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quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Os Abutres Têm Fome

Inicialmente o projeto foi desenvolvido pela Universal para ser estrelado pelo casal Richard Burton e Elizabeth Taylor. O problema é que Liz pediu um cachê considerado absurdo pelo estúdio para fazer o filme. Como a Universal não estava disposta a pagar um milhão de dólares para que a atriz interpretasse a freirinha Sara, o filme tomou novos rumos. Saiu Richard Burton e entrou Clint Eastwood, que vinha de uma série de faroestes bem sucedidos ao lado de Sergio Leone. Elizabeth Taylor também foi substituída por Shirley MacLaine, que realmente adorou o roteiro. Penso que foi a escolha ideal, pois dificilmente o público veria Elizabeth Taylor como uma missionária, uma freira, perdida no meio do deserto mexicano. A atriz Shirley MacLaine então assumiu o papel da irmã Sara, que tentando levar a palavra de Cristo aos rincões mais distantes do México acabava ficando no meio do fogo cruzado da guerra que se desenvolvia naquele país. 

De um lado o povo mexicano lutando por sua liberdade, em um movimento rebelde conhecido como "Juanistas". Do outro lado as tropas de ocupação da França, tentando transformar o país em mais uma de suas colônias. Clint Eastwood interpretou um pistoleiro chamado Hogan, que era acima de tudo um mercenário, disposto a vender sua "força de trabalho" a quem pagasse mais. Após fazer um trato com um coronel Juarista, ele entrava no conflito ao lado dos rebeldes. O grande objetivo seria tomar uma importante guarnição francesa na região, usando para isso uma passagem secreta entre um monastério católico e o forte francês. Apesar de toda a trama passada nesse contexto histórico da guerra de libertação do México, o fato é que as melhores cenas de todo o filme se desenvolvem na relação entre a doce freira católica Sara (MacLaine) e o durão e rústico Hogan (Eastwood). Um choque de personalidades diferentes que rende ótimos momentos no filme. Eles se encontram por acaso no meio do deserto e o pistoleiro, mesmo sendo um cara de poucos amigos, resolve ajudar a freirinha. Há ótimos diálogos entre eles, o que ajuda a manter o filme interessante. Como não poderia deixar de ser, há toda uma tensão sexual entre os dois embora isso seja, por causa das convicções religiosas dela, algo impossível de acontecer.

Clint Eastwood e Shirley MacLaine estão excepcionalmente bem no filme, mostrando muito entrosamento e amizade em cena. Anos depois a atriz revelaria que ficara encantada com o México (onde o filme foi rodado), pois apesar da população ser extremamente pobre, era também um povo de muita fé e esperança em um país melhor. O diretor Don Siegel, em mais uma parceria com o ator Clint Eastwood, também se revela uma ótima escolha pois conseguiu equilibrar bem um roteiro bem escrito, baseado na amizade conflituosa entre a freira e o bandoleiro, com boas cenas de ação no final do filme. Fica então mais essa dica, "Os Abutres Têm Fome", mais um bom momento de Clint Eastwood no western.

Os Abutres Têm Fome (Two Mules for Sister Sara, Estados Unidos, 1970) Direção: Don Siegel / Roteiro: Budd Boetticher, Albert Maltz / Elenco: Shirley MacLaine, Clint Eastwood, Manuel Fábregas / Sinopse: Pistoleiro e mercenário (Eastwood) encontra com uma freirinha católica (MacLaine) perdida no meio do deserto e resolve lhe ajudar, bem no meio da guerra de libertação do México da invasão colonial francesa. Filme indicado ao Laurel Awards nas categorias de melhor atriz (Shirley MacLaine) e melhor ator (Clint Eastwood).

Pablo Aluísio.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

O Massacre dos Pistoleiros

Mais um filme de western que explora o famoso duelo no O.K. Curral em Tombstone. Essa é certamente uma das histórias mais exploradas no cinema sobre o velho oeste. Só para se ter uma ideia, estima-se que já foram feitos mais de 50 filmes sobre o xerife de Tombstone, Wyatt Earp e seu amigo, o dentista, pistoleiro e jogador de cartas inveterado Doc Holliday. Geralmente em quase todos os faroestes o personagem central, como não poderia deixar de ser, era Earp, mas aqui nessa produção da década de 1970 temos uma novidade pois o filme enfoca em primeiro plano a figura de Doc Holliday e seu romance com Katie Elder, uma prostituta que o amava, apesar de todos os seus problemas. Isso fica bem claro logo nas primeiras cenas quando Doc literalmente “ganha” a companhia da jovem em um jogo de pôquer! Depois disso ela não larga mais de seu pé. Como vivia de cidade em cidade, atrás de jogos e um clima mais ameno para sua tuberculose, acaba chegando em Tombstone, uma cidade isolada do Arizona. Para sua surpresa o homem da lei no local é justamente o seu velho amigo Earp. O reencontro de velhos amigos acaba sendo uma das melhores cenas do filme, que aliás apresenta um roteiro que procura ser fiel aos acontecimentos históricos reais.

A partir daí não convém mais contar nada, embora todo fã de western saiba muito bem o que vai acontecer, culminando tudo no famoso tiroteio contra os irmãos Clanton em um pequeno curral conhecido apenas como OK. O duelo real inclusive durou poucos minutos, foi uma troca de balas cara a cara, face a face, onde um pouco de sorte também contou a favor dos sobreviventes. O que impressiona até hoje foi o sangue frio desses homens que duelaram sem medo da morte. Eram outros tempos, outra mentalidade que imperava nesses pioneiros do velho oeste americano. O tom desse filme é de pura sobriedade. Achei inclusive o filme bem seco, com um tom realista, duro, como convém a uma produção dos anos 70. Doc Holliday, na pele do bom ator Stacy Keach, é uma figura até mesmo um pouco sombria, quase uma sombra do homem que poderia ter se tornado se não tivesse contraído tuberculose, uma doença terrível na época, sem cura, praticamente um atestado de morte iminente.

Muitos historiadores inclusive atribuem a isso a grande valentia e frieza que Doc demonstrava em momentos cruciais, afinal de contas ele não temia pela morte já que ela poderia acontecer a qualquer momento. Praticamente não tinha instinto de preservação. No O.K. Curral isso ficou bem nítido pois Doc estava bem no centro do fogo cruzado, mas não recuou nem um passo sequer do confronto. Era um ótimo pistoleiro e por isso virou uma lenda do oeste americano. Por fim, um último ponto importante: o roteiro de “O Massacre dos Pistoleiros” valoriza bastante a presença de Kate, aqui interpretada por uma jovem e bonita Faye Dunaway. Se você tem especial interesse nela e em sua carreira, o filme vai parecer uma ótima escolha.

O Massacre dos Pistoleiros (Doc, Estados Unidos, 1971) Direção: Frank Perry / Roteiro: Pete Hamill / Elenco: Stacy Keach, Faye Dunaway, Harris Yulin / Sinopse: Doc Holliday (Stacy Keach) vaga pelo velho oeste em busca de torneios de pôquer, mulheres, desafios e dinheiro, não necessariamente nessa ordem. Ao chegar em Tombstone encontra seu velho amigo, o xerife Wyatt Earp (Harris Yulin). Juntos enfrentarão a terrível gangue dos Clantons.

Pablo Aluísio.

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

O Rebelde Orgulhoso

Aqui temos mais um western clássico. A história se passa após o fim da guerra civil americana. John Chandler (Alan Ladd) se encontra completamente arruinado. Sua fazenda foi queimada pelos ianques, sua esposa foi morta na frente de seu pequeno filho que, traumatizado, nunca mais conseguiu falar. Ex-combatente da confederação, dos estados do sul, ele decide então ir até o norte em busca de uma cura para o garoto. O caminho porém não será fácil, pois ele passa a ser hostilizado por onde passa uma vez que é tratado como “rebelde” apenas por ser sulista, por ter sido um soldado confederado. Na busca por um tratamento para seu filho David (David Ladd), o pai obstinado acaba chegando numa cidadezinha na fronteira entre norte e sul. Lá, como sempre, é alvo de provocações, indo parar na cadeia após trocar socos com uns valentões locais. Tentando lhe ajudar de alguma forma, a fazendeira Lnett Moore (Olivia de Havilland) resolve pagar a fiança em troca do trabalho de Chandler em sua propriedade. O problema é que a fazenda é alvo dos irmãos Burleighs que cobiçam a região para pasto de seu rebanho. Após alguns ataques covardes (onde o bando de bandidos incendeia parte do rancho), Chandler resolve desafiar os criminosos, levando todos para uma disputa final de vida ou morte.

Esse é sem dúvida um dos melhores filmes de western da carreira de Alan Ladd. Com um roteiro que faz lembrar em certos momentos de “Os Brutos Também Amam”, o filme consegue conciliar drama, romance e ação nas doses certas. O ator Alan Ladd novamente incorpora um personagem integro, honrado e honesto que deseja apenas que seu filho volte a falar. Curiosamente o ator mirim David Ladd era de fato o próprio filho do ator, repetindo nas telas aquilo que era na vida real. O garotinho mostra muita desenvoltura em seu papel, criando um vinculo emocional bastante forte com o espectador.

O roteiro é muito bem escrito, e tira proveito de toda a situação com muita eficiência. Para os que gostam de animais, o filme ainda traz um pequeno cão pastor que acaba roubando várias cenas com seu adestramento. A disputa por ele acaba sendo um ponto crucial para todos os personagens na estória. É interessante notar ainda como Alan Ladd foi provavelmente o cowboy mais romântico do western americano em sua fase de ouro no cinema. Todos os seus personagens possuíam algo em comum, pois eram heróis trágicos, errantes, à procura de um lugar para recomeçar a vida (muitas vezes partindo praticamente do zero). O cineasta Michael Curtiz (um dos maiores nomes do cinema clássico americano) soube muito bem aproveitar dessa característica de Ladd aqui, mostrando mais uma vez toda sua elegância e seu talento, em um faroeste realmente muito bom, acima da média. Grande filme. Um belo momento da carreira de Alan Ladd, que aqui surge mais uma vez em sua quintessência.

O Rebelde Orgulhoso (The Proud Rebel, Estados Unidos, 1958) Direção: Michael Curtiz / Roteiro: Joseph Petracca, Lillie Hayward / Elenco: Alan Ladd, Olivia de Havilland, Dean Jagger, David Ladd, Harry Dean Stanton, John Carradine / Sinopse: Após o fim da guerra civil dos Estados Unidos, um ex-soldado confederado se arrisca a ir até o norte em busca de tratamento para seu filho que ficou sem falar após passar por um grande trauma. No caminho acaba se envolvendo numa luta por terras numa pequena cidade na fronteira entre norte e sul.

Pablo Aluísio.

O Grande Búfalo Branco

Um faroeste clássico estrelado por Charles Bronso. O interessante é que esse filme também apresenta elementos novos, nada comuns nesse gênero. Na história um sujeito chamado James Otis (Charles Bronson) chega em uma remota cidade mineradora bem na fronteira do chamado cinturão do ouro, onde várias minas do rico mineral estão sendo exploradas. Ele vem atrás de dois objetivos principais: achar seu filão dourado e caçar um mítico búfalo branco que habita as montanhas geladas de Black Hills. Há tempos Otis vem sofrendo de terríveis pesadelos onde se vê face a face com a temível besta. Agora, de volta ao oeste, ele pretende liquidar aquele que é considerado o último animal selvagem de sua espécie livre na natureza, uma vez que os búfalos da região estão praticamente extintos após longos anos de matança desenfreada por caçadores em busca de peles e carne dos animais abatidos. O que pouca gente sabe é que Otis é apenas um disfarce, pois ele é na verdade o famoso pistoleiro Wild Bill Hickok, que se mantém incógnito, sem alardear sua verdadeira identidade, pois sua fama o precede, sempre trazendo jovens aspirantes que desejam o título de "homem mais rápido do gatilho". Agindo assim ele evita ter que enfrentar um novo pistoleiro toda vez que entra em um saloon cheio de cowboys e aventureiros de todo tipo.

“O Grande Búfalo Branco” é um dos mais lembrados filmes de faroeste estrelado por Charles Bronson. É uma produção de Dino de Laurentis, com muita competência técnica. O Búfalo se torna no enredo uma besta invencível, um monstro a ser desafiado nas nevascas das montanhas. O animal é todo criado através de efeitos especiais e sonoros, criando toda uma expectativa no espectador sempre que surge em cena. Nos tempos de consciência ecológica em que vivemos atualmente, o enredo pode vir a incomodar alguns pois tudo o que pretende o personagem de Bronson e caçar e matar a fera terrível, que em acessos de fúria, mata homens, animais e crianças, varrendo tudo por onde passa.

Charles Bronson está muito bem no papel. Usando um figurino exótico, usando inclusive óculos de aros redondos, bastante psicodélicos, sua caracterização certamente cairá no gosto de seus fãs. Ao seu lado, no alto da montanha, caçando o búfalo, dois outros bons atores dividem a cena com ele, Jack Warden, como um velho caçador rabugento e Will Sampson como o mitológico guerreiro Sioux Cavalo Louco. Outro destaque do elenco é a presença da veterana Kim Novak, que apesar da idade mais madura ainda estava muito bonita. A direção é do competente J. Lee Thompson, que iria trabalhar ao lado de Bronson em outras fitas violentas, como "Dez Minutos Para Morrer", "O Vingador", "Desejo de Matar 4 - Operação Crackdown" e "Kinjite - Desejos Proibidos”. Em suma fica a recomendação desse bom momento do cinema western na década de 1970.

O Grande Búfalo Branco / A Caçada da Morte (The White Buffalo, Estados Unidos, 1977) Direção: J. Lee Thompson / Roteiro: Richard Sale / Elenco: Charles Bronson, Jack Warden, Will Sampson, Kim Novak / Sinopse: Caçador e pistoleiro se une a velho minerador e a um chefe indígena Sioux para caçar o último búfalo branco nas montanhas nevadas de Black Hills.

Pablo Aluísio.

domingo, 18 de outubro de 2020

Os Rifles da Desforra

Após o fim da guerra civil americana, as atenções do exército americano se desviaram para o Oeste selvagem. Na fronteira da colonização estava em curso um terrível massacre promovido por tribos indígenas hostis. Sentindo que suas terras estavam sendo invadidas pelos homens brancos, os nativos destruíam as propriedades e matavam os colonos que se aventurassem por aquelas regiões inóspitas. A situação era particularmente desastrosa no território do Arizona, onde comunidades inteiras estavam sendo vitimas de massacres promovidos por Apaches liderados pelo sanguinário Chefe Cochise (Michael Keep). Para manter esses colonos em segurança, o governo americano enviou tropas ao local, entre elas um pequeno pelotão liderado pelo Capitão Coburn (Audie Murphy). Sua principal função consistia em retirar os colonos das áreas mais perigosas para levá-los até o forte de Apache Wills, onde ficariam até que a cavalaria americana destruísse os inimigos Apaches que se escondiam nas montanhas. Uma guerra estava em curso e os civis tinham que ser protegidos. E esse era um tipo de serviço que apenas a cavalaria do exército americano poderia fazer.

Assim começa esse excelente “Os Rifles da Desforra”, western que passou um pouco despercebido apesar de suas inegáveis qualidades cinematográficas. Foi o penúltimo filme da carreira de Audie Murphy, o que não deixa de algo a se lamentar, já que é de fato um faroeste de bom nível. Seu personagem, o Capitão Coburn, por exemplo, não é um típico herói da cavalaria como já vimos em vários filmes antes, muito pelo contrário, é um sujeito duro e que não conta com a total simpatia de seus comandados. Esses também são retratos bem interessantes das tropas americanas naquele período histórico, pois muitos deles lutaram ao lado dos confederados durante a guerra civil, mas depois tiveram que usar a “casaca azul” da cavalaria para terem suas penas reduzidas, ou seja, não eram soldados por convicção mas por necessidade. Lealdade e honra certamente não estavam em seus planos como podemos ver depois nos acontecimentos do filme. Curiosamente o roteiro explora maravilhosamente bem esse conflito interno personificado dentro das tropas na figura do cabo Bodine (Kenneth Tobey), um ex-confederado que não tem qualquer respeito pelos ditos ianques. Em suma, “Os Rifles da Desforra” é de fato um belo retrato de um aspecto até bem pouco conhecido da história do velho oeste. Muito bom western que merece ser redescoberto pelos fãs.
 
Os Rifles da Desforra (40 Guns to Apache Pass, Estados Unidos,1967) Direção: William Witney / Roteiro: Willard W. Willingham, Mary Willingham / Elenco: Audie Murphy, Michael Burns, Kenneth Tobey / Sinopse: Durante as guerras indígenas no hostil território do Arizona um jovem capitão após proteger civis inocentes de ataques Apaches é enviado numa perigosa missão de recebimento de uma carga com 40 rifles de repetição do exército americano. Sua viagem será cercada de desafios uma vez que a região é infestada por grupos guerreiros Apaches.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

A Face Oculta

Esse western foi o único filme dirigido por Marlon Brando. Foi um projeto complicado desde o começo. Inicialmente a Paramount escolheu o genial Stanley Kubrick para dirigir o filme, mas atritos com Brando fizeram com que o cineasta resolvesse abandonar a produção. Como Marlon Brando confiava na qualidade do material e parte do dinheiro do orçamento de produção vinha de sua própria produtora (a Pennebaker Productions) ele tomou uma decisão inédita em sua carreira. Ele decidiu que assumiria a direção do filme. Foi uma decisão precipitada e muito ousada pois Brando nunca havia dirigido nada em sua vida. Ele era um ótimo ator, mas nunca havia estudado uma linha para assumir a direção de um filme. Ele não tinha experiência e nem o conhecimento técnico para essa função. A direção de Marlon Brando transformou "A Face Oculta" em um verdadeiro elefante branco cinematográfico. Sem experiência nenhuma na arte de dirigir um filme, Brando começou a filmar a esmo, sem foco, sem rumo certo a tomar. 

Durante as filmagens ficou óbvio para todos que sua inexperiência iria tornar tudo mais caro, demorado e complicado. Ele não tinha a menor capacidade técnica para realizar o filme. Coisas óbvias como a escolha da lente da câmera ou das técnicas de se filmar em locações eram desconhecidas para o ator. Brando resolveu contratar o ator e amigo Karl Malden para o papel de xerife, uma escolha que a Paramount achava equivocada já que o personagem era bem mais velho do que ele. E assim os erros foram se acumulando cada vez mais. Outro problema foi o estouro rápido do orçamento. Marlon chegou a ficar um dia inteiro filmando ondas no mar em busca da "onda perfeita" para aparecer no filme. Seu primeiro rolo editado chegou nas mãos do estúdio com cinco horas de duração! Era uma metragem absurda, completamente fora dos padrões e nada comercial. A Paramount então resolveu assumir o controle da edição final do filme, tentando montar no meio de horas e horas de filmagens inúteis, um enredo que fizesse sentido para o público. Foi um trabalho imenso que levou meses para ficar pronto e mesmo assim tudo resultou em um filme muito longo... e muitas vezes muito chato! Pelo menos essa foi a opinião dominante entre os críticos na época de lançamento original do filme.

Marlon Brando, por sua vez, passou a falar mal do filme aos jornalistas que lhe perguntavam quando o filme iria ser lançado. Ele nem pensava duas vezes antes de dizer que esse faroeste era um desastre e que dirigir tinha sido uma das piores experiências de sua vida. O resultado que chegou até o público mostra bem os problemas da película. Mesmo completamente cortado e editado, o filme se mostrou muitas vezes longo e sem direção, caindo, em alguns momentos, no marasmo completo. A crítica em 1961 obviamente malhou impiedosamente o filme quando chegou aos cinemas, mas curiosamente o tempo parece ter feito bem ao western, uma vez que hoje em dia ele assumiu um status de cult movie que ninguém previra em sua chegada aos cinemas na década de 1960.

A Face Oculta (One-Eyed Jacks, Estados Unidos, 1961) Direção: Marlon Brando / Roteiro: Guy Trosper, Calder Willingham / Elenco: Marlon Brando, Karl Malden, Pina Pellicer, Katy Jurado, Ben Johnson / Sinopse: Traição e morte rondam os envolvidos em um roubo no México anos atrás. Único filme dirigido por Marlon Brando. Filme indicado ao Oscar na categoria de melhor direção de fotografia (Charles Lang).

Pablo Aluísio.


Paixão de Bravo

"Paixão de Bravo" é um clássico do western americano. Reuniu dois grandes astros da época, Robert Mitchum e Susan Hayward. A química entre eles ficou evidente na tela. Na história temos o protagonista Jeff McCloud (Robert Mitchum), um veterano competidor de rodeios, que após montar um touro da raça brahma é violentamente jogado ao chão, sofrendo inúmeros ferimentos. Cansado e desiludido, por ter competido no meio por quase 20 anos e não ter juntado nada, nenhum dinheiro, mesmo vencendo vários rodeios, ele decide voltar à sua antiga cidade, para rever sua casa de infância, afinal ele está na estrada por um longo tempo. Ao retornar para sua cidade natal descobre que sua antiga moradia está à venda. Entre os que querem comprar o lugar está o casal formado por Wes Merritt (Arthur Kennedy) e sua esposa Louise (Susan Hayward). Embora tenham muita vontade de se tornarem proprietários do lugar, fundando um novo rancho, o casal não tem ainda o dinheiro suficiente para realizar seu sonho. Isso leva Jeff a ter uma ideia. Que tal os três formarem uma sociedade? Jeff, ferido ainda após a última competição, poderia treinar Wes e eles dividiram os prêmios dos rodeios que participassem. Afinal o que teriam a perder? Feito o acordo o trio cai na estrada, cruzando o oeste em busca de competições de rodeios, com o objetivo de ganhar bastante dinheiro para se tornarem ricos e prósperos fazendeiros. O trio então parte em busca da realização de seus sonhos.

"Paixão de Bravo" é um excelente faroeste, rodado ainda em preto e branco pelo extinto estúdio RKO. O filme mostra os bastidores dos principais rodeios americanos, suas competições, seus dramas pessoais e a vida dura de um cowboy correndo em busca da vitória. O roteiro, bem inspirado, usa de duas bases dramáticas bem destacadas. A primeira é a tensão sexual que se cria dentro do trio. Jeff (Mitchum) e Louise (Hayward) logo criam uma clara atração entre eles, algo que não pode ser concretizado porque afinal ela ainda é casada com Wes (Kennedy). Além disso eles vivem na fio da navalha, pois a qualquer momento podem sofrer um grave acidente, os deixando severamente feridos como era comum acontecer em competidores de rodeios naquela época.

Nesse ponto aliás o filme se sai muito bem, mostrando sem receios as contradições entre um esporte amado pelos americanos e os danos que ele causava entre os cowboys, pois muitos ficam paralíticos para o resto da vida após sofrerem quedas de cavalos ou touros. Geralmente a coluna dos competidores era gravemente destruída nessas quedas. Algo previsível quando se corria o risco de ficar embaixo de um animal de centenas de quilos após uma queda no meio da competição. O elenco está todo muito bem, mas destaco a forte presença de Susan Hayward em cena. Sua personagem passa longe de ser uma mera mocinha romântica de filmes de western, pelo contrário, ela sempre surge com opiniões próprias, impondo seu modo de pensar ao marido. Um bom retrato de uma mulher firme e independente, em um mundo dominado por homens rudes e bravos.

Paixão de Bravo (The Lusty Men, Estados Unidos, 1952) Direção: Nicholas Ray / Roteiro: David Dortort, Horace McCoy / Elenco: Susan Hayward, Robert Mitchum, Arthur Kennedy, Arthur Hunnicutt / Sinopse: Um casal e um cowboy ferido resolvem entrar no circuito de rodeios realizados pelos Estados americanos. Viajando de cidade em cidade eles tentam vencer os grandes prêmios pagos nessas populares competições.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

O Rei dos Reis

No poster original do filme, da época de seu lançamento original, uma frase explicava bem do que se tratava. No poster estava escrito: "A história de Jesus Cristo baseada nas escrituras sagradas". É basicamente isso. Uma adaptação cinematográfica de Jesus, procurando ser bem fiel ao novo testamento. E a história de Jesus de Nazaré,, todos conhecemos. No brutal e desumano reinado de Augusto César (63 a.C. - 14 d.C) nasce uma criança na distante província romana da Judéia chamado Jesus. Sua mãe Maria e seu pai José partem então para o Egito para fugir das perseguições do tirano rei Herodes que temendo o nascimento de um Messias resolve matar todas as crianças nascidas em Belém.

De volta à pequena vila de Nazaré o jovem Jesus cresce ao lado dos pais, exercendo a profissão de carpinteiro. Já adulto, resolve partir para cumprir sua missão, a de levar o evangelho (a boa nova) aos homens de bom coração. Sua mensagem repleta de paz, amor e fraternidade, logo começa a incomodar as autoridades religiosas e políticas. Preso e torturado, é enfim crucificado nos arredores da cidade santa de Jerusalém, onde morre em agonia na cruz romana. Sepultado, volta do mundo dos mortos, ressuscitando. Glorioso, volta para mostrar aos seus apóstolos que realmente era o filho de Deus! A história de Jesus de Nazaré é certamente a mais conhecida do mundo ocidental. Em torno de seu nome foi criada a religião mais popular e abrangente do planeta com seguidores em todos os países e nações da Terra.

Trazer a trajetória de Jesus para as telas de cinemas certamente nunca foi uma tarefa fácil em razão da complexidade de se lidar com uma figura venerada ao redor do mundo. Assim, no começo da década de 1960, o produtor Samuel Bronston resolveu reunir uma grande equipe para trazer de volta o Nazareno para a sétima arte. Com locações na Espanha, roteiro do aclamado Ray Bradbury (não creditado) e Philip Yordan, trilha sonora marcante assinada por Miklos Rosza, direção do sempre talentoso Nicholas Ray (de “Juventude Transviada” com James Dean) e elenco formado por grandes nomes do cinema da época, tentou-se criar o épico definitivo sobre a vida de Jesus e sua mensagem.

O resultado é realmente de alto nível, embora também tenha alguns problemas pontuais. O filme tem três horas de duração, mas o roteiro, como era de certa forma previsível, não consegue dar conta de todos os detalhes da vida de Jesus. Algumas passagens ficaram de fora do filme, enquanto outras, menos importantes, ganharam espaço em demasia. Há fatos importantes da biografia de Jesus que são completamente ignorados. Uma deles é a revolta que o Messias teria tido no templo ao ver a casa de Deus se transformando num mercado e balcão de negócios. O espaço dado a Herodes, Salomé e a corte do Rei também soam exagerados. Barrabás também surge com espaço excessivo dentro da trama. Teria sido melhor focar mais na palavra de Cristo, nas passagens importantes que deixou aos seus seguidores.

Por outro lado há pontos excelentes no filme. Em minha opinião a escalação do ator Jeffrey Hunter foi um acerto. Ele interpreta um Jesus com imagem mais tradicional. De barbas longas, cabelo repartido ao meio e olhos azuis, é o Jesus que geralmente se encontra nas imagens mais clássicas e antigas do personagem histórico. Ele também tem o ritmo certo de declamar suas falas. E nos momentos de maior tensão não decepciona. Foi o grande papel de sua carreira e o marcou para sempre. Em termos de era de ouro do cinema americano ele foi o Jesus definitivo das telas, não há como negar. Como toda obra de arte esse filme assim apresenta erros e acertos. No saldo geral porém tudo soa como um grande filme. “O Rei dos Reis” é realmente um grande espetáculo, um épico daqueles que apenas Hollywood poderia proporcionar ao grande público. O bom gosto, a elegância e a produção luxuosa garantem o espetáculo. Um épico religioso como poucos.

O Rei dos Reis (King of Kings, Estados Unidos, 1961) Direção: Nicholas Ray / Roteiro: Philip Yordan / Elenco: Jeffrey Hunter, Siobhan McKenna, Hurd Hatfield, Rita Gam, Robert Ryan, Frank Thring, Rip Torn, Brigid Bazlen, Ron Randell, Carmen Sevilla / Sinopse: O filme narra a história de Jesus de Nazaré, homem humilde nascido na província romana da Judéia que revolucionou o mundo com sua mensagem de paz, amor e fraternidade entre os homens, surgindo de sua palavra a religião denominada Cristianismo, a mais popular e abrangente do planeta com mais de um bilhão de seguidores. Filme indicado ao Globo de Ouro na categoria Melhor Trilha Sonora Original (Miklós Rózsa).

Pablo Aluísio. 

 

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Estação Polar Zebra

Um interessante produto da guerra fria. Assim podemos definir essa produção “Estação Polar Zebra”. O filme foi um dos últimos grandes sucessos da carreira do ator Rock Hudson. Ele havia trocado de agente após longos anos. Harry Wilson o havia descoberto, transformado em um astro, mas depois de algum tempo deixou de promover adequadamente seu cliente. Com a carreira devagar, quase parando, Rock resolveu mudar tudo. Despediu Wilson, saiu da Universal, seu estúdio desde o começo de sua carreira e se tornou um ator freelancer. Ele já não era o astro campeão de bilheteria de antes e teve que correr atrás do papel. Se apresentou pessoalmente ao diretor John Sturges e pediu para fazer o filme. “Eu adoraria fazer Estação Polar Zebra” – disse abrindo o jogo. Após Sean Connery desistir do filme por ser muito parecido com seu papel na série James Bond (tudo que tinha a ver com guerra fria era logo descartado por Connery nessa época) Rock finalmente foi escalado para interpretar o comandante James Ferraday.

A produção foi realizada pela MGM, um estúdio lendário em Hollywood, mas que curiosamente Rock nunca tinha trabalhado antes, mesmo após todos aqueles anos de carreira. “Estação Polar Zebra” acabou fazendo sucesso de bilheteria reerguendo temporariamente a carreira de Rock. O filme não foi apenas importante para ele no aspecto puramente profissional, mas também no lado pessoal. Ele começou um relacionamento com o diretor de publicidade do filme, iniciando um longo affair que duraria anos (os dois chegaram inclusive a vir ao Brasil durante o carnaval de 1975, onde se divertiram como nunca). Na premiere aconteceu um fato curioso. Quando estava desfilando pelo tapete vermelho, Rock ouviu uma ofensa homofóbica dirigida contra ele vinda do público.

O ator ficou em choque pois seu homossexualismo ainda era um segredo muito bem guardado. Depois dessa experiência desagradável desistiu de comparecer pessoalmente nas estreias de seus filmes. Outro aspecto positivo foi que a crítica de uma maneira em geral gostou do que viu. O tom mais sério e concentrado da produção, procurando ser realista e pé no chão, mesmo se tratando de uma aventura passada quase toda dentro de um submarino nuclear americano, conquistou até mesmo os mais ferrenhos críticos americanos.  De fato “Estação Polar Zebra” acabou se tornando o último grande êxito comercial e de crítica da carreira de Rock Hudson. Era o fim de uma era.
 
Estação Polar Zebra (Ice Station Zebra, Estados Unidos, 1968) Direção: John Sturges / Roteiro: Douglas Heyes, baseado no livro de Alistair MacLean / Elenco: Rock Hudson, Ernest Borgnine, Patrick McGoohan / Sinopse: Comandante de um submarino nuclear americano tem que lidar com uma séria crise no ciclo polar ártico. Liderando uma perigosa missão que vai até os confins gelados do planeta, ele terá que ser bem sucedido para evitar um grave incidente diplomático com os soviéticos.

Pablo Aluísio.

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Aeroporto 79 - O Concorde

Mais um filme da longa franquia cinematográfica “Aeroporto”. Aqui a grande estrela não é o elenco de veteranos como aconteceu nos filmes anteriores, mas sim o próprio avião, o Concorde, uma aeronave de tripulantes que ficou famosa por sua velocidade, conseguindo fazer um vôo entre Paris e Nova Iorque em menos de três horas. Na época que essa produção foi lançada, o Concorde era o que de mais avançado existia em termos de aviação comercial no mundo. Um jato de linhas modernas e aerodinâmica arrojada, que infelizmente se mostrou ser um desastre comercial nos anos que viriam. Os preços das passagens eram caros demais, fora do alcance de passageiros de classe média,que sempre formaram a maior parte dos consumidores dos vôos comerciais. Além disso, seu custo de operação era muito alto, tornando inviável muitos vôos semanais entre Estados Unidos e a Europa. Há poucos anos o Concorde foi oficialmente aposentado, principalmente após um terrível acidente em que uma das turbinas pegou fogo em pleno ar, matando todos os passageiros e tripulantes. 

Já o filme, bem, qualquer desastre que tenha acontecido com o Concorde na vida real não pode nem ser comparado com a sucessão de desastres pelos quais passa o avião aqui. Apesar de uma certa euforia pela máquina em si, os roteiristas capricharam bem no fator "disaster movie" que era afinal o principal atrativo para esse estilo de filmes, que passaria a ser chamado no Brasil de "cinema catástrofe". O enredo é relativamente simples. Uma jornalista acaba conseguindo uma série de documentos que incriminam um rico industrial americano chamado Kevin Harrison, interpretado pelo ator Robert Wagner. A papelada prova que ele, através de suas indústrias, vendeu sistematicamente armas para governos corruptos e grupos terroristas ao redor do mundo. A repórter que está no avião pretende revelar tudo assim que chegar em Moscou. Para impedir sua divulgação o magnata decide derrubar o Concorde em pleno vôo durante sua viagem de Nova Iorque até Moscou.

Para concretizar seus planos ele literalmente tenta de tudo: mísseis, sabotagem e até mesmo uso de armas de última geração para levar ao chão o majestoso avião. O piloto do Concorde, Capitão Paul Metrand, é interpretado por um dos maiores galãs da história do cinema europeu, o astro francês Alain Delon. Já a atriz Sylvia Kristel, da série erótica Emmanuelle, atua como Isabelle, uma das aeromoças da aeronave. No campo dos efeitos especiais temos altos e baixos, pois boas cenas são intercaladas com montagens constrangedoras de tão mal feitas. É o preço pela passagem do tempo. No final de tudo temos um entretenimento com muitos absurdos de lógica e argumento, mas que diverte, caso o espectador deixe de reparar nos inúmeros furos do roteiro. De forma geral, apesar de tudo, o filme ainda consegue ser um dos mais originais da série "Aeroporto".

Aeroporto 79 - O Concorde (The Concorde... Airport '79, Estados Unidos, 1979) Direção: David Lowell Rich / Roteiro: Jennings Lang baseado na novela de Arthur Hailey / Elenco: Alain Delon, Susan Blakely, Robert Wagner, Sylvia Kristel, George Kennedy / Sinopse: Durante um vôo entre Nova Iorque e Moscou, um avião Concorde se torna alvo de um industrial poderoso que decide derruba-lo a todo custo. Ele quer evitar que seus casos de corrupção venham à tona. As provas se encontram com uma jornalista que está viajando no moderno avião de passageiros.

Pablo Aluísio.  

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Casanova e a Revolução

Mais uma excelente obra do mestre Ettore Scola. Aqui ele foca suas câmeras para o período da revolução francesa. A trama se passa exatamente dois anos depois da queda da Bastilha. O antigo regime veio abaixo e com ele toda a antiga nobreza, que da noite para o dia perdeu sua importância e relevância dentro da sociedade francesa. Muitos decidem fugir para fora das fronteiras francesas, como medo da morte. Os que ficaram acabaram mesmo na guilhotina. Os revolucionários franceses queriam sangue para lavar a bandeira da França com a morte daqueles que, em seu modo de ver, tinham destruído a nação. E entre os nobres que são atingidos por essa nova realidade está justamente o outrora famoso Giacomo Girolamo Casanova (Marcello Mastroianni). Amante lendário, escritor, poeta, ocultista e nobre, Casanova agora não passa de uma sombra de sua própria celebridade do passado. Envelhecido, decadente e empobrecido, o famoso personagem segue viagem numa pequenina carruagem quando essa quebra no meio da estrada. Para socorrê-lo uma diligência que vinha logo atrás o acolhe. Nela viajam uma ex-dama de companhia da rainha (interpretada pela bonita e talentosa Hanna Schygulla), um escritor subversivo, um burguês rico, dono de vastas propriedades, uma artista italiana de teatro e um intelectual plenamente convencido das virtudes do novo regime, apoiado nas idéias iluministas dos grandes escritores e filósofos da época.

A estrutura do roteiro é genial pois o cineasta Ettore Scola coloca as várias partes da sociedade francesa da época sendo representadas por cada um dos personagens que desfilam pela tela. O mais interessante deles é obviamente Casanova. Muitos filmes já foram realizados com o mitológico conquistador mas esse é um dos mais interessantes, pois foca no lado mais humano do homem, que vê seu mundo desmoronar enquanto tenta utilizar seu passado de glórias como muleta para sobreviver dia a dia. Frequentador das grandes cortes francesas (como Luis XV e Luis XVI) ele agora não tem mais para onde ir, pois seu ambiente natural, as luxuosas e extravagantes festas da nobreza, simplesmente deixaram de existir. Casanova foi então atropelado pela roda da  história, pelas mudanças radicais que aconteceram em sua época.

Para coroar ainda mais essa bela produção, Ettore Scola tira da cartola uma parte da história que é das mais interessantes: a tentativa de fuga de Luis XVI da França. Ao lado da esposa Marie Antoinette, o rei francês tenta escapar das garras da revolução e acaba cruzando caminho com os personagens do filme. O resultado é excelente sob qualquer ponto de vista que se abrace, seja do puro entretenimento, seja do interesse histórico dos acontecimentos narrados pelo filme. Historicamente correto, com ótimas atuações (em especial Marcello Mastroianni como Casanova) e uma direção brilhante, esse filme já é considerado um clássico moderno do cinema europeu pelos especialistas. Não deixe de assistir ou, melhor ainda, de ter em sua coleção de filmes.

Casanova e a Revolução (La nuit de Varennes, França, Itália, 1982) Direção: Ettore Scola / Roteiro: Sergio Amidei, Ettore Scola / Elenco: Marcello Mastroianni, Hanna Schygulla, Harvey Keitel, Jean-Louis Barrault / Sinopse: Após a revolução francesa, o decadente Casanova tenta se adaptar aos novos tempos. Após se socorrido por uma diligência no meio de uma estrada, ele é levado até uma cidade na fronteira da França onde o rei Luis XVI tenta escapar da ira dos revolucionários franceses. Indicado a Palma de Ouro em Cannes.

Pablo Aluísio.

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Tarde Demais

Um dos filmes românticos mais lembrados da carreira de Montgomery Clift e Olivia de Havilland, aqui em elogiada atuação que inclusive lhe garantiu o Oscar de Melhor Atriz naquele ano. Ela interpreta Catherine Sloper, uma moça que não parece atrair muito a atenção dos homens. Sem muitos atrativos, pouco bela e até desajeitada, ela fica longe do ideal romântico de sua época. Filha de um rico homem de negócios, ela acaba conhecendo em uma festa o bem apessoado Morris Townsend (Montgomery Clift). Ele parece ser o tipo ideal que uma garota como ela poderia almejar como namorado e quem sabe, um dia, seu futuro marido. O jovem com ares de galã acaba suprindo o vazio em sua vida sentimental. Não demora muito e Catherine logo fica perdidamente apaixonada por ele. Ao saber do breve romance da filha, seu pai fica obviamente enfurecido, uma vez que percebe as verdadeiras intenções de Morris, que no fundo parece querer apenas a rica herança de sua jovem. Para ele o amor de sua filha seria na verdade apenas um aproveitador, um “caçador de dotes”. A não aprovação do pai logo torna a situação tensa e conflituosa. Seria uma visão verdadeira da situação ou apenas mais um caso de preconceito social, já que o personagem de Clift não teria o mesmo dinheiro que o pai de sua jovem namorada?

Por amar muito Morris, a garota então decide romper com o pai para fugir com o amado. O pai imediatamente a deserda de toda a herança. Morris ao saber disso, simplesmente vai embora deixando a jovem destruída emocionalmente para trás. Teria ele fugido por medo, covardia da reação do pai de Catherine ou seria simplesmente o ato de um interesseiro, um golpista do baú? Anos depois, com o falecimento do pai, Catherine se torna finalmente a única herdeira de uma grande fortuna. Para sua surpresa nesse momento sua grande paixão do passado, Morris, reaparece. E agora, dará ela uma segunda chance ao homem que tanto amou?

“Tarde Demais” é uma excelente produção de época, que revive a alta sociedade americana do século XIX. Embora Olivia de Havilland esteja soberba como Catherine, o filme pertence mesmo a Montgomery Clift. Seu personagem, Morris, é muito rico em nuances psicológicas. A todo o tempo o espectador fica perdido, sem saber se ele é de fato um aproveitador ou apenas um homem fraco que não agüentou a pressão do pai de Catherine. O cineasta William Wyler também esbanja elegância e sofisticação nessa adaptação do famoso livro escrito por Henry James. Em suma, eis aqui um dos melhores filmes românticos de Hollywood em sua fase de ouro, em sua fase clássica. Uma obra prima do gênero.

Tarde Demais (The Heiress, Estados Unidos, 1949) Direção: William Wyler / Roteiro: Ruth Goetz, Augustus Goetz, baseados na obra de Henry James / Elenco: Olivia de Havilland, Montgomery Clift, Ralph Richardson, Miriam Hopkins / Sinopse: Rica herdeira fica em um grande dilema após o seu pai desaprovar o romance com o grande amor de sua vida! Filme vencedor do Oscar nas categorias de Melhor atriz (Olivia de Havilland), Melhor direção de arte, Melhor figurino e Melhor trilha sonora. Indicado ainda ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Direção, Ator Coadjuvante (Ralph Richardson) e Melhor Fotografia. Vencedor do Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz (Olivia de Havilland).

Pablo Aluísio.

Inimigos à Força

Esse foi o último western da carreira do ator Rock Hudson. Seu filme anterior no gênero, “Jamais Foram Vencidos” com John Wayne, fez bonito nas bilheterias assim Hudson acabou voltando para uma despedida final. Aqui ele contracena com o também veterano das telas Dean Martin. O ex-parceiro de Jerry Lewis interpreta Billy Massey, um rancheiro arruinado financeiramente que participa de um roubo ousado. Disfarçado de xerife, ele rende os passageiros de um trem enquanto seus comparsas roubam todos os viajantes e o cofre da locomotiva. Após o crime foge para as montanhas. Em seu encalço vai o verdadeiro xerife da região, Chuck Jarvis (Rock Hudson), que promete aos cidadãos da cidade que vai capturar e levar para a prisão o fora-da-lei. O problema surge após a descoberta da verdadeira identidade do criminoso, pois esse cresceu ao seu lado, foram amigos de infância e tudo acaba se tornando muito doloroso pois ele no fundo não deseja causar qualquer mal ao seu antigo amigo do passado. Surge assim um conflito interno no xerife, pois ao mesmo tempo em que ele precisa fazer cumprir a lei, ele também não quer causar qualquer mal ou dano ao fugitivo.

“Inimigos a Força” também foi um dos últimos trabalhos de Rock Hudson no cinema. Em 1973 ele já havia acumulado vários filmes que não foram bem sucedidos nas bilheterias. Ele deixou de ser um nome viável para grandes produções. Com vasto bigode, visual que iria adotar nos anos seguintes, Rock ainda tentava mostrar força no mundo do cinema, mas pelo visto não deu muito certo pois em pouco tempo ele estrearia na TV com a série “McMillian e Esposa”. O mesmo se pode dizer de seu colega em cena, Dean Martin, que surge já bastante debilitado pelos anos e anos de alcoolismo. O mundo do cinema já não parecia o lugar ideal para a dupla veterana. Assim como Hudson, Dean Martin também iria para a TV, onde apresentaria seu próprio programa de variedades.

De qualquer forma, mesmo se despedindo do cinema, essa dupla de atores conseguiu manter o pique da estória, principalmente nas melhores cenas do filme. Entre elas destaco o desfecho do filme, todo passado em uma floresta incendiada. Já nas cenas mais dramáticas, Dean Martin deixava um pouco a desejar. Numa cena em especial, ao lado da atriz Susan Clark, fica bem nítido seu problema com bebidas. Embora o personagem não esteja bêbado, a voz pastosa e sem firmeza de Martin dá a entender ao espectador que ele fez a cena completamente embriagado. Após um corte, ele já surge bem melhor, mostrando que o diretor provavelmente interrompeu as filmagens para o ator se recuperasse do porre! Mesmo com esse pequenos “desvios”, vamos dizer assim, “Inimigos à Força” é um bom faroeste da década de 1970. Nada brilhante, nada marcante demais, mas eficiente dentro de sua proposta na época em que o filme chegou nos cinemas.

Inimigos à Força (Showdown, Estados Unidos, 1973) Direção: George Seaton / Roteiro: Theodore Taylor, Hank Fine / Elenco: Rock Hudson, Dean Martin, Susan Clark / Sinopse: Após longos anos, dois amigos de infância se reencontram em lados opostos da lei. Um deles se torna um foragido perigoso após roubar um trem e o outro se torna um xerife disposto a tudo para cumprir a lei.

Pablo Aluísio. 

domingo, 20 de setembro de 2020

O Invencível

Kirk Douglas teve uma das filmografia mais longas e produtivas da história de Hollywood. São 92 filmes, onde o ator ao longo de cinco décadas de carreira, mostrou todo o seu talento, indo do drama à comédia, dos filmes de guerra aos filmes de western. Tudo realizado com grande talento e empenho profissional. Um de seus grandes filmes foi esse "O Invencível" de 1949, onde chegou inclusive a ser indicado ao Oscar de melhor ator. Muitos na época acreditavam que Kirk Douglas era o favorito ao prêmio, mas como em termos de Academia tudo pode acontecer, ele não levou a estatueta para casa. Claro, foi decepcionante para ele que apareceu na festa bem animado, mas não deu, Kirk não se tornou o escolhido daquela noite. Nesse filme Kirk Douglas interpretou um esportista conhecido como Midge, um sujeito de origem humilde que começa a subir na carreira de lutador de boxe. Conforme cresce e se torna uma figura importante no mundo esportivo, ele começa a esquecer todos aqueles que lhe ajudaram nessa longa caminhada. Abandona a mulher que fez tudo por ele e começa a ignorar parentes e amigos dos duros anos da pobreza. Como se vê é um personagem complicado de se interpretar, uma vez que na verdade se trata de um sujeito de caráter duvidoso, que acaba se deslumbrando com a sua própria fama e sucesso.

Para muitos especialistas na biografia de Kirk Douglas esse foi um dos filmes definitivos de sua carreira, pois o alçou para o estrelado. Não é para menos pois Kirk está completamente à vontade no papel do inescrupuloso Midge, uma pessoa que fica embriagada com seu próprio êxito nos ringues. O filme tem um clima noir dos mais marcantes, com belo uso da fotografia preto e branco, obviamente inspirado no cinema alemão da época. As cenas de lutas são extremamente bem editadas, o que valeu o Oscar de melhor montagem para o filme naquele ano. Até porque uma luta de boxe no cinema exigia emoção e nada melhor do que uma boa edição para realçar ainda mais esse aspecto.  

A atriz Marilyn Maxwell (grande amiga pessoal de outro astro da época, Rock Hudson) está perfeita no papel de Grace. Curiosamente o filme teria problemas anos depois no auge da chamada "Caça às Bruxas" pois o roteiro foi considerado o símbolo perfeito do sentimento subversivo que havia sido acusado o cinema americano daqueles anos. O roteirista Carl Foreman acabou sendo acusado de ser comunista e entrou para a lista negra. Bobagem paranoica, tipicamente da mentalidade débil mental do Macarthismo. Deixe tudo isso de lado, "O Invencível" é um perfeito retrato das mudanças de um homem que não conseguiu mais separar seu sucesso profissional de sua vida pessoal. Não se trata de uma ode à ideologia socialista. Assim fica a recomendação para os fãs do cinema noir da década de 1940, pois "Champion" é sem dúvida uma grande obra cinematográfica daquele período histórico do cinema americano.

O Invencível (Champion, Estados Unidos, 1949) Direção: Mark Robson / Roteiro: Carl Foreman, Ring Lardner / Elenco: Kirk Douglas, Marilyn Maxwell, Arthur Kennedy / Sinopse: Boxeador (Douglas) começa a colecionar vitórias nos ringues ao mesmo tempo em que começa a esquecer todos aqueles que o ajudaram a subir na carreira. O destino porém lhe reservará uma grande lição de vida. Filme vencedor do Oscar nas categorias de melhor edição (Harry Gerstad). Também indicado nas categorias de melhor ator (Kirk Douglas), melhor ator coadjuvante (Arthur Kennedy), melhor roteiro (Carl Foreman), melhor direção de fotografia em preto e branco (Franz Planer) e melhor música (Dimitri Tiomkin). Filme vencedor do Globo de Ouro na categoria de melhor direção de fotografia em preto e branco (Franz Planer).

Pablo Aluísio.

sábado, 19 de setembro de 2020

Médica, Bonita e Solteira

Depois do sucesso dos filmes estrelados por Rock Hudson e Doris Day, as produções românticas do cinema americano nunca mais foram as mesmas. Que o diga esse simpático "Médica, Bonita e Solteira" que tentava seguir pelo mesmo caminho. E o que exatamente esses filmes tinham de diferente? Na década de 1950 os filmes sobre relacionamentos eram extremamente românticos, melosos, puxando para o melodramático. Uma ingenuidade só! Já na década de 1960 eles se tornaram bem mais picantes, cínicos e bem humorados. A nova posição da mulher dentro da sociedade já não comportava aquela heroína bobinha dos antigos filmes, onde a mulher geralmente ficava sonhando acordada com o aparecimento do príncipe encantando com sua armadura reluzente e brilhante. Aqui temos um exemplo de personagem feminino que já era independente e não precisava de um casamento para se firmar dentro da sociedade. 

A protagonista desse filme se chamava Helen Brown (Natalie Wood), uma mulher independente, bem sucedida, que não precisa de um relacionamento com um homem para se tornar feliz. Em vista disso ela resolve escrever um livro contando sua forma de entender a nova realidade feminina de seu tempo. O livro se torna um grande sucesso de vendas, o que desperta a curiosidade do jornalista Bob Weston (Tony Curtis), que deseja descobrir todos os mais íntimos segredos por trás da imagem da autora do livro. Já deu para perceber que apesar das intenções nada louváveis de Bob ele vai acabar se apaixonando por Helen, pois afinal ela evita de todas as formas se tornar mais uma presa na enorme lista de conquistas do charmoso jornalista. A Warner investiu pesado nesse filme, até porque tinha a intenção de ganhar esse rico nicho de mercado das comédias românticas mais ousadas da década de 1960. Para isso não mediu esforços, colocando como meros coadjuvantes grandes nomes de Hollywood como por exemplo  Henry Fonda e Lauren Bacall. O filme é divertido, não há como negar, mas também fica muito longe de repetir os bons roteiros da dupla Hudson / Day. 

Apesar do carisma dos atores Tony Curtis e Natalie Wood, o filme não conseguiu cumprir todas as expectativas simplesmente porque em 1964 ele já foi considerado sem novidades,  já que o assunto já tinha sido exaurido nos filmes da Universal com Doris Day e Rock Hudson. De qualquer maneira vale ser redescoberto. Que o diga os produtores em Hollywood que se inspiraram nele para realizar "Abaixo o Amor" com Renée Zellweger e Ewan McGregor, uma homenagem bem humorada a esses antigos filmes. Assista aos dois filmes e compare. No mínimo você terá uma boa diversão.  

Médica, Bonita e Solteira (Sex and the Single Girl, Estados Unidos, 1964) Direção: Richard Quine / Roteiro: Helen Gurley Brown, Joseph Heller / Elenco: Tony Curtis, Natalie Wood, Henry Fonda, Lauren Bacall / Sinopse: Jornalista decide descobrir todos os segredos de uma bem sucedida autora feminista. Ela resolve escrever um livro sobre relacionamentos, trazendo a visão da mulher moderna, que não precisa mais de um marido para se firmar dentro da sociedade ou ser feliz em sua vida pessoal.

Pablo Aluísio.

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

São Francisco de Assis

"Vês a minha Igreja, Francisco? Está em ruínas! Vá e a reconstrói" - foram essas as palavras que Giovanni di Pietro di Bernardone (1182 - 1226) teria ouvido em uma de suas visões. Jovem, filho de um rico comerciante de Assis, que até aquele momento levava uma vida mundana, Francisco (um nome carinhoso dado a ele por sua própria família por causa de sua admiração pela cultura francesa) resolveu abandonar tudo, riqueza, dinheiro e poder para se dedicar a uma missão que marcaria não apenas sua própria vida, mas a do mundo em geral. Hoje ele é conhecido como São Francisco de Assis, um dos mais populares santos da rica tradição da Igreja Católica, mas naqueles tempos obscuros ele era apenas um jovem que resolveu seguir à risca o exemplo de Jesus Cristo. Adotou a pobreza, a caridade e a castidade como ideais de vida e resolveu transformar sua própria vida em uma demonstração viva do próprio evangelho. Sua pequena ordem foi considerada revolucionária em todos os aspectos. Enquanto os monges da época se enclausuravam em mosteiros de díficil acesso, alienados do mundo, Francisco e seus seguidores adotaram a pregação peregrina, indo a cidades e vilas distantes, levando a palavra e os ensinamentos de Jesus a todos, vivendo da caridade, sem ter qualquer bem material. Também foi pioneiro no carinho pelos animais e demais criaturas terrenas. A pequena ordem que fundou, os Franciscanos, até hoje é um das mais importantes ordens religiosas do mundo. Sua mensagem de paz e simplicidade tocou fundo o coração dos homens e Francisco é nos dias atuais tão importante e atual quanto era no século XIII.

De fato é impossível relatar uma vida tão rica em apenas um filme. Por isso esse "São Francisco de Assis", deve ser analisado com extrema cautela. É de se louvar o esforço do excelente diretor Michael Curtiz (o mesmo de "Casablanca") em dirigir esse épico religioso dessa magnitude no final de sua vida. Foi o último filme inteiramente dirigido por ele (já que no seguinte seu trabalho foi concluído por John Wayne, por causa de seu precário estado de saúde). Não há como negar que o resultado ficou muito bonito e principalmente respeitoso com o eterno legado de Francisco. Michael Curtiz merece todo o reconhecimento por mais um filme muito bom.

Mesmo assim não se poder negar que trechos importantes da vida do santo também foram ignorados ou mudados para se adequar melhor no pequeno espaço de tempo disponível. É um problema sem solução. Como escrevi, é simplesmente impossível captar uma alma tão grandiosa como a desse homem apenas em uma produção. Mas a despeito disso certamente a película merece aplausos. Em termos de elenco eu destaco a participação da atriz Dolores Hart que interpretou Santa Clara. Ao que tudo indica ela foi iluminada pelo doce exemplo de vida de Francisco e abandonou uma carreira promissora em Hollywood para se tornar freira beneditina algum tempo depois. Um exemplo maravilhoso em que a vida imita a arte. No saldo geral "São Francisco de Assis" é um belo épico que se não é completo ou definitivo, pelo menos abre as portas para quem sentir curiosidade em conhecer a fundo a história desse Francesco medieval que ainda hoje inspira milhares de pessoas mundo afora.

São Francisco de Assis (Francis of Assisi, Estados Unidos, 1961) Estúdio: Twentieth Century Fox / Direção: Michael Curtiz / Roteiro: Eugene Vale, baseado na obra de Ludwig von Wohl / Elenco: Bradford Dillman, Dolores Hart, Stuart Whitman, Cecil Kellaway, Finlay Currie / Sinopse: Cinebiografia de São Francisco de Assis, santo católico que nascido em família rica e influente, resolveu abandonar todos os bens materiais para cuidar dos pobres e desamparados. Levando uma vida simples, de extrema pobreza e devoção ao cristianismo acabou fundando uma das maiores ordens religiosas da história, a dos Franciscanos.

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

A Corrida do Século

Divertida comédia assinada por Blake Edwards. Considero esse cineasta um dos mais subestimados diretores de humor da história do cinema. A crítica sempre torceu o nariz para seus filmes e ele nunca conseguiu reconhecimento para seu ótimo timing humorístico. Aqui Edwards volta ao inicio do século XX para contar a história de uma verdadeira corrida maluca, atravessando três continentes. Entre os competidores temos todos os tipos de aviadores e pilotos. Há desde galãs engomadinhos a trapaceiros vilanescos, passando por princesas delicadas que também querem provar que as mulheres podem fazer tudo o que os homens fazem. O diretor Blake Edwards imprimiu ao filme um tom cartunesco, de desenho animado mesmo, trazendo um claro sabor nostálgico a quem assiste ao filme nos dias atuais. A ideia inclusive daria origem a uma série de desenhos famosos na TV chamado justamente de “A Corrida Maluca” – quem lembra do famoso Dick Vigarista? Pois é, nada mais é do que uma adaptação animada dos mesmos personagens que vemos aqui.

O elenco de “A Corrida do Século” é outro ponto positivo a começar pela presença do sempre carismático Tony Curtis. Impagável a cena em que ele, cheio de bons modos, participa de uma verdadeira guerra de tortas na cara! Essa cena resume muito bem o clima que Blake Edwards quis dar ao filme em si, tudo muito escrachado, pastelão mesmo, sem vergonha de abraçar esse estilo de humor mais popularesco. Jack Lemmon e Natalie Wood completam o excelente time de atores. Natalie Wood interpreta uma espécie de Penélope Charmosa (quem lembra da personagem dos desenhos da Hanna-Barbera?). Já Lemmon está perfeitamente à vontade em sua caracterização que aliás nos passa a sensação de que ele na verdade está se divertindo como nunca, mais do que o próprio espectador.

Outro aspecto digno de nota desse “A Corrida do Século” é a sua direção de arte. Com visual nitidamente calcado na moda da década de 1960 (apesar da estória se passar na década de 1920) o filme traz um sabor nostálgico à prova de falhas. Tudo muito colorido e deliciosamente fake. Assim na pior das hipóteses o espectador ficará com um belo sorriso nos lábios. Se nunca assistiu não deixe de ver. “A Corrida do Século” pode não ser nenhuma comédia sofisticada ou inteligente, mas diverte bastante caso o espectador consiga entrar em seu clima envolvente. Diversão garantida.
 
A Corrida do Século (The Great Race, Estados Unidos, 1965) Direção: Blake Edwards / Roteiro: Arthur A. Ross, Blake Edwards / Elenco: Jack Lemmon, Tony Curtis, Natalie Wood, Peter Falk, Arthur O'Connell / Sinopse: No começo do século XX um grupo de pilotos entra em uma corrida internacional através de três continentes ao redor do mundo. Quem vai vencer a disputa? Filme vencedor do Oscar na categoria de melhores efeitos sonoros (Treg Brown).

Pablo Aluísio. 

O Garoto

Charles Chaplin foi um dos maiores gênios da história do cinema. Um humanista que usou sua arte para mostrar os problemas sociais e econômicos de seu tempo. O seu mais famoso personagem, o vagabundo, é sem dúvida uma criação genial, fruto da própria vivência de Chaplin, que vindo de origem humilde, sabia muito bem sobre a vida dos excluídos, dos pobres e abandonados que vagavam pelas ruas atrás de uma oportunidade qualquer. Em "O Garoto" ele abraça definitivamente esse cinema mais consciente, ainda com muito bom humor, mas também com uma preocupação em mostrar a crueldade do sistema, que jogava à margem milhares de pessoas desprovidas. Uma dessas pessoas era justamente o garoto que dá nome ao filme. Ele nasce em um lugar miserável e é abandonado pela mãe que não tinha condições de criar seu filho. Logo após esse fato triste o vagabundo (conhecido no Brasil pelo nome Carlitos) acabava encontrando a criança abandonada e mesmo sendo um pobre homem, que mal podia cuidar de si mesmo, resolvia criar o pequeno abandonado. Mesmo sendo tão pobre quanto sua mãe, 

Carlitos resolve assumir a responsabilidade. E contra todas as previsões eles acabam formando uma bela dupla, vivendo de dar pequenos golpes pela vizinhança. O garoto ira lhe ajudar na luta pela sobrevivência, por exemplo, quebrando as vidraças das casas para logo após surgir Carlitos, distraído, andando pelas ruas,  oferecendo seus serviços de vidraceiro. Esse ponto da história, claro, gera cenas de puro humor no filme. As coisas mudam quando a assistência social tem conhecimento da existência do garoto sendo criado por um vagabundo como Carlitos. A partir daí eles são separados, o que cria excelentes momentos do roteiro de Chaplin, intercalando cenas que oram são comoventes, ora são engraçadas e divertidas. Cenas que apenas gênios da sétima arte como Charles Chaplin, poderiam criar. Aqui temos outro exemplo do talento inigualável de Chaplin pois ele era capaz de fazer rir e chorar em questão de segundos, manipulando as emoções do público de forma magistral.

Mesmo passado tanto tempo "O Garoto" ainda comove. Seu roteiro tem obviamente toques biográficos, pois o próprio Chaplin se tornou um órfão quando garoto pois sua mãe apresentou desde muito cedo problemas mentais fazendo com que ele e seu irmão Sidney fossem enviados para diversos orfanatos de Londres. Assim quando vemos o garoto chorando ao ser levado por agentes da assistência social entendemos logo que aquele é o próprio Chaplin relembrando de fatos tristes de sua infância. Na verdade os dois personagens, tanto o vagabundo como também o garoto, são faces de uma mesma personalidade, a de seu criador, Charles Chaplin. "O Garoto" marcou muito, tanto que virou um ícone cultural relembrado até hoje. A imagem do vagabundo ao lado do garoto em uma rua suja e abandonada ainda evoca muita emoção. Um momento eterno e inesquecível da história do cinema.

O Garoto (The Kid, Estados Unidos, 1921) Direção: Charles Chaplin / Roteiro: Charles Chaplin / Elenco: Charles Chaplin, Jackie Coogan, Carl Miller, Edna Purviance / Sinopse: Carlitos (Chaplin), o eterno vagabundo, encontra uma criança abandonada e resolve criar como se fosse seu filho. A relação fraterna será bruscamente interrompida quando a assistência social tenta levar o garoto para um orfanato. Filme escolhido pela National Film Preservation Board para preservação da memória cultural dos Estados Unidos,

Pablo Aluísio.

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Pinóquio

Título no Brasil: Pinóquio
Título Original: Pinocchio
Ano de Produção: 1940
País: Estados Unidos
Estúdio: Walt Disney Pictures
Direção: Norman Ferguson, T. Hee
Roteiro: Ted Sears, Otto Englander
Elenco: Dickie Jones, Christian Rub, Mel Blanc, Charles Judels, Walter Catlett, Frankie Darro

Sinopse:
O boneco de madeira Pinóquio é criado por um bondoso velhinho chamado Geppetto. Seu sonho era que Pinóquio se tornasse um menino real, ao qual é atendido por uma fada. Ao lado do grilo falante, que se torna sua consciência, Pinóquio passa então a viver grandes aventuras. Filme vencedor do Oscar nas categorias de melhor música original ("When You Wish Upon a Star") e melhor trilha sonora.

Comentários:
É interessante que Walt Disney tenha escolhido a história de Pinóquio para ser seu segundo grande longa em animação. O livro original foi lançado em 1883, escrito pelo jornalista e autor italiano Carlo Collodi. Do conto infantil original Disney mandou que seus roteiristas tirassem apenas o essencial. Isso porque o livro foi considerado pelo próprio Disney como muito inadequado para as crianças americanas. E era mesmo, só para se ter uma ideia, no livro Pinóquio matava o grilo falante com um martelo! Não havia como levar esse tipo de coisa para um desenho animado. Assim o que era importante era a história do boneco de madeira de pinho (daí o nome Pinóquio) que era fabricado por um velho senhor artesão muito bondoso. Todo o resto seria adaptado para o universo Disney. Posso dizer que nesse aspecto  Disney foi mais uma vez genial. Ele tirou as arestas sem noção do livro original e criou mais uma obra-prima infantil. Pode-se dizer que Disney recriou Pinóquio (e para melhor!). Sob os cuidados de seus artistas e roteiristas, o boneco ganhou humanismo, inocência e delicadeza. A história de ser um boneco que queria ser uma criança de verdade acabou influenciando toda a cultura pop por anos e anos. Chegou até mesmo a influenciar filmes do naipe de Blade Runner, onde replicantes também queriam ser humanos. Enfim, uma obra genial que foi fruto do grande Walt Disney, aqui melhorando a tradição para algo bem melhor e mais adequado para os pequeninos.

Pablo Aluísio.

sábado, 22 de agosto de 2020

O Homem Que Não Vendeu Sua Alma

O rei inglês Henrique VIII (1491 - 1547) foi o símbolo máximo do absolutismo. Sua palavra era lei e não importava a natureza de seus atos pois havia o dogma de que o Rei nunca poderia estar errado em suas decisões. Partindo dessa premissa, ele ainda hoje é lembrado pelos diversos crimes que cometeu ao longo da vida, inclusive contra muitas de suas esposas, que ao menor sinal de atrito com o rei eram levadas para a forca, para a decapitação ou então isoladas na famigerada Torre de Londres, uma masmorra medieval. Um dos atos mais conhecidos de seu reinado foi o rompimento definitivo com a Igreja Católica e o Papa. Henrique VIII era casado com Catarina de Aragão, da casa de Espanha. Era uma mulher virtuosa, católica fervorosa, mas tinha dificuldades em gerar o filho varão que iria herdar o trono inglês. Desesperado com a falta do nascimento de um filho homem, que lhe sucedesse, o rei Henrique VIII resolveu então pedir a anulação de seu matrimônio ao Vaticano, mas encontrou forte oposição do Papa e seu clero que consideravam o casamento feito sob as leis da igreja uma união indissolúvel. Após tentar por longos anos pela anulação, Henrique resolveu então tomar uma decisão radical. Rompeu com o Papa e expulsou a Igreja da Inglaterra, tornando propriedade do reino todas as terras, mosteiros, igrejas e bens que pertenciam à Igreja Católica.

É justamente a história dessa ruptura o tema central de “O Homem Que Não Vendeu Sua Alma”. Assim nasceu a Igreja Anglicana, fundada por Henrique VIII, uma nova religião para os ingleses, fortemente atrelada ao Estado absolutista, tendo o próprio rei como autoridade religiosa suprema. Dentro de sua nova instituição anglicana, Henrique poderia casar e se separar quantas vezes quisesse, sem precisar pedir autorização papal, uma vez que ele era o líder espiritual máximo da nova Igreja que fundara. Como todo monarca absolutista daquele período histórico, não haveria mais barreiras para sua vonade pessoal. O casamento seria nulo, se ele assim desejasse. Ele iria se separar quantas vezes quisesse e também mandaria para a morte todas as esposas que ele assim sentenciasse. Obviamente que nem todos aceitaram livremente essa nova postura real. Em uma época em que qualquer oposição poderia ser entendida como alta traição, um influente membro da corte, Thomas Moore (Paul Scofield), resolveu se opor aos desmandos do monarca. Católico praticante, não aceitou a expulsão da Igreja papista de seu país. Esse termo passaria a ser uma ofensa dentro da corte. Sua postura lhe valeu a alcunha de ser o homem que não teria vendido sua alma nesse momento particularmente complicado da história britânica. Thomas Moore era um intelectual de seu tempo e estava ciente de que um monarca com poderes plenos e sem limites levaria a Inglaterra a um impasse histórico. E suas previsões iriam se tornar verdadeiras, como bem foi provado pela história.

Aqui temos um filme historicamente fiel, com ótimas interpretações e reconstituição histórica precisa que inclusive lhe valeram vários prêmios, dentre eles os principais da Academia. Produção requintada, de luxo, com excelente nível técnico e cultural, “O Homem Que Não Vendeu Sua Alma” é além de uma bela aula de história, um ótimo entretenimento, mostrando sem receios os perigos que rondam o chamado Estado absolutista, onde toda uma nação ficava refém dos meros caprichos de um poder real sem freios ou limites. Afinal, como todos bem sabemos, o poder corrompe e o poder absoluto corrompe de forma absoluta àquele que o exerce.

O Homem Que Não Vendeu Sua Alma (A Man for All Seasons, Inglaterra, 1966) Direção: Fred Zinnemann / Roteiro: Robert Bolt / Elenco: Paul Scofield, Wendy Hiller, Leo McKern, Robert Shaw, Orson Welles, Susannah York, John Hurt, Vanessa Redgrave / Sinopse: Henrique VIII (Robert Shaw) resolve romper com a Igreja Católica após o Papa se negar a anular seu casamento com Catarina de Aragão. Seu ato encontra forte resistência do influente nobre e intelectual Thomas Moore (Paul Scofield). Filme vencedor do Oscar nas categorias de melhor filme, melhor diretor, melhor ator (Paul Scofield), melhor roteiro adaptado, melhor fotografia e melhor figurino. Vencedor do Globo de Ouro nas categorias melhor filme - drama, melhor diretor, melhor ator - drama (Paul Scofield) e melhor roteiro.

Pablo Aluísio.