seus trabalho. Trabalhem porcos, trabalhem...

Mas como essa é uma carta confidencial direi a você quem é Jack, afinal devemos nos informar. Ele é um sujeito que sempre viveu ao lado do irmão em um dos bairros mais pobres de Londres. Ele é um imigrante de uma família que veio da Polônia em busca de trabalho e de uma vida melhor. Seu nome é Aaron Kosminski. Trabalha como barbeiro e açougueiro em espeluncas de Whitechapel. É um tipo rude, porcalão, vulgar e sofrendo de uma grave doença. 

O dito cujo contraiu sífilis de prostitutas londrinas. Por isso as odeia, por isso quer matar todas elas. A doença esta corroendo seu cérebro. Ele está enlouquecendo aos poucos. Vai terminar seus dias em uma instituição para loucos, urinado em si mesmo, comendo fezes pensando ser comida. Esse é o tal Jack, o Estripador. Não tem nenhum glamour nele. Apenas miséria, pobreza e desespero insano. E assim caminha a humanidade. 

Cap.7 - Asas Sobre a América
New Orleans, 23 de janeiro de 1940
O mundo está novamente em guerra. Quando afirmo que a humanidade não vale nada, falo com convicção, minhas queridas criaturas da noite. Há um cheiro de falso moralismo e patriotismo verdadeiro no ar. O presidente americano reluta em entrar na guerra, principalmente em uma guerra na Europa onde não faz muito tempo muitos jovens americanos perderam suas vidas. Se a Europa tem problemas, que eles mesmos venham a resolver seus problemas, assim afirmam os que defendem a neutralidade dos Estados Unidos na guerra. 

Em New Orleans fui apresentado à religião Vodu. Acho tudo um grande simbolismo, mas destituído de valores práticos. Ninguém fará mal a outro apenas confeccionando bonequinhos de argila para causar sofrimento alheio. É tudo simbólico, mas não passa mesmo de pensamento mágico. Agora, gostei da comunidade vampiresca na cidade, principalmente de lady Anne. Uma francesa muito bem educada, jovial, ali na casa dos 200 anos de idade. 

Ela me ofereceu uma recepção em sua casa ao estilo colonial. Não faz muito tempo e escravos trabalhavam acorrentados naquelas plantações de algodão. Pobre gente negra. Foram escravos por muitos séculos, tratados como animais. Depois dizem que os vampiros são perversos... nenhum vampiro escraviza outro vampiro, mas os seres humanos certamente escravizaram seus semelhantes. 

De minha parte a conversação à mesa foi agradável. Ela é uma anfitriã de mão cheia. É a tal coisa, boa postura e elegância vem de um berço aristocrático. Gente grossa com dinheiro é apenas gente grossa. Elegância e fino trato social é outra coisa. Falamos sobre tudo, mas principalmente da lástima que a Europa se tornou. Penso até mesmo em deixar o velho continente para trás... Quem sabe eu possa me estabelecer na jovem América, passando temporadas entre Estados Unidos e Canadá, que é um país dos mais agradáveis para se viver. Até porque adoro clima frio. 

Cap. 8 - Psicótico Perverso
Paris, 5 de outubro de 1823
Eu fui um ser humano normal, ha muitos anos, há muito tempo. Era jovem e cheio de vida, pensando que meu futuro iria ser brilhante. Quando me tornei vampiro, deixei as lembranças do jovem de lado Meus pensamentos sao outros. O que me levou a escrever essa cartas de lembranças foi deixar registrado na tinta da pena de meu lápis um pouco das lembranças dos meus entes familiares que como meros mortais estão todos mortos. Não tenho saudades de nenhum deles. Era um grupo de patifes da pior espécie, gente que nunca prestou! 

Eu poderia definir todos eles cmo psicóticos perversos! Hoje em dia, analisando tudo com coerência a paciência não teria outra definição para aquela gente. O grande patriarca da família, o meu avô, era um sujeito asqueroso. Batia na esposa (minha avó, claro!) e a deixava em cárcere privado. Louvado hoje em dia em prosa e verso, era em essência um tremendo de um canalha. Naqueles tempos não havia direitos da mulher e o marido podia ser o abusador supremo, que nada acontecia. Com um bando de filhos covardes, deu no que deu. Todos foram crescendo com sérios problemas emocionais. Alguns foram em vida bem doidos mesmo. O meu próprio pai não era o que se podia considerar de um sujeito normal e o pior de tudo é que ele amava aquele velho bastardo que era o seu pai. Até hoje nunca entendi como um filho que sofreu tanto nas mãos do próprio pai conseguia ter tanto afeto com ele! 

Eu não tive muito contato com esse meu avô. morava em cidades diferentes. No pouco contato que tive, criei a impressão de que ele era mesmo um sujeito estranho. Não parecia ser nada inteligente. Parecia ser rude e burrão. Não formulava nenhum tipo de pensamento mais bem elaborado. era rude e grosseiro. Eu me lembro dele cuspindo dentro de casa e isso para mim era a maior das seboseiras. Não parecia muito limpo e não era. Na família se dizia que ele nunca tomava banho. Tinha grande pés que arrastava pela casa. Não demonstrava qualquer tipo de empatia com o próximo, nem com a esposa que maltratava, nem com os filhos que ele expulsava de casa assim que atingiam a maioridade. Certamente tinha algum distúrbio mental. Provavelmente estava no espectro autista, mas naqueles tempos as pessoas comuns nem sabiam o que era isso. 

Nunca pareceu gostar de ninguém. Suas demonstrações de afeto eram estranhas. Ele tinha um cavalo que gostava muito quando jovem. Quando esse morreu, ele trouxe os ossos para os fundos de um cômodo da sua própria casa. Imagine ter um esqueleto de um bicho desses dentro de casa. O velho era muito estranho. Quando a esposa morreu, ele pareceu comemorar pois haveria um prato a menos na mesa, menos despeas. Ela havia doado toda a sua vida para viver ao lado desse velho asqueroso e ao morrer ele não demonstrava nenhum tipo de sentimento humano. Era ou não era um psicótico pervero? Depois eu é que sou chamado de monstro por ser um vampiro. Seres humanos são bem piores, pode ter certeza disso. 

O fim do velho foi trágico. Ele viveu muito, chegando a 96 anos de idade! Vaso ruim não quebra, dizia a sabedoria humana. Já tinha perdido a razão, vivia quase nu, gritando dentro de casa. A família nem tinha coragem de interná-lo em um asilo e nem tampouco de levar ele para a rua. Viveu seus últimos dias preso dentro de casa. Até que a revolução francesa eclodiu. Ele tinha títulos de nobreza e não escapou da turba. Eles o pegaram e o levaram para a guilhotina. O velho nem tinha forças mais para andar. Em poucos segundos sua cabeça rolou. Uns garotos que estavam ao pé do cadafalso jogaram bola com ela. O velho teve o fim que merecia. Depois sua carcaça foi jogada numa caçamba de lixo. Bom final para o tipo de ser humano que ele foi em vida. 

Cap. 9 - Lena, Filha de Paul 
Paris, 14 de outubro de 1890
Vampiras, de modo em geral, são mais sádicas e perversas que vampiros. Isso a experiência de séculos me ensinou. Veja o caso de Lena, filha de Paul. Uma mulher que poderia ser dita como bela, mas longe dos padrões de beleza das grandes modelos clássicas. Ele era alta, longos cabelos castanhos e belas pernas. Também destacaria seus quadris, ótimos para despertar o desejo dos homens como se falava entre os humanos. Era bem branca e tinha uma bela voz. Tinha um semblante que despertava meus desejos mais íntimos e era conhecida como Thatiana entre os mais próximos. Eu me lembro de imaginar várias vezes ela em minha cama, completamente nua. 

Só havia um problema com Lena. Ela só amava cretinos. Quanto mais imbecil e idiota fosse o homem, mais ela parecia ficar perdidamente apaixonada. Isso me fazia duvidar de seus dotes intelectuais, afinal se fosse uma mulher realmente inteligente jamais iria se encolver com aquele bastardos. O homem com quem se casou era uma piada ambiente. Um soldado raso, imbecil até dizer chega. Uma daquelas figuras que você não conseguiria nem ter uma conversação amigável de trato social. Ao que me consta ela ficou fisurada nele por causa de seus dotes penianos. Dizem que homens são escravos de vaginas bem delineadas. Ora meu caro, mulheres também se tornam escravas de homens com penis robustos. 

De qualquer maneira ela selou seu destino. Casou com ele, teve duas filhas. Entrou para um ramo protestante conhecido também pela idiotice. De bela mulher se tornou uma crente das mais feiosas. Parou de se cuidar. Ficou feita mesmo, desleixada, com seu apelo sexual indo pelo ralo depois de duas maternidades. Ainda assim eu cheguei a desejá-la alguns anos depois quando a reencontrei por acaso. Era uma ruína de mulher, não parecia nada com o tesão que conheci pela primeira vez em uma prestigiada e tradicional faculdade de direito em Paris. 

Com uma certa pena a mordi e a transformei em uma vampira. Meus caros, ela virou uma das vampiras mais perversas que se tem notícia. Lena, filha de Paul, ficou falada entre as criaturas da noite. Todos queriam saber seus últimos crimes, suas últimas atrocidades. Ela chegou a levar 20 homens negros para a cama e depois os esquartejou sem dó e piedade. E tudo com aquela imagem de garota da vizinhança. Era mesmo sedenta por sexo e sangue. Tenho que voltar a encontra-la pois como a transformei em vampira sou responsável por ela. Tenho que parar a Thatiana mais cedo ou mais tarde. Tenho que destrui-la. Sei que farei isso algum dia...

Cap. 10 - O Medíocre por Opção
Paris, 1 de outubro de 1823
O meu pai nasceu nos tempos da revolução francesa. Era um homem inteligente, mas embora tenha nascido na época certa, onde a educação e o conhecimento estava ao alcance de todos, ele nasceu no lugar errado e na família errada. Veja, meu pai era um homem inteligente, mas nasceu no meio de gente tosca, ignorante e perversa, a começar pelo próprio pai dele que mal sabia ler e escrever e era um perverso de carteirinha, que batia na esposa, filhos e até empregados com requintes de crueldade. Era obviamente um psicótico não diagnosticado! Os irmãos dele eram todos brutalizados, rudes, figuras grotescas. Assim ele deixou seu potencial de lado para afundar no meio dessa família de asnos, que apesar das injustiças que sofreu ao longo de sua vida, sempre os amou profundamente. 

Dessa forma ele que parecia ser a única pessoa inteligente no meio daqueles imbecis, acabou também se tornando um asno, deixando a escola e o saber de lado, abraçando a negatividade e burrice de todos aqueles parentes asquerosos dele. Foi um caso de história trágica mesmo. Depois, mais velho, adquiriu uma doença grave e nunca mais se recuperou. Foi definhando com essa doença grave e sem cura até a morte. Morreu abraçando a estupidez, ignorância e idiotice de seus familiares obtusos. 

Eu e meus irmãos fomos pessoas inteligentes, mas obviamente sofremos por causa da pobreza que as escolhas de nosso pai sempre fez ao longo de sua vida. Ao invés dele procurar se instruir, se formar, ele viveu de empregos medíocres e funções subalternas, algo que não era para ele por causa de sua inteligência que ele de fato nunca desenvolveu. Lutamos para subir na vida, mas sempre houve limites para pessoas pobres como nós. O pai muitas vezes pode destruir não apenas os seus sonhos, mas os de seus filhos também. 

Quando jovem eu tive muitas vezes raiva do meu pai. Muitas vezes foi grosseiro e estúpido comigo e tudo feito de forma gratuita. Quando era jovem e bem de saúde era igualmente um escroto de marca maior. Infelizmente seguiu os passos de meu avô, um sujeito pra la de tacanho. Com a velhice e a doença passei a ter piedade e compaixão. De certa maneira ele foi mesmo uma vítima, de todos aqueles parentes estúpidos, daquela mentalidade medíocre que existia entre sua própria família. Sobre eles eu sempre quis distância. Era mesmo gente rasteira, do esgoto produndo. É o tipo de gente que nunca quis ao meu redor, em nenhuma época de minha vida. 

Pablo Aluísio. 

sábado, 5 de dezembro de 2009

Patrulha Policial

Cap. I - Cemitério de Ossos
O xerife Tom Oxford foi até o cemitério. Seu objetivo era acompanhar o enterro da chamada "Assassina das Estradas", uma prostituta violenta que matava clientes e quem mais cruzasse seu caminho. Oxford queria monitorar para ver quem comparecia. Talvez um comparsa, um sócio do crime. Ele queria dar uma dura em quem aparecesse no enterro. Ninguém apareceu, nem o padre para encomendar o corpo podre daquela criminosa. Um coveiro apenas foi ao local. Para surpresa de Oxford ela foi enterrada como indigente. Sem direito a caixão. O corpo enrolado em um lençol, ou melhor dizendo, uma mortalha, foi jogada na terra crua.

O policial Oxford acendeu um cigarro. As primeiras pás de terra foram jogadas no corpo. Oxford então foi girando o corpo, em 360 graus, para dar uma geral no cemitério. Talvez alguém estivesse escondido entre as árvores. Talvez uma prostituta conhecida da assassina. Porém tudo o que ele viu foram corvos, daqueles de asas bem negras, acompanhando o funeral. Provavelmente as aves, em seus instintos, acreditassem que o corpo da assassina fosse deixado ao céu aberto. Seira uma boa refeição para aquelas figuras aladas. Elas e seus primos, os abutres, certamente teriam um banquete.

Por Oxford a assassina teria sido deixada no bosque para apodrecer, tal como havia acontecido com algumas de suas vítimas, senhores de idade que pagavam por companhia e algum carinho feminino. Só que ao invés disso sentiram uma bala atravessar seus crânios calejados pelo tempo. Para o xerife veterano havia o mal no mundo. Essa psicopata que estava sendo enterrada era parte desse mal. E como o bem deveria sempre vencer, ela teria que ser eliminada mesmo, de qualquer jeito. Para o mal prevalecer bastava apenas que o bem ficasse de braços cruzados. Não era o caso de Oxford. Ele sempre poderia mandar uma bala no mal. Sempre que isso fosse necessário.

O coveiro avisou que o trabalho estava feito. Ela estava enterrada. Agora seria comida de decompositores em geral. Vermes, bactérias, seres microscópios teriam o que comer. Não era curioso? Era o ciclo da vida. A morte de alguns significava a vida para outros. A carcaça da assassina era panetone de natal, peru do dia de ação de graças, pernil de ano novo. Para seus iguais, era apenas carne apodrecida pelo crime, que deveria ser esquecida para todo o sempre. Que o Diabo, esse ser da mitologia cristã, a carregasse nos braços até os portões do inferno.

Oxford pigarreou. Ele tinha esse problema de garganta. Poderia ser bem irritante para quem não o conhecia. Para quem era íntimo significava que ele estava estressado. O pigarro era seu jeito de dizer "Que merda de vida". Pois é, o velho xerife estava pronto para mais um dia de trabalho. A criminosa estava enterrada. Terra para todo lado, nos braços, nas pernas, no rosto, no cabelo, nos olhos. Ela já era! Página virada, assunto encerrado. Agora era chegado o momento de seguir em frente. Prender alguns maconheiros, dar um corretivo nos vagabundos. Vida que segue. 

Cap. II - O Inseto
A rotina policial de um xerife numa cidade do interior não se diferenciava muito do cotidiano que um homem da lei em um passado recente. Alguns dias passavam em branco, sem nenhum chamado. Em outros havia um ou outro caso mais fora dos padrões, como por exemplo, resgatar cobras venenosas que apareciam nos quintais das pessoas. Era um trabalho variado. Naquela cidade os crimes nao eram de maior importância. Na maioria das vezes eram meras contravenções penais. Nem chegavam a crime.

Na categoria crimes havia bastante ocorrências dos chamados crimes menores, tais como dano, brigas, bebedeiras, ofensas pessoais. Em um bar cheio de trabalhadores braçais as coisas poderiam sair um pouco do controle quando dois valentões,  já embriagados, se olhavam torto entre si. As menores coisas poderiam dar origem a brigas generalizadas. Um esbarrava no outro. Esse não gostava. Soltava uma piadinha... pronto, socos cruzados, garrafas quebradas, dentes caindo pela boca. Era assim no interior.

A cidade ficava na Rota 66, então era comum a chegada de forasteiros, alguns fugitivos de outras cidades. Geralmente esses criminosos de alta patente passavam direto pelas ruas da cidade. Não queriam problemas. Mas como tudo na vida havia algumas exceções que terminavam em problemas mais complexos. Foi assim no caso da Assassina das estradas. Ela fugiu e foi parar ali na jurisdição do xerife Oxford. E quando isso acontecia ele tinha que sair da zona de conforto. Fazer valer o brilho de sua estrela de homem da lei.

Na década de 1940 chegaram as drogas em larga escala. A rota 66 virou rota de tráfico de drogas entre as costas oeste e leste. Virou um corredor nacional para grandes quadrilhas de traficantes. E onde havia drogas, havia a máfia italiana. Os chefões mais velhos, que não queriam envolvimento com o tráfico de drogas, foram perdendo espaço para os mais jovens que ansiavam pelo dinheiro que esse mercado gerava. Nessa luta de poder dentro da máfia muitos chefões de famílias tradicionais foram mortos. Alguns com requintes de crueldade, fuzilados.

O xerife Oxford sabia que mais cedo ou mais tarde iria ter problemas com essa gente. Numa manhã de domingo, em um dia que havia tudo para ser tranquilo, ele viu um carrão com placa de Nova Iorque atravessar a principal rua da cidade. Em sua mente ficou torcendo para que eles passassem direto pela cidade, mas para seu azar o carro parou.

As quatro portas do carro se abriram. Eram todos italianos. Dava para perceber pelas roupas e pela pinta de mafiosos que exibiam. Então desceu o chefe deles. O xerife ficou vendo tudo de longe. O "capo" entre eles lhe chamou a atenção imediatamente. Ele jurava que já tinha visto aquele homem antes. Cabelo puxado para trás com brilhantina. chapéu Panamá de estilo, roupas impecáveis. Eram criminosos, mas bandidos que se vestiam muito bem.

Oxford pensou em ir até lá para saber o que eles queriam. Mas depois desistiu. Aqueles homens não tinham feito nada fora da lei. Apenas pararam na cidade. Compraram cigarros na banca de jornais e olharam em volta. O Xerife estava estrategicamente atrás de um poste, para não chamar a atenção. Porém ele não tirava os olhos daqueles homens. Até que sua memória lhe deu a resposta que vinha martelando em sua mente. Sim, ele conhecia aquele homem. Ele já tinha visto cartezes de "procura-se" com aquele sujeito. Era ninguém mais, ninguém menos do que o conhecido mafioso Benjamin Siegel, mais conhecido como Bugsy Siegel, ou melhor dizendo, o "inseto" Siegel. As coisas começavam a complicar.

Cap. III - Companhia de Assassinos
Benjamin Siegel era um assassino profissional da máfia de Nova Iorque. Ninguém sabia ao certo de onde ele viera, quem eram seus pais, quais eram suas origens. Alguns diziam que era judeu. Outros que seus pais tinham imigrado da Polônia. Quem poderia dizer algo com certeza? Ninguém! Bugsy era um assassino e como tal escondia seus rastros. Seu passado era incerto e seu futuro também. Nesse meio tempo ele matava. Nada pessoal, apenas cumpria os serviços pelos quais eram contratado. E ele era conhecido um dos mais eficientes do ramo. Se você quisesse matar alguém, sem deixar pistas e provas, Bugsy era o homem a se contratar.

Embora não tivesse sangue italiano ele era conhecido por ser membro da famosa família mafiosa Genovese. Era longa a lista de serviços sujos que havia feito para esses italianos mafiosos. Sua especialidade porém era uma só: enfiar uma bala no meio da testa de seu alvo. Se esse era um serviço pelos quais os mafiosos pagavam, então Bugsy aceitava o serviço sem problemas. E ele se considerava muito bom naquilo que fazia.

Ele certamente havia saído de Chicago e estava indo em direção a Los Angeles. Dizia-se na boca pequena que iria pegar dinheiro para levar ao deserto de Nevada. Estava construindo um hotel em Las Vegas com o nome de Flamingo. Claro que aquilo tudo era dinheiro da máfia. Os mafiosos procuravam por empreendimentos que lavassem seu dinheiro captado no submundo do crime, ao mesmo tempo em que tentavam abrir negócios legítimos, legais. Era um bando de carcamanos espertalhões.

Ter um bandido como Bugsy em sua cidade era problema na certa. O xerife Tom Oxford sabia disso. Ele queria que aqueles mafiosos fossem embora de sua cidade. Por isso deixou um certo receio de lado e começou a andar em direção aos gângsters. Tom Oxford não tinham poder de fogo para encarar aqueles criminosos, que muito provavelmente tinham várias metralhadoras nos porta-malas de seus carros novinhos em folha.

Então ele foi lentamente em direção aos criminosos. Eles notaram a aproximação do homem da lei. Bugsy, com aquele olhar de peixe morto, foi o primeiro a estender a mão ao xerife. Fingindo ter um sorriso sincero, que no fundo mais parecia a face da morte, ele trocou algumas palavras com o policial.

- Olá oficial, tenha um bom dia! - Disse Bugsy.

Tom Oxford não mostrou simpatia e nem sinais de ser um bom anfitrião. Foi logo tocando no ponto, sendo o mais objetivo possível.

- Olá rapazes. O que fazem por aqui? Estão esperando por alguém?

- Não, não... - Bugsy olhou para seus capangas que estavam atrás de si, dois armários italianos - Estou apenas olhando o céu, que está bonito... É um lindo dia, não é mesmo? O céu está lindamente azul...

- Pretendem ficar por aqui? - Continuou interrogando o xerife

- Calma xerife, não queremos encrenca, estamos só de passagem. Desci do carro para estirar as pernas... respirar um pouco de ar puro... quem sabe... estou vendo o tempo passar, vendo as rodas girarem...

Tom Oxford não gostou nada dos rumos daquela conversa.

- Espero que partam logo... - Falou firmemente Tom.

- Ora, ora, calma lá xerife... temos nossos direitos constitucionais. Não estamos fazendo nada de errado. Temos o direito de ir e vir e também de ficarmos, se quisermos... - Bugsy podia aguentar muita coisa, mas certamente não iria aceitar pressões de um xerife do interior que ele considerava um verdadeiro caipira.

Com aquela resposta Tom Oxford decidiu seguir em frente com sua ronda policial. Ele parou alguns instantes, olhou fixamente nos olhos de Bugsy e terminou o assunto dizendo:

- Pois muito bem. E assim como você possuem seus direitos, eu também possuo os meus. Sou a autoridade policial máxima dessa cidade e não quero  problemas com forasteiros, entenderam? Espero ter sido bem claro.

Bugsy deu um sorriso de puro cinismo. Ele ficou calado, enquanto o xerife se distanciava. Depois virou para seus capangas, disse algo baixinho e todos riram.

Tom Oxford, o xerife, sabia que vinha chumbo quente por aí. 

Cap. IV - As Garotas de Las Vegas
O que Bugsy queria mesmo naquela cidadezinha era recrutar algumas garotas bonitas para que elas fossem trabalhar em Las Vegas como dançarinas e prostitutas. Bugsy sabia que em toda pequena cidade dos Estados Unidos havia garotas lindas e... pobres! Então era só uma questão de jogar a conversa certa, colocar elas dentro de um carro Ford e levar as beldades para a tão conhecida cidade do pecado! O segredo para convencer essas jovens? Ora, o mesmo argumento de sempre: Dinheiro!

Bugsy tinha uma visão de homem de negócios, embora também fosse um criminoso, um assassino profissional à serviço da Máfia. Bugsy racionalizava aquela situação toda da seguinte forma: Qual era o futuro dessas mulheres se ficassem nas cidades onde nasceram? Ora, com alguma sorte iriam casar com algum homem local e com sorte esse homem teria algum emprego qualquer. Elas iriam passar a vida toda lavando e passando a roupa desses sujeitos. Depois iriam passar a outra parte da vida passando e lavando a roupa de seus filhos. Quando chegassem aos 40 anos de idade estavam com a vida acabada!

A beleza teria ido embora, as linhas e curvas da juventude se acabariam e só restaria mesmo uma senhora obesa, fumante inveterada, extremamente frustrada pela vida que teve, odiando o marido por décadas e nada mais. Era um estilo de vida triste esse de mulher casada. E o que aconteceria com elas se fossem para Las Vegas? Ora, seriam mulheres do show business, seriam estrelas do palco, iriam levar a vida dançando, tendo fortes emoções, talvez, quem sabe, iriam cair nas graças de algum milionário do Texas e teriam vida de esposas de fazendeiros pelo resto de suas vidas. Era um destino melhor, vamos falar a verdade.

Com essa narrativa Bugsy convencia todas as garotas a entrarem em seu Cadillac rumo a Vegas. Até porque havia um grande fundo de verdade nas comparações que ele fazia. Muitas daquelas mulheres iriam mesmo desperdiçar suas vidas atrás de um tanque de roupas sujas ou fazendo faxinas eternamente em suas casinhas poeirentas na beira da estrada 66. Se toda vida é uma perda de tempo, pelo menos era melhor perder o tempo restante de suas vidas nos palcos de Las Vegas. Outra coisa: essas meninas tinham mães e elas conheciam melhor do que ninguém sobre o futuro delas. Era o mesmo futuro de suas mães. Uma coisa horrorosa de se pensar.

As mães dessas garotas eram senhoras mal humoradas, que tinham almas enegrecidas pelas experiências ruins de vida. Muitas deles tinham que prover seu próprio sustento porque seus maridos não encontravam trabalho. O desemprego era uma chaga social. E muitos maridos perdiam o tempo de vida se tornando alcoólatras, afogando suas mágoas em bares locais, bebendo para não encarar a vida real, o mundo real. Elas também já tinham presenciado muita violência doméstica, quando seus pais agrediam suas mães dentro de casa.

Com isso tudo Bugsy fazia a festa e podia escolher. Ele costumava brincar dizendo: "Sabe aquela garota que você se está apaixonado na escola? Aquela linda loirinha de olhos azuis que todo fim de semana canta no coral da igreja? E aquela ruivinha maravilhosa, muito dócil e meiga que tem olhos azuis faiscantes? Pois é meu chapa, todas elas estão loucas para trabalharem ao meu lado nos hotéis de Las Vegas!". E dizendo isso ele jogava uma moeda para cima. Não importava se fosse dar cara ou coroa. Uma coisa era certa, nesse jogo Bugsy sempre sairia vencedor. 

Cap. V - Nina, Nina...
O xerife Tom Oxford tinha uma paixão secreta por uma garota chamada Nina Ann Hartley. Baixinha, loirinha, muito bem feita de corpo, com pernas grossas e bumbum de outro planeta. Era uma pequena deusa. Embora de família desestruturada, pois seu pai era um jogador inveterado que geralmente deixava sua família sem ter o que comer, ela procurava levar uma vida, digamos, cristã, de bons modos, de boa conduta.

Pois Bugsy colocou os olhos justamente na pequena Nina. E ficou louco por ela. Seria uma garota para faturar alto em seu cassino em Las Vegas. Ela poderia trabalhar como stripper e também como garota de programa. Para a máfia não importava de onde ela vinha, para onde ela ia e coisas do tipo. Para a máfia só interessava explorar sexualmente aquela garota de alguma forma, fazer dinheiro com suas curvas. Ah, isso sim era o importante.

Tom Oxford ficou maluco quando soube que Bugsy estava tentando colocar as patas justamente naquela garota. Oxford era um homem tímido, que tinha dificuldades de chegar nas mulheres. Ele levou anos para conhecer melhor Nina, dar alguns pequenos presentes e até se considerou muito ousado quando lhe ofereceu flores. Depois de tantos anos a cortejando com todo o cuidado, agora via tudo ruir com a conversa mole de um rato como Bugsy.

E Bugsy agiu rápido e Nina aceitou seu convite também rapidamente. Mulheres que homens pensam que são valorosas, mas que no fundo não passam de mulheres sem muito valor. Acontece muito na vida cotidiana de muitas pessoas. Pouco mais de cinco horas após Bugsy conhecer Nina pela primeira vez e ter trocado as primeiras palavras com ela, a pequena loira já estava em sua cama no pequeno hotel da cidade.

Mulheres, pensava Tom Oxford, se deslumbram facilmente por dinheiro. Bastou Bugsy estacionar seu carrão com placa de Los Angeles perto de Nina para ela se desmanchar completamente. E Bugsy quis conferir tudo o que aquela garota tinha a lhe oferecer em relação a cama. Em pouco tempo estava fazendo anal furioso com ela. Imagine o pobre Tom Oxford, que lhe mandava flores e tímidos recadinhos de paixão quase adolescente. Enquanto ele mordia seu chapéu de policial na frente do hotel, Bugsy lá em cima desfrutava de sua paixão, das formas mais sacanas que se possa imaginar. Não há salvação mesmo para os homens mais inocentes...

Cap. VI - Dor da Alma
O Xerife Oxford ficou furioso com Bugsy. Porém ficou mais decepcionado com Nina. Foi uma dor emocional que atingiu seu coração como uma flecha Apache. Aquele tipo de sentimento que dói na alma, mas que também deixa sequelas físicas. Oxford começou a sentir um pequeno, mas perceptível, desconforto no peito. Poderia ser algo relacionado a uma dor muscular peitoral, mas também poderia ser um problema no coração. Ele nunca havia sentido aquilo antes. No fundo estava arrasado por tudo o que havia acontecido. Também se sentiu um idiota por amar aquela mulher e testemunhar tudo, toda a sordidez dela, em minúcias que ele jamais poderia imaginar. Triste aquilo.

Há tempos o xerife vinha descobrindo a realidade por trás das pessoas. E isso não se referia apenas à Nina. O mesmo acontecia com seus parentes. Ele não era muito próximo deles porque no fundo eram pessoas tóxicas. Alguns deles inclusive tinham tido problemas com a lei. Eram sórdidos na mesma situação que Nina. Pessoas que ele pensava ser até boas pessoas, mas que no fundo da alma eram sujeitos da mais profunda sordidez. Criminosos em potencial, almas fascistas, gente escrota, enfim.

O pior para Oxford é que ele não conseguia colocar as mãos em Bugsy. Sim, ele era um gângster conhecido, tanto  na costa oeste, como na costa leste. Um assassino frio da máfia de Chicago. Só que nas entranhas dos tribunais, nos diversos processos que respondia, ele havia conseguido deter o longo braço da lei. Havia tantas medidas cautelares nos tribunais que garantiam sua liberdade, que o xerife ficava de mãos atadas. Enquanto não pegasse Bugsy em algum crime cometido na sua cidade, não poderia prender aquele criminoso contumaz. Era enervante a situação.

Bugsy estava pensando em usar aquela cidadezinha com ponto de apoio para seus contrabandistas de whisky. Porém havia problemas. O xerife Tom Oxford já havia demonstrado que não o queria lá. Bugsy preferia atuar em cidades onde os policiais pudessem ser corrompidos. Tiras corruptos, era isso o que ele procurava. Com Oxford isso não iria dar certo. Não apenas pelo caso envolvendo a antiga amada Nina, mas também pelo fato de que o xerife Oxford realmente não era um homem corrupto. Pelo contrário. Era tão fiel cumpridor da lei que até mesmo seus parceiros de patrulha o consideravam exagerado demais nesse campo.

Após desfrutar do corpo e da alma de Nina, finalmente Bugsy saiu do hotel. Ele mastigava chicletes. Uma das poucas pistas de sua verdadeira sordidez. Por fora era pura elegância. Ternos finamente cortados, chapéu Panamá importado de Paris. O cara sabia se vestir com elegância. Só que não havia finesse verdadeira. Bugsy era pura maldade, pura vilanice. Não havia nada de bom nele. Tanto que assim que saiu de cima de Nina, meio que a desprezou. Jogou uma nota de 10 dólares sobre a cama e disse que ela deveria procurar por Johnny "Rato", que estava lá embaixo. Nina já agia como uma prostituta e deveria ser tratada assim dali em diante. E Bugsy não costumava dar muita confiança para putas em geral. Elas eram apenas suas empregadas.

Nina ficou um pouco chocada com o desdém do gângster. Porém o que ela esperava? Um buquê de flores como aqueles que Oxford lhe presenteava? Não, nada disso. Ela deveria ser tratada mesmo pelo que era... puro lixo caipira. Aquele tipo de beleza do interior que fazia a festa dos prostíbulos das grandes cidades. Seu destino seria Las Vegas. Ela se juntaria a outras rainhas da beleza de cidades do interior que iriam trabalhar para Bugsy dali em diante. Iria se deitar com todos os tipos de homens que iriam fazer fila para sexo com ela. Trinta por cento desse dinheiro ganho com prostituição ficava com a garota. Os outros setenta por cento iria para Bugsy. E se ela ousasse reclamar ou chamar os policiais, sua carcaça seria enterrada em alguma cova rasa no meio do deserto. Com Bugsy era assim. Afinal ele era acostumado a matar mafiosos perigosos. Sumir com uma garota como aquela seria extremamente fácil para ele e seus capangas. Quem sai na chuva é para se molhar. 

Capítulo Final - Pobre Alma Perdida
Depois de alguns dias Siegel e sua quadrilha da morte simplesmente entraram em um carro e foram embora para Las Vegas. A amada Nina também foi embora. O velho xerife que tanto gostava dela saberia alguns anos depois sobre o seu destino. Nina se prostituiu por muitos anos em Nevada. Depois de algum tempo foi parar em um desses ranchos prostíbulos, bem populares naquele estado único, onde a prostituição já era legalizada.

Depois de mais um programa um fazendeiro gordo, cheio de feridas pelo corpo a teria esfaqueado no pescoço. A razão foi que ela riu quando ele se mostrou impotente na cama. Acostumado a abrir um grande leitão de cabo a rabo com um facão, ele fez o mesmo procedimento com Nina. A levantou pelo pescoço e deferiu facadas, primeiro em seu lindo pescoço e depois disso se fartou com mais facadas em sua barriga. O quarto se encheu de sangue. Jorrou sangue pelas paredes. E Nina berrou como uma porca enquanto estava sendo assassinada.

- Tome, sua cadela! Tome outra facada! - E continuou a apunhalar a pobre Nina que morreu poucos segundos depois.

O xerife recebeu essas notícias com indignação. Apesar de tudo ele ainda tinha bons sentimentos com aquela mulher. Porém é a tal coisa, cada um escolhe seu próprio destino, não é mesmo? Ela poderia ter vivido longos anos, ter ficado velhinha, sendo a querida esposa de um homem da lei. Entretanto quis seguir por outro caminho. Quis ser prostituta. Ao invés de ter apenas um homem honesto, leal e parceiro, decidiu que iria fazer sexo por dinheiro, ficando com um homem diferente todas as noitas. Cafajestes, bêbados, seres asquerosos. Até que riu na hora errada e pagou caro por isso. Pagou com a própria vida.

Nina foi enterrada em uma cova sem identificação em um cemitério para pobres no meio do deserto. Depois de três anos seu corpo foi retirado e seus ossos jogados em um ossário imundo, onde de noite os chacais famintos vinham fazer suas refeições. Depois de algum tempo apenas o xerife que a amava lembrava dela. Todo mundo já havia esquecido que um dia ela tinha existido. Seus ossos foram levados de madrugada por esses velhos cães sarnentos do deserto hostil.

E o Bugsy? O que aconteceu com ele? Acabou sendo morto pela própria máfia. Em determinado momento ele se deslumbrou com as luzes, fama e dinheiro de Hollywood. Saiu com atrizes, com starlets, virou um playboy que aparecia quase todos os dias nas colunas sociais. A máfia não queria esse tipo de publicidade. O administrador dos cassinos tinha que levar uma vida das mais discretas. Nada de ostentação. Só que Bugsy queria mais. Logo surgiram denúncias que ele estaria roubando os chefões mafiosos. Um tiro na cabeça encerrou tudo. Ele estava bebendo em sua sala cheia de quadros de arte e móveis caros, quando recebeu um tiro certeiro na cabeça. Esse é sempre o destino de quem ousa desafiar a Cosa Nostra.

E o xerife Tom Oxford? Que fim levou? Ele morreria no final da década de 1950. Já era um homem aposentado, com vários quilos a mais. Teve uma velhice de tranquilidade e paz. Morreu solteiro, mas passava longe de ser um homem triste ou qualquer coisa que o valha. Era um homem feliz, ao seu jeito. De vez em quando lembrava de Nina. Acendia um grande charuto, olhava o horizonte e pensava:

- Pobre alma perdida...

Pablo Aluísio.

Assassina das Estradas

Cap. I - O Detetive
Cliford Atkins. Policial, 46 anos de idade. O aumento de peso denunciava que ele não estava mais preocupado em manter as aparências. Era um bom investigador de homicídios, mas já tinha entendido tudo, como as coisas funcionavam. Recentemente havia pego um figurão, filho de uma família rica da região de New Orleans. Gente envolvida em política. Não deu em nada. Ele foi absolvido pelo tribunal do júri. Algum jurado foi comprado? É possível que sim, mas Cliford não tinha como provar. Ele não queria se envolver no jogo sujo envolvendo juízes e políticos. Certamente sua carreira seria prejudicada dali em diante, afinal ele havia mexido com uma das famílias tradicionais da cidade. iriam dar o troco para ele, mais cedo ou mais tarde.

Assim seu telefone tocou logo pela manhã. Ele ainda estava de ressaca da noite anterior. Começar a segunda-feira logo atendendo a um caso de assassinato não estava bem em seus planos. Só que era trabalho e ele teria que seguir em frente. Um homem de meia idade havia sido encontrado em seu carro na estrada que ligava a Louisiana à Flórida. Dois tiros na altura do abdômen. A carteira com dinheiro fora roubada. Havia sinais de luta corporal dentro do carro. Clift pegou seu velho chapéu e foi para a estrada. Tinha que fazer as primeiras análises no local do crime.

Esse caso lhe lembrou outro que havia acontecido há 3 meses, ainda sem solução. Clift desconfiava que os dois crimes poderiam ter sido cometidos pela mesma pessoa. As vítimas e as circunstâncias do crime revelavam isso. Eram dois homens, entre 55 a 60 anos. Ambos tinham histórico de contratar prostituas nas rodovias pelas quais passavam. Os dois foram mortos com tiros à queima roupa, sugerindo que o assassino (ou a assassina) entraram em seus carros e ficaram próximos suficientes para dar um tiro a pouca distância.

Isso fez Clift desconfiar que o homicida ou mais provavelmente a homicida fosse um ou uma profissional do sexo. Como os dois homens eram héteros havia fortes suspeitas que eles pegaram algum mulher para se prostituir em seus carros. Algo havia dado errado. Em algum momento essa mulher reagiu aos avanços deles, puxou uma arma e os matou. Depois roubou tudo o que havia de valor dentro do carro de seus "clientes", ou seja, dinheiro, relógios, anéis, cartões de créditos, qualquer coisa. Clift no alto da experiência de sua profissão estava praticamente convencido que havia uma assassina à solta nas estradas.

Ao retornar para a delegacia, o bom e velho detetive Cliford Atkins resumiu o caso em sua cabeça. Para ele uma pessoa havia entrado no carro da vítima. Provavelmente entrou sem reação violenta, o que significava que o criminoso contava com a confiança da vítima. Dentro do carro eles foram para uma estrada mais remota, onde poderiam fazer sexo. Partindo do pressuposto de que as vítimas eram homens heterossexuais só havia a quase certeza que era uma assassina, um prostituta a principal suspeita. Porém havia algo que não se encaixava no caso montado em sua mente. Mulheres raramente usam de métodos violentos para cometerem crimes. Mulheres geralmente matam com venenos, coisas assim. Elas detestam sangue e bagunça na cena do crime.

Cap. II - A Assassina
Não muito longe dali, em um bar para motoqueiros, Alicyn Woother bebia uma cerveja gelada. Ela certamente não se enquadraria em um perfil típico de assassina do FBI. Estava mais para vítima. Aos 12 anos havia sofrido abuso sexual de seus próprios parentes próximos. Traumatizada, saiu de casa. Para sobreviver trocava sexo por dinheiro ou carteira de cigarros. Foi criada praticamente na rua, sendo abusada por pedófilos. Era uma vida triste. Só que agora Alicyn parecia viver uma vida mais feliz. Há alguns anos ela tinha se descoberto lésbica. Anos e anos sendo abusada por homens imundos fizeram com que ela criasse uma ojeriza com o sexo masculino. Havia criado um trauma com o falo ereto. As mulheres eram mais delicadas, carinhosas e sensíveis. Não é de se admirar que ela havia se tornado lésbica.

Agora estava tendo um caso amoroso com Kaitlin Riley. Ela trabalhava em pequenos empregos mal remunerados nos motéis da região. Trabalhava como faxineira e arrumadeira. Era o que os americanos costumam chamar vergonhosamente de "White Trash" (Lixo branco). Pessoas até bonitas, mas pobres, sem educação formal superior. Ela tinha um jeito meio masculinizado, o que lhe valia em certas ocasiões o apelido de "Buddy", como se fosse um cara qualquer, que tinha gestos másculos e falava sobre futebol americano. Com ombros fortes e cabelo curto parecia mesmo um macho, um caminhoneiro da pesada.

Em muitos casos envolvendo casais de lésbicas havia a que representava o lado masculino da relação e o que servia como a mulher feminina. Kaitlin Riley "Buddy" era o machão do namoro, o que em certos meios gays é conhecido como "Lady Botina". Alicyn Woother era a fêmea, o que em redutos era conhecida como Lady Penélope. As duas tinham alugado um quarto na beira da rodovia. Estavam vivendo bem. O que "Buddy" não sabia era como sua namorada ganhava dinheiro, afinal ela nunca tinha um emprego. Saía pela manhã e voltava no final de tarde, sempre com algum dinheiro. "Buddy" não dizia para ninguém mas desconfiava que ela fazia programas nas rodovias próximas. Porém esse assunto nunca era discutido entre elas. Iria quebrar o clima, quebrar o romantismo.

Alicyn Woother estava com 38 anos de idade. Estava perto dos 40. Já não sonhava com príncipes encantados. Ela também já tinha passado da idade de ser uma mulher atraente, que fosse interessar a alguém para se casar e ter um relacionamento. Sem profissão nenhuma, acabou se tornando prostituta de estrada. Para sua segurança ela havia comprado um revólver 38. Ela só entrava dentro do carro dos clientes devidamente armada. Como tinha uma personalidade psicopata pouco se importava com a vida humana. Depois de milhares de programas ela entendeu - em sua mente doentia - que era mais fácil simplesmente dar um tiro naquele que a contratava.

Um tiro certeiro no coração. Depois que o tal sujeito caía tudo o que ela precisava era roubar sua carteira e ir atrás de algo de valor nas cabines dos caminhões ou carros. Também era uma assassina desajeitada, que não tomava precauções no quesito provas. Digitais dela estavam em todas as partes. A polícia as tinha levado para perícia, mas faltava uma digital no banco de dados de criminosos para bater com o que eles tinham.

Enquanto os corpos iam aparecendo a imprensa começou a se interessar pelo caso. Vazamentos do departamento de polícia tinham chegado nas redações de jornais. Era muito interessante ter uma mulher como assassina. Não tardou muito e as manchetes vinham com sua nova alcunha de "Assassina das Estradas". O velho detetive ficou contrariado com toda a sensacionalismo do noticiários. Isso iria atrapalhar as investigações. Ele então resolveu ligar para o chefe de redação e foi bem claro sobre tudo o qu estava acontecendo.

Parem de publicar informações confidenciais! Isso vai atrapalhar as investigações! - Ninguém se importou. Nenum jornalistas deixou de continuar a escrever sobre o caso. Vendia jornais, despertava interesse do público, então a imprensa iria continuar a aproveitar ao máximo. O que Cliford estava disposto a fazer para pegar a criminosa? Ele então pensou em algo até óbvio. Ele iria preparar uma armadilha para ela. Quem sabe assim ela cairia nas mãos dos policiais.

Cap. III - As Pistas
Cliford Atkins estava em um beco sem saída. Não tinha respostas para os crimes. Ele tinha encontrado elementos que poderiam ajudar a condenar o criminoso em um tribunal, porém não tinham pistas sólidas que o levassem a essa pessoa. Era aquele tipo de situação ao estilo "Saberei quem é você quando o encontrar". Tudo estava no ar. Enquanto isso a imprensa atrapalhava a investigação, publicando reportagens sensacionalistas. Clift até mesmo teve que receber um telefonema mal humorado do comissário por causa da falta de resultados concretos.

Sem nada em mãos o velho detetive resolveu usar de antigas táticas. Uma delas seria atravessar o lado mais sórdido da cidade em busca de informações. Ali sobrevivia a nata da escória da região (muito embora essa definição não fazia o menor sentido). Clift ia nos bares, becos e bordéis para encontrar seus informantes. Gente desesperada por algum dinheiro. Eram cafetões, proxenetas e pederastas de todos os tipos. Gente sem moral. Gente boa para comprar com alguns trocados. Era hora de sujar as mãos com o excremento que escorria pelas ruas mais infames da cidade. Coisa que todo detetive deveria fazer, mais cedo ou mais tarde.

Como os crimes envolviam prostituição ali era o lugar natural para saber de alguma coisa. Para sua surpresa ninguém soltou nada. Não sabiam de nada. Ele ficou surpreso. Esse tipo de resposta só poderia ter uma explicação. O assassino ou a assassina deveriam se de fora, de outra cidade ou até mesmo de outro estado. O que estava acontecendo de fato?

Big Bangaroo era um dos cafetões mais conhecidos de New Orleans. Um cara da pesada, literalmente falando. Tinha mais de 150 kg e dois metros de altura. Era um daqueles negros que usavam grandes chapéus espalhafatosos e roupas de cores berrantes. A pessoa poderia vê-lo a metros de distância e reconhecer que ele era um cafetão. Clift tinha um passado com ele. O velho detetive havia se apaixonado por uma de suas garotas. Erika Von, uma loiraça maravilhosa. Cabelos curtinhos, grandes seios, bronzeado perfeito. Lindos olhos azuis em uma face de anjo. Linda demais! Era até complicado entender como uma mulher daquelas foi parar nas ruas, fazendo programas para o porco do Bungaroo.

Esse mundo porém não era perfeito. Pelo contrário, cheirava a cigarro apagado na calçada. A maioria das pessoas eram sórdidas. De vez em quando Clift ainda curtia uma dor de cotovelo por causa da loira Von, mas não havia muito o que fazer. Ela tinha ido embora com um cafajeste. Mulheres lindas, ainda mais se forem loiras de olhos azuis, caem de amores pelos cafajestes de plantão. Deve ser algo em seu DNA estúpido, quem sabe...

Pois então, Big Bangaroo não tinha nada a dar para Clift, mas involuntariamente lhe deu uma pista importante ao explicar que ele conhecia todas as vadias da cidade. Tanto as que estavam na ativa, como as novatas e até mesmo as aposentadas. Algumas tinham até mesmo se casado com políticos, gerando filhos da puta. Para Big a única explicação era de que essa prostituta envolvida nos crimes certamente não era de New Orleans. Se fosse ele teria ouvido algo. Ela era de fora. Pegava os caras em outros lugares e quando chegavam nos arredores da cidade cometiam o crime!

Poxa, a banha do Bangaroo deveria ter transformado ele em um tira. Clift havia pegado o fio da meada. Sua conversa com o cafetão grandalhão rendeu bons frutos. Afinal aquele cara era o "rei das putas" na cidade e isso não era por mero acaso. De volta para seu escritório Clift pegou a caneta, material para investigação, entrou em seu carro e caiu na estrada. Ele precisava refazer o caminho que aqueles homens tinham tomado. A intenção era conversar com seus familiares. Para onde eles costumavam viajar? Alguém tinha que falar algo...

Cap. IV - Na Estrada
Antes de falar com os parentes das vítimas o detetive Cliford Atkins cometeu o seu maior erro. Ele pegou seu carro e foi para a estrada. Queria conversar com as pessoas que viviam ali, literalmente à margem da sociedade. Rondando se deparou com uma mulher bonita. Era obviamente uma prostituta. Ele não iria fazer um programa, óbvio, mas conversar com alguém que vivia naquele ambiente era um ponto de investigação válido.

Por uma incrível coincidência a mulher que ele chamou para conversar era Alicyn Woother. Ela mesma, a assassina das estradas. Poderia haver algo mais inesperado do que isso? Não, jamais. Clift lhe ofereceu dinheiro, mas ela ficou arredia. Embora estivesse desesperada em busca de algumas notas sabia que aquele sujeito era um tira em busca de informações. Bem, depois de um tempo ela refletiu e pensou que ele estivesse em busca de informações de alguns travestis que faziam ponto por ali perto. Alguns tinham "navalhado" seus clientes.

Ela disse que aceitaria o dinheiro, mas que eles teriam que sair dali. Caso alguém a visse com conversa com algum policial isso seria perigoso. Ela seria morta por isso. Depois perguntou quanto iria levar pelas informações. O velho tira ofereceu 40 dólares. Ela não aceitou. Só iria pelo preço de um programa regular, 200 dólares. Veja, ela já não era mais a bonita mulher do passado. Certamente não ganhava isso por programa, era uma farsa, mas mesmo assim o policial aceitou.

Valores acertados, ela então entrou no carro. Foram para uma estrada secundária, de terra, sem asfalto. Longe da vista de todos. Era o modus operandi dela. Assim que o carro parou ela pediu um momento "para acertar a bota que estava calçando". Na verdade ela escondia um pequeno revólver de dois tiros, muito popular entre as mulheres.

A ação foi rápida. Ela veio por trás da cabeça do policial, mirou e atirou. Tiro certo, morte imediata. Sem saber Clift teve o mesmo destino dos homens que foram assassinados, dos crimes que investigava. Baixou a guarda, achou que seria altamente improvável encontrar a criminosa que procurava. Como um policial tão experiente caiu numa armadilha tão simples? Ossos do ofício. Ela ainda vasculhou o carro e a carteira do velho tira em busca de algum valor. Encontrou 400 dólares. Uma boa quantia. Com os 200 que já tinha saia agora daquela cena do crime com 600. Um dia produtivo. E o policial? Foi morrendo aos poucos... as pupilas perdendo o brilho... seu corpo lentamente morrendo. Ele deveria saber que em contos noir as mulheres sempre são fatais. 

Cap. V - O Sórdido Encontro de Lábios
Alannah não era uma mulher bonita. Baixa demais, gordinha, acima do peso, com tornozelos grossos, não tinha um corpo bonito. Era uma garota comum que procurava se arrumar para que o conjunto não parecesse tao feio. Ela era enfermeira, não era rica, de jeito nenhum, ganhava pouco e vivia no sufoco. Ainda morava com o pai, um sujeito caipira, do interior, rude e tosco. Charles, seu pai, poderia ser definido como um homem burro. Só falava de vacas e futebol. Não tinha muito conhecimento do mundo e nem queria ter. Ele cultivava um certo culto ao fato de ser um ignorante. Pessoas ignorantes não sabem a extensão de sua ignorância e assim acabam sendo sábias, pelo menos em sua cabeça de amendoim.

Alannah já tinha passado dos 30 anos de idade. Para uma mulher sempre há aquele estigma pejorativo da "tia solteirona" que não conseguiu se casar e nem ter filhos. Tudo preconceito, não se pode negar. O que poucos sabiam é que Alannah tinha aversão sexual a homens. Ela na realidade era lésbica. Nunca havia sido do armário porque seu pai tosco e pseudo conservador nunca iria aceitar isso. Provavelmente iria expulsá-la de casa, como seu tio havia feito com seu primo. Gente rude do interior, não aceitava homossexuais sob o mesmo teto. A tosquice misturada com a religião dava como frutos esse tipo de situação aflitiva. Assim Alannah ficava na moita, sem nunca assumir sua verdadeira identidade sexual.

Algumas vezes ela arranjava um namorado de fachada, mas aquilo era o fim da picada em sua mente. Quando as coisas apertavam demais e ela ficava sufocada o jeito era pegar seu carro e pegar a estrada, onde ela podia ir em bares escondidos frequentadas por mulheres lésbicas. Era a forma que ela tinha de respriar um pouco mais. Nesses lugares ela finalmente podia se sentir livre, sem ter que dar satisfação para seus familiares bocós. Ela inclusive se via livre de ter que conversar com seu irmão que também era o suprassumo da estupidez e ignorância. Nos bares lésbicos ela tinha com quem conversar, falar sobre a vida e o mais importante de tudo, conviver, mesmo que por pouco tempo, com pessoas como ela. Era libertador em todos os sentidos.

Em uma dessas tardes Alannah conheceu Alicyn Woother. Ela estava assustadoramente bonita naquela ocasião. Os anos que lhe fizeram tanto mal em termos estéticos havia dado uma trégua ali. Alicyn parecia tão sedutora ali, com um copo na mão, o rosto parcialmente bronzeado pelo sol, os olhos azuis, o cabelo loiro, que mesmo não sendo tratado como devia ainda chamava a atenção. Como uma profissional do sexo, com antenas ligadas ao redor, Alicyn percebeu que Alannah lhe encarava com uma certa insistiência. Era óbvio que ela estava interessada nela. Só não sabia que no dia anterior o alvo de seus suspiros havia matado um tira no meio da estrada... isso sem contar todos os outros clientes asquerosos que ela havia mandado dessa para melhor... ou pior, dependendo de suas crenças religiosoas ou do que significa um cova fria em sua visão pessoal.

Alicyn gostava de se ver de uma forma diferente, mas a dura realidade é que ela era uma puta. Passara a frequentar bares de lésbicas para quem sabe diversificar seu leque de clientes. Até porque ela tinha uma namorada fixa, era lésbica em sua vida pessoal e tinha ojeriza de homens, com seus pintos sujos, barrigas flácidas e conversas dementes. Se relacionar com uma mulher era sempre melhor. As mulheres sempre procuravam a sutileza, procuravam aparentar ser mais inteligentes do que eram, mesmo que fossem na realidade bem burras. Era parte da sedução que surgia entre duas fêmeas. Isso estimulava Alicyn ao máximo. Era o último porto de tesão que ainda percorria suas veias e mente.

Alannah se aproximou e ofereceu um drink. Alicyn aceitou com prazer, com um sorriso nos olhos. Havia ali todo um jogo de sedução. Uma olhava os lábios da outra e o clima ia ficando mais quente. Havia mesas mais ao fundo, para momentos de maior privacidade. Alicyn convidou Alannah para ir até lá. Convite aceito sem reservas ou receios. Em poucos minutos ambas estava se deliciando, saboreando a saliva da parceira. Beijos realmente afetuosos, que de certa maneira demonstravam o quanto Alannah se encontrava carente naquela ocasião. Não era fácil manter uma imagem quase por 24 horas por dia apenas para agradar a família conservadora e tosca. Esses momentos de liberdade, onde ela beijava outra mulher, era tudo o que ela queria na vida. Pena que não tinha dinheiro para abraçar a independência completa em sua vida.

Ficou meio óbvio que Alannah ficou caidinha por Alicyn. Essa era o que poderia se chamar de "puta velha". Sabia que poderia extrair algo dali. Ambas saíram depois de uma hora sarrando no bar. Foram para um motel de beira de estrada que ficava ali pertinho. Quantos homens Alicyn já não tinha atendido naqueles mesmos quartos? Já tinha perdido a conta. Porém agora com Alannah elas tiveram um momento muito quente e muito íntimo. Não era apenas mais uma cliente de sua vida de prostituta. Parecia haver algo a mais ali naquele encontro, algo mais forte e algo mais perigoso também...

Cap. VI - Orgia de Sangue
Alicyn matou Alannah com requintes de crueldade. Primeiro fez ela se despir completamente. Realmente não tinha um belo corpo. Era desleixada e isso ia contra ela. Também era mal feita por natureza. Pernas curtas demais, ausência de um bumbum bonito. Enfim. Nesse primeiro momento Alicyn ainda não tinha decidido se iria matá-la ou não, mas algo a fez decidir por um caminho. Ela viu de relance um cartão de crédito do American Express. Esse cartão geralmente tinha alto limite de crédito. Alicyn colocou olho gordo ali. Alannah estava condenada.

Alicyn levava dois punhais bem cortantes e bem afiados em sua bolsa. Dessa vez ela estava sem a arma calibre 38 que costumava usar para matar seus clientes homens. Então ela fez com que Alannah deitasse de costas para ela, insinuando que iria fazer uma massagem. Disse que ficaria mais erótico se ela deixasse que fosse colocada um pano em sua boca. Era a segurança de que ela não iria gritar. Alannah inocentemente aceitou a sugestão. Erro fatal.

Com Alannah nua, indefesa, com os braços amarrados (para simular o tal fetiche erótico), de costas para Alicyn, completamente nua, era a vítima ideal. O cordeiro no altar do sacrifício. O abate seria fácil demais. Alicyn pegou seus dois punhais. Alannah não sabia o que estava acontecendo então.

- Toma sapatão escrota, toma sua puta safada! - gritou Alicyn no primeiro golpe...

Alicyn deu a primeira punhalada... depois outra, nas laterais, Alannah gritou de dor, lágrimas saíram de seus olhos, mas ninguém ouviu. Ela estava amordaçada e morrendo em um banho de sangue, em uma orgia de sangue. E Alicyn continuava a apunhalar com todas as suas forças... Os músculos exteriores foram rompidos, e Alicyn fez ainda mais força para que os punhais entrassem mais fundo nos órgãos internos de Alannah. Também girou a arma branca para causar ainda mais estragos...

Nesse assassinato algo estranho aconteceu. Alicyn ficou realmente excitada com tudo aquilo. O sangue, sua vítima nua na cama, morrendo afogada em seu próprio sangue... aquilo deixou Alicyn molhadinha... excitada, chegou inclusive a fazer movimentos lascivos com sua língua, como se tivesse em um caso de amor com o próprio diabo. Tão excitada ficou que quase não conseguiu parar as punhaladas - que segundo o laudo do médico legista, havia ultrapassado as 80 estocadas no corpo de Alannah. Nenhum ser humano iria resistir a tamanha agressão e violência. Logo Alannah perdeu os sentidos e morreu...

A assassina cuspiu no corpo de sua vítima e xingou: "sapatão safada". Depois Alicyn foi ao banheiro, se lavou rapidamente e pegou dinheiro e o cartão de crédito de Alannah. Não demorou muito e correu em direção ao caixa do banco onde conseguiu sacar mais de 5 mil dólares do dinheiro de Alannah. Nossa, ela iria fazer a festa com tanta grana. Havia valido a pena matar aquela vadia... pelo menos era isso que pensava. O que nem parava para raciocinar é que havia deixado dessa vez uma centena de pistas para os policiais que iriam investigar a morte. Era um jogo onde ela mais cedo ou mais tarde iria se dar mal. 

Cap. VII - Rota 66
Numa quinta-feira à tarde, já completamente entediada pela vida, a assassina resolveu pegar a estrada. Pessoas com problemas de psicose não aguentam viver muito tempo em um mesmo lugar. Assim ela pegou seu cartão de crédito, foi até uma locadora de carros e saiu com o veículo. Não tinha a menor intenção de devolver aquele automóvel. Foi para a estrada com a intenção de matar geral, detonar quem encontrasse pela frente. Estava com sangue nos olhos. Queria esfaquear todo macho escroto que encontrasse pela frente. Quanto mais asqueroso fosse, melhor. Ela tinha intenção de cortar as gargantas deles, roubar seu dinheiro, chafurdar no crime.

E ela estava eufórica. No volante ela pensou em si mesmo. Pensou e lembrou que se sentiu culpada dos primeiros homens que matou. Só que agora ela não tinha mais culpa, não tinha mais consciência. Havia pegado gosto pela "arte de matar". Não queria mais saber de pensamentos de culpa e nem de teor religioso. Queria matar... matar... matar. Em sua mente ela pensou: "O que eu tenho a ver com um cara que morreu há 2 mil anos? Um sujeito que ninguém sabe exatamente quem foi? E o que tenho a ver com mãe dele?". Ela tinha tido formação católica e estava se referindo a Jesus e sua mãe Maria. Ela cuspiu pela janela e gritou: "Porra, eu sou livre! Eu vou fazer o que quiser da vida!"

Depois de viajar por toda a noite ela decidiu parar em  St. Louis, Missouri. Abasteceu o carro, comprou comida e parou um tempo para fumar um cigarro. Nisso chegou um autêntico "Red Neck", um caipirão daqueles bem típicos. Boné, roupa de operário. Puxou uma conversa fiada com ela. Papo furado. Ele perguntou de onde ela era e tudo mais. As respostas foram evasivas. O sujeito continuou a encher o saco. Ela então decidiu que iria dar uma marretada em sua cabeça, bem na frente, para afundar seu crânio.

Ele insinuou que ela poderia ser prostituta, sabe como é... com aquelas roupas. Ela então disse que fazia programas de vez em quando. Cobrava 10 dólares. Os olhos do infeliz brilharam. Transar com uma mulher daquela por apenas 10 dólares? Ele estava dentro do negócio. Ela aceitou a grana e disse que ele entrasse no carro. Pararam em um lugar bem vazio, com ninguém por perto. Ele tentou agarrar seus seios, mas ela pediu um tempo, foi atrás no porta-malas e disse que ia pegar umas coisas.

Ele esperou, já abaixando as calças. Quando ela retornou tinha uma daquelas marretas de construção civil. Objeto pesado, grotesco, rude e violento. Só deu uma na cabeça do pobre diabo. Chegou por trás, de forma sorrateira. Ele parecia lamber os beiços pensando que ia transar com ela. A assassina só deu uma porrada. Ele percebeu o osso do crânio afundando... afinal aquele tipo de marreta era usado para derrubar paredes, imagine o que iria fazer em um crânio humano. A pancada, dura e seca, fez com que o idiota morresse na hora. Seus olhos ficaram escuros, ele perdeu a consciência em segundos.

Ele ficou lá no chão tendo espasmos. Devia ser alguma reação ao golpe que sofreu. Ela não quis nem saber. Foi direto no bolso do desgraçado. Pegou sua carteira. Havia tirado a sorte grande. Ele provavelmente havia recebido salário naquele mesmo dia. Havia 800 dólares na carteira, uma boa grana, iria pagar a viagem por alguns quilômetros. Ela então olhou pela última vez para ele. Estava morto, não respirava mais. Uma vida sem importância chegava ao fim. Ela não queria nem saber! Foi tão fácil, ela pensou. Antes de entrar no carro para ir embora ainda acumulou o máximo de catarro, lá dos fundos de seu pulmão. Depois deu aquela cusparada na cara do homem morto. O musgo verde escorreu de sua cara feia. Ela ligou o carro e foi embora, pensando: "É mais fácil do que tirar doces de criancinhas"

Cap. VIII - A Fazenda Gromberg
Há coisas que não se faz. Há crimes que até mesmo os mais selvagens criminosos sentem asco e nojo. E exatamente o crime cometido pela assassina em relação ao casal Gromberg. Dois velhinhos. Duas pessoas adoradas pela comunidade. Viviam em uma fazenda afastada, onde passava a estrada da rota 66. A assassino parou por alguns instantes e visualizou aquela bonita casa de campo. Estava muito bem cuidada. Ela pensou, que essas pessoas certamente deveriam ter um cofre com dinheiro. "Vou até lá!".

Fingindo ter problemas no carro ela estacionou na frente da casa da fazenda e buzinou. A sra Gromberg, que na época deveria ter uns 80 anos de idade, abriu a porta da casa. Vendo aquela jovem ali, pedindo ajuda por causa de problemas mecânicos no carro, imediatamente se prestou a ajudá-la. Depois saiu da cara o senhor Gromberg, veterano de guerra, 86 anos de idade. Eles ouviram a mulher e disseram que sim, ela poderia entrar em sua casa, com a finalidade de ligar para um mecânico. Era tudo mentira. Ela queria apenas roubar os pobres e indefesos velhinhos.

Quando o xerife Tom Oxford chegou na casa, duas horas depois, ele viu uma cena de terror. O casal havia sido amortaçado, torturado e morto com requintes de crueldade. O cofre que ficava no último quarto da casa, estava aberto. O criminoso havia levado todo o dinheiro. A morte do casal de idosos, que Tom conhecia desde os tempos em que era um simples colegial, o enfureceu. Quem poderia ser tão vil a ponto de matar aquelas duas pessoas? A violência e a insanidade foi perturbadora. Ao sair da casa, em busca de um pouco de oxigênio, ele puxou sua escopeta, a destravou e prometeu:

- Eu vou caçar esse criminoso até os confins do inferno, se for preciso! - Quem conhecia o xerife sabia que ele iria cumprir aquela promessa! Homem da lei há muitos anos, veterano policial, era visto como um homem honesto e íntegro pela comunidade. Quando era necessário ser duro, ele o era, sem pensar duas vezes. Quando era preciso um pouco mais de equidade, em vista de alguma pequena falha de algum morador que ele conhecia, ele certamente fazia vista grossa. Sabia ser justo, sabia ser honesto.

Ele era o xerife de Flagstaff, Arizona, há mais de 30 anos. Começou bem jovem, como patrulheiro da rodovia 66. Depois foi subindo na hierarquia. Quando o xerife John Jones se aposentou, ele assumiu a força policial daquele pequena cidade. Agora se via diante do crime mais brutal, violento e insano de sua vida. Já nos primeiros minutos na casa encontrou um cigarro fumado da marca Chellender. Era uma marca feminina. Os dois idosos não fumavam. Estava claro que uma mulher havia feito parte do crime. Evidências periciais indicaram que apenas uma pessoa entrou naquela casa. Era uma assassina! Uma assassina das estradas! Oxford estava pronto para começar sua caçada! 

Cap. IX - A Perseguição
O xerife Oxford nem pensou duas vezes. Com as (poucas) informações que tinha entrou em seu carro e pisou o pé no acelerador. Ele queria pegar aquela criminosa de todas as formas. A Rota 66 era ao mesmo tempo uma rota de fuga para ela, mas também uma armadilha. Isso porque ela muito provavelmente não sairia de seu caminho, o que iria facilitar e muito em sua captura. Do rádio do carro patrulha, o xerife entrou em contato com todos os demais xerifes da região. Barreiras foram montadas, ninguém sairia do estado do Arizona sem ser totalmente identificado.

As pistas diziam que se tratava de uma mulher, entre 40 e 55 anos de idade. Provavelmente loira (fios de cabelo foram encontrados na cena do crime). Ela também estaria dirigindo um Ford 41. Arriscaria dizer que de cor preta, pois esse modelo tinha em maioria essa cor na lataria. Então todos os policiais tinham que passar pente fino em carros dirigidos por mulheres sozinhas, loiras e de lataria de cor preta. Parar o carro, revistar, pegar os documentos, tudo era procedimento padrão. Dirigindo a alta velocidade o xerife ouviu no rádio do carro que havia uma situação de emergência.

- Atenção, atenção! Policial atingido no KM 68, policial abatido, levou um tiro de revólver. Todas as patrulhas da região se desloquem até o KM 68, situação de emergência! - Ao ouvir isso o xerife respondeu imediatamente - Atenção, aqui xerife Oxford. Estou próximo da área da ocorrência. Estou me dirigindo imediatamente para lá.

Estava tão perto do lugar onde o policial havia sido baleado que, segundo seus próprios cálculos, chegaria no local em pouco mais de 20 minutos. Era necessário acelerar, acelerar, pisando fundo no acelerador. Agora não era apenas questão de prender a assassina das estradas, mas também de salvar a vida de um colega de farda.

Assim que chegou no lugar o xerife Oxford viu o jovem policial caído no chão. Para seu alívio ele estava vivo. Ao seu lado dois carros parados. A sua rádio patrulha e o carro da criminosa. Exatamente como havia sido sugerido pelas investigações, um carro Ford preto. O xerife percebeu que a criminosa havia fugido para um bosque ao lado, isso após dar um tiro no policial que a parou na rodovia para pedir documentos.

O jovem patrulheiro mal teve tempo para uma reação. Ao parar a assassina, pediu educadamente por seus documentos. Ela fingiu estar indo pegar sua carteira, mas na verdade sacou um revólver que estava debaixo do banco de motorista. E ela nem pensou duas vezes, nem pensou em render o guarda para pegar sua arma. Simplesmente sacou o revólver e atirou... a bala se fixou no ombro esquerdo do tira. Ele caiu com o impacto do tiro. Não havia risco de vida, pelo menos por enquanto.

O xerife Oxford então esperou pela chegada de um carro patrulha de apoio. Quando esse chegou ele nem pensou duas vezes, correu em direção ao bosque. Queria colocar as mãos naquela mulher fria que havia matado dois idosos em seu condado. Ao que tudo indicava era uma serial killer com outras mortes nas costas. Não seria fácil pegá-la no meio daquela região, mas ela não estaria muito longe. A chance era agora, mas por onde começar? Onde ela estaria se escondendo? 

Cap. X - Morte nas Folhagens
Há elementos complicadores em ir atrás de um criminoso no meio de um bosque. As folhas, úmidas, propicam quedas. Cada tronco de árvore é um pequeno e eficiente esconderijo. A surpresa pode ocorrer a qualquer momento. Um tiro pode vir pelas costas, pela frente, de lado, de qualquer lugar. Por isso quando o xerife Oxford foi em busca da assassina, ele foi com extrema cautela. Para sua sorte logo descobriu que ela vestia um casaco vermelho que a deixava bem à vista no meio de todo aquele verde. No passado os uniformes dos exércitos exibiam cores bem fortes. Isso durou até todos se tocarem que isso os transformavam em alvo ambulantes. A partir daí todos os exércitos do mundo se tornaram verdes.

Assim que o xerife a viu no meio da mata deu ordens para ela parar. Só que foi sem efeito. Ao invés disso ela se virou e deu um tiro no policial. Um tiro que não o atingiu. Provavelmente ela não era boa de mira, até porque só havia matado suas vítimas à queima roupa. Só bastou isso para o velho homem da lei descobrir que estava na presença de uma amadora. Ela não sabia atirar, nem mirar, nem nada. Em sua mente o xerife pensou que iria admitir que ela só atirasse por três vezes. Depois iria reagir.

O terceiro tiro aconteceu. Bom, a paciência havia se esgotado. O xerife se abaixou, dobrou suas pernas e fez mira. Ele tinha uma boa visão dela, mesmo que estivesse correndo por entre as árvores. O xerife então controlou sua respiração, fechou um de seus olhos, mirou bem e... apertou o gatilho! O tiro foi certeiro, bem em suas costas. A criminosa caiu com o impacto da bala atingindo seu corpo. O local atingido era bem mortal, ali ela poderia ter morrido de forma imediata, caso a bala chegasse em algum órgão vital. Mas estava realmente morta?

Oxford começou a caminhar em direção ao corpo da criminosa caída. Foi devagar, com extrema cautela. Nada de movimentos bruscos. Então chegou perto, a menos de 1 metro. Nenhum sinal de vida. Estava morta. Abatida como a um alce no meio da floresta. O xerife então colocou seus dois dedos em seu pescoço, em busca de sinais vitais. Nada. Ela havia partido dessa para melhor (ou pior, se você acredita na existência do inferno).

O xerife então ligou o rádio, avisou aos seus colegas de farda e esperou. Ali ao lado do corpo morto de uma mulher, caiu sobre ele uma certa melancolia. Um certo sentimento de que algo havia dado errado. Embora fosse uma criminosa, ainda era uma vida que se ia. Ele pensou, observou e ouviu o canto de pássaros. Era um contraste incrível mesmo. Do lado da morte, ouvia-se as mais belas canções da natureza, cantadas pelas aves mais bonitas que ele já tinha visto em sua vida.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O Caso da Alma Sombria

Cap. I - O Dia Seguinte
Depois de solucionar o caso que a imprensa começou a chamar de "O Estranho caso das sombras eternas", o detetive Yves Cloquet tentava acalmar a adrenalina dos dias anteriores. Sobre sua mesa uma série de jornais do dia, revelando todos os detalhes do que havia acontecido. Algumas informações não estavam absolutamente certas, mas havia ainda muito a celebrar. Seu nome surgia em todas as reportagens. Yves sabia que isso era propaganda a favor. Provavelmente haveria novos clientes, novos contratos. Afinal ele era um profissional liberal que vivia de seu trabalho. Vivia um dia de cada vez.

Porém esse ainda era o dia seguinte, um momento para tentar relaxar e saborear os frutos do serviço prestado. E assim, após ler todos as edições diárias do jornal, Yves Cloquet finalmente conseguiu descansar. Empurrou a cadeira para trás, acendeu um fino cigarro francês que havia comprado em Paris, desde a última vez que esteve lá. E começou a pensar sobre a vida. Poderia haver novos desafios? E que protocolos de segurança deveria adotar daqui para frente? Ele havia desmascarado um grupo religioso fanático. Os líderes estavam presos, mas os seguidores ainda continuavam por aí, nas ruas. E eles poderiam tentar se vingar dele.

Yves Cloquet abriu a gaveta de cima de sua escrivaninha, para conferir se sua arma de fogo estava à mão. Claro, não poderia se baixar a guarda. Ele pensou, pensou... de vez em quando dava um pequeno sorriso, se lembrando dos detalhes do caso que havia terminado. Então seus pensamentos foram interrompidos por batidas na porta de seu escritório. Yves colocou seu cigarro no cinzero, ajeitou seu terno e foi em direção à porta. Poderia ser um novo cliente. Nossa, ele sabia que seu nome nos jornais iria melhorar sua clientela, só não sabia que havia sido tão rápido.

Ao abrir a porta se deparou com um homem elegante, na faixa dos 65 anos de idade. Muito bem trajado, com terno e gravata impecáveis. Chapéu de linha classe A. Tudo muito elegante e discreto. Yves então o convidou para se sentar. Apresentações formais foram feitas. O homem à sua frente era um médico bem renomado em Londres. John Michael Chieffo era doutor em doenças contagiosas da prestigiada Universidade de Oxford. Um nome muito respeitado e admirado na elite médica e científica da capital inglesa. Um grande nome, que Yves já havia ouvido falar, que já tinha lido em jornais londrinos. Mas o que ele estaria fazendo ali?

Queria contratar os serviços do detetive. E então o refinado senhor começou a explicar o caso que desejava que Yves deveria resolver. Ele havia perdido a esposa há mais ou menos seis meses. Ela foi enterrada no cemitério da cidade. Uma dor profunda havia atingido seu coração. Mesmo sendo um homem muito atarefado ele procurava ir todos os fins de semana ao cemitério, para colocar flores no túmulo de sua amada esposa. Era um pequeno ritual que afagava sua dor. Porém no último fim de semana ele havia sofrido um choque terrível. O corpo de sua amada esposa havia sido roubado de seu túmulo. Ele chorou e chorou na frente de Yves. Quem poderia ter cometido tamanho ato de crueldade humana? Onde estaria o corpo de sua amada esposa? Quem era o culpado de um crime tão vil? Seria algum inimigo de seu passado que ele desconhecia? Perguntas, perguntas, que Yves agora deveria responder em seu novo caso de mistério. 

Cap. II - O Dr. Chieffo
O Dr. Joseph Michael Chieffo era uma figura sinistra. Para entender bem seus problemas psicológicos era necessário voltar ao passado. Ele havia sido criado por um homem rico, mas analfabeto e violento. Ele era dono de terras no deserto e espancava sistematicamente todos os seus filhos. Todos eles desenvolveram traumas ao longo de suas vidas por causa disso. A sorte de Joseph é que ele conseguiu entrar em uma universidade de medicina, mesmo que fosse privada, já que ele não tinha nível intelectual para passar nos exames de admissão de uma universidade pública, onde o que contava era a capacidade.

No íntimo o Dr. Chieffo sabia que era uma figura medíocre e ele tinha vários ressentimentos por isso. Dono de uma dicção problemática, era complicado para ele se comunicar. Isso obviamente aumentava seu nível de inferioridade. Com o tempo isso tudo foi virando puro ódio. Ele tinha se dado bem por causa de alguns momentos de sorte em sua existência, mas fora disso não era uma pessoa para se sentar e conversar sobre grandes temas da vida. Intelectualmente era medíocre e tacanho, se agarrando em velhos valores como machismo, opressão e violência. No fundo não gostava de ninguém, nem da esposa, que havia morrido. Era tudo jogo de cena para os outros.

Há alguns anos tinha ficado impotente por causa de problemas de saúde. Isso o destruiu ainda mais psicologicamente. Acostumado a praticamente estuprar a esposa por longos anos, ele foi perdendo a macheza que pensava possuir. Entrou em um grupo político radical que pregava racismo, machismo e homofobia por onde passava. Ele se considerava superior a todos, pois era rico, branco e hétero. Era mau caráter e materialista, possessivo, caluniador, difamador e ofensivo com todos, mas principalmente com seu parentes que não se enquadrassem em seu modo de pensar o mundo. Como havia sido dito, era um medíocre.

Embora tivesse formação católica (sua mãe havia sido uma católica fervorosa), o Dr. Joseph Michael Chieffo passou a flertar com o ocultismo, isso por si só já era algo espantoso, pois na maior parte da vida ele havia sido um ateu. Vendo a velhice (e a morte) chegar ele então decidiu que iria crer. Era um covarde existencial. O ocultismo sinistro lhe pareceu uma boa opção. Ele não gostava do cristianismo, achava que Jesus Cristo se comportava como um vagabundo, sem trabalhar, cercado por outros vagabundos. Sua alma, como se pôde perceber, já pertencia ao inimigo, ao ser das trevas eternas.

Dentro de seu grupo ocultista ele adotou o pseudônimo de Morpheus "deum placamentis decedebat". Essa última expressão latina poderia se traduzida como ser humano sinistro, macabro, amante das trevas e do mal. Sua comunidade sombria era secreta, ninguém poderia saber o que se passava por trás de suas portas. Eles compraram um antigo sobrado no centro de Londres e faziam reuniões para discutir e debater. A maioria dos membros era formada por pessoas ricas, mas em essência todos eles eram péssimas pessoas. Só lhes interessavam o ódio, só lhes interessavam o mal. Era um grupo que reunia as piores pessoas do mundo, com as piores intenções. 

Cap. III - O Túmulo da Condessa
O detetive Yves Cloquet estava pronto para trabalhar em seu novo caso quando recebeu um telegrama do Dr. John Michael Chieffo. Ele dizia: "Lamento pelo lapso. Ontem esqueci de lhe informar sobre a localização da tumba de minha esposa. Ela não foi sepultada em Londres, mas sim em Paris, no Cemitério do Père-Lachaise. Seu lugar de repouso está localizado ao lado do famoso túmulo da condessa russa Elizabeth Alexandrovna Strogonoff-Demidoff. Desejo boa viagem. Inclua as despesas em seus honorários". Uau, aquilo era uma surpresa e tanto! O detetive iria retornar para seu país de origem, onde iria começar suas investigações.

Atravessar o canal da mancha era sempre algo que Yves Cloquet nunca se acostumara. Ele tinha enjôos na travessia. Era sempre algo que ele odiava fazer, mas trabalho é trabalho e aquele tinha que ser feito. Só que uma coisa era certa, se Yves Cloquet odiava a travessia do canal da mancha, ele também amava Paris. Estar de volta foi algo revigorante. Voltar a falar seu idioma natal, respirar o ar de pura arte da cidade, bom ele estava precisando disso. O detetive nunca gostou da língua inglesa. Ele a considerava muito primitiva e sem poesia nenhuma. Já o belo francês era um idioma clássico, romântico, com inúmeras possibilidades de expressão. Ele amava falar a beleza do idioma francês.

Após tomar um breve café em uma das centenas de cafeterias de Paris ele então se dirigiu ao Père-Lachaise. Esse cemitério era na verdade uma grande necrópole, com ruas, vielas e até avenidas entre as milhares de tumbas que se localizavam no local. Achar um túmulo aqui seria algo complicado, mas a localização que seu cliente havia dito era até bem fácil de encontrar. O túmulo da Condessa Strogonoff era muito conhecido por turistas por causa das lendas que o envolviam.

Quando morreu a rica Condessa deixou um estranho desafio em seu testamento. O texto dizia que se uma pessoa conseguisse passar um ano inteiro dormindo em seu túmulo, ela seria digna de receber sua enorme herança! Só havia um detalhe em tudo isso. A nobre russa tinha fama de vampira quando era viva (ou morta, dependendo do ponto de vista). Por essa razão, mesmo passados tantos anos de sua morte, ninguém ainda havia cumprido o desejo dela. Nenhum homem conseguiu passar mais de 300 dias dormindo em seu majestoso túmulo.

Era realmente uma verdadeira obra da arquitetura, com suas colunas romanas ao alto, detalhes e afrescos em suas paredes, incluindo um lobo selvagem e símbolos diversos, que muitos associavam ao ocultismo, ao sobrenatural. Porém o túmulo da condessa era apenas um detelha para ajudar na localização do mausoléu que realmente interessava ao detetive. E de fato esse estava exatamente ao lado da Condessa Strogonoff-Demidoff. Era bem mais modesto, claro, mas tinha seu charme macabro. Havia duas colunas e uma inscrição ao alto onde se lia a palavra Chieffo, o nome de sua família, ou melhor dizendo, o nome da família do marido.

Yves Cloquet acendeu seu charuto e ficou parado em frente ao mausoléu, olhando cada detalhe, pensando em cada possibilidade. Como alguém poderia roubar um corpo desse túmulo e não ser descoberto? Para entrar dentro era necessário quebrar a fechadura da porta principal e não havia entradas laterais e nem de fundo. O ladrão de corpos teria tido algum trabalho e esse iria fatalmente fazer barulho. Não havia guardas noturnos no mais conhecido cemitério de Paris? O que estava havendo ali? Algo não se encaixava.

O mais sinistro de tudo é que o corpo havia sido levado nos braços do raptor necrófilo, uma vez que seu caixão estava no mesmo lugar de antes, só que aberto, com a tampa levantada. A esposa de seu cliente já estava com sete dias de estado de decomposição, era algo insuportável de se colocar nos braços para se levar embora. Isso sem contar que diante de seu estado de putrefação certamente alguns membros iriam cair do corpo, como dedos, o nariz e quem sabe até mesmo um dos braços ou as pernas. Uma visão terrível. Que criminoso teria tanto sangue frio? 

Cap. IV - A Necromancia, a necrofilia
O que o detetive Yves Cloquet não poderia desconfiar é que estava na verdade desempenhando o papel de um mero peão em um jogo de xadrez bastante macabro e sombrio. Ele estava sendo enganado, sendo tapeado. Era o bobo da corte das trevas. O corpo da esposa do Dr. John Michael Chieffo não havia sido roubado. Na verdade o próprio médico nefasto havia retirado o corpo dela de seu túmulo. Há tempos que não apresentava um comportamento normal, há tempos que tinha delírios dignos de um homem enlouquecido. Ele havia desenvolvido um gosto sórdido pelo oculto. Mandava pessoas para os países mais distantes apenas para comprar livros obscuros de ocultismo. Acreditava que Jesus tinha chegado ao conhecimento de antigas práticas que podiam até mesmo ressuscitar homens e mulheres mortas. Assim ele poderia ressuscitar uma mulher morta. Era apenas uma questão de tempo!

Ele até mesmo havia adotado um nome oculto, para ser usado em rituais macabros. Quando vestia o capuz negro e segurava uma bíblia negra, que segundo a lenda havia sido escrita pelo próprio Satanás, ele assumia a identidade de Morpheus, o filho querido dos sete príncipes do inferno profundo. E o corpo de sua amada esposa fazia parte desse esquema misterioso. Após trazer o corpo putrefado dela do cemitério, ele o teria mergulhado em uma banheira com formol e outras substâncias químicas que impediam o avanço da decomposição do corpo. Com a mente deteriorada, ele achava lindo os sinais da putrefação humana. Tão excitado teria ficado quando trouxe ela para casa que naquela mesmo noite a levaria para a cama, para uma horrenda noite de necrofilia desenfreada.

Clinicamente louco, Morpheus conseguia enganar a tudo e a todos, mas não conseguia se enganar quando tinha pequenos lapsos de racionalismo e lucidez. Em um momento de volta ao estado normal de sua mente, quando finalmente se deu conta do tamanho de sua loucura, ele teria se encarado no espelho. Desesperado e sem saber o que fazer, simplesmente deu um murro violento no vidro que refletia sua imagem. A violência do ato teria sido tão forte que ele veria o chão de sua sala de estar se tornar completamente vermelha com seu sangue. E no meio desse show de horrores ele gritava: "Perdão, meu Deus... perdão! Salve minha alma podre, salve a minha alma podre". E com as mãos levantadas para os céus, joelhos dobrados, chorava e chorava, sem cessar...

Porém seus momentos de lucidez eram breves. Tão logo passava alguns minutos e ele mergulhava de volta para a pura insanidade, gritando nomes de demônios pelas salas de sua bela casa. Ele os invocava e dizia para que tomasse conta de seu corpo, que o levasse a fazer sexo com o corpo meio decomposto de sua esposa. E lá ia ele, completamente nu, se entrelaçando ao lado da mulher morta em sua cama. Claro, o cheiro era simplesmente horrível, uma mistura insuportável de carne em decomposição com formol de necrotério. Só que Morpheus em seus delírios achava aquilo ainda mais excitante, fazendo sexo desesperado com uma mulher falecida. Ao beijar a boca dela percebia que a pele de seu rosto desprendia, caindo, como se fosse uma pasta agourenta e cheia de pus, com cheio de cemitério velho. Ah, como aquilo tudo o excitava em alto grau! A loucura... a loucura... quem poderia deter tanta abominação? 

Cap. V - Maldade na Alma
Havia muita maldade no coração daquele homem. Diz o ditado que a boca transborda o que no coração está cheio. Bom, se isso é uma verdade, então no coração do Dr. John Michael Chieffo só havia ódio. Ele tinha um complexo de inferioridade desde a juventude. Costumava dizer a si mesmo que não era uma pessoa normal. No que ele tinha uma certa razão. Era um homem cheio de complexos e traumas não resolvidos. Sua aparência pessoal não era das melhores. Pode-se dizer tranquilamente que era um homem feio, destituído de beleza. Durante anos ele procurou por uma companheira, que surgiu naquela mulher que iria se tornar sua esposa.

Foi a única que realmente quis um relacionamento amoroso com ele em toda a sua vida. Na boca pequena, na fofoca dos salões, havia muitas suspeitas sobre ela. Provavelmente se relacionou com ele por causa de dinheiro e status, nada mais. Se isso era uma verdade o solitário médico não deu ouvidos. No fundo ele desconfiava disso, mas pense bem, aquela era provavelmente a única oportunidade dele de se casar e ter uma vida feliz, ou melhor dizendo, uma vida mais normal, fora das pequenas e grandes loucuras que de vez em quando voltavam para assombrá-lo.

O Dr. Chieffo sempre teve uma adoração pelo oculto, pelas trevas. Ele nem mais escondia isso. Não era ateu, mas acreditava nas forças do mal, nas forças do "anjo caído" como ele gostava de dizer ao se referir ao Diabo. Ele que tinha uma personalidade que poderia ser definida tranquilamente como "escrota", se identificou totalmente com Lúcifer e seus asseclas que foram expulsos por Deus do paraíso. Ele odiava as ladainhas dos crentes, dos cristãos. Ele queria estar ao lado mesmo de demônios... e como os tinha em sua mente, corroendo seu modo de ver o mundo ao seu redor.

Certa vez lendo um tratado de psiquiatria sobre características das mentes dos psicopatas ele foi se identificando prontamente com tudo aquilo que lia. Ele não tinha empatia por ninguém. Gostava de ouvir histórias de pessoas que tinham se dado mal, que tinham sido assassinadas, estupradas, etc. Ele ficava com alegria vendo a tristeza do próximo. Ele ficava satisfeito ao saber que outros pessoas sofriam. Sintomas claros de uma mente psicopata.

E também não tinha remorsos nenhum pelo que fazia. Certa vez ele estuprou uma de suas pacientes em seu próprio escritório. Deu gás para dormir para ela perder a consciência. Depois disso rapidamente baixou suas calças e começou a fazer coito não consentido com ela. Um horror. A paciente sem consciência na cama e ele em cima dela fazendo as maiores barbaridades. Tudo transcorreu sem maiores incidentes e ele, pra dizer a verdade, gostou da tal "experiência". Remorso pessoal? Não sentiu nenhum. Até cobrou mais do pobre marido de sua paciente como se estivesse que ainda ser pago por estuprá-la. Era um médico perverso, psicopata. Um psicopata de jaleco, se fazendo por doutor respeitável, é uma das maiores atrocidades que uma sociedade pode sofrer.

O pior aconteceu quando ele se convenceu que era um vampiro, sim um vampiro - não disse que ele tinha problemas psicológicos? Pois bem, aí está mais uma prova. Em determinado momento ele pensou que era um Lord vampiro. Então começou a usar roupas pretas e até pensou em matar algumas mulheres que andavam em ruas escuras e perigosas pela noite adentro em Londres. Desistiu na última hora. Já havia planejado tudo, inclusive alugando as carruagens adequadas para uma fuga rápida no meio da noite.

Ao invés disso passou a beber sangue, não sangue humano como ele havia planejado, mas sangue de boi, o verdadeiro, não aquele vinho barato que era vendido para marinheiros sem dentes na boca. Então ele colocava o sangue de boi em belas taças de cristal que havia comprado na Turquia. Usando suas roupas pretas, ele se sentia o próprio Conde Drácula. Só que logo o sangue de boi começou a lhe fazer mal, lhe dando fortes crises de diarreia. Sua fantasia, ora demente, ora infantil, de se tornar um verdadeiro vampiro, geralmente acabava no banheiro, gemendo de dor, no meio de um mar de fezes podres. 

Cap. VI - Eu Errei...

- Meu Deus... Eu Errei!, Eu errei! - Pensava consigo mesmo o detetive, enquanto andava pelas ruas molhadas pela chuva. Era noite, as trevas dominavam.

Yves Cloquet acabava de sair de um encontro com um homem vital nas suas investigações. Era o tio da esposa do médico. Sim, o tio da mulher pela qual Yves procurava, ou melhor dizendo, pelo paradeiro de seu corpo. O velho homem ficou realmente horrorizado quando soube que o corpo de sua sobrinha havia desaparecido da tumba! Quem poderia ser capaz de tamanha crueldade, desrespeito e insanidade?

Era um homem de estilo aquele. O tio da finada era um homem elegante, já passado dos 50 anos de idade. Cabelos brancos, porém rosto preservado, sem rugas. Provavelmente não era homem de muitas expressões faciais como Yves acabaria descobrindo. Ele usava uma roupa elegante e tinha um estilo de barba que ficava muito bem em um homem do século XVIII. Ofereceu um bom copo de vinho para o detetive e sentou-se para dar sua opinião sobre o caso.

Fumando um fino charuto, das marcas mais caras do mercado, ele foi fazendo observações, enquanto soltava brumas e nuvens suaves do tabaco no ar. Era curioso e observador. Frisou em cada detalhe da roupa do detetive à sua frente. Também estudou meticulosamente suas expressões, seus maneirismos. Nada parecia passar despercebido.

Então começou a falar...

- Ela era uma pessoa muito graciosa, digo observando seu aspecto físico obviamente. Poderia dizer que tinha talvez uma testa um pouco fora dos padrões, mas o conjunto geral de seu rosto era agradável.

Parou, bebeu um gole de vinho e continuou...

- Porém tinha personalidade de um cão de caça furioso. Não se dava bem com seus pais e logo cedo, já aos 17 anos de idade, tornou a vida com eles tão insuportável que caiu na vida. Foi ser dançarina de um clube no quarteirão boêmio de Paris. Engraçou-se com um jovem, que não tinha nada a oferecer a ela, a não ser uma gravidez inesperada e indesejada.

- O que aconteceu com esse namorado? - Quis saber o detetive enquanto fazia anotações.

- Não sei. Era um desses trabalhadores avulsos, de porto. Nunca parava em lugar algum e tenho sérias dúvidas se algum dia foi letrado. Penso... - parou, deu uma tragada em seu charuto e concluiu - seguramete era um jovem analfabeto, de poucas letras ou nenhum estudo.

- E o que aconteceu a partir daí, ela teve o filho? - Yves achou tudo muito interessante.

- Sim, teve o filho e deu para adoção. Era uma jovem sem eira e nem beira. Não quis estudar, não quis melhorar na vida. A baixinha era um poço sem fundo. Ignorante, irascível, nada boa de conversar. Uma vez veio até mim para pedir dinheiro. Neguei. Neguei...

- E depois de ter o filho e ter dado para adoção, o que ocorreu?

- Voltou para a dança. Começou a se prostituir. Não tinha mais nada a oferecer. Os encantos da juventude se vão rapidamente para quem se deita com muitos homens. A alma perece. A alma dessas mulheres apodrece. Se tornam mulheres da vida, mulheres de ninguém.... Mas ela teve sua dose de sorte do destino...

- O que significa? - Perguntou o detetive.

- Ela arranjou um homem que gostou de seus encantos femininos. Ele o tirou da prostituição. Lhe deu um nome e sobrenome, Um status social. Era médico. Homem mais velho, obviamente. Um tanto estranho. Estive com ele pelo menos em três ocasiões. Em todas elas me pareceu um sujeito esquisito, de alma sombria.

- Está falando de John Michael Chieffo? - Indagou o investigador Yves.

- Sim, certamente, ele mesmo. Aliás meu caro, me permita o devaneio. Se eu fosse você pensaria seriamente em investigar seu próprio cliente. Essa bizarrice que me contou parece bem coisa desse ser soturno e obscuro. Esse médico nunca me pareceu alguém com o juízo certo, com a cabeça no lugar. Sei não... sei não... Não compraria nada dele na confiança. Parece ser uma figura satânica...

Essa observação atingiu Yves como um raio... Será que aquele homem à sua frente teria razão? O corpo teria sido roubado justamente pelo próprio marido? Se sim, qual era o objetivo de se contratar um detetive particular para localizá-la? Onde os peças não encaixavam direito nesse grande quebra-cabeças?

Capítulo Final - Sombras do túmulo
Yves Cloquet bateu palmas na frente da grande mansão e ninguém respondeu. Tentou de novo. Nada! Parecia um lugar abandonado, sem nenhuma alma viva por perto. Era a grande mansão do Dr. Chieffo. O detetive queria tirar algumas dúvidas, colocar alguns pontos para seu cliente (agora suspeito) responder. Como ninguém apareceu para lhe atender ele decidiu ver se o grande portão de ferro à sua frente estava aberto. Para sua surpresa sim, estava aberto! Algo inesperado. Adentrou o grande jardim. As janelas da velha casa estavam fechadas.

Na porta da frente, a mesma coisa. Estava aberta! Incrível a falta de segurança daquele lugar. Entrou na casa, viu um vulto passando pelo corredor à direita. A casa estava toda fechada, a escuridão era completa. Uma pequena luz vinha do mesmo corredor onde o detetive pensou ter visto alguém passando. Resolveu ir por ali, para tentar localizar alguém. Entrou no grande corredor que ia em direção à biblioteca. Ali havia uma luz... Provavelmente alguém ocupava aquele lugar. Talvez o Doutor estivesse imerso em seus estudos, em suas leituras. Chieffo estaria ali?

Yves Cloquet entrou na biblioteca e encontrou o médico em uma das mesas, lendo um velho livro que parecia ter séculos de existência. O frio era intenso, o que o deixou meio cismado. Não era para estar naquelas baixas temperaturas. O Dr. Chieffo percebeu a presença do detetive. Sem tirar os olhos de sua leitura convidou o detetive para sentar-se à sua frente. O clima era pouco amistoso.

- Sente-se, por favor! - Convidou o médico - A que devo a honra de sua visita? - Plenamente incisivo completou a frase.

- Queria lhe fazer algumas perguntas.

- Pois não, pergunte, faça as perguntas, se tiver as respostas, as darei...

- O senhor teria algo a ver com o desaparecimento do corpo de sua própria esposa? - Foi duro, um choque para o médico ouvir aquele questionamento, assim de forma tão surpreendente.

O médico colocou o livro em cima da mesa. Olhou fixamente os olhos do investigador. Estava pálido. Não era uma imagem bonita de se ver. Parecia estar em outro plano, em  outra dimensão de existência.

- Sabe, meu caro, hoje pela manhã decidi que iria terminar com a dor da existência. Viver, após a morte de minha esposa, se tornou o maior dos tormentos. Viver na infelicidade não é viver. É apenas exisitr. A mera existência é para os medíocres, não para homens intelectualmente superiores como eu! - Terminou sua explicação com o dedo em riste.

Yves ficou completamente surpreso com as declarações, mas aquilo não lhe respondia. A questão ficava em aberto.

- Hoje pela manhã peguei minha arma de fogo. Coloquei ao lado da cama, enchi a máquina da morte de balas, pensei um pouco, ponderei... Olhei uma velha foto da minha querida esposa, única razão de viver e...

- Ainda bem que não seguiu em frente com esse ato de tirar a própria vida - Disse yves.

- Não segui? Vá ao quarto ao lado... - Desafiou o médico.

Yves não entendeu. Levantou-se e dirigiu ao quarto. O que viu jamais esqueceria. Na cama jazia o corpo do Dr.Chieffo. Ele havia dado um tiro na cabeça. Nas suas mãos ainda estava a arma fumegante. Os miolos caíam no travesseiro ao lado. Estava morto... morto.. mas como era possível? Ele acabara de falar com o De Cujos!!!

Yves voltou para a Biblioteca e nada... não havia ninguém... O detetive não pensou duas vezes. Pegou seu chapéu e correu para fora da mansão. Ela havia tido uma experiência sobrenatural, algo que jamais pensava existir. Nunca havia sido um espiritualista, absolutamente não! Quando finalmente conseguiu sair da mansão entendeu plenamente o que que havia presenciado. Um arrepio vindo dos infernos percorreu todo o seu corpo. Era o horror, o horror, não havia salvação.

A polícia foi chamada. Os peritos comprovaram o suicídio. O corpo da esposa foi encontrada em outro quarto da mansão. Estava em uma espécie de altar. O ladrão do corpo havia sido o próprio médico que jamais aceitara a morte da esposa. Ambos foram enterrados lado a lado no cemitério da cidade. Agora poderiam passar a eternidade juntos...

Pablo Aluísio.