quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

RIngo e a Montanha Dourada

Cap. I - O Sol do Deserto
Se havia algo que Ringo Sinclair odiava em sua vida de pistoleiro era cavalgar no deserto, debaixo de sol escaldante. O suor descia pela sua face, seus braços e mãos estava molhados. E seu cantil estava com um nível perigosamente baixo de água potável. Aquele deserto era realmente infernal. Passou a se sentir um pouco mal, por causa do calor excessivo. Parou seu cavalo e olhou para trás, por cima de seus ombros cansados. Avistou ao longe uma dança de abutres no céu. Cercavam a próxima carcaça que iriam devorar. Ringo sabia do que se tratava. Era o corpo do homem que havia acabado de matar.

Vida de pistoleiro tem seus dissabores. Esse homem que jazia no deserto, que começava a exalar cheiros de decomposição fétida, estava em seu encalço há dias e dias. Queria vingança. Ringo havia matado seu pai em um crime encomendado. O serviço havia sido feito, o pagamento estava em sua calça jeans. Porém, como ele já estava acostumado, todo serviço de morte encomendada trazia seus efeitos colaterais, entre eles o desejo de vingança dos parentes mortos. E para sanar esse problema Ringo tinha que matar mais de uma vez. Já havia perdido a conta de quantos parentes havia matado ao longo de sua vida. Sempre que algum desses "amadores" surgiam em sua frente, tremendo com revólver em punho, sabia que teria que matar de novo - e dessa vez sem receber nada pelo serviço. Pura legítima defesa.

Esse último que havia surgindo na frente de Ringo não passava de um "engomadinho". Ringo procurava economizar munição nessas ocasiões, afinal balas custavam caro e não deveriam ser desperdiçadas em momentos "sem lucro". Tudo deveria gerar lucro, essa era a filosofia de vida de Ringo em sua trajetória de pistoleiro. E ele colocava tudo na conta. O serviço de morte era friamente calculado por Ringo. Ele colocava na conta não apenas o preço da munição, mas também os riscos que iria correr, a quantidade de milhas que deveria cavalgar após matar, o preço dos hotéis e pousadas que iria pagar para fugir, os oficiais da lei que teria que subornar, etc.

Depois de cavalgar por várias horas, Ringo avistou ao longe uma grande construção de madeira. Na frente da porta uma grande placa, um tanto rústica, escrito "armazém". Quem recebeu Ringo na frente da construção foi uma jovem simpática chamada Kate Bender. Ela morava na estalagem ao lado de seu irmão, seu pai e sua mãe. Eram imigrantes alemães. Ringo inicialmente só queria comprar alguns mantimentos para conseguir chegar na próxima cidade, mas foi convidado por Kate para passar a noite ali, se assim desejasse.

Kate Bender ganhou a confiança de Ringo. Afinal ela era muito simpática, sempre falando, dando sorrisos, falando coisas agradáveis. Era bem falante, bem comunicativa, bem sociável. Bonita, bem penteada, vestida e com todos os dentes na boca, era bem diferente das mulheres que Ringo havia encontrado nas últimas semanas. Geralmente ele encontrava mulheres rudes, mal encaradas, forjadas no trabalho pesado dos pioneiros. Isso criava uma completa falta de feminilidade nessas jovens senhoras, que logo se tornavam idosas precoces. Com Kate nada disso acontecia. Ela era puro charme, pura beleza feminina. Encantado pela música da sereia, Ringo desceu de seu cavalo e decidiu que sim, iria passar a noite naquela estalagem. Ele estava mais interessado em Kate do que em qualquer outra coisa. 

Cap. II - Os Encantos de Kate
Ringo estava interessado nos peitos de Kate. Não adianta disfarçar ou inventar outras desculpas, era isso o que ele queria. Depois de cavalgar por vários dias pelo meio do deserto ele ansiava por uma companhia feminina. Kate Bender não parecia fazer o tipo prostituta, mas também isso não significava que Ringo não poderia tentar sua sorte. Ele olhava e olhava para Kate olhando cada detalhe de seu corpo. Ela tinha lindos olhos azuis, era loira e bronzeada, do tipo garota dourada. Sua boquinha era uma coisa, bem pequenina, com dentes delicados. O cabelo era cortado pequeno, como das jovens daquela região. O corpo era todo proporcional com ótimas coxas e pernas. A bunda era um destaque. A Única coisa que não agradou muito Ringo foram seus dedos dos pés. De certa forma entregava a origem humilde da garota.

Bom, se Kate era puro desejo sexual, nada poderia ser mais oposto do que o resto de sua família. Kate vivia com dois homens a quem ela chamava de pai e mano. Não se pareciam entre si, o que fez com que Ringo acendesse uma luz vermelha no fundo de sua mente. Havia algo errado ali. A mulher mais velha era dita como a mãe de Kate. Outro problema. Ele nunca vira mãe e filha tão diferentes como aquelas duas. O que diabos estava acontecendo ali? Nenhum dos parentes de Kate tinham a menor simpatia por ninguém. Eram sorumbáticos e respondiam a cada tentativa de conversação com grunhidos. Era gente muito esquisita.

Ringo deveria ter prestado mais atenção nos detalhes à sua volta, no que realmente estava acontecendo naquele hotel de madeira de beira de estrada. Havia um certo tom sinistro pairando no ar. Mesmo assim Ringo pagou os dois dólares pela estadia noturna. Queria passar a noite ali. Queria transar com Kate, queria pegar nos peitos dourados dela. Queria mamar a mulher. Homem nesse estado de cio não pensa direito, não presta atenção em mais nada. Eis o maior problema para Ringo. Ele estava entrando numa armadilha mortal.

Assim que entrou na estalagem Ringo ouviu ruídos vindos do porão. Como assassino profissional aquele som lhe pareceu com o som de alguém sendo amordaçado para não fazer barulho. Kate percebeu que ele percebeu. Então resolveu chamar sua atenção. Lhe convidou para ir na cozinha para comer um bom prato de sopa. E ficou fazendo gestos sensuais com a colher de pau na mão, enquanto mexia o prato na panela. Ringo lambeu os beiços, não se sabe pelo água na boca pela sopa ou pelos peitos de Kate. Ela entendeu que seus seios estavam despertando a atenção do pistoleiro e baixou ainda mais a blusinha, fazendo um infantil "ops". Pura safadeza para mostrar os bicos dos seios. Ringo ficou excitado na hora!

Ela serviu a sopa quente em um prato para Ringo, mas quem estava pegando fogo era ele mesmo! Se não houvesse outras pessoas na estalagem ele provavelmente a pegaria pelos braços, lhe daria um grande beijo na boca, abriria suas pernas e aliviaria seus desejos carnais. Mas ao invés disso Ringo viu o mundo girar! Após colocar a primeira colher na boca o mundo começou a rodar e a rodar. Ringo estava completamente tonto! Ele perdeu o equilíbrio e caiu no chão! Algo estava muito errado, ele estava perdendo o controle e essa era a pior sensação do mundo. Seus olhos giravam e giravam... era uma das piores coisas que já havia sentido na vida. Sim, ele pensou... 

- Fui envenenado! - foram suas últimas palavras antes de perder completamente os sentidos... 

Cap. III - Chamas Eternas
Quando Ringo finalmente recuperou sua consciência ele estava no porão da velha estalagem. Mesmo ainda bem tonto por causa do veneno ele ainda conseguiu deslizar sua mão em busca de seu revólver no coldre. Nada achou. A arma tinha sido retirada dele. Ringo então olhou para o lado a tempo de ver um dos supostos familiares de Kate. Um dos hóspedes estava deitado no chão, a uns cinco metros dele. Inconsciente, ele acabou sendo assassinado com uma martelada na cabeça. Uma coisa horrível. Ringo ouviu o seu crânio se rompendo com a violência da pancada.

Nesse momento Ringo percebeu que ou se levantava ou então ele seria o próximo a morrer. O pistoleiro sempre andava com uma ampola contra envenenamentos em seu bolso da calça jeans. Ringo era um assassino profissional e como tal podia ser envenenado a qualquer momento. Por isso estava sempre ao lado dessa substância. Ringo então enfiou a mão e para seu grande alívio descobriu que o antídoto ainda estava lá. Foi o que salvou sua vida. Após engolir seu conteúdo Ringo viu de forma rápida a anulação dos efeitos do veneno.

Ele assim se levantou rapidamente... O agressor percebeu e foi em sua direção com o martelo. Para sorte de Ringo ele percebeu que havia um monte feito de coisas roubadas dele e do outro hóspede, que agora jazia morto no chão de feno. Ringo então, mais rápido do que um coelho, deu um pulo em direção a essas coisas roubadas. E entre elas estava seu precioso Colt 45. O grandalhão percebeu que Ringo agora estava armado e foi em sua direção com fúria. Ringo nem contou 2 segundos, mirou na cabeça do tal sujeito e puxou o gatilho. Foi um tiro certeiro. Morte em milésimos de segundos.

Claro que o tiro alertou a todos na estalagem. Ringo olhou o tambor do Colt e percebeu que havia cinco balas... Seria o suficiente para ele matar todos aqueles desgraçados de uma só vez. Lembrou da frase "A melhor defesa é o ataque" e decidiu partir para cima. Subiu as escadas em um só fôlego. Ao entrar na parte de trás da casa foi recebido a bala. No meio do tiroteio ainda percebeu kate correndo por entre as mesas, segurando o seu rifle... Ah, aquilo sim era imperdoável. Ele agora sabia que deveria matá-la por crime de lesa majestade.

O fato é que Ringo era um pistoleiro profissional. Ele vivia disso, vivia de matar. Aquela família de Kate poderia ser criminosa, mas não tinha a habilidade no Colt de Ringo. E ele tinha cinco balas para mostrar sua perícia. A bala seguinte teve interesse certo, se alojando no coração da "Mãe" de Kate, que muito provavelmente nem era sua mãe, mas apenas mais uma bandida da quadrilha. A bala de Ringo a atravessou, no caminho explodiu os músculos do coração. Não havia como resistir. Ela caiu imediatamente no chão.

Ringo agora tinha 4 balas. Ele percebeu que "Georgie", ou seja lá qual era o seu nome, estava atrás de uma das mesas. Ringo não poderia desperdiçar balas. Ele então pegou uma garrafa de querosene, enfiou um pano, colocou fogo e jogou no seu inimigo. O estrago foi feio. "Georgie" virou uma bola de fogo. Gritando desesperado saiu em chamas pela porta principal da casa. Ringo pensou se deveria desperdiçar uma bala com ele. Na dúvida mirou e... arrancou seu cérebro pela parte de trás do crânio. Mais um tiro no alvo. Ringo não brincava em serviço.

Ringo tinha 3 balas e dois opositores. O "velho", que fazia papel de "pai" de Kate foi o próximo! Ele demonstrou ter uma mira ruim. Atirou várias vezes com seu rifle, mas não acertou nenhum tiro em Ringo. Era obviamente um amador. Ringo então se posicionou e deu um tiro em sue perna. Isso o tirou de ação. Ringo agora tinha 2 balas. Ele então rolou no chão e bum... deu um tiro certeiro entre os olhos do velho. Esse tombou imediatamente.

Ringo agora tinha só uma bala! Desesperador não é mesmo? Porém um lance de sorte aconteceu. A velha estalagem de madeira começava a arder em chamas. Kate suando e desesperada tinha que sair pela porta principal, mas se fizesse isso seria alvejada por Ringo, com absoluta certeza. Sua saia começou a pegar fogo e ela então não viu outra saída, deu um grito e saiu em direção à porta...

Ringo nem pensou duas vezes. Um tiro em suas costas, o impacto foi tão forte que Kate caiu no chão imediatamente. Uma das vigas de madeira do teto acabou caindo sobre ela, a esmagando. Era o seu fim. Kate estava morta. E foi uma morte bem horrível e sofrida mesmo. Merecia, era uma ladra e uma assassina fria que usava seus encantos para matar viajantes solitários. O lugar dela era mesmo entre chamas, mas entre as chamas do inferno. O problema é que Ringo ainda se encontrava dentro da estalagem que agora ardia completamente em chamas. Sem saída ele fez o que estava à sua mão - pulando pela janela de vidro, quebrando tudo pelo meio do caminho. Ao cair no chão Ringo percebeu que estava todo cortado, mas isso era o de menos. O importante é que ele estava... vivo!

Cap. IV - Cavalgada Noturna
Naquela mesma noite Ringo subiu em seu cavalo marrom de meias brancas e sumiu pela noite adentro. Cavalgou e cavalgou, pelo meio do deserto, até chegar numa pequena vila de mineradores. Era Silver Rock City, o primeiro ponto de partida para quem estava em plena corrida do ouro. Assim que chegou na rua única e principal de Silver, Ringo desceu de seu cavalo e foi até o saloon local. Ele estava exausto, destruído mesmo. No mínimo cavalgou por cinco horas seguidas. Cavaleiro acostumado com o desconforto de uma sela, ele poderia se auto declarar completamente dominado pela exaustão.

Tomou um rápido gole de whisky e perguntou ao barman se ele conhecia algum lugar que alugasse quartos para dormir. Foi informado que do outro lado da rua iria arranjar um bom lugar por um preço barato. Ringo nem pensou duas vezes e foi até lá. Pagou 4 dólares e ganhou o direito de finalmente dormir em uma cama quente. Ringo não dormia há mais de 48 horas, segundo seus próprios cálculos. A confusão na estalagem dos Benders havia custado muito, não apenas em material perdido, mas também do ponto de vista emocional.

Ringo tirou as botas e deitou-se. A mente corria a mil. Mentalmente ele procurou fazer um balanço do que havia perdido. Kate Bander e seus falsos irmãos tinham roubado seu dinheiro, seu rifle e alguns outros pertences. Como Ringo deixou a estalagem em chamas ao sair de lá não houve como recuperar o que havia perdido. De todas as coisas que foram perdidas a que mais deixou Ringo irritado foi a perda de rifle Winchester que não fazia muito tempo havia comprado (leia o conto "Um Winchester para Ringo" para saber mais). Ele havia também perdido o revólver de seis tiros, uma bela arma que vinha com ele há vários anos.

Sobraram o cavalo Costa, seu fiel companheiro, a sela e sua roupa do corpo. Fora isso Ringo estava a zero! Fazia muitos anos que ele não se via numa situação tão delicada. E como estava longe de seus contatos, não havia trabalho à vista e nem dinheiro para gastar. Ringo tinha que pensar e agir rápido. A solução seria ganhar alguns dólares no jogo de cartas do Saloon. Ele não havia desistido de subir a montanha em busca do ouro. Esse destino estava traçado e ele tencionava ir até o fim. Mas para continuar sua jornada teria que ter algum dinheiro no bolso. O cavalo Costa estava em uma estribaria local, sendo alimentado e cuidado. Outra despesa que Ringo teria que arcar em breve. Porém antes de tudo ele precisava se recuperar com algumas boas horas de sono. Ele havia escapado da morte, quase havia sido morto a marteladas. O momento agora era relaxar um pouco para voltar ao mundo sórdido do velho oeste que conhecia tão bem.

Cap. V - Cowboy do Oeste
Ringo muitas vezes acabava sendo presenteado com lances de sorte. No dia seguinte, ao sair do pequeno hotel onde havia se hospedado, Ringo descobriu que uma grande boiada estava sendo levada para a costa, para uma fazenda na Califórnia. E o dono do gado estava recrutando cowboys na cidade. Para ele era o ideal. A cavalgada iria para a mesma região que ele estava viajando. Se arranjasse um serviço de cowboy ainda iria receber por isso. Acabou falando com o capataz. Esse lhe perguntou se ele já tinha um cavalo. Com a resposta positiva então, Ringo estava dentro.

A boiada seria tocada por dez homens, Ringo entre eles. A viagem estava calculada para durar dez longos dias. Era um trabalho exaustivo, manter o gado em linha reta, em direção ao seu destino. No caminho eles iriam atravessar desertos, regiões habitadas por índios selvagens e terras abandonadas, onde não havia nenhuma alma viva. Eles se reuniram fora da cidade, em um curral, montaram seus cavalos e caíram em direção ao seu caminho.

Além de Ringo, estavam participando o dono do Rancho Four Stars, Cliff Edwards, que era o dono do gado, seu braço direito, o capataz Erickson e mais outros sete cowboys. Sujeitos durões, barbas por fazer, muita adrenalina e muita vontade de terminar o serviço bem feito. Alguns eram nitidamente homens da classe trabalhadora, mas Ringo também percebeu que Erickson tinha maneirismos de pistoleiro. Durante a primeira hora de jornada surgiu uma cobra cascavel no meio do caminho. Para evitar que alguma cabeça de gado fosse picada pelo perigoso animal, Erickson retirou seu rifle da parte paralela da cela e deu um tiro... um só tiro... certeiro. Era óbvio que era um ás do gatilho, provavelmente um pistoleiro com muitos anos de perícia no uso de sua arma. Ringo, que não era bobo, nem nada, ficou de olho. Sinal amarelo para aquele sujeito.

Quando chegou a noite todos pararam para comer alguma coisa, descer de seus cavalos e descansar. Ringo estava acostumado com aquela vida. Uma vida de se dormir no chão, sem travesseiro, sem nada, apenas o brilho das estrelas sobre a cabeça. Ele tomou alguns goles de água fresca, comeu alguns pedaços de carne salgada e se deitou. Dormir ao léu tinhas seus perigos. Entre eles o ataque de alguma cobra venenosa que se aproveitasse do fato de sua vítima estar dormindo. Porém mais perigoso do que isso eram os escorpiões. Eles eram enormes, do tamanho da palma da mão de um homem grande. Uma picada poderia significar a morte.

Durante a madrugada Ringo ouviu barulhos na parca e árida vegetação. Era um chacal. Um tipo de animal traiçoeiro e oportunista, acostumado a seguir caravanas no meio do deserto. Ao longo dos séculos esses animais descobriram que seguir seres humanos poderia significar comida. Comida deixada pelo caminho, comida jogada fora das carrocerias. Ringo se levantou e quando olhou o chacal nos olhos esse tombou bruscamente. Havia levado um tiro na cabeça. Um tiro que surpreendeu Ringo. Ao se virar se deparou com Erickson. Ele havia dado um tiro pelas costas de Ringo, há pelo menos cinco metros ou mais do animal. Definitivamente aquele cara sabia atirar bem. E ele fez questão de fazer isso perto de Ringo. Queria que ele soubesse que em questão de armas, havia um especialista ali. A tensão começou a se formar entre os dois.  

Cap. VI - Luar Noturno
No final do segundo dia de viagem, lá pelas nove da noite, Ringo e os demais cowboys pararam. Era hora de descansar para o dia seguinte. Antes disso porém todos se reuniram em volta da fogueira onde um velho bulê esquentava o café para todos aqueles homens. Ringo adotou uma personalidade calada, de não puxar papo com ninguém. Fazia seu trabalho direito, pouco falava e não despertava interesse. Essa era sua tática para passar despercebido, não chamar a atenção de ninguém.

Só que naquela noite o capataz Erickson sentou ao seu lado. Com um pequeno galho de soja entre os dentes sentou e esperou pelo café. E não demorou muito tempo para puxar papo com Ringo, algo que ele definitivamente não queria fazer.

- Então forasteiro... de onde você é? - Perguntou Erickson, fingindo um falso desinteresse pela resposta.

- Eu não sou de lugar nenhum... - Ringo tentou cortar a conversa mole.

No mesmo instante um sorriso surgiu na cara vermelha de sol do velho Erickson.

- Todas as pessoas são de algum lugar forasteiro... Então, diga logo de onde você é! Pare de mistérios - Disse ele rindo, enquanto enchia sua caneca de um café quente como o inferno.

- OK! Eu sou de Montana... de uma pequena cidadezinha para além das montanhas geladas, perto do Canadá. Você provavelmente nunca ouviu falar - Eram mentiras ditas por Ringo. Seu objetivo era cortar o assunto.

Erickson limpou as calças, tirou um pouco de poeira do deserto delas e se deitou sobre sua sela, que agora servia como um travesseiro improvisado.

- Olha forasteiro, possa ser que eu conheça sim sua cidadezinha. Eu já cavalguei por milhares de milhas ao longo da minha vida. Eu sou um nômade por natureza! - Ele tomou um gole do café forte e continuou - Pois então, diga o nome aí do seu vilarejo, possa ser que eu conheça...

- Ah, acho que não conhece. Não vamos perder tempo. Temos que dormir - Ringo sabia que Erickson o sondava a partir daquele momento.

- Sabe, meu caro, seu rosto me é familiar. Acho que já vi sua face em algum lugar aí pelo oeste. Isso não sai da minha cabeça.

Imediatamente a luz amarela de atenção acendeu na mente de Ringo. Será que esse sujeito teria visto algum cartaz de "Procura-se vivo ou morto" dele? Era algo a se pensar e a se preocupar. De qualquer modo Ringo virou-se de costas e não respondeu a Erickson. Apenas disse "Boa Noite!".

Erickson olho de lado, olhar de pura desconfiança. Ele sabia lidar com cowboys, pois tinha feito isso por toda a sua vida, mas aquele novo cowboy que se dizia ser de Montana não lhe convencia. Na mente de Erickson havia a forte convicção que ele conhecia Ringo, sõ não conseguia lembrar de onde e nem de quando. Será que havia trombado com ele em algum jogo de cartas? Ou será que teria trocado tiros com ele quando participou como membro de uma tropa de apoio dos Texas Rangers? Se esse fosse o caso então a resposta só poderia apontar para o fato de Ringo ser um bandido procurado.

O luar noturno porém estava lindo naquela noite. O céu cheio de estrelas. O corpo pedia por descanso, assim tanto Ringo como Erickson rapidamente adormeceram. No dia seguinte iriam finalmente cruzar a fronteira da Califórnia.

Cap. VII - Faca Afiada
Ringo sentiu as mãos de seu algoz em volta de seu pescoço. Foi pego de surpresa, na traição. Era o capataz, que tentava neutralizá-lo. A reação foi rápida, Ringo sabia que se não alcançasse seu revólver estaria morto. Só que seu inimigo também foi rápido, conseguindo chegar na arma de Ringo, a tirando do coldre e depois a jogando fora. Isso deu uma falsa sensação de segurança ao capataz e isso foi seu erro mortal...

Ringo conseguiu desvencilhar um dos braços, imediatamente foi em busca de sua bota. E dentro da bota havia uma faca afiada e muito bem preparada para situações como essa. Ringo era um assassino profissional, ele jamais poderia se confiar apenas em uma arma. Sempre haveria um plano B e seu plano B era a faca, com ela em mãos ele voltava ao jogo. Não seria asfixiado, nada disso, ele enviaria seu oponente para as portas abertas do inferno.

Com as luvas amarelas de cowboy, Ringo firmou com força a faca em sua mão esquerda e deferiu um golpe certeiro na coxa esquerda do capataz que tentava lhe sufocar. A dor foi imensa. O agressor soltou um grito surdo de dor. Ringo enfiou com força, mas não foi só isso. Ele cravou a faca na perna e depois a puxou de lado, abrindo uma fenda enorme em seu inimigo. O sangue jorrou, manchando até mesmo o rosto de Ringo. Com tamanha brutalidade seu algoz soltou seu pescoço, ele ficou se contorcendo de dor e agonia.

Livre das mãos do assassino, Ringo rolou de lado e finalmente recuperou seu Colt 45. Com ele em mãos, já de pé, recuperou completamente o controle da situação. Sua face pingava sangue. O capataz gemia no chão, em posição fetal. Ringo mirou o Colt em sua cabeça e só fez uma pergunta:

- Por quê?

- Eu vi seu rosto em um cartaz de procurado... eu queria a recom.. a recompensa... - o sangue fazia uma poça na areia do chão...

Ringo mirou o Colt e puxou o gatilho. O som do tiro ouviu-se na pradaria. As aves bateram asas e voaram para longe. O estampido da bala ecoou nas montanhas distantes... Um tiro apenas, dado na cabeça do capataz... Sem perdão, sem redenção, apenas um tiro... como era do feitio de Ringo.

Ele se levantou, bateu as calças para tirar a poeira e montou em seu cavalo Costa. Não havia mais como voltar para a caravana. Ele teria que ir embora. Fatalmente o corpo do capataz seria encontrado. Ringo não queria problemas. Ele já estava perto da fronteira. Sabia que mais alguns dias de cavalgada, estaria na Califórnia, nas montanhas douradas, onde esperava encontrar ouro e ficar rico. Ao subir em seu cavalo, Ringo saiu a galope. Nem olhou para trás. Enquanto seu cavalo suava e corria, o capataz dava seu último suspiro. O último gosto que sentiu foi o de poeira misturada com seu próprio sangue.

Estava morto em segundos. Morto... era o fim de sua existência..

Cap. VIII - A Montanha Dourada
Depois de uma longa viagem Ringo finalmente chegou na "montanha dourada", onde se dizia que havia ouro em abundância para minerar. Era, segundo a lenda, apenas uma questão de esforço mínimo. Quem estivesse disposto a subir na montanha iria encontrar ouro e a fortuna. Só que Ringo não encontrou nada disso. Ao contrário, no pé da montanha havia um acampamento horroroso, caindo aos pedaços. A fauna reinante ali era de bêbados e prostitutas. Ringo olhou tudo com um desânimo incrível. Era para aquilo que ele havia lutado tanto? Uma viagem tão longa para chegar em uma bueiro como aquele? Decepção, era a palavra recorrente passando em sua mente...

Entretanto era a tal coisa. Está no inferno? Aproveita e abraça o Diabo. Já que havia chegado ali não iria dar meia volta. Entrou com seu cavalo Costa no meio daqueles barracões. Logo percebeu que as prostitutas eram todas maltratadas, algumas com sinais claros na pele de doenças sexualmente transmissíveis. A Sífilis estava em alta. Muitas daquelas mulheres estavam obviamente contaminadas. Eram jovens, muito provavelmente vinham de famílias sem estrutura, outras eram órfãs. Sem saber ler e nem escrever só sobrava mesmo o caminho da prostituição, a chamada profissão mais antiga do mundo, muito praticada, inclusive por mulheres de fino trato que se casavam apenas por dinheiro. Era um modo de ganhar a vida.

A sociedade que imperava ali era na base de violência. Não havia leis. Todos tinham uma arma carregada na cintura. Qualquer palavra errada, qualquer provocação gratuita, era respondida com chumbo quente. Ringo sabia que a melhor maneira de sobreviver era não chamar a atenção, não criar provocação. Os homens que ali viviam eram desesperados, não tinham nada a perder. A maioria era criminosos foragidos (ora, como o próprio Ringo). Havia de tudo, ladrões, bandoleiros, mexicanos, trogloditas, insanos, pervertidos. Era uma desgraceira sem tamanho. Não havia como ter amizades naquele meio, todos, sem exceção, eram patifes desalmados.

O único grupo que parecia se diferenciar era a dos pastores. Todos bem arrumados, com ternos limpos. Nada de novo, Ringo sabia bem disso. Aquela gente não o enganava. Eram tão vigaristas como os mais vigaristas que estavam ali. Queriam o dízimo, queriam pegar o dinheiro que sobrasse, que caísse das mesas dos mineradores. Eram parasitas. O ranço de gente ruim, o cheiro de picaretas, esse Ringo conhecia muito bem. Ele sabia que aqueles pastores não tinham nada de Deus. Queriam o vil metal, o dinheiro, nada mais. Eram mercadores do templo, lobos em peles de cordeiros.

Assim Ringo, em poucos minutos, fez o diagnóstico preciso do que estava acontecendo ali no pé da montanha dourada. Ele pensou em ficar ali, por pelo menos um dia, mas depois refletiu e entendeu que o melhor era apenas pegar mantimentos, água e munição e dar uma volta pelas redondezas. Dormir ao relento era sua prática comum. Queria subir na montanha ainda naquela tarde. Viu uma garota até bonita, mas maltratada pela vida que levava. Seu nome era Feliicity. Nome falso, claro. Ela ofereceu seus serviços em troca de 4 dólares. Ringo não mostrou qualquer interesse. Comprou o que tinha que comprar. Colocou ao lado da sela de seu cavalo e saiu daquele covil de víboras. Ele iria adentrar o meio selvagem. Queria subir na montanha. Dourada ou não, ele tinha que explorar, caso contrário sua longa viagem teria sido em vão.

Capítulo Final - A verdadeira Fortuna
Ringo subiu a montanha ao lado de sua nova companheira. Ela se mostrou uma boa companhia, prestativa e cuidadosa. Algumas mulheres quando passam pela prostituição começam a entender, a enxergar a vida sob um novo ponto de vista. Elas são submetidas a uma rotina das mais perversas e são expostas a todos os tipos de sujeitos asquerosos. Acabam desenvolvendo um sexto sentido para localizar bons homens. Com ela aconteceu justamente isso. Ela viu um bom homem em Ringo. E ele, por sua vez, começou a ter uma boa sensação ao seu lado.

Ringo passava as manhãs em busca de ouro. Quando voltava para seu acampamento já era meio-dia. Hora de fazer uma refeição. Depois mais uma jornada de trabalho pela tarde. Antes de anoitecer estava de volta. E um homem e uma mulher no alto da montanha, o que você poderia imaginar que iria acontecer? Claro, não demorou muito e eles tiveram uma noite de sexo e prazer. Ringo gostou muito dela nessa questão. E ela se sentiu muito bem por não ter sido remunerada por isso. Era o sinal de que havia um relacionamento ali. Quem sabe ele chamasse ela para ficar ao seu lado. Ela toparia com certeza.

Ringo tentou por uma semana no alto da montanha. Conforme os dias iam passando ele foi tomando consciência que era tarde demais. Se aquela montanha tinha ouro - e em algum momento houve ouro ali com certeza, caso contrário não se chamaria "montanha dourada" - bom, se havia ouro, eles já tinham levado de lá. Afinal a tal febre do ouro fez com que uma multidão subisse aquelas montanhas. Ringo havia chegado tarde... Até havia pedrinhas douradas pelo caminho, mas não era ouro. Era o que os mineradores chamavam de "ouro de tolo", pois apenas um tolo não iria saber distinguir aquele metal do verdadeiro ouro.

Havia buracos por toda a parte. A mineração ali havia sido feroz, sem nenhuma preocupação com o meio ambiente. Aqueles homens eram homens desesperados. Em farrapos, procuravam pela grama que iria garantir pelo menos a refeição do dia. Não era algo bonito de se ver. Muitos eram magros, com as roupas rasgadas. Poucos tinham algum tipo de calçado. Andavam de pés descalcos, sujos, já se tornando parte da paisagem. Depois de alguns dias ali Ringo finalmente enxugou o suor de seu rosto, olhou para o horizonte e decidiu que iria seguir em frente. Iria para San Francisco, tentar vida nova. Afinal esse era o seu habitual, a história de sua vida.

Assim logo pela manhã da segunda, exatamente uma semana depois de ter chegado na montanha dourada, Ringo pegou sua sela, selou seu cavalo, ajeitou suas coisas e decidiu que era hora de ir embora. Felicity ficou olhando ele arrumar suas coisas. Será que ele iria chamá-la para ir ao seu lado? Ela ficou ansiosa, esperando pelo que iria acontecer. Então assim que ajeitou tudo, Ringo olho para ela. Olhos nos olhos. Ela estava apreensiva... Então ele estendeu sua mão e ela o abraçou de forma fervorosa. Sim, Ringo havia feito sua escolha. iria ficar com ela. Afinal, depois de tudo, ele finalmente havia encontrado a verdadeira fortuna.

Pablo Aluísio.

Um Winchester Para Ringo

Cap. I - Ringo
Ringo matava. Era isso o que ele fazia. Alguns trabalhavam com gado. Outros vendiam couro e peles. Havia os que tentavam tirar algum alimento daquelas terras desérticas. Famílias viviam em ranchos, uma vida dura que piorava a cada ano. Criavam gado ou cavalos, mas o clima da região não ajudava em nada. Era muito seco e muito quente. Ter uma criação era penoso e caro. Ringo matava. Era mais prático e mais fácil de ganhar dinheiro. Nada mais do que isso.

Ele havia sido cowboy no passado. Porém o dinheiro obviamente ficava todo com os grandes fazendeiros. O cowboy ficava com migalhas. Ringo então percebeu que matar lhe daria mais dinheiro. No começo ele tentou se fazer de caçador de recompensas. Matar assassinos profissionais, ladrões e bandidos poderia ser bem complicado. Por isso ele decidiu virar ele mesmo um pistoleiro profissional.

Em seu encalço sempre havia um xerife ou algum grupo de cavaleiros em ronda para prende-lo. Era um caminho sem volta. A partir do momento em que seu rosto e seu nome surgiam em cartazes do tipo "Procurado vivo ou morto" não havia como voltar atrás. A caçada havia começado. Só iria parar quando a tampa do caixão fosse fechado em seu rosto morto. Era a lei do velho oeste. Viver ou morrer. Sobreviver para contar história ou ter sua história contada por aqueles que o mataram.

O próximo trabalho de Ringo era político, ou quase isso. Ele deveria localizar um líder político de uma cidade chamada Culver City. O prefeito estava com medo de perder as eleições. Então era melhor matar seu concorrente. Ringo era o nome a se chamar nessas situações. Ele havia tirado a barba para não ser mais tão facilmente reconhecido. Era questão de se camuflar, se esconder.

Seu contratante também havia lhe dito que era melhor chegar no sábado em que haveria uma grande feira de gado, assim Ringo poderia se misturar no meio da multidão. Para todos os efeitos ele estaria lá para comprar gado, nada mais. Um forasteiro comercial e não um matador profissional. O vereador que seria seu alvo se chamava John Westmoreland. Homem honesto e íntegro. Nada a ver com Ringo e seu caráter de bandido. Era um duelo de opostos.

Cap. II - O Serviço
No dia marcado Ringo chegou a cavalo. Havia mesmo muitas pessoas em Culver City. O gado de lá era considerado bom e de boa qualidade. Ringo olhou sobre os ombros. Foi até uma viela e lá recebeu parte do dinheiro. 2 mil dólares; Era um adiantamento. Depois haveria mais 2 mil dólares pelo crime consumado. Ringo conferiu o tambor de seu revólver. Seis balas, tudo certo. Ele então caminhou pela rua principal e avistou o vereador abraçando alguns futuros eleitores e cidadãos em geral. Ringo colocou um cigarro entre os dentes e seguiu em frente.

Matar ele ali seria muito perigoso. Por isso esperou a noite chegar. O vereador Westmoreland tinha também suas falhas. Ele não resistia a um bom jogo de cartas. Ringo sabia disso. Assim o encontrou no saloon numa mesa de cartas. Esperou pacientemente o político jogar tudo, perder tudo, até seu juízo. Quando o relógio bateu 3 horas da manhã ele finalmente se levantou. Ringo seguiu seus passos pela rua. O sujeito não havia bebido. Se estivesse bêbado seria mais fácil.

Então ele entrou numa rua lateral. Iluminação zero. Lugar ideal. Ringo tirou sua arma do coldre. Rodou o tambor. Então chamou o homem. "Ei, Westmoreland, tudo bem? Deixe-me apertar a mão do futuro prefeito da cidade". O político parou, se virou e abriu um sorriso em direção a Ringo. Esse nem pensou duas vezes e atirou. Dois tiros certeiros no peito. O velho político colocou suas mãos nos buracos feitos pelas balas. Sentiu a morte chegando. Caiu com o rosto no chão. Poeira na língua. Ringo se abaixou. Conferiu se estava morto. Hora de ir embora. O barulho dos tiros chamou a atenção de algumas pessoas. Ele se esquivou e sumiu pelas sombras da noite. Trabalho feito.

No outro dia, perto da estação recebeu o dinheiro pelo trabalho feito. Ringo iria usar a grana para comprar um rifle Winchester novo, último modelo. Ossos do ofício. Ainda com os moradores da cidade em choque ele montou seu cavalo. Saiu da cidade como chegou, sem chamar muita atenção. Mais um serviço concluído. Nada mais a reclamar. Apenas rumar para a próxima cidade, para o próximo contrato manchado de vermelho sangue. Era a vida de Ringo.

Cap. III - Francis
Francis McCarthychegou domingo pela manhã em Culver City. Ele estava na cidade novamente, agora para enterrar seu pai, o vereador John Westmoreland, morto na madrugada por um desconhecido. Foi uma cerimônia breve. Ele provavelmente seria o futuro prefeito da cidade se não houvesse sido morto. Francis estava desolado. Após as palavras finais do pastor ele decidiu ir até o gabinete do xerife. Queria maiores informações sobre o caso.

Armstrong Rooker era um velho homem da lei. Xerife há quase 15 anos no lugar. Ele não tinha nada de muito importante para dizer a Francis. O assassinato aconteceu durante a madrugada, não havia nenhuma testemunha dos tiros, ninguém viu o assassino. Era complicado, mas seu inquérito policial estava em um beco sem saída. O que ele poderia dizer é que tudo levava a crer que se tratava de um crime planejado, provavelmente executado por um profissional. Isso era tudo.

Francis não gostou do que ouviu. Ele queria justiça por parte das autoridades, mas se fosse necessário ele faria justiça pelas próprias mãos, outro nome para a conhecida vingança. Ao sair da delegacia se deparou com Billy Joe, o jovem assistente do xerife. Se o velho homem da estrela já estava cansado daquela vida, Joe tinha a vontade dos que estavam começando, dos que queriam subir na carreira. Ele chamou Francis de lado e disse que tinha algumas informações que poderiam lhe interessar.

No dia da morte de seu pai o conhecido pistoleiro Ringo Sinclair havia aparecido por lá. Ele dizia a quem encontrava que estava em Culver City para negociar cabeças de gado. Não convenceu praticamente ninguém. Era um assassino profissional. Claro, não havia nenhuma prova de que ele havia matado o vereador, nisso o xerife tinha razão, porém só a sua presença ali já era sinal de algo estava sendo escondido. Ringo não voltou a ser visto pelas ruas após a morte do vereador. Não havia como ligar seu nome ao crime, mas na falta de pistas aquilo poderia ser um começo. Francis ficou muito interessado em tudo o que ouviu. Eram apenas indícios, mas parecia ser uma boa aposta. Mal ele sabia que aquilo era mesmo um tiro no alvo, certeiro.

Cap. IV - Silver Rock City
Após a morte encomendada, Ringo foi parar em Silver Rock City. Era uma daquelas cidades que surgiam da noite para o dia. Sempre que corria o boato que ouro havia sido descoberto as pessoas corriam para a região e assim essas cidadelas eram erguidas no meio do deserto. No meio da "fauna" que circulava pelas ruas havia muitos mineradores, ladrões, patifes, jogadores profissionais de cartas, pistoleiros e... prostitutas. Ringo estava lá para gastar seu dinheiro com algumas dessas moças de reputação duvidosa. Por 10 dólares você teria a companhia de uma dessas senhoritas. Por 15 dólares um banho era incluído no menu.

Ringo não se relacionava com mulheres, não pelo estilo mais normal de ser. Ele preferia as damas de companhia. Era um jogo honesto de certo modo. Ele pagava as ladys, fazia sexo com elas, recebia um pouco de carinho e quando a noite terminava o contrato estava cumprido. Nada de sermões, cobranças, ameaças, etc. Ringo queria as mulheres para satisfazer seu libido, não para se casar com elas. Ter um filho então... nem pensar! Era a última coisa que ele poderia pensar em fazer. Um assassino profissional tinha como um de seus trunfos a agilidade de se mudar rapidamente de cidade, algo que ele não poderia fazer se fosse um pai de família. Além disso Ringo preferia ter mulheres diferentes a cada lugar que visitava. Sem essa coisa de cultivar valores tradicionais.

Depois da noite de amor comprado, Ringo foi até o saloon. Ele até gostava de beber um bom whisky, mas não era como os demais clientes desses lugares. Jamais bebia a ponto de ficar embriagado. Sabia que sua vida dependia disso. Desconfiado por natureza, sabia que qualquer um naquele ambiente poderia estar ali para matá-lo. Ter disciplina na vida poderia lhe poupar de ser executado quando perdia a razão de seus pensamentos. Bebia, mas com limites claros. O mesmo poderia ser dito em relação ao jogo de cartas. Era um bom carteador, mas nunca perdia o que não poderia perder em uma rodada de jogos de baralho. Se entrava em um saloon sabia exatamente o quanto poderia gastar bebendo e jogando. Nem um centavo de dólar a mais era gasto nessas ocasiões.

Seus únicos gastos mais extravagantes eram usados em armas e cavalos. Ringo tinha um conhecimento de expert no que dizia respeito a armas de fogo. Sabia o calibre de todas, seu funcionamento e as novidades no mercado. Quando descobria que suas armas estavam ficando obsoletas ia até a capital do estado para comprar os mais novos modelos. Não era sábio estar com pistolas e rifles velhos. Afinal seu ofício era matar. Armas nada mais eram que instrumentos de seu trabalho. Também era zeloso no que dizia respeito a cavalos. Ele jamais se afeiçoara a um animal desses. Eram apenas meios de transporte, não seus animais de estimação. Por isso Ringo fazia questão de ter apenas cavalos jovens, fortes e robustos, que aguentassem situações extremas, como atravessar o deserto do Arizona. Um matador que sabia exatamente do que precisava ou não para viver. Esse era Ringo naquela fase de sua vida de pistoleiro.

Cap. V - O Deserto
Um pingo de sangue caiu nas areias escaldantes do deserto. Era dos lábios de Francis McCarthy. O sol era tão forte que havia rachado sua boca. Efeitos de uma insolação, claro. Calor, fome, sede. Só bravos conseguiam fazer aquele tipo de travessia. Era infernal, literalmente falando. Ele estava chegando em Silver Rock City. Segundo informações era ali que encontraria Ringo, o matador de seu pai. Sua vingança estava em curso. Por isso nem se importou pelo fato de que seu cantil também estava seco. Para quem estava no meio de um deserto daqueles era algo para se desesperar, ainda mais com o cavalo exausto, nas últimas. Porém ele logo avistou do alto da montanha as telhas das casas da cidade. Era ali que ele teria chance de sua vingança.

Claro que Francis não poderia simplesmente chegar ali, perguntar por Ringo e puxar seu colt. Não seria sensato. Ainda mais em se tratando de um matador profissional. Ele tinha que ser sagaz. Por isso pensou em um nome falso. Assim que entrasse na cidade as pessoas de lá iriam perguntar seu nome. Ele então pensou em usar o nome de Mike. Mike O´Hara. Afinal ele tinha um pouco de sangue irlandês. Iria colar, Aquele caipiras iriam acreditar.

Assim que entrou na cidade foi direto para o saloon.  Como todo bar de pulgas do velho oeste ali se concentrava todos os tipos de pessoas, desde trabalhadores locais, mineiros em busca do ouro e assassinos profissionais como Ringo. Assim ele entrou no saloon, tirou um pouco de poeira de sua camisa e calças e pediu um whisky. A bebida era a pior possível. Um whisky vagabundo de milho, quente como o inferno. Teor alcoólico absurdo. Ele não iria reclamar porém. Aqueles caras durões que ali estavam, bebiam exatamente isso. Uma palavra mal colocada ali naquele ambiente e todos irian entender que ele vinha do leste. Que era um almofadinha de Nova Iorque ou algo pior. Que não era um cowboy do oeste autêntico. A barba por fazer ajudava na caracterização de alguém que vinha do deserto e que lá vivia.

Ele olhou ao redor e teve uma ideia dos tipos que circulavam por ali. Todos sujos, com péssima aparência, barba de semanas, alguns fedendo. Provavelmente nunca tinham tomado um banho na vida. Fediam a cavalos suados. "Malditos guarniceiros" - pensou Feancis consigo mesmo. 

Ringo estava em uma mesa a poucos metros. Ele estava jogando cartas com um grupo de sujeitos mal encarados. Como Francis iria chegar até ele? Foi então que uma ideia passou pela sua cabeça. Ele estava com uma bela Winchester, rifle de precisão, último modelo. Coisa fina comprada em Nova Iorque. Bom, aquele poderia ser um começo. Ele então virou-se ao balconista e disse:

- Eu tenho uma arma para vender aqui. É um rifle Winchester. Veja, muito nova. Sem arranhões e nem sinais de uso.. Quero vender por 400 dólares.

- Eu não acredito que você vai conseguir vender isso por aqui. A maioria dessas pessoas não teria esse dinheiro...apenas Ringo poderia fazer uma oferta.

- E quem é Ringo? - Francis disfarçado de Mike sabia muito bem quem era Ringo, mas não iria entregar o jogo. Pelo contrário, ele iria jogar, até surgir a oportunidade de enfiar uma bala na cabeça do assassino de seu pai.

- Aquele cara de casaco cinza e calças pretas é o Ringo! - apontou o barman - Ei Ringo, venha aqui por um minuto...

Ringo olhou com as abas do chapéu abaixadas. O palito de dentes que estava na sua boca deslizou. lentamente, de um lado para o outro. Ele fitou e viu Francis. Não parecia alguém de todo desconhecido. Calmamente alisou o gatilho de seu revólver. Seria alguém atrás de mais um sangrento acerto de contas? Só o tempo iria dizer...

Ringo não havia nascido ontem. Ele sabia que sempre que um desconhecido o procurava, mesmo que parecesse o contrário, ele jamais iria baixar a guarda. Aquele sujeito que estava querendo vender um rifle parecia engomadinho demais para ser um mero vendedor de armas. Ele sabia que algo estava mal contado. Ele sabia que muito provavelmente aquele forasteiro era alguém que vinha em busca de vingança. Sempre haveria uma pessoa em busca de vingança para acertar contas com Ringo. Quantos homens ele já não tinha matado? Esses homens tinham parentes e amigos que mais cedo ou mais tarde iriam cobrar a conta.

Só que Ringo também era ardiloso. Ele não iria deixar passar esse pensamento para o forasteiro. Ele iria fingir que estava tudo certo. Era um teatro marcado e ele iria participar dele como um dos atores. Ele já sabia o final dessa peça. Geralmente acabava com o cano fumegante de uma arma, ou melhor dizendo, de duas. Só que a outra (que ele esprava não ser o seu Colt) estaria nas mãos de um cadáver frio deitado no chão, com a boca cheia de poeira do deserto.

Ringo então mandou o estranho se aproximar. Ele lhe deu o rifle Winchester e ele inspecionou a arma. Aquela era uma boa arma de fogo. Ele tinha interesse. A depender do preço ela seria sua.

- Então forasteiro... o que você quer? - Disse Ringo sem expressar emoções.

- Olá, meu nome é...

- Eu não quero saber seu nome! Eu quero saber seu preço - foi logo cortando o papa furado. Pistoleiros como Ringo não querem perder tempo com falsas cortesias de trato social.

- 400 dólares.. esse é preço.

- Eu acredito que o preço vai dificultar a venda dessa arma nessas pradarias. Não digo que a arma não valha isso. Ela está em ótimas condições, mas... essa é uma terra rude, de homens brutos. Mineradores, bandoleiros, vagabundos e pistoleiros. Não acredito que você vai vender - Ringo terminou a frase tomando mais um gole daquele whisky pegando fogo pelo clima árido do deserto...

- Bom, faça sua oferta - desafiou o forasteiro sem nome para Ringo.

- Eu posso dar 240 dólares por ela...

- É muito pouco...

- 260... minha última cartada - disse Ringo.

- Olha, é um pouco baixo, mas estou precisando mesmo de dinheiro, então...

Nem houve tempo para terminar a frase. Ringo jogou os 260 dólares sobre a mesa, sem falar mais nada. Ele apenas olhou para o Winchester, se levantou e se dirigiu para a porta. Havia sido uma pechincha. Aquele rifle certamente iria lhe ajudar nos próximos "serviços". Ele já estava mesmo de partida para a próxima cidade onde mandaria mais um alvo para o fundo de uma cova rasa e quente.

Ele montou em seu cavalo e sem olhar para trás começou a cavalgada para fora da cidade. O forasteiro foi para a porta do saloon e ficou observando enquanto seu perfil contra o sol foi desaparecendo no horizonte. Esse foi um primeiro contato, a primeira vez que ele encontrava Ringo. Na próxima vez ele estaria pronto para algo mais sério...

Cap. VI - O Acerto de Contas
Chacais do deserto são animais perigosos. Ele rondam sua presa por horas, algumas vezes por dias, para depois dar o ataque final. Ringo cavalgando pelo deserto logo percebeu que estava sendo seguido por um chacal. Não o animal, que ele às vezes matava nessas jornadas, mas sim pelo forasteiro que havia lhe vendido o rifle Winchester. Agora não havia mais dúvidas. Aquele sujeito estava lhe perseguindo. Ringo percebeu, pelo canto do olho, sem demonstrar que o tinha visto, que o tal chacal de duas pernas não era lá muito experiente nesse tipo de perseguição. Ele ficava perto demais da sua presa. Tão perto que acabava sendo descoberto.

Ringo parou e desceu de seu cavalo. Já era cinco da tarde. Ele fingiu que iria começar a procurar galhos e gravetos para fazer uma fogueira. Era uma encenação. Ringo na verdade estava providenciando uma armadilha. Ele iria dar a entender a seu perseguidor do deserto que ele estava calmamente descansando. Iria até mesmo fingir estar dormindo. Quando seu algoz surgisse, seria o seu fim.

E assim foi. Anoiteceu e Ringo comeu um pouco e ficou ali ao lado da fogueira, completamente sozinho. Suas armas estavam todas à mão, engatilhadas, mas parecia que Ringo estava despreocupado, aproveitando sua caça. Então ele ouviu um pequeno ruído. Era nitidamente alguém se aproximando. Ringo havia arrumado um lugar para pular, um ponto cego no meio da escuridão, assim que o forasteiro se aproximasse. Quando ele viu que o sujeito estava próximo demais, ele pegou seu copo de café e foi se afastando lentamente da luz do fogo. E então, como havia planejado, desapareceu na escuridão.

Quando o sujeito chegou na fogueira, com a arma em punho, não encontrou mais Ringo. Ele estava atrás dele, já com o rifle apontado para sua cabeça. Assassinos profissionais sabem destrinchar situações perigosas como essa. Então o forasteiro sentiu o cano do rifle Winchester de Ringo contra sua cabeça.

- Levante as mãos após jogar seu revólver no chão... - Ordenou Ringo, já com o controle da situação.

- Calma, eu...

- Agora! Jogue a arma no chão, caso contrário vou estourar seus miolos nos próximos segundos...

Não havia como reagir. Ele estava completamente rendido. Então jogou a arma fora. Que situação! Desarmado e à mercê de um matador. Francis McCarthy jamais poderia imaginar que seus planos fossem dar dão errado. O velho oeste tinha suas próprias artimanhas, que ele seguramente não conhecia. Ringo pegou a arma de Francis. Depois mandou ele se virar de costas.

- Espere, não me mate! Está havendo um erro... - Nitidamente ficou com medo de levar um tiro pelas costas.

- Cale-se! Só fale quando eu perguntar algo. Sua vida agora está em minhas mãos. - Bom, se havia uma verdade, era essa. Realmente Ringo poderia acabar com a vida dele quando bem entendesse. Porém Ringo também era um profissional frio em busca de respostas. E ele as teria ali, pelo bem ou pelo mal.

 - Ok, comece a falar! Quem é você? De onde me conhece?

- Eu nunca ouvi falar de você...

Ringo não hesitou e deu um tiro certeiro no joelho do forasteiro. Um grito foi ouvido ao longe. Ele caiu ao chão.

- Ok, seu idiota. O próximo tiro pode pegar uma artéria! E você morrerá, com absoluta certeza.

- Eu já lhe disse, eu não te conheço - o sangue misturado ao suor lhe deu uma palpitação no coração que Francis jamais poderia imaginar... ele sentia que seu fim estava próximo.

- Não, tudo bem... - Ele levantou a mão ao perceber que Ringo engatilhava seu Colt.

- Eu sou filho de um homem que você matou...

- Quem era esse homem?

- Um político de... - Ele não precisou terminar a frase, Ringo sabia de quem se tratava...

- Olha, eu faço meu serviço. Nada pessoal. Você deveria procurar o cliente que me contratou. Eu sou apenas a mão que puxa o gatilho. O verdadeiro assassino de seu pai é outra pessoa... - Assim, de forma bem estranha, Ringo via seu "ofício" de matar.

- Seu desgraçado... você matou meu pai... desgraça...

Não houve tempo para terminar a frase. Ringo acertou um tiro certeiro na cabeça de Francis. Ele caiu pesadamente na areia do deserto e deu seu últimos suspiro... estava morto!

Ringo olhou a cena. Colocou seu revólver de volta ao seu cinturão. Aquele tipo de coisa não o agradava. Era um efeito colateral de ser um matador profissional. Algumas vezes pessoas surgiam para uma vingança. Ringo não se abalava, estava preparado sempre para esse tipo de situação. Ele parou por alguns segundos diante do cadáver de Francis, pegou um pouco de areia e jogou por cima de seu rosto, tal como se fosse uma espécie de funeral improvisado no meio do deserto.

O corpo de Francis ficaria ali para sempre. Em pouco tempo começaria a servir de alimento para os animais da região, para os abutres. Seria encontrado algum dia? Naquele meio do nada, dificilmente. Seria dado como desaparecido. Jamais seria encontrado. O deserto seria seu lar de repouso eterno.

Pablo Aluísio.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Morte em Andrômeda

Cap. 1 - A Viagem Sem Fim
O universo não é um lugar agradável para se estar. Na verdade é um ambiente hostil para a vida humana. Estamos em 3973. O ser humano finalmente conseguiu romper as barreiras que o deixavam preso na Via Láctea, a galáxia que é nosso lar. Agora uma nave denominada Station Eagle 183 finalmente conseguiu entrar em nossa galáxia vizinha, a espetacular Andrômeda! Foi uma viagem cósmica construída sobre muito sofrimento. Várias missões fracassaram. Centenas de astronautas morreram. Apenas a cosmologia e a física avançada conseguiram romper as barreiras do tempo e espaço.

A Station Eagle 183 é uma dádiva da tecnologia humana. Uma nave com 240 metros de comprimento e 90 metros de largura. Nela viaja apenas 5 tripulantes. O capitão Andrew Sizemore é o comandante da missão. Piloto de carreira. A primeira tenente Monroe é sua imediata. Some-se a isso o engenheiro Rick Sladd e a médica Lorelay Smith. O cientista Robert Calister é o encarregado científico da expedição. Poucas pessoas, alguns mais observadores poderiam dizer. Na verdade eles estão amparados por milhares de pessoas na Terra. São apenas seres humanos avançados que executam a missão em nome e supervisionada por milhares na base.

Uma viagem como essa é extremamente cansativa e coloca o ser humano no limite. Há perda de massa muscular, capacidade motora e desgaste psicológico extremo. Experimente ficar confinado dentro de uma nave, por mais espaçosa que ela seja, por dez anos. É enlouquecedor! Apenas os mais fortes suportariam algo assim. É realmente se doar por uma causa, dar uma vida para realizar algo que ficará pela história. Só que naquele momento, depois de tantos anos, só existia mesmo a exaustão psicológica da viagem. Todos os tripulantes estavam no limite. Alguns deles transformaram as marcas psicológicas em marcas físicas. O capitão, outrora um homem alto e forte, havia ganho muito peso e estava com os cabelos completamente brancos. Síndrome de Maria Antonieta. Ele passou por tantas pressões, por tantos momentos ruins e de frustração, que agora era apenas uma sombra do homem que um dia fora.

Robert Calister já era um homem velho quando a missão começou. Agora sofria de fortes dores na coluna. Ele era um sujeito sagaz e astuto, mas as dores físicas o tinham colocado à nocaute. Na verdade o que aconteceu foi que um gatilho psicológico foi acionado depois de alguns anos de viagem. O que havia começado com ares de heroísmo e frenesi na mídia, logo caiu no desinteresse popular. A missão seguia seus passos, mas o público na Terra não se interessava mais pelos resultados. Eles agora eram ignorados pela grande mídia na Terra. Dizia-se que tinham entrado em uma missão sem fim. Muitos inclusive nem acreditavam que estavam mesmo no espaço. A desinformação corria solto. E com tanta coisa negativa a tripulação acabou perdendo o entusiasmo, o vigor jovial. Estavam todos pra baixo, corroídos por viverem tanto tempo dentro de uma nave. O ser humano definitivamente não nasceu para esse tipo de situação. 

A missão tinha como objetivo principal explorar alguns planetas situados em zonas habitáveis de suas estrelas. Claro que uma galáxia como aquela tinha milhares de estrelas, sendo que algumas delas apresentavam planetas. Poderia haver vida neles? E se houvesse vida, como ela seria? Baseada em Carbono como em nosso planeta? Na Terra a base havia traçado um protocolo a se seguir, onde a expedição teria que orbitar pelo menos 5 exoplanetas bem promissores. A tripulação naquela altura já havia estudado tudo sobre eles, então agora era apenas uma questão de chegar em seu destino inicial. O que poderia haver de tão espetacular a se descobrir naquela região remota do universo? 

Cap. 2 - O Planeta de Prata
Relatório espacial Sxh - Ps0148934-HD 6114. O texto a seguir é verídico, com testemunhas assinadas por toda a tripulação da nave Eagle. O comandante da nave desceu até o planeta HD 6114-b, situado no sistema planetário que circula a estrela HD 6114, da galáxia de Andrômeda. Tal planeta recebeu vulgarmente o nome de Planeta de Prata por causa da grande incidência desse metal em sua base territorial.

Visualmente temos uma belo planeta visto de sua órbita, com uma coloração realmente linda ao depararmos com a luz de sua estrela incidente. Não há sinal de vida ou água liquida no planeta, apesar de sua temperatura ser considerada amena (algo em torno de 25 graus Celsius). O planeta apresenta cor cinza, muito em decorrência de suas enormes jazidas de prata. O comandante desceu ao solo sozinho, reforçado com pouca segurança pessoal a não ser uma pequena arma de laser.

Não tirou seu capacete por questões de segurança. Há alta concentração de elementos químicos pesados em sua atmosfera, portante apesar de ser um planeta em zona habitável não parece haver possibilidade de vida tal como a conhecemos. Há mares e lagos de prata derretidos, o que não deixa de ser algo incomum que vai até mesmo contra as leis da física que rege o universo. Como isso seria possível? Pergunta que segue sem respostas.

O comandante esteve à beira de um desses lagos prateados. E logo a seguir transcreveremos suas falas transmitidas por rádio até nosso espaçonave: "Trata-se de algo que nunca tinha visto. A Prata se encontra em estado semi líquido. Não é líquido que se coloque nas mãos e que venha a escorrer entre os dedos. Está mais para algo pastoso, como se fosse um creme com muita densidade. Visualmente é algo excepcionalmente belo, a visão mais bela que já vi em toda a minha vida!"

E segue a transcrição: "Estou aqui parado olhando toda essa imensidão de prata semi derretida. O chão na beira do lago é firme, sem sinais de vida marinha... Nenhuma concha ou algo semelhante... Algum ser vivo poderia viver em um lago de prata como esse? Penso ser impossível... mas espere... estou reconhecendo ondas, como se algo nadasse embaixo desse lago de prata... Meu Deus!..."

Depois de mais ou menos três minutos em silêncio o comandante finalmente respondeu: "Eu não estou louco... eu não estou louco... mas vou reportar o que estou vendo senhores... É uma criatura que poderia dizer ser uma figura feminina, com longos cabelos platinados e seios firmes.. só que ao invés de pernas temos longas nadadeiras.. Eu sei que vou passar como um homem louco, mas vou dizer mesmo assim... São sereias nesse lago de Prata! Meu Deus... Meus Deus... O que posso fazer? Vou imediatamente para a nave..."

Depois dessa transmissão as comunicações foram cortadas, nenhum sinal de rádio do comandante. Sensores indicam que ele foi atacado de forma violenta a 10 metros da nave. Criaturas que parecem saídas do lago de prata, rastejando rapidamente em sua direção, em terra firme. Não houve tempo de entrar na nave. O comandante foi atacado. As tais sereias de prata o atacaram com garras poderosas. Suas mãos foram tomadas de grandes garras.. Sua roupa de astronauta foi rasgada... E sua carne foi devorada enquanto as sereias voltavam para o lago de prata. Confirmamos vida extraterrestre hostil no planeta de Prata - Repetindo, confirmamos vida hostil e desconhecida no planeta HD 6114-b, vulgo Planeta de Prata. Esperamos por novas ordens. Câmbio desligo!". 

Cap. 3 - Fúria
A tenente Judy Monroe ficou furiosa com a morte do comandante da nave. Não apenas por ter sido trágico e colocado ela no comando da missão, mas também porque ela queria matá-lo com requintes de crueldade. Durante alguns anos da viagem o comandante a assediou sexualmente. E isso a enfurecia. A rebaixava como mulher e como profissional. Ela queria ter sua chance de vingança contra aquele bastardo, machista e escroto. Em seu diário pessoal de viagem ele gravou o seguinte desabafo:

"Maldito miserável! Que mil maldições o levem direto para as profundezas do inferno! Desgraçado maldito, cão maldito! Eu queria te matar maldito, esse direito era meu. Queria enfiar uma faca na sua barriga, ver o sangue escorrendo por sua boca imunda, queria derramar ácido dentro de seu cérebro aberto! Maldito! Maldito! Que mil maldições recaíam sobre você e todos os malditos que formam sua família. Que apodreça para sempre nos confins do inferno, que beije o piso das fossas infernais! Uma pena que jamais terei a oportunidade de cuspir em sua cova pois nem cova você terá no espaço. Eu vou te jogar no espaço junto com o lixo da nave... ah se vou!".

Só que esse prazer sórdido a tenente não teria. Não havia corpo para ser jogado no espaço. O comandante foi trucidado por organismos daquele planeta de prata. Claro que não eram sereias como ele havia comunicado. Na verdade seu cérebro já não funcionava direito na hora do ataque, fruto provavelmente de algum gás alucinógeno que entrou em seu sistema de respiração. Poderia haver algum problema no capacete. Como não havia como conferir tudo, pois o comandante havia sido arrastado pelas criaturas daquele estranho planeta tudo havia sido deixado de lado. O relatório de certa maneira ficaria inconclusivo.

So que navegar era preciso, viver não era preciso. Pelo menos em relação àquela nave espacial viajando pela galáxia de Andrômeda. A tenente, agora comandante da Eagle, abortou qualquer outra descida naquele planeta. A nave havia ficado com apenas 4 tripulantes agora. Situação complicada. Por controle remoto ela trouxe de volta a espaçonave pequena que havia levado o comandante até aquele planeta. Assim que ela foi acoplada a Eagle saiu de sua órbita. O destino agora seria o planeta mais escuro do universo. Apesar de não haver luz de sua estrela em sua atmosfera, ele ainda estava em zona habitável de seu sistema estelar. Era um dos destinos da expedição desde o começo.

E o planeta de prata? A tenente Judy Monroe ao lado de seu oficial de ciências concluiu que aquele planeta apresentava vida. Sua natureza era desconhecida. Eram criaturas que agiam como predadores e que habitavam as águas de prata derretida de seus mares e oceanos. Não eram sereias como o comandante havia descrito. Na verdade a atmosfera corrosiva do planeta continha algum gás desconhecido que causava alucinações nos seres humanos. O traje especial não protegia contra esse gás. Por isso o comandante morreu pensando estar sendo levado por sereias. Havia seres ali, mas definitivamente não eram sereias. Eram criaturas que podiam atacar, matar e comer um ser humano.

Qualquer outra expedição que fosse enviada para aquele planeta teria que descer em seu solo fortemente armados. E isso era tudo o que havia para reportar. Sem o corpo do comandante não havia como tirar maiores conclusões. Deixando o planeta de prata para trás a Eagle seguiria em frente em sua missão espacial programada para durar cinco anos em Andrômeda, a nossa galáxia vizinha.

Cap. 4 - A obra-prima do universo
Morrer no espaço é bom. Imagine o cosmos com toda a sua imensidão absurda e saber que nada nesse vazio imenso vive. O que pode ser considerado vida? Não há vida inteligente como a que conhecemos, essa é a verdade realmente. Não existe, o que existe são seres unicelulares, ou muito simples. Que vivem em fossas de água em planetas distantes, inóspitos. Universo, o grande vazio. O que me faz pensar que realmente não deve haver uma inteligência por trás dessa criação, porque se houvesse, haveria inúmeras civilizações pelo espaço e isso simplesmente não há. O ser humano parece ser a única vida inteligente, solitária, suprema do universo, nada parece ter alguma semelhança conosco. 

E assim, as viagens espaciais a longo dos anos se transformaram em grandes e infinitas viagens vazias, nesse deserto entre estrelas. Onde nada parece prosperar, onde nada parece viver, apenas o vazio imenso de estrelas quando rodeadas por planetas isentos de vida, lugares sem objetivos. Lugares totalmente remotos. E nada condizentes com a vida humana. E assim segue o homem na busca de estrelas, em busca de um espelho, em busca de algum ser que lhe seja parecido, mas que no final da estrada nunca parece ser encontrado. 

O que será da humanidade? Das estrelas? Do Sol? Que nem é uma grande esteira em termos de cosmos, mas que é a nossa Estrela. A estrela Sol vai explodir, vai entrar em supernova. E nada vai existir além dela. O nosso planeta vai ser pulverizado por chamas. Tudo o que nós conhecemos, todos os lugares que vivemos. Todas as regiões do Globo vão desaparecer em questão de segundos. A humanidade está fadada a ser destruída, a não ser que fuja para as estrelas, e isso vai ser algo bem complicado de se realizar, porque as distancias do espaço são abissais ao ser humano. O homem é um ser ridículo perto do universo. Um grãozinho de Areia numa praia distante, selvagem, em termos cósmicos, alguma coisa infinitamente medíocre. A não ser o fato de que ele pensa. Tem consciência de si mesmo, algo que os nem os mais enormes planetas e estrelas do universo possuem. Uma vez que são meros astros inertes e sem vida. A esterilidade parece ser a regra nesse universo sem fim. E o ser humano tem vida. Somos a obra-prima do universo.

Pablo Aluísio.

Kepler-452b

Cap. I - A Mensagem
Ao acessar aquele arquivo o astronauta teve acesso a um logo e confuso monólogo, de alguém que não mais respirava e existia. Era um registro até mesmo insano, onde as ideias iam atropelando os pensamentos. O áudio que seguia era também meio assustador. Nele se podia ouvir: "O meu nome é John. Nome comum, nada especial. Apenas um nome. Atualmente trabalho numa empresa de transportes inter espacial. Minha formação foi de engenharia mecânica, mas não encontrei emprego na minha especialização. O jeito então foi me virar. Acabei aceitando entrar na empresa que primeiro aceitou me ofereceu um serviço. Em 2873 ter um emprego é um verdadeiro milagre. O planeta Terra virou uma lata de lixo. Superpopulação e muitos problemas. Grande parte dos jovens se dedicam a atividades criminosas. Virou profissão. Os juízes são comprados e os governos socialistas que dominam o globo apenas criaram uma elite burocrática formada por propineiros e corruptos. Quem tem dinheiro domina esse pobre e infeliz planeta.

Já a elite financeira do capital parasitário foi embora, para as estrelas. Os avanços da ciência foram amplos, principalmente no século anterior. As enormes distâncias espaciais foram vencidas. Hoje em dia uma viagem rumo a um exoplaneta habitável é corriqueiro, habitual. Desde é claro que você tenha dinheiro suficiente para comprar uma passagem ou então ser uma mulher bonita. Mulheres bonitas ainda são valorizadas, principalmente se você vai embarcar numa viagem que dura dois anos terrestres. Claro, todas elas são submetidas a um regime servil, com base em prostituição. São garotas sexuais, nada mais. A maioria é bem simplória mesmo, burras. A educação virou item para apenas famílias milionárias. A única chance de uma garota pobre cair fora da Terra seria mesmo por sua beleza e ardor sexual, nada mais.

Kepler-452b é o destino final da minha viagem. Estou há onze meses no espaço. Viajo sozinho, levando equipamentos de manutenção para uma das bases coloniais no planeta. Esse foi um dos primeiros a serem descobertos pela ciência, lá pelo distante e primitivo século XXI. Hoje sabe-se que é um planeta rochoso, até adaptável para a vida do ser humano. A atmosfera é rala, mas renovável e o mundo tem uma primitiva vegetação, que garante um suporte de vida para seres inferiores. Não há vida inteligente, só os humanos, se bem que não diria bem que nossa espécie é o suprassumo de inteligência e coerência nesse vasto universo.

Pessoalmente nunca quis ir embora para Kepler. Não é o melhor dos mundos, é apenas um dos possíveis atualmente. Há muitas tempestades de areia e a radiação torna certas regiões inabitáveis... não é um resort de luxo. Talvez daqui mil anos se torne um lugar melhor, até que a raça humana jogue tudo no lixo novamente com guerras, ideologias de ódio e genocídios. Além disso o clima em Kepler é ruim, tem muitas variações de temperatura a cada dia. O sol de lá, chamado pelos cientistas de Kepler 452 (claro, seu idiota!) pode transformar os planaltos quentes como o inferno, mas tudo também pode mudar, gelando ao extremo polar em apenas algumas horas. Inferno, inverno, verão...Pensando bem, que lugarzinho miserável esse...

A vida é uma porcaria. Tenho consciência disso. Navegar pelo espaço sozinho, tendo apenas os corredores mal iluminados para compartilhar sua solidão, aumentam essa sensação. Muitas vezes você se pega pensando, pensando... fazendo um balanço nada louvável de suas conquistas e suas derrotas. Não é um exercício de prazer, muito pelo contrário. Quem suportaria? Para matar o tédio escrevo essas palavras ao vento...

A nave que estou não é grande coisa. Claro, é uma boa máquina espacial, robusta e forte, ideal para o trabalho pesado, mas fora isso nada demais. Eu tenho quatro ambientes para viver. A sala de controle, com uma mesa e uma pilha de maquinários para decifrar. Um pequeno quarto com cama que mais parece um submarino, uma nave auxiliar para situações de emergência, do tipo a nave vai explodir e você tem que ir embora para salvar sua vida e uma pequena “academia” para se exercitar. Ficar muitos meses no espaço, sem exercício físico, pode atrofiar seus músculos. Isso é muito ruim, pode ter certeza.

Na maior parte do tempo eu tenho que usar uma roupa especial para evitar que certos tipos de radiações que ultrapassam o titânio da nave me atinjam de alguma forma. Uma prevenção, só isso. É uma roupa que me aperta na virilha e me deixa desconfortável. Os testículos sofrem um bocado. Então eu vou checando os controles diariamente em rondas que são feitas de 3 em 3 horas. No resto do tempo eu leio, reflito sobre minha vida, espero o tempo passar. Vejo um pouco de internet e espero, espero, espero. No fundo ser um astronauta operário é um exercício de paciência, de esperar, esperar... e torcer para que nada dê errado. Por exemplo, um incêndio, por menor que fosse, me mataria em apenas poucas horas. Ele consumiria o oxigênio, me mataria sufocado. Uma morte terrível.

Mas, não vamos falar de morte. Isso é bem perigoso. Ultimamente eu tenho sentido um certo desconforto, um certo receio. É uma espécie de tontura leve que não vai embora. Se eu me levantar de uma cadeira com velocidade é bem capaz que eu perca meu equilíbrio. Talvez isso seja causado pela minha mania de coçar os ouvidos. Isso atinge o ouvido interno, levando a uma labirintite não diagnosticada. É uma sensação ruim. Certa vez quase caio e tive que ficar sentado, pensando em outra coisa para não me prejudicar. A mente é poderosa. Se você pensar em algo ruim é bem provável que isso aconteça mesmo. Penso que a mente tem poder de criar bem ou mal estar. Pensou, sentiu... Filosofia barata...

A solidão é boa algumas vezes. Não subestime o poder do silêncio. Eu tive um pai que havia sido criado por um homem obviamente limítrofe. Ele colocava todos os filhos em estado de alta tensão. Isso criou uma ansiedade que aniquilou essas pessoas na vida adulta. Ficaram todos ansiosos e neuróticos. Não conseguiam viver em silencio e nem conseguiam dormir bem à noite. Uma vida infernal. E eles criaram uma imagem altamente positiva do maldito que os criou. Deve ter sido algum tipo de proteção psicológica. É um tipo de auto elogio. Eu elogio meu pai, mesmo que ele fosse um desgraçado, só para indiretamente me auto elogiar. Olha como sou de uma família nobre, digna! Bobagem, você é só mais um nesse vasto, vazio e frio universo.

Olhando pela janela da nave aliás faço também esse exercício do divino. Se Deus existe porque ele fez um universo tão amplo, tão vazio e tão hostil? Milênios depois que a humanidade tomou consciência de sua própria existência miserável, ainda nos perguntamos porque somos os únicos seres inteligentes do cosmos! Por que Deus desperdiçou tantos planetas, tantas estrelas, em vão. Qual é a finalidade de uma estrela como VY Cma, se ela no fundo não serve para nada? É um mega-astro que não tem vida por perto, não gera calor e nem energia para nenhum ser vivo. Existe por existir! Pensando-se na mente de Deus fico mesmo na dúvida – por que Deus teria feito um colosso como aquele para absolutamente nada! Seria um exercício de egocentrismo em nível cósmico? Não sei, não sei, sou apenas uma poeira nesse vasto vazio. Nem sei porque existo, qual é a minha finalidade nesse meio. Minha nave seria engolida facilmente por esse monstro. Tudo iria virar átomo em segundos. Eu não sou nada diante daquilo. Pelo menos tenho a capacidade de pensar sobre isso.

Hoje até estou bem inspirado para divagações. Mas voltemos para minha viagem. Cá estou eu, no meio de um monte de equipamentos. Na colônia eles vão servir para tornar a vida por lá mais suportável. Não que seja uma colônia de férias. Kepler 452-b tem um cheiro de ovo podre. Pelo menos foi o que me disse a Silvia. Bela fêmea. Como solteirão não penso em me casar. Não quero, como dizia Machado de Assis, deixar para meus filhos a herança da miserável vida do ser, mas com uma loirinha como aquela, olha, colocaria toda a filosofia de bolso... no meu bolso. Gatinha suprema, olhos azuis, magrinha, rostinho de anjo. Pena que também nasceu com dedo podre para parceiros. Namorou e casou com um sujeito sem futuro, um matuto de interior. Vai passar o resto da vida trabalhando para sustentar os filhos e a ele próprio, claro. Alguns homens são perdedores por natureza, embora consigam casar com mulheres interessantes, não me perguntem como!

A Silvia ficou para trás. Ficou na Terra. Ainda penso nela muito de vez em quando. Não fui apaixonado, apenas tinha uma certa atração sexual por ela. Queria levar para a cama. Como era uma mulher com temperamento muito forte penso que um relacionamento a longo prazo teria sido cansativo. Além disso ela tinha uma certa pose de superioridade sobre mim, simplesmente por ser mais rica. Era filha de médica numa vila interiorana. Nesses lugares esse tipo de gente é idolatrada pelo povo. No meio de uma caldeira de fogo – como era essa cidade – ser um médico era quase como ser um Deus.

A Silvia tinha dedos alongados. Adoro dedos alongados. Traz para as mulheres uma certa personalidade. Mulheres fortes. Seu único defeito físico eram as pernas, que nos chamados tornozelos eram largos demais. Dedos alongados conseguiriam sobrepujar tornozelos de elefante? Daí uma boa discussão filosófica-existencial-sexual-petulante! Valha-me Deus, estou delirando nesse tédio do espaço. Ok, é uma forma de passar o tempo. Nossa mente pensa em coisas importantes, mas apenas um por cento do tempo. Nos outros 99 por cento é bobagem. Por isso a humanidade é uma trajetória de atos absurdos, decisões estúpidas e... tenho que parar meus pensamentos. Estou recebendo uma nova mensagem no computador da nave... O que seria?

Foi então que eu percebi que eu não conseguia pegar o equipamento. Minha mão ultrapassava a matéria! Meu Deus... o que aconteceu? Desesperado pulei da cadeira, mas essa não se mexeu! Nada parecia lógico. Nada fazia muito sentido, eu não conseguia sentir meu corpo... minhas mãos, nada! Apenas tinha a consciência de mim mesmo. Foi quando então olhei para trás e vi... era o meu corpo deitado na câmara de pressão. Foi então que entendi. Não era apenas uma experiência fora do corpo. Era algo mais. Eu não fazia mais parte desse mundo material, eu não estava no lugar certo... eu estava... morto!"

Cap. II - O Resgate
A nave Copernico VI captou os primeiros sinais de uma nave de transporte que parecia sem direção no espaço. Imediatamente o comandante David Hanley determinou que a Tenente Collette Wolfe fosse até lá para verificar o que tinha acontecido. Ao lado de dois outros tripulantes eles conseguiram ter acesso ao deck principal da espaçonave à deriva. Não parecia haver sinais de vida. Ao entrarem no posto de comando encontraram o corpo de um astronauta sem vida. O rádio transmissor estava ligado, mas não sintonizado em nenhuma estação de comunicação. Pelo estado do cadáver ele estava morto há pelos menos três semanas.

Depois de alguns contatos descobriu-se que o morto era o astronauta John White. Tudo o que ele falou poucos minutos antes de sua morte foram registrados pelo computador de bordo. Era um monólogo confuso, misturando pensamentos sobre o mundo e até mesmo suas preferências sexuais. Algo fora do razoável, fora do comum. Depois de alguns exames saiu igualmente o resultado de sua causa mortis. O sistema vital de sua nave falhou, espalhando monóxido de carbono pelo seu interior. Isso poderia explicar os registros confusos, mal elaborados, atropelados. Sinais de insanidade.

O Capitão David Hanley então recebeu um relatório completo sobre o ocorrido. Agora ele teria que tomar basicamente duas decisões: o que fazer com o corpo do astronauta morto e o que fazer com sua nave que fora resgatada. A nave pertencia à companhia de transporte até Kepler-452b; Por isso seria rebocada. Já o corpo de White seria enviado para o espaço dentro de uma cápsula. O universo seria o seu túmulo final. Para Hanley não havia sentido em manter aquele cadáver. Era algo fora de propósito. Ele seria levado ao espaço, tal como os antigos marinheiros das grandes navegações que eram jogados ao mar.

No resto eles deveriam seguir rumo à estrela Kepler-452. A expedição da Copernico VI tinha finalidade militar, mas também científica. O Dr. Angus Smith estava curioso sobre recentes mudanças na estrela em questão. Sentado ao lado do comandante ele analisava as possíveis implicações. sobre esse anã amarela. Segundo o cientista ela poderia estar no final de sua existência cósmica e isso poderia significar também o fim da colônia humana de Kepler-452b. "Malditos dados do universo" - dizia ele com clara consternação. "Mal escapamos de uma estrela com problemas e já estamos em outra situação delicada". Dr. Smith também estava intrigado com as recentes gravações da nave recentemente resgatada. "Esse homem morreu há 3 semanas, mas há registros de suas ações dentro da nave bem mais recentes. Acredite, em um deles ele fica falando que estava morto!" Assim concluiu: "Ou temos uma falha do computador de bordo em mãos ou então não saberia explicar essa contradição no espaço-tempo". Era um mistério de fato.

A Tenente Collette Wolfe e o Capitão David Hanley, comandante daquela missão, tinham um caso amoroso. A companhia espacial proibia tal conduta, mas as regras não se aplicavam bem quando você estava em uma jornada distante dentro do espaço profundo. E quem iria se impor ao comandante? Algum subordinado? Até porque a própria tripulação achava uma besteira aquela diretriz de não envolvimento amoroso. Se houvesse mais mulheres dentro da nave, todas elas seriam bem aceitas pois seriam, queiram ou não, parceiras em potencial para a ala masculina da equipe.

Isso porém não acontecia. A tenente Collette era a única mulher a bordo. Normal que se tornasse amante do capião, afinal estavam sempre juntos, principalmente em "reuniões" dentro do gabinete do chefe da expedição. Claro que era nesse momento que acontecia toda a pegação. A tenente era uma típica loira caucasiana, muito bonita, com olhos azuis e um corpo invejável. Seios volumosos e muita disposição para o sexo. Não era o tipo de mulher que iria ignorar seu lado sexual para viver em celibato por causa de tolas regras da companhia.

O curioso é que a tripulação de uma maneira em geral sabia do envolvimento do casal, mas respeitava bastante essa opção, evitando qualquer comentário melindroso e desrespeitoso em relação a eles. Seria uma quebra de hierarquia, algo não desejável naquela situação. Quem queria um motim acontecendo naquele lugar tão distante da Terra? Absolutamente ninguém. Apenas o Dr. Angus Smith, oficial de ciência da nave, se atrevia a fazer algum comentário, digamos, mais picante. Como gozava da plena amizade dos dois esses tipo de comentário era aceito sem maiores problemas. Geralmente Angus diziam coisas bem inocentes, do tipo que queria ser convidado para ser o padrinho de casamento, nada muito sério, nada ofensivo. Seria de mal gosto. Além disso ele era inegavelmente um homem da ciência. Preocupado com tudo o que acontecesse dentro da nave nessa seara.
  
Cap III - O Sepultamento
Foi o Dr. Angus que providenciou o "funeral" do astronauta John White, No começo ele pensou em preservar o corpo do morto, por causa das circunstâncias de sua morte. Depois optou por uma cremação e depois por jogar suas cinzas no espaço. Ele costumava dizer que era uma tradição dentro daquele tipo de expedição, algo que remetia aos grandes navegadores do passado, quando o corpo dos marinheiros eram jogados ao mar. Agora os que morriam em viagens espaciais eram colocados a vagar pelo vácuo do espaço pela eternidade. Eles não voltariam ao pó, mas ao cosmos, de onde todos nós viermos. Sem dúvida era algo bem poético.

Após o sepultamento espacial do astronauta John White, começaram as análises dentro da nave Copernico VI sobre sua morte. Tecidos do corpo dele foram retirados e eles corroboram as pesquisas coordenadas pelo Dr. Angus Smith. Sua causa mortis foi definida como intoxicação por excesso de CO2. Provavelmente algum erro no sistema de suporte de vida de sua nave falhou. Com isso sobrou CO2 para respirar. A falta de oxigênio também contribuiu para seus momentos de insanidade. Esse era um bom diagnóstico do que de fato teria acontecido. Foi justamente essa a conclusão que foi apontada em sua necropsia.

Fora dos autos porém havia mais. O Dr. Angus Smith também localizou uma estranha forma de vida biológica dentro dos tecidos do cosmonauta morto. E eles definitivamente não deveriam estar lá. Era uma curiosa mistura de vegetal e animal, dentro de uma mesma célula. A estranha forma de vida poderia ser classificada dentro da biologia do planeta Terra como uma espécie de fungo, mas isso seria simplificar demais uma questão mais complexa. Era nitidamente algo novo.

A primeira questão que veio era sobre a forma como aquele "fungo" microscópio teria entrado dentro do organismo do astronauta John. Como ele teria se contaminado com aquilo? Veio através da respiração? Foi um fungo que surgiu dentro da carga da nave e ele a respirou? Foi contato com algum tipo de vegetal de algum planeta desconhecido? Perguntas, perguntas, bem relevantes, mas sem respostas. Por via das dúvidas e seguindo o protocolo de quarentena o Dr. Angus decidiu isolar aquela forma de vida. Ele conseguiu extrair o micro organismo dos tecidos do falecido, para depois o colocar dentro de uma embalagem isolada do meio ambiente. Era vital isolar ele do sistema fechado em si da Copernico VI.

Depois de um tarde trancado dentro do laboratório da nave, o Dr. Angus finalmente subiu para tomar sua refeição ao lado dos demais tripulantes da Nave Copernico VI. Aquela era uma grande nave exploradora, com ênfase em transporte e resgate. Era uma das joias da frota da companhia. Porém com intenso uso de tecnologia não era necessária uma grande tripulação a bordo. De fato havia apenas seis pessoas ali.

Além do Dr. Angus, do comandante David Hanley e da tenente Collette Wolfe havia ainda três especialistas. Um era o responsável pelo setor de segurança, Justin Crowe. Ex-mariner ele era responsável pelas armas dentro da espaçonave. Qualquer problema que envolvesse força bruta também seria com ele. Ben Hawkins, apelidado de "Software", era o especialista em programas do sistema de computação da nave. Além disso mantinha todos os sistemas de comunicação em bom estado. Por fim havia Ernst Lodz "Hardware", a quem incumbia supervisionar a parte mecânica da espaçonave. Tudo o que fosse metal pesado, aço e ferro era com sua área; Juntos formavam um bom time que em breve seria testado aos limites da força humana.

A expedição da nave Copernico IV completou dez meses. Era um espaço de tempo considerável. Outras expedições já tinham registrado aumento da tensão entre os tripulantes após tantos meses no espaço. Claro, a tecnologia ajudava a dissipar grande parte dessa tensão que era essencialmente psicológica, mas o fato insofismável era que o corpo humano não havia sido projetado para esse tipo de coisa. O fato de terem encontrado um astronauta morto em uma nave de transportes na mesma rota não ajudava a melhorar os ânimos. Pelo contrário, os membros da nave passaram a ter momentos de melancolia e depressão, algo que o Dr. Angus sabia ser perfeitamente normal. Era um encontro nada sutil com a própria mortalidade. De repente todos se viam na pele do astronauta morto, vagando pelos confins do universo. Um pensamento nada reconfortante.

Cap. IV - A Loucura
Naquele dia o Dr. Angus falaria com a tripulação. Seria uma pequena palestra sobre um planeta conhecido como Osíris. Eles iriam passar por aquele sistema solar. Havia duas coisas interessante naquele exoplaneta. A primeira e mais óbvia é que ele estava sendo absorvido por sua própria estrela. Estava tão próximo dela que parte de sua crosta estava em colapso, derretendo a temperatura impensáveis para a mente humana. Isso criava uma "cauda cósmica" no planeta, fazendo com que ele tivesse uma aparência próxima de um cometa. Nessa cauda poderia haver a formação de material orgânico, uma antiga teoria científica que deveria ser comprovada pela missão. Caso traços de H2O ou carbono fossem detectados então seria possível chegar mais próximo da tese que explicaria o surgimento da vida no universo.

Só que não seria algo fácil de realizar. Dois membros da tripulação deveriam pilotar uma nave auxiliar em direção ao planeta em colapso. Eles deveriam cruzar a espessa cauda de detritos de seus restos e com instrumentos precisos coletar material para análise. Seria quase um suicídio planejado, só que para fins puramente científicos. O próprio Dr. Angus estava disposto a fazer parte disso, porém precisava de um piloto para a nave. A companhia prometia recompensar financeiramente os que se voluntariassem para essa empreitada. Aposentadoria precoce e todos os benefícios para os familiares dos astronautas envolvidos.

Ben Hawkins, o "Sofware", se voluntariou. Ele tinha experiência como piloto, além de ser uma expert nos instrumentos de computação. Foi um alívio, pois para Angus havia o medo de ninguém se apresentar como voluntário o que iria causar um problema social, uma vez que a diretriz da companhia havia determinado que caso ninguém se apresentasse a convocação seria compulsória. Escalado os dois tripulantes que iriam na nave de pesquisas, o resto dos membros da tripulação foram dispensados.

O Capitão David Hanley ficou um pouco receoso. Afinal existiam riscos e o chefe de ciência da nave poderia morrer. Eles estariam expostos a temperaturas que chegavam a mil graus celsius. Mesmo sendo uma nave especialmente construída para situações extremas o perigo estaria envolvido. Não era crível ignorar os riscos. Numa última tentativa Hanley tentou persuadir Angus, mas ele não tinha interferência em assuntos puramente científicos. Nesse campo o Dr. Angus era soberano, sem se submeter a nenhuma hierarquia. Os dados estava lançados e como dizia Einstein, Deus não jogava dados com o universo.

Mal a viagem da nave auxiliar tinha começado e problemas já surgiam no horizonte. Os controles estavam falhando. O piloto, conhecido pela tripulação como "Software" estava começando a perder a paciência. O Dr. Angus estava ao seu lado na cabine principal, mas sua função era científica e não mecânica. Ele logo percebeu que "Software" estava com algum problema. Ele, sentado em sua cadeira, suava demais. Pior do que isso. Muito vermelho, parecia que estava contendo uma fúria em seu interior. Era um sujeito que parecia que ia explodir a qualquer momento!

- Merda, merda, mil vezes merda! Malditos mecânicos da companhia! A nave não está respondendo aos meus comandos - gritou Software.

- Calma, calma... se não houver meios de conserto vamos voltar para a Copernico o mais rapidamente possível. Vamos abortar a missão... vamos...

Não houve tempo para que o Dr. Angus terminasse a sua frase...

O piloto pulou em seu pescoço com fúria insana. Ele colocou suas mãos no pescoço do cientista e parecia disposto a matá-lo ali mesmo! Ambos caíram no chão e rolaram pela cabine da nave. A situação era desesperadora.

- Tudo isso é você, seu filha da puta! Eu vou te esganar até a morte, MALDITO desgraçado! Eu vou te matar agora como a um cão! - A fúria e o ódio de Software não tinha nenhuma racionalidade. O Dr. Angus, mesmo sendo estrangulado ainda raciocinou e percebeu que seu piloto estava contaminado por algum tipo de agente externo. Teria sido o estranho mofo que havia vitimado o outro astronauta da nave que eles encontraram?

- Morra cão! Morra seu pederasta de merda! Eu vou te matar! Eu vou acabar com sua raça! - continuava a gritar Software.

Bom, numa situação delicada como aquela onde um dos homens está completamente insano, a racionalidade era uma vantagem. O Dr. Angus sabia bem disso. Mesmo no chão ele conseguiu se apartar de seu agressor. Correu para o outro lado da cabine da nave e pegou um pesado equipamento, o que nos séculos anteriores era conhecido como extintor de incêndio. Sem pensar duas vezes partiu para cima de Software com ele.

O som abafado e o sangue vermelho jorrando pelas paredes mostravam bem o que havia acontecido. A porrada tinha sido tão grande que parte do crânio de Software havia se partido ao meio. Foi um golpe violento. Seus miolos, pedaços de tecidos e sangue, flutuavam dentro da cabine... era algo pavoroso... um cenário de filmes sanguinários de terror, daqueles bem trash...Software caiu no chão como um saco de batatas acorrentado. óbvio que estava morto. Não houve um último suspiro. Ele parecia fora de si, como se algo tivesse tomado conta de seu cérebro! Era bizarro demais para descrever. Foi uma pancada certeira, coisa de quem conhecida anatomia. O Dr. Angus sabia onde atingir para acabar com seu opositor.

Ainda ofegando, respirando rapidamente, ele foi até a mesa de controle da nave e ligou para a Copernico!

- Atenção nave mãe! Abortei a missão!

- O que houve? - Quis saber o comandante.

- Fui agredido pelo piloto. Ele teve uma fúria insana quando saímos. Quase fui assassinado!

- Mas você está bem? E o Software?

- Lamento comandante. Ele está morto. Eu tive que acertá-lo na cabeça. O sujeito queria me matar. Foi legítima defesa.

- Volte imediatamente! - O capião parecia chocado com o que ouvira.

E assim a nave auxiliar deu meia volta. As pesquisas, tão importantes, teriam que ficar para outra ocasião.

Cap V - A Doença
A forma como se deu a morte de Ben Hawkins "Sofware" pegou todos da nave de surpresa. Ninguém esperava por algo assim. Ainda mais com o envolvimento do pacífico Dr. Angus Smith. Assim que houve o ataque o cientista entendeu que poderia ser um efeito da contaminação qua havia destruído mentalmente o astronauta John. Era o mesmo tipo de comportamento irracional. Então assim que se recuperou do ataque, o Dr. Angus foi até o laboratório da nave Copernico VI. Ele pegou algumas amostras do sangue de Software e levou para observações. Não deu outra! Ele estava sim contaminado pelo agente patológico do astronauta morto. E isso obviamente era uma péssima notícia.

Significava acima de tudo que o ar da nave poderia estar comprometido. Bem, se você está preso dentro de uma nave com espaço limitado, indo para o distante planeta Kepler-452b, uma jornada que iria durar meses, isso era definitivamente algo ruim. Ao receber essas notícias o Capitão David Hanley, comandante da expedição, franziu a testa. Ele poderia esperar por qualquer coisa, menos por uma contaminação viral dentro de sua espaçonave.

- O que podemos fazer então? - Indagou o comandante.

- Vamos seguir o protocolo de emergência biológica. Antes de qualquer coisa leve o corpo do Software para a cremação. Depois despeje seus restos mortais para o espaço profundo. Há uma forte taxa de contaminação desse vírus. E partindo-se do fato de que há um período de incubação envolvido... então todos precisam entrar dentro do novo programa.

- Como manter alguém em quarentena dentro de uma nave como essa?

- Penso que todos agoram precisam usar o equipamento completo, mesmo dentro da nave. Capacete, macacão, luvas, tudo. O sistema do equipamento já tem um sistema de isolamento contra agentes externos. Os tripulantes só devem usar roupas comuns dentro de suas cabines individuais. Fora disso, em ambientes de compartilhamento comum, todos devem ficar equipados. - Disse, sabendo da gravidade da situação, o Dr. Angus.

- Ok vamos reunir toda a tripulação para  a comunicação - Determinou o comandante.

Claro a nova ordem foi mal recebida. Ficar com todo aquele pesado equipamento de astronauta dentro da nave seria cansativo e estressante. Além disso se um tripulante já havia sido contaminado, os demais também tinham sido expostos ao vírus. E se não estavam doentes, provavelmente tinham imunidade. O argumento era muito bom, racional até, embora também tivesse elementos de roleta russa. Mesmo assim o Dr. Angus não quis pagar para ver. Todo mundo agora teria que andar completamente equipado e isolado do meio externo. Era talvez a única forma de salvar a vida de todos aqueles tripulantes.

Ernst Lodz "Hardware" era o negro da nave. Ele havia nascido num país muito pobre do norte da África. Porém lutou para subir na vida. Estudou muito e se tornou engenheiro mecânico. Para alguém com sua origem foi uma vitória enorme. Hardware era muito bem visto entre a tripulação. Simpático, sempre tinha um sorriso a oferecer. Também funcionava como uma espécie de "alívio cômico" quando o stress de ficar meses dentro de uma nave começava a pesar entre todos. Tinha sempre uma piada para animar.

Porém sua personalidade simpática estava mudando. Ele escondia isso de todo mundo, mas pensamentos negativos, criminosos mesmo, começaram a se tornar muito frequentes em sua mente. Ele procurava se acalmar, indagando a si mesmo o que estava acontecendo. Nesse momento ele deveria ter procurado o Dr. Angus. Um dos sintomas do novo agente biológico dentro da nave era a perda do lado racional da mente. Quando se começava a delirar, era tempo de procurar ajuda.

Nos sistemas da nave, trabalhando, uma ideia fixa começava a entupir seu pensamento. Como um mantra, sempre surgia frases do tipo "Eu tenho que estuprar a tenente", "Eu tenho que estuprar aquela vadia"... "Essa puta está me dando mole. Tenho que violentá-la com ferocidade" ou pior do que isso "Eu vou empalar essa escrota!". "Eu quero esfolar essa branca, ela vai gritar... ela vai gritar.. grite branca suja, grite vadia dos infernos". Eram pensamentos violentos, de origem criminosa. Nunca antes, jamais, Hardware havia pensado em fazer mal para a tenente, a única mulher da tripulação. Isso era absurdo! Em um dos momentos de maior loucura Hardware precisou sentar no chão, colocar as mãos em seu rosto e gritar sozinho "Meu Deus, o que está acontecendo comigo?"

Era óbvio que ele estava contaminado pelo vírus, fungo ou seja lá o que aquilo fosse. Seu amigo Software já tinha surtado completamente. Seria esse o seu caminho dali para frente? De uma maneira ou outra Hardware começava a perder a batalha para a insanidade violenta. Ele tinha grandes ereções na hora do serviço e toda aquela ladinha de estuprar a tenente voltava com força em sua mente. Ele fantasiava como isso iria se dar. Ele começava a sorrir de forma louca quando pensava no rosto de pavor e medo da tenente. Suando por todos os poros ele pegou o comunicador e ligou para ela.

- Tenente, venha aqui embaixo, preciso de uma ajuda! - Ela prontamente atendeu e disse que já estava descendo. Mal sabia a armadilha de terror e medo que estava se metendo...

Aquilo tudo foi bem trágico. Ernst Lodz "Hardware" quis estuprar a Tenente Collette Wolfe no lugar mais escuro e isolado da nave, mas recebeu o troco que merecia. A Tenente tinha uma arma de proteção pessoal que ela nunca se separava. Um estilete afiado com o melhor aço fabricado na Terra. Ao perceber que estava em perigo não esperou por muito tempo... atingiu com um golpe certeiro a garganta de Hardware. Foi morte instantânea. Ao jorrar o sangue, o mecânico viu também se esvaziar sua vida.

Cap. VI - A Explosão no Espaço
A tragédia estava consumada. O sangue molhou a roupa da Tenente e em pouco tempo ela estaria infectada. O mesmo aconteceu com o comandante David Hanley. Foi tudo tão devastador. Em questão de horas ambos estavam mortos. Apenas o Dr. Angus Smith continuava vivo, muito provavelmente por ter uma imunidade natural ao vírus. Sim, era um vírus. O próprio Angus resolveu escrever no diário de bordo sobre suas descobertas.

O texto continha muitas informações. Ele escreveu:

"Aqui escreve o Dr. Angus Smith. oficial de ciência da nave Nave Copernico VI. Há algumas semanas resgatamos uma nave à deriva no universo. Dentro encontramos o corpo do astronauta John White. Todos os demais tripulantes também morreram, mas não havia corpos dentro da nave. Esse astronauta deixou um registro muito estranho, onde delírios e devaneios se misturavam com a realidade do que havia acontecido. Fiz exames de necropsia em seu cadáver e descobri que ele havia sido infectado por um organismo de origem desconhecida. No começo pensei tratar-se de algum tipo de fungo, talvez ingerido na alimentação por acidente. Porém hoje, diante de minhas últimas pesquisas, descobri que se trata de um vírus. E é um vírus até bem conhecido da ciência. Trata-se de uma evolução viral da família do Coronavírus. Extremamente mortal, altamente evoluído. Se as versões anteriores atacavam os pulmões, levando os pacientes à morte, esse aqui ataca a região cerebral, desfigurando a área relacionada ao aspecto racional do pensamento humano. Por isso o comportamento dos infectados se torna violento, hostil, dando vazão aos sentimentos mais básicos do ser humano, como violência, sexo e ira. Não há sinais de cura para essa nova evolução e prevejo um desastre para a colônia humana em Kepler 452b. Caso uma infestação viral como essa chegasse naquela comunidade teríamos o extermínio de praticamente toda a população que lá vive. Por essa razão, sob minha total responsabilidade, decidi explodir a nave Copernico VI. Apertarei o botão de auto destruição e depois irei me suicidar. Situações extremas, exigem medidas igualmente extremas. Assinado, Dr. Angus Smith."

E assim foi feito. No mesmo momento ele acionou o protocolo de auto destruição. Depois disso entrou em uma cápsula feita especialmente para aguentar grandes explosões. Ele não tinha esperanças que aquilo fosse aguentar tamanha explosão, mas foi em frente. Em poucos minutos perdeu a consciência completamente. Em instantes ele deixou de existir. Nenhum pensamento, nenhuma consciência. Simplesmente o nada absoluto. Nenhuma alma para salvar, só o vácuo completo da inexistência. Faltava menos de 30 segundos para a nave explodir...

E a contagem foi chegando ao fim... 4,3,2,1...

E tudo aquilo que uma vez havia existido e todos aqueles lugares por onde eles tinham andado... simplesmente desapareceram para sempre, moídos em milhares de pequenos pedaços de metais retorcidos e incinerados...

A vida humana de milhões estava salva... pelo menos por enquanto...

Cap. VII -  Vênus IV
O Dr. Angus abriu os olhos lentamente. Ele mal acreditava naquilo. Ele estava vivo! Sim, ao entrar em uma cápsula de sobrevivência pouco antes da explosão da nave, ele teria salvado a própria vida. Na realidade nem ele acreditava que a cápsula iria sobreviver a tamanha força da explosão, mas era fato. Feito de titânio massivo, com forma arredondada e uma minúscula escotilha, que aguentava até mesmo a explosão de uma bomba atômica do século XX, o fato é que aquele pedaço de metal preservou a vida do cientista. Sua cápsula foi resgatada pela nave de busca e resgate Vênus VI. Angus estava vivo, quase por um milagre, mas tinha muita a explicar para a companhia. Afinal a nave destruída custava em torno de 899 milhões de dólares e isso sem levar em conta a carga que havia sido perdido para sempre no vácuo infinito do espaço.

Assim que recobrou a consciência Angus reconheceu o médico que o atendia. Era o Dr. Fergunson. Ambos tinham estudado na mesmo universidade. O especialista pediu calma e paciência a ele. Afinal médicos e cientistas costumam ser péssimos pacientes. A conversa que havia começado cordialmente, falando de amenidades do passado, logo se tornou mais trágica porque Angus foi informado que iria perder parte da perna esquerda. Era algo que ele sentia muito. A explosão foi tamanha que seu corpo foi sacudido como uma bola de tênis dentro da pequena e robusta cápsula. Nesse processo sua perna foi praticamente esmagada. Não havia como salvá-la.

A cirurgia de remoção da perna necrosada foi relativamente simples e bem sucedida, uma vez que as técnicas médicas no futuro eram altamente sofisticadas. O médico praticamente nada fazia, sendo toda a técnica efetuada com precisão por um robô especialmente programado para esse tipo de procedimento. Com isso ficava afastado o risco de um erro humano em tal ato incisivo. Com a perna amputada, Angus permaneceu em repouso por mais de 20 dias. Mal conseguia sair do estado de torpor, uma vez que havia sido medicado com potentes remédios e drogas usadas para o pós-operatório. Ele tencionava partir logo para a recuperação, para se adaptar melhor com a prótese robótica que iria usar dali em diante em sua vida.

Depois da breve recuperação Angus tomou conhecimento dos efeitos e sequelas deixadas pela explosão que ele próprio detonou, como medida de desespero e cautela. No fundo queria evitar que toda a população da colônia em Kleper fosse contaminada. Ele iria passar por todo um longo procedimento administrativo dentro da companhia onde seria decidido se ele havia tomado a decisão certa, se ele tinha poderes para fazer o que fez. Já de antemão descobriu por breves contatos que a direção da companhia não estava nada satisfeita com o fato de ter perdido uma nave que valia milhões de dólares. Como toda a empresa o que pesava ali naquela hora era o fator puramente econômico. Eles pareciam não se importar com as vidas que poderiam ser perdidas caso uma nave contaminada chegasse em uma colônia indefesa contra esse vírus.

Era a velha luta entre saúde e economia. Angus, como homem de ciência, nem pensou duas vezes. Ele colocou as vidas das pessoas em primeiro lugar. A companhia, como toda empresa, pensava diferente. Aliás o fato de uma nave daquelas ter sido destruída pelo simples comando de um oficial de ciência a bordo, fez com que o comando de auto destruição das demais naves da companhia fosse desativado. Jamais isso iria acontecer novamente. Apenas o alto comando em Aldebarã III, poderia agora dar esse tipo de comando. Porém de uma coisa todos poderiam saber: Angus não encontraria moleza dentro do processo. Ele seria atacado para servir como exemplo. Aquilo não iria passar em branco. A companhia ira tentar destruir sua vida, tomando todos os seus (poucos) bens. A possibilidade de prisão em uma colônia distante também não poderia ser descartada. 

Cap. VIII - Aldebarã III
O Dr. Angus finalmente desembarcou no planeta Aldebarã III. Era lá que estava a sede da companhia e era lá que ele finalmente seria julgado por ter apertado o botão de autodestruição da nave. Ele sabia que vinha chumbo quente pela frente. Embora fosse um homem racional e da ciência, o Dr. Angus também tinha suas necessidades, entre elas a de ter, de tempos em tempos, uma companhia feminina. Assim no sábado à noite ele decidiu que iria até o night club "Lujuria", um lugar repleto de garotas de programa. Com decoração que lembrava as velhas casas da Espanha colonial, ele procurava relaxar um pouco. Esfriar a cabeça, quem sabe ter um pouco de sexo pago da melhor qualidade.

Enquanto apreciava o show de striptease, foi tocado no ombro por uma mulher que ele nunca havia visto antes. Ela se chamava Eli Gromberg. Uma loira bonita, com olhos azuis e seios fartos, mas que provavelmente eram falsos. Angus pensou tratar-se de uma acompanhante, mas não. Ela era na realidade uma agente do serviço secreto do Estado. Havia algo que Angus precisava saber. Certo, aquele não era o melhor lugar para esse tipo de conversa, mas diante das circunstâncias, era o que havia para o momento.

Angus ficou cético. Não acreditou, pensou que era algum tipo de brincadeira ou pegadinha. Não era. E ele soube disso a partir do momento em que Eli lhe mostrou seu distintivo oficial. Algo muito sério estava por vir. Ela perguntou se poderia conversar com ele em um lugar reservado. Naquela boate havia vários pequenos quartos onde as garotas faziam danças particulares para seus clientes. Angus, um pouco assustado ainda, aceitou a sugestão e eles foram para um lugar nos fundos. O cheiro era ruim, havia uma sensação de que alguém havia ejaculado bem ali, naquelas cadeiras de tecido vermelho brega. Porém era um lugar conveniente. Não haveria escutas e eles poderiam conversar sem medo de que seriam espionados.

- O que está acontecendo aqui? - Quis saber Angus ao sentar-se...

- Há muito mais do que você supõe sobre o que aconteceu em sua nave. Algo maior e mais... sinistro.

- O que poderia ser pior do que uma tripulação inteira morta e uma nave explodida no meio do cosmos? - Era uma pergunta válida por parte de Angus.

- Bom, o vírus não foi obra do acaso... - Começou lhe explicando Eli.

- Como assim? O que está havendo? - Angus estava perplexo...

- O virus foi criado pela companhia. Ele seria usado como arma biológica em planetas da fronteira. A intenção era exterminar qualquer inimigo. O vírus teria alta carga de contaminação. Iria deixar os soldados das tropas inimigas completamente loucos e insanos e eles próprios iriam se matar, antes das tropas mercenárias contratadas pela companhia chegassem em terra firme para fincar sua bandeira, tornando esses novos planetas como propriedade da empresa!

- Meu Deus, isso é muito grave... estou completamente pasmo...

Eli continuou:

- O que aconteceu com sua nave foi um erro, um efeito colateral. A arma biológica na verdade estava sendo transportada pela nave...

- Do astronauta John! - Completou Angus

- Isso mesmo! Acontece que o vírus tinha uma carga de contaminação tão alta que atravessou todos os recipientes de contenção. Contaminou todos na nave. Todos ficaram loucos. Quando vocês entraram nela trouxeram o vírus para a nave de vocês. Então aconteceu toda essa tragédia!

Angus não conseguia acreditar no que ouvia. Tantas pessoas mortas, ótimos astronautas, que nada tinham a ver com esse experimento bélico, letal e ilegal. Angus começou a ficar furioso.

- A companhia precisa pagar por isso. Ser responsabilizada! As mortes não podem ficar em vão...

- Exatamente. Estamos na cola da companhia. Por enquanto ainda não temos todas as provas necessárias para levar a um julgamento, mas esperamos contar com você Dr. Angus - Era uma esperança e um apelo da agente Elis.

- Eu vou contribuir sem dúvida, vou contribuir com todas as minhas forças. Esses desgraçados precisam pagar pelo que fizeram - concluiu o Dr. Angus, cerrando os dentes com raiva. 

Cap. IX -Seis homicídios!
O julgamento do Dr. Angus começou com toda a pompa e circunstância que o evento exigia. Na verdade ele seria julgado por 3 juízes diferentes. Um deles representava o povo. O outro representava o interesse da companhia. Um terceiro representava a classe dos trabalhadores espaciais. Do voto desses homens iria ser decidido o seu destino. Logo no começo da sessão o Dr. Angus teve uma péssima surpresa. O promotor, representado o Estado, decidiu adidar a peça inaugural de acusação. Inicialmente ele estava sendo acusado de destruir uma propriedade da companhia, a própria espaçonave. Porém as coisas pioraram. Ele também foi acusado da morte dos seis astronautas da tripulação. Iria responder por seis homicídios!

Quando ouviu isso o Dr. Angus entrou em choque, ficou completamente chocado! Seu advogado alegou que aquilo era um absurdo completo, que violava os direitos constritucionais de seu cliente, que não havia tempo para protocolar uma defesa hábil para uma acusação de grande porte! Era claramente uma armadilha jurídica para destruir Angus. A junta de juízes então deu a palavra para o promotor público do caso, que assim se manifestou:

- Prezados juízes, o réu tem que ser responsabilizado pelos crimes que cometeu. Inicialmente a promotoria pensava tratar-se apenas de um caso de crimes contra o patrimônio, porém ao analisarmos os registros vimos que seis astronautas morreram nesse evento. Não há registros de comunicação da tripulação que corrobore a versão do réu. Pelo contrário, o que temos é um evento objetivo. E qual seria ele? Ora, em um momento tínhamos uma tripulação de seis bons profissionais do labor espacial. Depois da explosão estavam todos mortos. Ao olhos da promotoria temos claramente um caso de assassinato em mãos. O que levou esse cidadão a tomar tal atitude ainda é um mistério, mas sabemos que essas pessoas inocentes morreram...

Sentado na cadeira, ao lado do advogado, o Dr. Angus colocou as mãos no rosto. Ele havia caído em uma armadilha mortal! Puxando seu advogado pelo terno, o Dr. Angus o informou de algo precioso. Que sim, havia registro de tudo o que aconteceu antes da explosão. Eram relatórios enviados com regularidade para a companhia, informando tudo o que havia acontecido a bordo, inclusive informando das mortes dos astronautas. Eles já estavam mortos quando a grande explosão aconteceu. Ouvindo tudo isso o advogado foi para o centro do tribunal. Era seu momento de falar.

- Peço ao tribunal presente que seja dado mais tempo ao réu, pois novas acusações foram feitas e será necessário a confecção de novas preças processuais para sua defesa. Estamos aqui na iminência de se violar o direito da ampla defesa do acusado. É necessário dar tempo para que tenhamos conhecimento de todas as provas que foram anexadas ao processo. Além disso queremos ler, com a devida atenção, todas as acusações da promotoria. Assim peço adiamento e designação de uma nova data, para uma nova sessão de julgamento.

Diante do pedido, os juízes deliberaram. O juíz da companhia negou o pedido (era de se esperar de um juiz sem imparcialidade, aliás uma aberração jurídica, é bom frisar). O juiz do povo acatou o pedido. Por fim, o juiz dos empregados deferiu o pedido. Por 2 votos a 1, o pedido de uma nova sessão de julgamento foi deferida com data marcada para dali a 30 dias. Era um momento de respirar e se preparar para uma defesa adequada. 

Cap. X - Julgamento e Sentença
O Dr. Angus sentiu o gosto amargo da injustiça. Seu julgamento levou seis meses para ser concluído. Uma interminável ida e vinda de recursos, manobras jurídicas e... puxadas de tapete. Fragilizado e em posição de inferioridade, o Dr. Angus jamais conseguiu provar que os demais tripulantes já estavam mortos quando a nave explodiu no espaço. Os relatórios que afirmava existir jamais foram encontrados. Uma situação que ele não pensou na hora preservar. Ele poderia ter feito um backup de todo o arquivo da nave antes de explodi-la, porém no calor dos acontecimentos, na adrenalina absurda em que tudo aconteceu, ele simplesmente não fez isso. Não salvou os arquivos e se arrependeu amargamente por isso.

Do ponto de vista técnico havia duas cópias de cada arquivo, de cada relatório. Um deles ficava na nave (que não existia mais). A outra cópia era enviada para a companhia. Se eles ainda existiam, não se conseguiu provar. A empresa disse que nada foi enviado. O Dr. Angus não tinha como provar que esses arquivos chegaram na sede da empresa. Os engenheiros espaciais da companhia disseram no julgamento que os arquivos provavelmente nunca chegaram até seu destino por causa da interferência do buraco negro que ficava bem próximo de onde eles foram enviados. Mentira ou verdade? Com as mãos atadas o Dr. Angus não conseguiu provar seu ponto de vista. Coisas do direito, uma ciência muito bonita e louvável, mas ainda assim vulnerável às mesmas falhas do comportamento humano.

Assim o Dr. Angus foi vendo dia a dia sua tese sendo destruída no tribunal. Ele ainda tentou argumentar e deu um depoimento muito bom, muito racional... mas foi tarde demais. Ele foi condenado a 12 anos de prisão! Em grande esforço seu advogado conseguiu que ele não fosse condenado por tudo em crimes de homicídio doloso, o que o deixaria preso pelo resto da vida. Ao contrário disso respondeu apenas por homicídio culposo, sem intenção de matar. Com isso sua pena foi reduzida de forma gradual.

Quando o Dr. Angus saiu da prisão, seis anos depois, por bom comportamento ele se viu um homem velho, de cabelos brancos, tentando recomeçar sua vida. Ao cruzar os portões da prisão, o fez de cabeça erguida, sabendo que não havia feito nada de errado, que não havia matado seus companheiros de viagem. Era um homem dos mais dignos que já passaram por aquele sistema prisional. Ele estava velho, mas ainda tinha uma mente lúcida e admirável. Era um homem culto, que poderia ensinar. Assim montou um pequeno local para dar aulas particulares de ciência. E se deu bem. Em pouco tempo estava com um bom número de alunos. Aquele que tem estudo e cultura, jamais será um homem miserável, já dizia a grande frase de sabedoria do passado.

Em seus últimos anos de vida o Dr. Angus resolveu contar toda a sua história em um livro chamado "Kepler 452-b". Nenhuma editora bancou seu livro, ele de próprio punho o escreveu com todas as dificuldades e fez sua primeira edição, com dinheiro próprio, uma tiragem limitada de 200 exemplares. Enviou grande parte dessas cópias para bibliotecas em todo o mundo pois queria que sua história jamais fosse esquecida. E assim foi feito. O Dr. Angus faleceu em uma bela tarde ensolarada, no quintal, com um livro em mãos. Morreu com a alma tranquila, com a mente calma dos homens justos, sem qualquer sentimento de culpa ou arrependimento. Tinha 79 anos. Passou pela morte dos justos e bons de espírito.

Pablo Aluísio.